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Processo n.º 609/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Relatório
Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Outubro de 2006, negou-se
provimento a dois recursos de agravo e a uma apelação interpostos por A.,
relativamente a um despacho que indeferiu um requerimento em que o recorrente
arguíra uma nulidade processual, de um despacho que indeferiu um requerimento do
recorrente em que se defendia a extemporaneidade das contra-alegações
apresentadas pelos recorridos quanto ao anterior agravo, e da sentença que
decidira no sentido da absolvição dos réus do pedido (fls. 807 e seguintes).
Ao primeiro agravo foi negado provimento com fundamento no disposto no artigo
32º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil (CPC), referindo-se ainda, no
texto do acórdão, que “não se vê em que medida é que foi violado o disposto no
artigo 20º, n.º s 2 e 5, da Constituição, sendo certo que o apelante não indica,
ao longo das suas curtas alegações, muito menos nas respectivas conclusões,
quaisquer circunstâncias que revelem tal violação”; ao segundo agravo, com
fundamento numa certa interpretação do artigo 229º-A, n.º 1, do CPC; à apelação,
com fundamento no disposto nos artigos 201º, n.º 1, e 205º do CPC (quanto à
primeira questão), 712º do CPC (quanto à segunda questão) e 456º, n.º 2 (quanto
à terceira questão).
A. arguiu a nulidade deste acórdão (fls. 830 e seguintes), por omissão de
pronúncia quanto a outros dois recursos de agravo, sustentando ainda que não
havia sido apreciada a “inconstitucionalidade interpretativa da norma contida no
n.º 1 do artigo 28º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, por violação do
imperativo dos n.º s 2 e 5 do artigo 20º da Lei Fundamental”, bem como que “[a]
interpretação das normas supra invocadas – quais sejam, os artigos 206º, n.º 1,
e 712º, n.º 1, alínea a), e n.º s 3 e 4, na sua concomitância com as demais
aplicáveis – que subjaz à tese emanente do douto acórdão em causa, sempre viola
os imperativos dos artigos 20º, n.ºs 1, 4 e 5, 202º, n.º 2, e 203º, todos da
Constituição da República Portuguesa”.
Por acórdão de 18 de Janeiro de 2007, o Tribunal da Relação de Lisboa considerou
procedente a arguição de nulidade por omissão de apreciação de dois agravos – do
despacho que apreciou o pedido de apoio judiciário e da parte do despacho
saneador que ordenou o desentranhamento de parte da réplica (fls. 844 e
seguintes).
Ao agravo do despacho que concedeu o apoio judiciário a todos os réus foi,
porém, negado provimento, tendo o Tribunal, para o efeito, aplicado o disposto
no artigo 29º do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, e o artigo 655º do
CPC; ao agravo do despacho saneador, na parte que ordenou o desentranhamento de
parte da réplica, foi também negado provimento, por aplicação do disposto nos
artigos 487º, 490º e 505º do CPC.
Relativamente à alegada omissão de pronúncia sobre a inconstitucionalidade
interpretativa da norma do n.º 1 do artigo 28º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de
Dezembro, por violação do artigo 20º, n.º s 2 e 5, da Constituição, considerou o
Tribunal da Relação de Lisboa, ainda nesse acórdão de 18 de Janeiro de 2007, que
não assistia razão ao reclamante, nos seguintes termos:
“Houve efectiva apreciação da questão [de inconstitucionalidade], pois que se
referiu expressamente não se verem razões para considerar existir qualquer
inconstitucionalidade, tendo-se ainda avançado que o recorrente não terá
explicitado o porquê de tal invocação”.
A. arguiu então a nulidade deste acórdão, por omissão de pronúncia (fls. 857 e
seguintes), tendo nomeadamente sustentado que “[i]nterpretação diferente desta
invocada norma [alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil] e
das dos artigos 23º, n.º 1, e 20º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, este a contrario
sensu, do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro, sempre viola os
imperativos dos artigos 20º, n.ºs 1, 4 e 5, 202º, n.º 2, e 203º da Constituição
[…], sendo que se considera correcta a que subjaz do alegado supra no sentido de
que é obrigação deste Tribunal conhecer de toda a matéria que lhe seja submetida
a julgamento e não se mostre prejudicada pelo julgamento das demais, e de que
rendimentos superiores a vez e meia ou três vezes o ordenado mínimo nacional, à
época, não fazem valer a presunção de insuficiência económica fazendo recair
sobre o seu titular a prova dessa insuficiência […]”.
Por acórdão de 19 de Abril de 2007, a Relação considerou não existir omissão de
pronúncia nem, consequentemente, qualquer inconstitucionalidade interpretativa
(fls. 871 e seguintes).
Dos acórdãos a que se fez referência interpôs A. recurso para o Tribunal
Constitucional, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional, pretendendo a apreciação:
1 - Da inconstitucionalidade interpretativa das normas contidas nos artigos 20º,
n.º 1, alínea c), e n.º 2, e 23º, n.º s 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 387-B/87, de
29 de Dezembro, “na interpretação emanente das doutas decisões que confirmaram a
decisão de conceder, em bloco, a todos os recorridos o benefício de apoio
judiciário quando pelo menos um deles não gozava da presunção legal de
insuficiência económica, sem tomar prova bastante para a aferição rigorosa da
real situação desse requerente do instituto”;
2 - Da “inconstitucionalidade interpretativa das normas contidas no artigo 712º,
n.º 1, alínea a), e n.º s 3 e 4, ambos do Código de Processo Civil, na sua
concomitância com as demais aplicáveis que subjazem à tese emanente dos doutos
acórdãos, no que tange à falta de conhecimento das nulidades expressamente
invocadas e ao conhecimento de questões que não hajam sido submetidas a
julgamento e que não sejam de conhecimento oficioso”;
3 - Da “inconstitucionalidade interpretativa da norma inserta no n.º 1 do artigo
28º da Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, na interpretação dada pelas
instâncias de que a arguição de nulidades, mesmo em sede de impugnação tirada da
decisão administrativa sobre apoio judiciário, carece de ser subscrita por
técnico judiciário”.
Tendo sido o recurso admitido no tribunal recorrido, o relator, no Tribunal
Constitucional, por decisão sumária, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º
1, da Lei do Tribunal Constitucional, decidiu dele não tomar conhecimento, com
base nas seguintes ordens de considerações:
Decorre das várias alíneas do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional que o objecto do recurso de constitucionalidade só pode ser uma
norma (a esta sendo equiparável a interpretação normativa) e nunca uma decisão
judicial, em si mesma considerada.
Sucede, porém, que a primeira interpretação normativa que o recorrente submete à
apreciação do Tribunal Constitucional não o é efectivamente, antes se traduzindo
na própria decisão judicial que concedeu o benefício do apoio judiciário a todos
os recorridos: é esta decisão que o recorrente pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie, sob o ponto de vista da sua conformidade constitucional.
Não pode, assim, conhecer-se do objecto do recurso, quanto à primeira (alegada)
interpretação normativa, por não possuir o Tribunal Constitucional competência
para tal apreciação.
A isto acresce que, ainda que se admitisse a existência de uma verdadeira
interpretação normativa, seria necessário concluir que o tribunal recorrido não
aplicou, nas várias decisões que proferiu, os preceitos legais indicados pelo
recorrente - os artigos 20º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, e 23º, n.º s 1 e 2, do
Decreto-Lei n.º 387-B/87, de 29 de Dezembro -, pelo que outro motivo existiria
para o não conhecimento do objecto do recurso: a não aplicação, na decisão
recorrida, da norma ou interpretação normativa que se submete à apreciação do
Tribunal Constitucional (cfr. o artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal
Constitucional).
Relativamente à segunda interpretação normativa indicada pelo recorrente,
refira-se que, seja qual for o seu exacto conteúdo – a verdade é que o
recorrente não explicita, no requerimento de interposição do recurso, qual a
interpretação que considera inconstitucional, limitando-se a apontar a
interpretação do artigo 712º, n.º 1, alínea a), e n.º s 3 e 4, do CPC que, do
seu ponto de vista, é a mais correcta -, cumpre reconhecer que, durante o
processo, o recorrente não imputou qualquer inconstitucionalidade a qualquer
interpretação minimamente concretizada do artigo 712º, n.º 1, alínea a), e n.º s
3 e 4, do CPC.
Assim sendo, em relação a essa segunda interpretação, o recorrente não suscitou
a respectiva inconstitucionalidade de modo processualmente adequado perante o
tribunal recorrido, pelo que, desde logo por esse motivo, não é possível
conhecer do objecto do recurso (cfr. os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º,
n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional).
Finalmente, quanto à terceira interpretação normativa que o recorrente submete à
apreciação do Tribunal Constitucional – reportada ao n.º 1 do artigo 28º da Lei
n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro -, constata-se, percorrendo as várias decisões
proferidas pelo tribunal recorrido, que tal preceito legal não foi aplicado.
Assim sendo, não é possível conhecer do objecto do recurso, quanto a essa
interpretação, por falta de um dos seus pressupostos processuais (cfr. o artigo
70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional).
Desta decisão interpõe o arguido reclamação para a conferência, com os seguintes
fundamentos:
A doutíssima decisão sumária aqui em reclamação sustenta o não conhecimento do
recurso no facto de que uma das questões submetidas não ter sido suscitada
durante o processado e as duas demais não terem aplicado os preceitos legais
arguidos de inconstitucionalidade interpretativa, sendo ainda que uma destas se
refere à sindicância da decisão judicial e não da norma, logo fora do âmbito das
competências deste Tribunal.
Salvo o devido e merecido respeito, que muito é, não corresponde ao rigor do
plasmado em sede recursiva esta leitura do requerimento do recorrente.
Na verdade o recorrente imputa à primeira das questões submetidas a este
Tribunal uma “(...) interpretação emanente das do atas decisões que confirmaram
a decisão de conceder, em bloco, a todos os recorridos o beneficio de apoio
judiciário (...)”.
Com esta redacção e corridos os olhos pelos autos se pode entender que existem
três decisões sucessivas a aferir, quais sejam a inicial de 1ª instância, o
acórdão da relação que veio a decidir sobre esta questão, julgando o agravo sem
fazer referência expressa a nenhuma norma do citado Decreto-Lei, mas tão só ao
art.° 655.° do CPC — cuja interpretação se não pode colocar em causa por
correcta - e aqueloutra de arguição de nulidade que vem, apenas e só, a referir
a norma do art.° 29.° do Decreto-Lei n.° 387-B/87, de 29 de Dezembro, norma esta
que o recorrente não arguiu de inconstitucional, na interpretação ali expendida
por considerar também ser essa a correcta, logo insindicável nesta sede
constitucional.
Porém, a decisão primária concedeu aos recorridos aquele instituto fundado
expressamente nos art.°s 1°, n.° 1, 7°, n.° 1, 8°, 15°, n.° 1, 19.° e 20°, n.°
1, alínea e), do referido Decreto-Lei n.° 387-B/87, como está em letra de forma
no último parágrafo do respectivo despacho, de 4 de Fevereiro de 2003.
Destas, o recorrente considerou que a última delas, o art.° 20°, n.° 1, em
especial por via do dispositivo da alínea e), resultava violado, fazendo-se
acompanhar da outra regra, a dos n.ºs 1 e 2 do art.° 23.° por esta lhe estar
sujeita, ser instrumental para a aferição da aplicação daqueloutra, tornando por
isso mesmo despiciendo que esta última não seja considerada nesta sede por não
ter servido de fundamentação expressa a essa decisão primária.
Por outro lado resulta patente do recurso de agravo dela interposto que o
recorrente a está ali atacando na vertente eminentemente jurídica, da errada
aplicação da norma por deficiente interpretação, cuja não figurando nessa
fundamentação é, no entanto, emanente da decisão, desponta dela de per se, é-lhe
intrínseca.
Esta omissão de alusão expressa ao sentido interpretativo da norma aplicada fica
assim substituída pela consequência directa da decisão, pelo que coexistem no
tácito do resultado!
A isto reage o Venerando Tribunal da Relação, após o inicial silêncio, com
omissão interpretativa clara, sem nomeação sequer às normas invocadas no recurso
que apreciava.
Destarte, só se pode concluir, in casu, que a alusão à decisão inclui
tacitamente a norma que a ela corresponderá, sem dúvida a da alínea c) do n.° 1
do art.° 20.° do DL 387-B/87, que doutro modo o recorrente estaria
impossibilitado de poder invocar a inconstitucionalidade da interpretação de
norma que não apareça expressa na sede própria, a decisão recorrida.
A ser assim sempre estará vedado ao cidadão utente da justiça a arguição de
inconstitucionalidade de normas legais que o tribunal haja por bem não deixar
expressas no local próprio…, estará descoberto o caminho para vedar
permanentemente a sindicância de normas que subjazem às decisões mas que nelas
não estejam expressas em letra de forma.
Donde resulta também que este inusitado e imprevisto das decisões do Venerando
Tribunal da Relação de Lisboa, segundo a melhor jurisprudência deste Tribunal
Constitucional, tem força taxativamente adequada de excepção à regra da
suscitação expressa da inconstitucionalidade durante o processado anterior.
Pelo que esta primeira questão da totalidade do recurso apresentado ante V.
Ex.cias reúne condições mínimas de apreciação, formal e tacitamente, salvo
melhor e mais douta opinião, de resto sustentada nos basilares princípios
aceites pelo Estado Português ao ratificar a Convenção Europeia para a Protecção
dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que sai violada
designadamente na matéria essencial dos seus art.°s 6°, n.° 1, e 13º.
E, no que tange à segunda delas, também a alegada falha respeitante a uma
eventual falta de explicitação da interpretação dada pelo Venerando Tribunal a
quo considerada inconstitucional, é uma falsa questão na justa medida em que das
decisões em causa não se logra atingir declaradamente uma tese interpretativa, a
qual só se consegue alcançar pelo resultado implícito desses arestos, isto é, a
não reapreciação da matéria factual, como requerido, certamente por se
considerar desnecessária e/ou legalmente insustentável ou admissível.
Isto ficou claramente expresso no invocado item 21 do primeiro dos requerimentos
de arguição de nulidade onde se pode ler: “A interpretação das normas supra
invocadas…) que subjaz à tese emanente do douto acórdão)”, sendo que no
requerimento recursivo apresentado ante este Tribunal Constitucional se fez
referência expressa a tal item.
O modo de suscitação no decurso do processo da segunda inconstitucionalidade
interpretativa cumpre minimamente os requisitos legais para ser recebida e
apreciada por este Tribunal, com a devida venha a mais esclarecida opinião.
E, no que concerne à terceira e derradeira das questões trazidas neste juízo
superior também se tem que chamar à atenção, com todo o respeito, para que a
falta de expressão textual nas decisões judiciais em apreço, não implica
necessariamente que a norma não tenha sido ali (in)aplicada, na senda do que
acima se veio aduzindo e aqui se tem por reproduzido para estes efeitos.
Como se afigura facilmente perceptível ao comum dos cidadãos, ao bonus
paterofamilias, que o tribunal de primeira instância ao recusar conhecer de uma
nulidade arguida pelo punho do próprio sujeito processual, por este não ser
advogado aplica uma determinada norma jurídica ainda que a não deixe expressa no
texto decisório.
No caso vertente ela perfila-se ao recorrente como sendo a do invocado art.°
28°, n.° 1, da Lei n.° 30-E/2000, de 20 de Dezembro - pese embora a sua possível
correlação ali com o n° 1 do art.° 32.° do Código de Processo Civil — uma vez
que é este dispositivo que concede expressa e insofismavelmente ao requerente de
apoio judiciário a faculdade de estar em juízo sem representante forense,
benesse que se estende até final do processado do incidente, que recurso de 2.°
grau nessa Lei não era permitido, e só nos tribunais superiores essa
representação é claramente obrigatória.
Donde só se pode concluir que, também aqui, o preceito foi aplicado, pela
negativa, ainda que sem expressão no texto da decisão respectiva.
E, em consequência, o presente recurso é, também nesta parte, atendível para
pleno conhecimento da sua vexata quaestio.
2. Fundamentação
No recurso para o Tribunal Constitucional, o recorrente invocou que pretendia
ver apreciada a inconstitucionalidade interpretativa das normas contidas nos
artigos 20º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, e 23º, n.º s 1 e 2, do Decreto-Lei n.º
387-B/87, de 29 de Dezembro, “na interpretação emanente das doutas decisões que
confirmaram a decisão de conceder, em bloco, a todos os recorridos o benefício
de apoio judiciário quando pelo menos um deles não gozava da presunção legal de
insuficiência económica, sem tomar prova bastante para a aferição rigorosa da
real situação desse requerente do instituto”.
A decisão sumária, considerou, nessa parte, ser de não conhecer do recurso,
assentando na constatação de que o recorrente impugnou a própria decisão
judicial, e não uma interpretação normativa que por ela tenha sido aplicada, daí
derivando como consequência a incompetência do Tribunal Constitucional para a
apreciar o pedido assim formulado.
Na reclamação para a conferência, o reclamante vem dizer que a alusão à decisão
judicial recorrida inclui tacitamente a norma a que ela corresponderá, pelo que
– em seu entender - o recurso apresenta as condições mínimas para prosseguir.
É patente, porém, que, sendo pressuposto do recurso de constitucionalidade a
aplicação, pela decisão recorrida, de norma ou interpretação normativa que possa
considerar-se ferida de violação de preceitos ou princípios constitucionais, é
ao recorrente que cabe identificar essa norma ou interpretação normativa, não
bastando a mera remissão genérica para o que consta ou emana da decisão
impugnada.
Remetendo o recorrente para uma interpretação que decorre da decisão recorrida,
sem qualquer outra precisão, tudo se passa como se o objecto do recurso fosse
essa mesma decisão, tornando-se inviável o prosseguimento do recurso por
ausência de um dos seus pressupostos processuais.
Foi requerida também a “inconstitucionalidade interpretativa das normas contidas
no artigo 712º, n.º 1, alínea a), e n.º s 3 e 4, do Código de Processo Civil, na
sua concomitância com as demais aplicáveis que subjazem à tese emanente dos
doutos acórdãos, no que tange à falta de conhecimento das nulidades
expressamente invocadas e ao conhecimento de questões que não hajam sido
submetidas a julgamento e que não sejam de conhecimento oficioso”.
Nesta parte, o recurso sofre do mesmo vício que já se apontou anteriormente,
visto que não está minimamente identificado qual é o sentido interpretativo que,
tendo sido aplicado relativamente à aludida norma do artigo 712º do Código de
Processo Civil, poderá encontrar-se inquinado de inconstitucionalidade. Apenas
fica a saber-se que se trata de uma interpretação que está subjacente à decisão
recorrida e se refere ao tratamento dado pelo tribunal recorrido a uma anterior
arguição de nulidade.
Além de que, como se referiu na decisão reclamada, essa questão de
inconstitucionalidade não foi suscitada de modo processualmente adequado perante
o tribunal recorrido - como exigem as disposições dos artigos 70º, n.º 1, alínea
b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional -, porquanto o recorrente
não especificou de forma minimamente concretizada, em qualquer peça processual,
a interpretação normativa que é tida como inconstitucional, e não o fez sequer
no ponto 21 do requerimento de arguição de nulidades de fls. 830, em que, uma
vez mais, o interessado apenas alude vagamente a uma interpretação emanente à
decisão recorrida.
O recurso para o Tribunal Constitucional tinha ainda por objecto a
“inconstitucionalidade interpretativa da norma inserta no n.º 1 do artigo 28º da
Lei n.º 30-E/2000, de 20 de Dezembro, na interpretação dada pelas instâncias de
que a arguição de nulidades, mesmo em sede de impugnação tirada da decisão
administrativa sobre apoio judiciário, carece de ser subscrita por técnico
judiciário”.
Neste ponto, na decisão sumária considerou-se que não era possível conhecer do
recurso porquanto tal preceito legal não foi aplicado.
De facto, no acórdão de 19 de Abril de 2007, a Relação apreciou uma questão
relativa à suficiência da prova produzida no pedido de apoio judiciário, e
invocou, a esse propósito, o disposto no artigo 29º do Decreto-Lei n.º 387-B/87,
de 29 de Dezembro, diploma que se considerou ser o aplicável ao caso. Este
preceito refere-se aos poderes inquisitórios do juiz, no âmbito desse incidente,
e nada tem a ver com a norma do n.º 1 do artigo 28º da Lei n.º 30-E/2000, de 20
de Dezembro - que o recorrente chama à colação no requerimento de interposição
de recurso para o Tribunal Constitucional -, que se refere à inexigência de
patrocínio judiciário para a impugnação judicial da decisão final relativa ao
pedido de apoio judiciário.
Mesmo no acórdão de 26 de Outubro de 2006 (fls. 807 e segs.) e no de 18 de
Janeiro de 2007, que se pronunciou seguidamente sobre um requerimento de
arguição de nulidade (fls. 844 e segs.) - a admitir-se que qualquer destas
precedentes decisões pudessem ainda admitir recurso de constitucionalidade -,
não se faz qualquer referência ao falado artigo 28º, n.º 1, da Lei n.º
30-E/2000. Na primeira dessas decisões apenas se analisa (ainda que também numa
perspectiva de constitucionalidade) a disposição do artigo 32º do Código de
Processo Civil, quanto ao regime de constituição obrigatória de advogado, sem
que daí se possa extrair qualquer interpretação relativamente ao aspecto
específico do exercício do patrocínio no âmbito dos pedidos de apoio judiciário.
A segunda decisão aprecia apenas se verificou ou não uma nulidade por omissão de
pronúncia, convocando apenas a aplicação das pertinentes disposições da lei
adjectiva que permitem dar a resposta a essa questão - os artigos 660º, n.º 2, e
668º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil.
Não subsiste qualquer razão para alterar o julgado.
3. Decisão
Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a reclamação e
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 15 de Outubro de 2007
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão