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Processo n.º 774/2007
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional:
1. Relatório
A. veio reclamar para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, ao abrigo
do disposto no artigo 688º do Código de Processo Civil, de um despacho de
retenção de um recurso interposto de uma anterior decisão de desentranhamento de
peça processual que havia sido proferida pelo 1º juízo de Família e Menores de
Sintra.
A reclamação foi indeferida, por despacho de 11 de Junho de 2007, nos termos que
seguem:
1. A., identificada nos autos, ao abrigo do disposto no artigo 688.° do Código
do Processo Civil, reclama do despacho do Mmo. Juiz da 1ª Instância que admitiu
um recurso qualificando-o de agravo em vez de, como a reclamante pretendia, de
apelação. Entende que, como recurso de agravo, devia subir imediatamente, por a
sua retenção o tornar absolutamente inútil, e não diferidamente como foi
determinado. Entende que a tal recurso devia ter sido fixado efeito suspensivo e
não devolutivo. Por fim entende que a conduta do Exmo. Juiz da 1ª Instância a
impede de exercer em juízo a defesa dos seus direitos, tal como a Constituição
lho permite.
Recebida a reclamação, foi mantido o despacho reclamado.
A reclamação foi instruída com as peças processuais relevantes para a sua
decisão.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Nos termos do disposto no artigo 688.° do Código de Processo Civil apenas nos
cabe decidir nos casos em que o recurso não foi admitido ou retido e não sobre a
qualificação do recurso.
No caso concreto o recurso da reclamante foi admitido. O Exmo. Juiz da 1ª
Instância entendeu que a espécie do recurso é de agravo e não apelação e
admitiu-o e mandou-o subir nos termos que julgou apropriados (artigo 687°, n.°
3, do Código de Processo Civil).
Esta questão só pode ser impugnada nas alegações do recurso, não sendo por isso
susceptível de reclamação (n.° 4 do mesmo artigo).
Também no que respeita ao efeito do recurso não nos cabe tomar qualquer posição.
3. Mas entende a reclamante que a subida do recurso admitido como agravo deve
ser imediata, porquanto a sua retenção o torna absolutamente inútil.
Das normas conjugadas dos artigos 734.° e 735.° do Código do Processo Civil
resulta que a regra para a subida dos agravos é a subida diferida. Só quando se
verifiquem algumas situações expressamente previstas na lei, como é o caso das
previstas no artigo 734°, é que os recursos de agravo subirão imediatamente.
Com o devido respeito, entendemos que ao caso não é aplicável qualquer das
excepções previstas para que ao recurso admitido tivesse sido fixada a subida
imediata.
Como justificação da subida imediata invoca a reclamante a absoluta inutilidade
do recurso no caso da sua retenção (artigo 734.° n.° 2, do Código de Processo
Civil).
Entendemos que não é o caso dos autos.
O recurso cuja retenção o torna absolutamente inútil é apenas aquele cujo
resultado, seja ele qual for, devido à sua retenção, já não pode ter qualquer
eficácia dentro do processo.
Não pode dizer-se que a subida diferida de um recurso o torna absolutamente
inútil pelo simples facto de o seu provimento possibilitar a anulação de alguns
actos, incluindo até o próprio julgamento. Esta é a consequência normal do
provimento de qualquer recurso de agravo.
No caso concreto, não obstante a subida diferida e na hipótese de provimento do
agravo, a consequência da revogação do despacho reclamado consistiria em
anularem-se diligências já realizadas e até o próprio julgamento. Mas, embora se
trate de uma consequência que implica retrocesso no andamento dos autos e que
pode acarretar a anulação ou reformulação de actos praticados no desenvolvimento
de tal despacho, nem por isso se pode concluir que o recurso se tornou
absolutamente inútil.
Assim sempre tal recurso manteria plena utilidade, apesar das consequências no
andamento dos autos.
3. Invoca a reclamante que a decisão do Exmo Juiz da 1ª Instância viola direitos
fundamentais, de natureza substantiva e processual, legal e constitucionalmente
consagrados.
No âmbito da reclamação não nos compete apreciar a correcção da decisão
recorrida mas apenas decidir se o recurso deve subir imediatamente ou manter a
subida diferida já fixada.
E, com o devido respeito, a subida diferida, não ofende qualquer direito
constitucionalmente garantido à reclamante. A sua pretensão será sempre
apreciada em recurso seja de apelação seja de agravo. E, como já ficou referido,
a qualificação da espécie do recurso nem sequer vincula o Tribunal de recurso.
4. Pelo exposto indefere-se a presente reclamação.
Desta decisão a reclamante recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do
disposto nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, dizendo que “[e]m suma, o presente recurso tem por objectivo a
declaração de inconstitucionalidade dos artigos 3º, 3º-A, 691º, 692º, n.º 2,
alínea a), 734º, n.º 2, e 740º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil,
interpretados no sentido de que a retenção do recurso não viola o princípio do
Estado de direito democrático baseado no respeito e na garantia de efectivação
dos direitos e liberdades fundamentais, constitucionalmente consagrado no artigo
2º da CRP”, bem como de outras normas e princípios constitucionais, sendo “ainda
fundamento do presente recurso a recusa da aplicação do artigo 734º, n.º 2, do
CPC, sendo essa recusa inconstitucional por consubstanciar a violação dos
princípios e normas constitucionais, supra referidas, com os mesmos
fundamentos”.
Tendo o recurso sido admitido pela entidade recorrida, no Tribunal
Constitucional, por decisão sumária proferida ao abrigo do disposto no artigo
78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, o relator dele não tomou
conhecimento com os seguintes fundamentos:
O presente recurso foi interposto ao abrigo das alíneas a) e b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Sucede, porém, que o recurso previsto na mencionada alínea a) pressupõe que o
tribunal recorrido tenha recusado a aplicação de uma norma com fundamento na
inconstitucionalidade dessa mesma norma, o que manifestamente não ocorreu no
caso: percorrendo o texto da decisão recorrida não se vislumbra, na verdade,
qualquer juízo de inconstitucionalidade de uma norma, que tenha ditado qualquer
decisão de recusa da sua aplicação ao caso concreto.
Não pode, assim, conhecer-se do objecto do presente recurso, na parte em que foi
interposto ao abrigo da citada alínea a) do n.º 1 do artigo 70º, por não se
encontrarem preenchidos os correspondentes pressupostos processuais.
Mas também não se verificam os pressupostos processuais do recurso previsto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
Com este outro fundamento, o recurso de constitucionalidade implica que a
decisão recorrida aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada
durante o processo de modo processualmente adequado (artigos 70º, n.º 1, alínea
b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
Desde logo, a recorrente não suscitou, durante o processo, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa: isto é, perante o tribunal ora recorrido, a
recorrente não imputou qualquer inconstitucionalidade a uma norma ou
interpretação normativa, designadamente àquelas que identifica no requerimento
de interposição do presente recurso de constitucionalidade (cfr. o artigo 72º,
n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
Perante o tribunal recorrido, limitou-se a ora recorrente a imputar a violação
de certos preceitos constitucionais ao próprio juiz (e, portanto, à decisão por
ele proferida), e não a qualquer norma ou interpretação normativa que o juiz
tenha perfilhado.
Não estando preenchidos os pressupostos processuais do recurso previsto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, não pode
também conhecer-se do objecto do presente recurso, na parte em que foi
interposto ao abrigo dessa alínea.
Discordando deste entendimento, a recorrente deduziu reclamação para a
conferência, dizendo, na parte útil, o seguinte:
1. Serviu de fundamento à decisão de não reconhecimento do recurso o facto de
não estarem preenchidos os pressupostos processuais do recurso previstos nas
alíneas a) e b) do n° 1 do art. 70º da LTC.
2. Nomeadamente, por a douta decisão ter considerado que no processo não tinha
sido recusada a aplicação de uma norma com fundamento na sua
inconstitucionalidade, nos termos da alínea a), referida.
3. E, ainda, por a recorrente não ter suscitado, durante o processo, qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa, nos termos da alínea b) do mesmo
art. 70°.
4. Ainda que o primeiro desses fundamentos possa merecer algum acolhimento e
conformação, por parte da recorrente, uma vez que na recusa da não aplicação, no
caso em concreto, dos art. 691° e 692°, n° 2, alínea a), e ainda do art. 734º,
n° 2, todos do Código de Processo Civil, nunca tenha sido invocada a
inconstitucionalidade da mesma, pelo Tribunal de Família e Menores de Sintra.
5. Apesar de nessa sua recusa, nunca esse Tribunal se ter pronunciado pela sua
não aplicação, como deveria, o que levou a recorrente a presumir que nessa
recusa estaria subjacente uma qualquer inconstitucionalidade, não invocada.
6. Já o segundo desses fundamentos não tem nenhuma correspondência factual ou
normativa com o processo, salvo o devido respeito.
7. Pois, este demonstra, sem margem para qualquer dúvida que a recorrente, desde
o seu início, tem insistido sobre a manifesta interpretação inconstitucional que
o Tribunal de Família e Menores de Sintra desde logo imprimiu à decisão de
mandar desentranhar todos os articulados da Ré, ora recorrente, no processo de
divórcio que a opõe ao Autor, seu marido.
8. Senão vejamos, através da sequência ordenada dos factos e das normas
aplicadas e invocadas durante todo o processo:
I. Do desentranhamento da contestação e dos articulados supervenientes a esta
[…]
II. Da inconstitucionalidade suscitada no Tribunal da Relação de Lisboa,
enquanto Tribunal recorrido
20. Contrariamente ao explanado na decisão sumária de não reconhecimento do
recurso por parte deste Tribunal Constitucional, a Ré, reclamante, desde logo
suscitou, na reclamação dessa decisão de não admissão da apelação e de retenção
do recurso, a questão da errada e inconstitucional interpretação dos artigos 3°,
3°-A, 691°, 692°, nº 2, alínea a), 734°, n° 2, e 740°, n° 1, todos do CPC.
21. Invocando que com essa interpretação, o Tribunal de Família e de Menores de
Sintra estava a violar os artigos 2°, 20º, 202º, 203° e 216°, todos da CRP.
22. 0 reconhecimento dessa invocação está manifestamente expresso no trecho
dessa reclamação que passamos a transcrever:
“40. É por demais evidente que o reiterado recurso do argumento a contrario
sensu utilizado pela meritíssima Juíza a quo visa, em última análise, impedir
que a reclamante possa exercer, em juízo, todas as prerrogativas que a lei e a
Constituição lhe confere.
41. Nomeadamente, o acesso ao direito e aos tribunais na defesa dos seus
direitos e interesses legalmente protegidos, nos termos do artigo 20º da CRP.
42. Pois, é por demais evidente que ao agendar uma audiência de julgamento sem
dar qualquer hipótese de a reclamante responder ao pedido do A., com novo
pedido, ou alegando o que considerar por conveniente, a meritíssima Juíza a quo
mais não pretende que denegar à Ré, ora reclamante, o constitucionalmente
consagrado acesso ao direito e aos tribunais.
43. Mais, a decisão da meritíssima Juíza a quo é uma manifesta denegação do
princípio do contraditório previsto no artigo 3º, n° 3, do CPC.
44.Segundo este princípio do contraditório (direito da defesa), o processo
reveste a forma de um debate ou discussão entre as partes (audiatur et altera
pars), em que cada uma das partes é chamada a deduzir as suas razões (de facto e
de direito) e a oferecer as suas provas.
45. Ou seja, este preceito obriga o juiz a observar e fazer cumprir, ao longo de
todo o processo o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito decidir de
questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as
partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
46. Por outro lado, através do despacho reclamado, a meritíssima Juíza a quo
manifesta que não pretende dirimir, com isenção e imparcialidade o conflito que
opõe o A. à Ré, violando com isso os artigos 202°, n°2, 2O3º e 216° da CRP.”
23. Aliás, contrariando a tese defendida na decisão sumária de que agora se
reclama, o Venerando Juiz Desembargador, Presidente do Tribunal da Relação de
Lisboa identificou essas questões inconstitucionais suscitadas na reclamação do
despacho de retenção do recurso, cfr. decisão singular que se junta como doc. 8.
24. Pois, no ponto 3. da douta decisão de indeferimento da reclamação, é
expressamente identificada a questão suscitada pela reclamante de a decisão
reclamada violar ... direitos fundamentais, de natureza substantiva e
processual, legal e constitucionalmente consagrados.”
25. Mesmo que essa invocação não tenha obtido qualquer acolhimento por parte do
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, por considerar que “... a subida
diferida não ofende qualquer direito constitucionalmente garantido à
reclamante.”
26. Porém, a competência para apreciar e declarar a inconstitucionalidade e a
ilegalidade de qualquer norma não pertence ao Tribunal da Relação de Lisboa,
recorrido, mas ao Tribunal Constitucional, nos termos dos artigos 6° e 70º da
LCT e, ainda, dos artigos 277° e 280º da CRP.
27. Ora, ao recorrer para este Tribunal Constitucional, a reclamante mais não
faz do que utilizar as prerrogativas que a lei e a Constituição lhe conferem na
defesa dos seus direitos e legítimos interesses.
28. Aliás, o recurso para este Tribunal Constitucional foi admitido pelo próprio
Tribunal da Relação de Lisboa, enquanto Tribunal recorrido, nos termos do art.
76° da LTC.
29. A recorrente ainda não apresentou as suas alegações.
30. Nem a recorrente, foi notificada para indicar integralmente os elementos
exigidos nos n° 1 a 4 do art. 75°-A dessa mesma LTC, nem nunca tal lhe foi,
alguma vez, requerido.
31. Pelo que, o disposto no n° 1 do art. 78-A da LTC e salvo melhor opinião, não
tem qualquer aplicabilidade no presente recurso, por não estarem minimamente
preenchidos os requisitos exigidos no n° 2 desse mesmo art. 78°-A.
32. Logo, não existe qualquer fundamento, legal e muito menos Constitucional,
que impeça este Tribunal Constitucional de conhecer o objecto do presente
recurso.
33. Pelo exposto, requerer-se que este Tribunal Constitucional decida que deve
conhecer o objecto do presente recurso, notificando a recorrente para apresentar
as suas alegações, nos termos dos n°s 4 e 5 do artigo 78°-A da LTC.
34. Aliás, sem a possibilidade de a recorrente apresentar as suas alegações, não
pode o Tribunal Constitucional decidir, salvo melhor opinião, se as mesmas
correspondem ou não àquelas que identificou no requerimento de interposição do
presente recurso.
35. Requerimento que não mereceu, do Colendo Juiz Conselheiro, relator da
decisão reclamada, qualquer comentário sobre a desconformidade ou irregularidade
do mesmo com os requisitos expressos nos n°s 1 a 4 do art. 75°-A da LTC.
36. Ademais, o Tribunal recorrido não é o Tribunal de Família e Menores de
Sintra, contrariamente ao alegado na decisão sumária de não conhecimento do
recurso, mas sim o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, onde foram
suscitadas as questões das inconstitucionalidades invocadas.
37. Porquanto, a recorrente nunca poderia ter suscitado essas questões no
primeiro desses tribunais, devido à manifesta limitação legal e processual
prevista na própria lei.
38. Nomeadamente, a declaração de inconstitucionalidade dos artigos 3°, 3°-A,
691°, 692°, n° 2, alínea a), 734°, nº 2 e 740º, n° 1, todos do CPC,
interpretados no sentido de que a retenção do recurso não viola o princípio do
Estado de direito democrático baseado no respeito e na garantia de efectivação
dos direitos e liberdades fundamentais, constitucionalmente consagrado no art.
2° da CRP.
39. A declaração de inconstitucionalidade dos artigos 3°, 3°-A, 691°, 692°, n°
2, alínea a), 734°, n° 2, e 740°, n° 1, todos do CPC, interpretados no sentido
de que a retenção do recurso não viola o acesso ao direito e aos tribunais da
recorrente, no qual se inclui o direito ao recurso, constitucionalmente
consagrado no art. 20º da CRP.
40. A declaração de inconstitucionalidade dos artigos 3º, 3°-A, 691°, 692°, n°
2, alínea a), 734°, n° 2, e 740º, nº 1, todos do CPC, interpretados no sentido
de que a retenção do recurso não viola o dever fundamental de imparcialidade que
os Tribunais devem assegurar aos cidadãos na administração da justiça em nome do
povo, constitucionalmente consagrado nos artigos 202º, n° 2, 203º e 216°, todos
da CRP.
Vem o processo à conferência sem vistos.
2. Fundamentação
A reclamante parece ter-se conformado com o entendimento de que o despacho do
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, que foi objecto de recurso de
constitucionalidade não contém qualquer decisão positiva de constitucionalidade
que possa justificar o recurso para o Tribunal Constitucional com fundamento na
alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
E, com efeito, percorrendo a decisão recorrida, constata-se que nenhum juízo de
inconstitucionalidade é formulado relativamente à norma do artigo 734º, n.º 2,
do Código de Processo Civil (que poderia estar em causa), assim como não existe
qualquer decisão de recusa de aplicação dessa norma, pelo que, por manifesta
ausência do respectivo pressuposto processual, não poderia conhecer-se do
recurso, com um tal fundamento.
Relativamente ao recurso fundado na alínea b) do nº 1 do mesmo artigo 70º, a
reclamante insurge-se contra o não prosseguimento do recurso de
constitucionalidade por entender, neste ponto, que se encontram preenchidos os
respectivos pressupostos processuais, e especificadamente o requisito da
suscitação da questão de constitucionalidade no decurso do processo.
E para o comprovar, invoca o que se encontra exposto nos n.ºs 40 a 46 da
reclamação apresentada perante o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa,
que – em seu entender – constituiria a demonstração cabal de que a questão de
constitucionalidade foi suscitada de modo processualmente adequado.
Ora esse excerto da peça processual, há pouco transcrito, apenas evidencia –
conforme se refere na decisão sumária reclamada –, que a recorrente se limitou a
imputar a violação de certos preceitos constitucionais ao próprio juiz (e,
portanto, à decisão por ele proferida), e não a qualquer norma ou interpretação
normativa que o juiz tenha adoptado. Com efeito, na reclamação deduzida ao
abrigo do artigo 688º do Código de Processo Civil, a interessada não identifica
uma norma ou interpretação normativa que tenha sido aplicada pela juíza de
Família e Menores, no seu despacho de retenção de recurso, e que se encontre
ferida de inconstitucionalidade. Antes se limita a imputar a violação de lei
constitucional à própria decisão judicial, como sucede quando refere que «o
argumento a contrario sensu utilizado pela juíza a quo visa, em última análise,
impedir (…) o acesso ao direito e aos tribunais na defesa dos seus direitos e
interesses legalmente protegidos, nos termos do artigo 20º da CRP»; que ao
agendar uma audiência de julgamento sem dar qualquer hipótese de a reclamante
responder ao pedido do A., com novo pedido, ou alegando o que considerar por
conveniente, «a juíza a quo mais não pretende que denegar à Ré, ora reclamante,
o constitucionalmente consagrado acesso ao direito e aos tribunais»; que «a
decisão da Juíza a quo é uma manifesta denegação do princípio do contraditório
previsto no artigo 3º, n° 3, do CPC»; que «através do despacho reclamado, a
juíza a quo manifesta que não pretende dirimir, com isenção e imparcialidade o
conflito que opõe o A. à Ré, violando com isso os artigos 202°, n°2, 2O3º e 216°
da CRP».
Como é sabido e resulta com evidência do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea
b), da Lei do Tribunal Constitucional, o recurso previsto nessa disposição não
se caracteriza como um recurso de amparo e, como tal, não pode ser utilizado
para sindicar actuações processuais ou decisões judiciais que sejam elas
próprias inconstitucionais, mas antes, apenas, para dirimir a questão de
constitucionalidade que tenha sido apreciada em decisão judicial. Por isso mesmo
se exige na referida disposição da Lei do Tribunal Constitucional, como também
no subsequente artigo 72º, n.º 2, que a inconstitucionalidade de uma norma (ou
de um interpretação normativa) seja suscitada durante o processo e de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida. Ou
seja, em caso de recurso jurisdicional ou de reclamação de despacho de retenção
de recurso (como é o caso) seria necessário que o interessado identificasse uma
norma (ou uma certa dimensão interpretativa de uma norma) que, tendo sido
aplicada pelo tribunal inferior, se encontre ferida de violação de lei
constitucional, e que suscitasse a questão de inconstitucionalidade assim
precisamente delimitada perante o órgão jurisdicional hierarquicamente superior,
por forma a que este sobre ela pudesse pronunciar-se. Não bastando que se
atribua à própria decisão recorrida ou despacho reclamado (ou a um procedimento
processual que tenha sido adoptado no tribunal a quo) a infracção a disposições
constitucionais.
A suscitação da questão de constitucionalidade de modo processualmente adequado
é, por outro lado, um requisito material do recurso previsto na artigo 70º, n.º
1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, pelo que a sua inverificação
conduz, desde logo, ao não conhecimento do seu objecto. Esse pressuposto
processual nada tem a ver com os requisitos formais do requerimento de
interposição de recurso a que se refere o artigo 75º-A da Lei do Tribunal
Constitucional (a indicação da alínea do n.º 1 do artigo 70º ao abrigo do qual o
recurso é interposto, da norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver
apreciada e da peça processual em que se suscitou a questão de
inconstitucionalidade), sendo que só o eventual incumprimento destes requisitos
é que justifica o despacho de aperfeiçoamento para efeito de serem supridas,
ainda em tempo útil, as deficiências do requerimento (como, alíás, decorre do
disposto no n.º 5 do citado artigo 75º-A).
É patente, neste contexto, que não há lugar ao convite do tribunal quando se
trate da falta, não de um mero requisito externo do requerimento de interposição
de recurso, mas de um pressuposto processual de que depende a apreciação do
mérito; e menos se justificaria esse convite se a deficiência, pela natureza das
coisas, é insuprível. A suscitação da questão da constitucionalidade apenas
poderia ter lugar no momento processual próprio, isto é, na reclamação deduzida,
ao abrigo do disposto no artigo 688º do Código de Processo Civil, para o
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa. Não tendo sido suscitada essa
questão – e sendo esse um elemento essencial do recurso de constitucionalidade –
não é agora possível a renovação do processado para esse efeito, pelo que se
encontra completamente precludido o direito processual de invocar, naquela peça
processual, a questão de constitucionalidade.
Resta acrescentar que a decisão sobre a admissibilidade do recurso por parte da
entidade recorrida, tal como o previsto no artigo 76º da Lei do Tribunal
Constitucional, não impede que o relator, no Tribunal Constitucional, efectue o
exame preliminar do processo e profira decisão sumária, caso entenda que não se
pode conhecer do objecto do recurso, poderes que lhe são conferidos
autonomamente pelo artigo 78º-A, n.º 1, da mesma lei.
Não tem, por outro lado, qualquer cabimento o que se afirma no n.º 34 da
reclamação. O processo só poderia prosseguir para alegações se fosse viável a
apreciação do seu objecto. Acresce que as alegações se destinam a permitir às
partes discutir a questão de fundo e, assim, argumentar sobre a conformidade
constitucional da norma ou interpretação normativa que tenha sido adoptada pelo
tribunal recorrido. E naturalmente que não pode atribuir-se qualquer finalidade
útil às alegações quando o recurso não pode sequer prosseguir por se não
encontrarem preenchidos os respectivos pressupostos processuais.
Por fim, cabe referir que a decisão sumária não enferma de qualquer lapso
material ou erro de interpretação susceptível de interferir na bondade da
posição que veio a adoptar. Ao afirmar que «[P]erante o tribunal recorrido,
limitou-se a ora recorrente a imputar a violação de certos preceitos
constitucionais ao próprio juiz (e, portanto, à decisão por ele proferida), e
não a qualquer norma ou interpretação normativa que o juiz tenha perfilhado», o
relator está obviamente a referir-se à entidade perante a qual foi apresentada a
reclamação do despacho de retenção do recurso, e não ao tribunal de Família e
Menores de Sintra que proferiu esse despacho. Por outro lado, nesse local, o
relator está justamente a reportar-se aos n.ºs 40 a 46 da reclamação para
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa para concluir pela imprestabilidade
dessa alegação para efeito de se considerar suscitada a questão de
constitucionalidade. Como resulta de toda a contextualização dessa passagem da
decisão sumária, tribunal recorrido é o Tribunal da Relação de Lisboa
representado, no caso, pelo seu Presidente, que proferiu a decisão sobre a
matéria da reclamação, nada autorizando a concluir que o relator se estava a
referir equivocamente a qualquer outra peça processual que tenha sido
apresentada perante o juiz de primeira instância, que, de resto, os autos nem
sequer patenteiam.
3. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a reclamação e
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 7 de Novembro de 2007
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão