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Processo nº 354/00
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam no Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. A. e outros recorreram para o Supremo Tribunal Administrativo do
acto de indeferimento tácito, que imputaram ao Primeiro-Ministro, do pedido de
reversão do prédio misto denominado “…”, sito em Santiago do Cacém, que lhes
fora expropriado por utilidade pública. Concluíram a alegação do recurso
contencioso do seguinte modo:
a) A lei aplicável à reversão é a vigente à data do respectivo pedido, e não a
que vigorava ao tempo da declaração de utilidade pública, pelo que este direito
se constituiu em favor dos recorrentes dois anos após a publicação do novo
Código das Expropriações;
b) Tendo sido o Conselho de Ministros a declarar a utilidade pública da
expropriação, e continuando este órgão a existir na organização administrativa
do Estado, com a mesma designação, não se verifica a hipótese de sucessão de
competências prevista na 2ª parte do n.º 1 do art. 70º do referido Código, pelo
que o pedido de reversão foi bem endereçado ao Primeiro-Ministro, cujo silêncio
releva para efeito da formação do indeferimento tácito;
c) Mesmo que assim não fosse, aquela entidade estaria obrigada a remeter
oficiosamente o requerimento ao Ministro competente, ou a devolvê-lo aos
interessados (art. 34º do CPA) o que não fez, não lhe sendo por conseguinte
lícito invocar qualquer erro.
d) As disposições do Dec-lei n.º 183/89, de 1/6 e protocolo publicado pela
Portaria 43/90, de 18/1, não contêm actos administrativos definitivos e
executórios, mas sim actos de matriz bilateral e contratual.
e) De qualquer modo, ao tempo da respectiva emissão, os recorrentes não
beneficiavam do direito de reversão, que só lhes adveio com a publicação, em
1992, do novo Código das Expropriações, mais o decurso do prazo de 2 anos
previsto no seu art. 5º, pelo que careciam, antes disso, de legitimidade activa
para impugnarem a transferência do prédio expropriado do GAS para o Município de
Santiago do Cacém.
f) A mudança de titularidade do bem expropriado para terceiro não inutiliza o
direito de reversão.
g) Na verdade, na generalidade das expropriações o Ministro (que por, lei tem de
autorizar a reversão) nunca tem poderes dominiais sobre os bens expropriados,
que se encontram na posse de ente jurídico distinto — o expropriante, que
normalmente é um instituto público, empresa pública ou autarquia local.
h) Assim, se no caso dos autos a expropriação tivesse sido feita a benefício do
Município de Santiago do Cacém, seria também o Primeiro-Ministro a autorizar a
reversão.
i) Além disso, a reversão tem a natureza duma condição resolutiva, que opera
retroactivamente e com eficácia real, destruindo as regulamentações de
interesses entretanto realizadas.
j) Acresce que o art 73º/3 do Código das Expropriações prevê expressamente que a
reversão actue mesmo no caso de transferência da propriedade do prédio
expropriado e contra o seu actual titular, seja ele quem for.
l) O direito de reversão constitui corolário da garantia constitucional da
propriedade privada e dos princípios constitucionais realização do interesse
público, da justiça, proporcionalidade e necessidade (art.s. 62º e 266º) pelo
que atenta contra estes princípios, e contra a regra do art. 18º da CRP, a
interpretação que restringe o alcance e aplicação do art. 5º do C.E. às
expropriações em que não tenha havido (transmissão do bem a terceiro).
m) Finalmente, a tese em causa abriria caminho à fraude à lei, permitindo ao
expropriante, com toda a facilidade, escapar aos efeitos do direito de reversão,
alienando a coisa expropriada antes do prazo da lei.
n) Os documentos juntos pelo recorrido particular não provam que tenha sido
construído no terreno expropriado um campo de futebol, nem que isso haja
acontecido anteriormente a 1994.
o) As fotografias tiradas pelos recorrentes no local em Fevereiro de 1994 provam
rigorosamente o contrário.
p) De qualquer forma, esse fim não se achava previsto no Plano Geral elaborado
pelo Gabinete da Área de Sines, que para a zona previa genericamente “habitação
de média densidade”.
O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 1 de Outubro de 1998, decidiu
rejeitar o recurso com fundamento na ilegalidade da sua interposição.
Para tanto, ponderou que a Autoridade recorrida não detinha competência para
autorizar a reversão dos bens expropriados, não tendo, nessa medida, o dever
legal de decidir a pretensão da recorrente; não existindo tal dever, não se
formara acto tácito de indeferimento, pelo que o recurso interposto carecia de
objecto.
2. Inconformados, A. e outros recorreram para o Pleno da 1ª Secção do
Supremo Tribunal Administrativo, concluindo a alegação do seguinte modo:
a. Tendo sido o Conselho de Ministros a declarar a utilidade
pública de expropriação, e continuando este órgão a existir na organização
administrativa do Estado, não se verifica a hipótese de sucessão de competências
prevista na 2ª parte do n.º1 do art. 70º do Código das Expropriações, mas a 1ª
pelo que o pedido de reversão foi bem endereçado ao Primeiro-Ministro, cujo
silêncio releva para o indeferimento tácito, que efectivamente se formou.
b. Na verdade, o art. 70º não tem relação nenhuma com o art. 11º
e a competência para expropriar que este vem atribuir ao respectivo Ministro (e
que de resto ele já tinha em regra pela lei antiga), antes quis apenas prever a
hipótese duma verdadeira sucessão dum órgão por outro, isto é, de o anterior
emitente da declaração de utilidade pública se ter entretanto extinto,
transformado, mudado de designação ou absorvido por outro.
c. A ratio do art. 70º está na regra muito antiga no nosso
Direito, segundo a qual a competência para a revogação cabe ao autor do acto,
porque só a ele devem pertencer os poderes legais para avaliar da subsistência
ou não da regulamentação de interesses que o mesmo ditou.
d. O exercício do direito de reversão passa efectivamente por
uma fase administrativa que inclui esse acto de matriz revogatória, fundado na
cessação dos pressupostos em que o acto revogado se baseou, ou na invalidade
superveniente deste, pois o desaparecimento da causa que serviu de utilidade
pública à expropriação deslegitimiza-a e torna a reversão num acto vinculado na
sua maior extensão (um dever legal de revogação, para quem aceite a figura),
tudo por vénia dos princípios da legalidade e da adequação, proporcionalidade e
proibição do excesso.
d. É intolerável que um Ministro possa dispor de competência
para destruir os efeitos duma declaração de utilidade pública emanada do
Conselho de Ministros, dada a supremacia política e administrativa deste e o seu
carácter de colegialidade (arts. 198º, nº 2, 200º e 201º da CRP).
e. Mas já se aceita que o contrário possa ocorrer, sobretudo se
for o Primeiro-Ministro a apresentar o assunto ao Conselho, nos termos da al. g)
do nº 1 do art. 200º (antigo art. 203º) da CRP — diligência que ele devia ter
realizado quando recebedor do requerimento dos recorrentes.
f. Mas no caso dos autos, ligar a competência para a reversão
à actual competência para expropriar é ainda mais absurdo, porquanto se tratava
duma revogação pura e simples, sem possibilidade de edição de nova
regulamentação material dispositiva, visto a entidade expropriante (o Gabinete
da Área de Sines) ter sido entretanto extinta e não poder portanto beneficiar de
nova declaração de utilidade pública, que se tomou por conseguinte acto não
renovável.
g. Além de que o tipo legal do acto que concede a reversão não
convoca nenhuma competência dispositiva para estabelecer novas relações
jurídicas entre a Administração e o particular ou regular os respectivos termos,
nem sequer quanto à sequência do respectivo procedimento, que por lei decorre
todo ele perante o Tribunal Judicial.
h. Por conseguinte, se o pressuposto da competência revogatória
do autor do acto radica na competência dispositiva no momento da revogação,
então neste caso o ministro como órgão singular não pode reivindicá-la.
i. Mesmo que estas razões improcedessem, nunca o recurso
contencioso interposto poderia ser rejeitado.
j. Com efeito, o art. 34º do CPA impunha ao Primeiro-Ministro
os deveres legais de declarar a sua incompetência, de rejeitar o pedido com esse
fundamento, e de notificar o particular com a indicação do Ministério
competente, devolvendo-lhe o requerimento, para que ele pudesse além do mais
beneficiar da contagem de novo prazo.
l. Sendo a razão inspiradora deste artigo garantir aos
administrados uma defesa sólida contra a perda de direitos por extemporaneidade
devido a erro desculpável sobre a competência do órgão, na consideração de que o
cumprimento escrupuloso e expurgado de toda a margem de dúvida das normas
organizativas da Administração é ónus demasiado elevado que eles não têm de
suportar (quando não uma verdadeira utopia), têm de ser retiradas consequências
do seu incumprimento pela Administração, para além duma eventual
responsabilidade civil por perdas e danos.
m. A partir da vigência deste preceito, desde que o particular
tenha legitimidade e esteja em prazo para requerer, a incompetência do órgão não
o desonera do dever legal de decidir, não já — é claro — sobre a pretensão
formulada, mas de se pronunciar sobre ela quanto à competência, visto que o seu
silêncio afronta uma vinculação legal estrita e constitui uma conduta reprovável
dotada de potencialidade lesiva, que por isso tem de poder ser sindicada pelos
tribunais administrativos, e por essa via a Administração ser reconduzida ao
comportamento legalmente devido, com a destruição retroactiva dos efeitos
entretanto produzidos (tutela efectiva).
n. O meio processual de eleição, co-natural ao próprio
contencioso administrativo e aos Tribunais Administrativos, de controlo da
legalidade dos actos da Administração é o recurso contencioso de anulação,
claramente superior em dignidade constitucional e legal à acção de
responsabilidade civil, até porque, independentemente dos aspectos
garantísticos, o Estado de Direito tem interesse em que esse controlo seja
exercido.
o. Se a entidade recorrida omitiu qualquer pronúncia, deixando
de praticar os actos supra referidos em i), e conservou em seu poder o
requerimento de reversão, foi porque se auto-arrogou implicitamente poderes
decisórios, praticando desse modo um acto tácito ou implícito de reconhecimento
da sua própria competência e de recusa desses comportamentos, que devia ter sido
declarado nulo ou anulado pelo tribunal.
p. Efectivamente, esse acto achava-se viciado por erro acerca da
competência, teoricamente enquadrável na violação de lei mas que tem de seguir o
regime da incompetência quanto ao grau da respectiva invalidade — nulidade
absoluta por invasão das atribuições doutro ministério (al. b) do nº 2 do art.
133º do CPA); e ainda por carência absoluta de forma legal e ofensa do conteúdo
essencial de direitos fundamentais (als. c) e f)).
q. Essa anulação é a única forma de se evitar que a
Administração se aproprie em seu proveito dum mecanismo pensado para proteger o
administrado, guardando o requerimento e nada decidindo nem nada comunicando ao
interessado, e com esse silêncio e essa inacção levá-lo a deixar passar os
prazos para o exercício de direitos ou defesa de interesses legalmente
protegidos — mormente quando esses direitos e interesses têm no lado passivo
situações de sujeição ou sacrifício do interesse da própria Administração, o que
em absoluto repugna.
r. A interpretação e a solução do Acórdão recorrido violam por
conseguinte os preceitos dos arts. 70º, 5º e 11º do Código das Expropriações, e
arts. 34º, 109º, 133º, nº 2, als. b), e) e f) do Código do Procedimento
Administrativo.
s. E é além do mais feita ao arrepio do dever de acomodação da
leitura dos textos legais ao ordenamento constitucional (interpretação
adequadora ou conformadora).
t. Pois vem rebelar-se contra uma longa série de princípios e
garantias constitucionais, como os enumerados nos seguintes artigos da CRP: 62º
(propriedade privada e proibição de expropriações sem justa causa), 1º, 2º, 9º,
al. b) e 266º, nº 2 (Estado de Direito Democrático, Justiça, proporcionalidade
ou proibição do excesso e boa-fé e protecção da confiança), 266º, nº 1 (respeito
pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos), 20º (direito a
procedimentos judiciais céleres e prioritários para defesa dos direitos e
garantias pessoais), 202º (função jurisdicional), 268º, nº 1 (informação e
conhecimento das decisões da Administração), 268º, n.º2 (obrigatoriedade de
notificação aos interessados e de fundamentação dos actos administrativos) e
268º, nº 4 (tutela efectiva dos direitos e interesses, mormente através da via
do recurso contencioso).
u. Na realidade, e face a estes comandos constitucionais, são
inadmissíveis: a restrição e compressão do direito de reversão a ponto de o
inutilizar, se efectivamente deixou de existir causa legitimadora da
expropriação e o particular se apresentou tempestivamente a requerer a
recuperação da sua propriedade; a colocação de entraves e obstáculos demasiado
onerosos ao exercício desse direito, pois o princípio da adequação ou
necessidade da expropriação alcança a própria actualidade da realização da obra
que a justificou e o direito à reversão, enquanto direito potestativo a ver
reconhecida a verificação dessa condição resolutiva, já antes se radicou na
esfera jurídica do expropriando; entregar nas mãos da Administração um
instrumento de destruição dos direitos dos particulares contra ela, atraiçoando
a boa‑fé e confiança; a recusa em cumprir os deveres exigidos pelo art. 34º do
CPA e em retirar efeitos desse incumprimento; a impunidade desse silêncio e
dessa inacção no plano do exercício do direito (não no plano meramente
secundário da indemnização), sem afronta do direito à fundamentação dos actos, à
sua notificação, à impugnação dos actos lesivos pela via do recurso contencioso
e ao recurso a uma via judicial célere e prioritária quando seja preciso reagir
para defender direitos e garantias pessoais, como é o caso.
v. De resto, os arts. 20º e 202º, conjugados com os restantes
preceitos constitucionais, põem em causa a própria existência da fase
administrativa do exercício de reversão e por conseguinte todo o sistema
delineado nos arts. 70º e segs. do CE, visto que a Constituição assegura a via
judicial, e não a administrativa; além disso, esse sistema dá azo a morosidade
excessiva na tramitação do procedimento antes de ele entrar na fase judicial,
com a possibilidade de a Administração deixar passar o tempo e não se pronunciar
sobre o pedido, a necessidade (dificilmente compatível com o carácter
facultativo de impugnação do indeferimento tácito) de pelo meio ter de se
recorrer desse acto silente sob pena de nunca se conseguir a reversão, em dois
graus de jurisdição contenciosa nos quais se podem gastar vários anos.
Por acórdão de 18 de Fevereiro de 2000, o Pleno da Secção de Contencioso do
Supremo Tribunal Administrativo negou, porém, provimento ao recurso, confirmando
o acórdão recorrido.
3. A. e outros interpuseram então o presente recurso, invocando:
A. e outros, Recorrentes nos Autos à margem referenciados, tendo sido
notificados do Acórdão de fls , e com ele não se conformando, vêm do mesmo
recorrer para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do
n.º 1 do Artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada pela Lei n.º
143/85, de 26 de Novembro, pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro, pela Lei n.º
88/95, de 1 de Setembro, e pela Lei n.º 13- A/98, de 26 de Fevereiro, e do n.º
1, alínea b), e n.º 4 do artigo 280º da Constituição da República Portuguesa.
E porque estão em tempo e são parte legítima requerem a admissão do presente
recurso a processar como apelação em matéria cível e com efeito suspensivo, nos
termos do disposto nos artigos 69º e 78º da Lei do Tribunal Constitucional.
As normas cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal aprecie são os
artigos 70º, 5º e 11º do Código das Expropriações e os artigos 34º, 109º e 133º,
n.º 2, alíneas b), c) e f) do Código do Procedimento Administrativo.
As normas e princípios constitucionais que se consideram, em conjunto, violados
pelas normas atrás referidas, na interpretação que delas faz o Acórdão
recorrido, são as constantes dos seguintes artigos da Constituição da República
Portuguesa: 62º (propriedade privada e proibição de expropriações sem justa
causa); 1º, 2º, 9º, alínea b) e 266º n.º 2 (Estado de Direito Democrático,
Justiça, proporcionalidade ou proibição do excesso e boa-fé e protecção da
confiança); 266º, n.º1 (respeito pelos direitos e interesses legalmente
protegidos dos cidadãos); 20º (direito a procedimentos judiciais céleres e
prioritários para a defesa dos direitos e garantias pessoais); 202º (Função
jurisdicional); 268º, n.º 1 (informação e conhecimento das decisões da
Administração); 268º, n.º 2 (obrigatoriedade de notificação aos interessados e
de fundamentação dos actos administrativos) e 268º, n.º4 (tutela efectiva dos
direitos e interesses, mormente através da via do recurso contencioso).
Os Recorrentes suscitaram a questão da inconstitucionalidade das normas
referidas nas Alegações proferidas no âmbito do Processo acima indicado, em
03/06/1997, bem como nas Alegações de Recurso, para o Pleno do STA, em
21/12/1998.
O recurso foi admitido. Os recorrentes alegaram e concluíram:
1ª Quando a norma do artigo 79º, n.º 1, do Código das Expropriações dispõe que a
competência para apreciar o pedido de reversão pertence à entidade que houver
declarado a utilidade pública da expropriação ou que lhe houver sucedido na
respectiva competência, tal norma remete para a norma do artigo 11º do mesmo
Código, na medida em que é esta última que estabelece as regras de competência
para a declaração de utilidade pública à data da apresentação do pedido de
reversão (cfr. texto, n.º 2);
2ª Simplesmente, aplicar o artigo 11º quando esteja em causa a determinação da
entidade competente para declarar a utilidade pública de uma nova expropriação é
coisa substancialmente diferente de aplicar a mesma norma tendo em vista a
determinação da entidade competente para apreciar o pedido de reversão de uma
expropriação já efectuada: no primeiro caso, a norma indica à Administração, em
sentido amplo, qual o órgão competente para a prática de um determinado acto; no
segundo caso, a norma indica ao particular qual a entidade a que deve dirigir-se
para o exercício de um determinado direito (cfr. texto, n.º 2);
3ª A diferença entre as duas situações surge com especial clareza a propósito da
norma do n.º 3 do artigo 11º do Código das Expropriações, a qual não pode ser
desligada do princípio da legalidade ou da prévia autorização legal e do
princípio da necessidade do bem para um fim concreto de utilidade pública
reconhecido directamente pela lei, ou por um prévio acto administrativo fundado
na lei, conforme decorre do artigo 1º do Código das Expropriações, por outras
palavras, o exercício da competência para a declaração de utilidade pública
pressupõe a consagração na lei da causa de utilidade pública, a qual integra a
garantia constitucional do direito de propriedade (cfr. texto, n.º 2);
4ª A interpretação das normas dos artigos 11º, n.º 3, e 70º, n.º 1, do Código
das Expropriações perfilhada pelo douto Acórdão recorrido, e por jurisprudência
constante do STA, dissocia estes dois aspectos, ao atribuir a competência ao
ministro responsável pelo ordenamento do território sem que exista uma causa de
utilidade pública reconhecida por lei, como decorre do facto de ter sido extinto
o Gabinete da Área de Sines e de terem ocorrido os pressupostos do direito de
reversão (cfr. texto, n.º 2);
5ª À luz da garantia constitucional do direito de propriedade e do acesso ao
direito e aos tribunais, apenas seria possível considerar competente o ministro
responsável pelo ordenamento do território para apreciar o pedido de reversão se
a essa competência fosse possível associar a existência actual de uma causa de
utilidade pública reconhecida por lei (cfr. texto, n.º 3);
6ª Não sendo possível, como não é, estabelecer tal associação e não se tendo
extinguido a entidade que declarou a utilidade pública da expropriação, não se
verifica a hipótese de sucessão de competências prevista na 2ª parte do n.º 1 do
artigo 70º do Código das Expropriações e o Primeiro Ministro deve ser
considerado como competente para apreciar o pedido de reversão que lhe foi
dirigido pelos recorrentes (cfr. texto, n.º 3);
7ª Ao não decidir deste modo, o douto Acórdão recorrido perfilha uma
interpretação formalista das mencionadas normas do Código das Expropriações que
frustra o acesso aos tribunais dos recorrentes tendo em vista a efectivação do
direito de reversão e, nessa medida, viola o disposto nos artigos 20º, 62º e
268º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (cfr. texto, n.º 3);
8ª Ainda que se entenda que o Primeiro Ministro era incompetente para apreciar o
pedido de reversão que lhe foi dirigido pelos recorrentes, o art. 34º do CPA
impunha-lhe os deveres legais de declarar a sua incompetência, de rejeitar o
pedido com esse fundamento, e de notificar o particular com a indicação do
Ministério competente, devolvendo-lhe o requerimento, para que ele pudesse além
do mais beneficiar, em tempo útil, da contagem de novo prazo (cfr. texto, n.º
4);
9ª Sendo a razão inspiradora deste artigo garantir aos administrados uma defesa
sólida contra a perda de direitos por extemporaneidade devido a erro desculpável
sobre a competência do órgão, na consideração de que o cumprimento escrupuloso e
expurgado de toda a margem de dúvida das normas organizativas da Administração é
ónus demasiado elevado que eles não têm de suportar (quando não uma verdadeira
utopia), têm de ser retiradas consequências do seu incumprimento pela
Administração, para além duma eventual responsabilidade civil por perdas e danos
(cfr. texto, n.º 4);
10ª A partir da vigência deste preceito, desde que o particular tenha
legitimidade e esteja em prazo para requerer, a incompetência do órgão não o
desonera do dever legal de decidir, não já — é claro — sobre a pretensão
formulada, mas de se pronunciar sobre ela quanto à competência, visto que o seu
silêncio afronta uma vinculação legal estrita e constitui uma conduta reprovável
dotada de potencialidade lesiva, que por isso tem de poder ser sindicada pelos
tribunais administrativos, e por essa via a Administração ser reconduzida ao
comportamento legalmente devido, com a destruição retroactiva dos efeitos
entretanto produzidos (tutela efectiva) (cfr. texto, n.º 5);
11ª O meio processual de eleição, co-natural ao próprio contencioso
administrativo e aos Tribunais Administrativos, de controlo da legalidade dos
actos da Administração é o recurso contencioso de anulação, claramente superior
em dignidade constitucional e legal à acção de responsabilidade civil, até
porque, independentemente dos aspectos garantísticos, o Estado de Direito tem
interesse em que esse controlo seja exercido (cfr. texto, n.º 5);
12ª Se a entidade recorrida omitiu qualquer pronúncia, deixando de praticar os
actos supra referidos, e conservou em seu poder o requerimento de reversão, foi
porque se auto-arrogou implicitamente poderes decisórios, praticando desse modo
um acto tácito ou implícito de reconhecimento da sua própria competência e de
recusa desses comportamentos, que devia ter sido declarado nulo ou anulado pelo
tribunal (cfr. texto, n.º 5);
13ª Efectivamente, esse acto achava-se viciado por erro acerca da competência,
teoricamente enquadrável na violação de lei mas que tem de seguir o regime da
incompetência quanto ao grau da respectiva invalidade — nulidade absoluta por
invasão das atribuições doutro ministério (al. b) do n.º 2 do art. 133º do CPA);
e ainda por carência absoluta de forma legal e ofensa do conteúdo essencial de
direitos fundamentais (alíneas c) e f)) (cfr. texto, n.º 5);
14ª Essa anulação é a única forma de se evitar que a Administração se aproprie
em seu proveito dum mecanismo pensado para proteger o administrado, guardando o
requerimento e nada decidindo nem nada comunicando ao interessado, e com esse
silêncio e essa inacção levá-lo a deixar passar os prazos para o exercício de
direitos ou defesa de interesses legalmente protegidos — mormente quando esses
direitos e interesses têm no lado passivo situações de sujeição ou sacrifício do
interesse da própria Administração, o que em absoluto repugna (cfr. texto, n.º
5);
15ª Este resultado, a que conduz directamente a interpretação do artigo 34º
preconizada pelo douto Acórdão recorrido, atenta gravemente contra os princípios
constitucionais da boa fé no exercício da actividade administrativa e da tutela
da confiança, previstos nos artigos 2º e 266º da Constituição, violando ainda o
direito à notificação, previsto no artigo 268º da Constituição (cfr. texto, n.º
5).
Por seu turno, o Primeiro-Ministro contra-alegou, concluindo o seguinte:
1. O n.º 1 do artigo 70º do CE91 ao definir a competência para apreciar e
decidir os pedidos de reversão remete para o artigo 11º do mesmo Código,
estabelecendo aí uma correspondência com a competência para declarar a utilidade
pública da expropriação;
2. Esta correspondência só faz sentido na eventualidade de estar em causa o
exercício do direito de reversão, pelo que a distinção a que os recorrentes
procedem entre competência para uma “nova expropriação” e para apreciar de um
pedido de reversão, institutos que se aceitam como inteiramente distintos, é
destituída de qualquer sentido;
3. De facto, o artigo 70º do CE91, cuja epígrafe é “Requerimento” de reversão de
bens expropriados, remete para o artigo 11º do mesmo Código a definição da
competência para a sua apreciação e decisão, pelo que, por razões que aqui se
não discutirão, o legislador intencionalmente pretendeu cometer aquela
competência ao mesmo órgão que a detivesse na eventualidade de estar em causa
uma declaração de utilidade pública;
4. Aliás, diga-se, a competência para apreciar e decidir os pedidos de reversão
havia sempre de ser definida por lei, conforme exige o princípio da legalidade
das competências, tendo sido aquela a opção que o legislador entendeu, e bem,
ser a mais adequada à natureza dos interesses envolvidos;
5. Ora, o nº 1 do artigo 70º do CE91 consubstancia, exactamente, uma norma
atributiva de competência para a decisão final de um procedimento tendente ao
reconhecimento do direito de reversão ao estabelecer que a mesma pertence à
“entidade que houver declarado a utilidade pública da expropriação ou que haja
sucedido na respectiva competência” (sublinhado nosso).
6. Razão pela qual o nº 1 do artigo 70º do CE91 atribui competência para
apreciar um pedido de reversão à entidade que, à data da apresentação do
respectivo requerimento, seja competente para declarar a utilidade pública da
expropriação, quer seja a mesma que historicamente proferiu tal declaração, quer
seja aquela que lhe haja sucedido nessa competência.
7. Esta a interpretação do Supremo Tribunal Administrativo, a qual não viola a
garantia constitucional do direito de propriedade, os princípios constitucionais
relativos à actividade administrativa, a garantia constitucional de acesso ao
Direito e aos Tribunais nem, finalmente, os princípios da boa fé no exercício da
actividade administrativa e a tutela da confiança;
8. A tese de que o incumprimento, pelo órgão incompetente a quem foi dirigida
uma pretensão, dos deveres procedimentais impostos pelo artigo 34º do CPA
transformaria esse órgão em competente não só não encontra qualquer base legal
que a suporte, como inclusivamente afronta a natureza de ordem pública de que se
reveste a repartição de competências entre os diversos órgãos da Administração
Pública, que tem como corolário o princípio da imodificabilidade da competência,
pelo que tal tese tem de ser repudiada;
9. Assim, não sendo de aceitar que a tese de acordo com a qual o incumprimento
dos deveres consignados no artigo 34º do CPA configura o preenchimento do
requisito da competência do órgão a quem a petição seja apresentada, exigido
pelo artigo 109º do CPA para a formação do indeferimento tácito, não é de
censurar a decisão do Supremo Tribunal Administrativo que a não tenha
perfilhado;
10. De facto, quando o requerente, por erro e dentro do prazo fixado, dirija a
sua pretensão a órgão incompetente e este, por seu turno, não cumpra os deveres
procedimentais consignados no artigo 34º, a falta de decisão final não determina
a formação de indeferimento tácito nos termos em que este se encontra previsto
pelo artigo 109º daquele Código, pelo que carecerá de objecto o recurso
contencioso que dele venha a ser interposto;
11. Não obstante, o órgão incompetente continua obrigado ao cumprimento daqueles
deveres procedimentais, pelo que, subsistindo a sua passividade, não fica o
requerente impedido de renovar a sua pretensão, desta feita a órgão competente,
a qual será, necessariamente, tempestiva;
12. Ora, se nada obsta a que o particular, em face da passividade do órgão
incompetente, renove a sua pretensão ao órgão competente, com a garantia de que
esta será tempestiva, se o requerimento inicialmente apresentado o tiver também
sido, não se entende que a interpretação dada pelo Supremo Tribunal
Administrativo às supra referidas normas possa, de alguma forma, configurar a
violação de qualquer princípio constitucional, maxime o do Acesso ao Direito e
aos Tribunais, bem como os da Boa-fé e da Tutela da Confiança;
Foi, depois, proferido pelo relator o seguinte despacho:
A. e outros recorreram para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do
acórdão proferido pela respectiva Secção, que tinha negado provimento ao recurso
contencioso interposto do acto de indeferimento tácito, atribuído ao
Primeiro-Ministro, relativo ao pedido de reversão de um prédio expropriado pelo
Gabinete da Área de Sines. Porém, o Pleno da Secção negou provimento ao referido
recurso.
Inconformados, interpuseram recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82, de 15 de Novembro (LTC),
pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 70º, 5º e 11º do
Código das Expropriações e os artigos 34º, 109º e 133º, n.º 2, alienas b), c) e
f) do Código do Procedimento Administrativo.
Notificados para alegar, os recorrentes e o recorrido apresentaram alegações.
Ocorreu uma redistribuição do processo em virtude de o Relator, a quem
inicialmente fora distribuído, ter deixado de exercer funções neste Tribunal.
Constitui ónus do recorrente a prévia suscitação da questão de
inconstitucionalidade perante o Tribunal recorrido, dando-lhe a oportunidade de
conhecer e decidir da questão – artigo 72º n.º 2 da LTC.
Impõe-se, por isso, que a questão tenha sido devidamente colocada no Supremo
Tribunal Administrativo, designadamente na sua formação do Pleno da 1º Secção,
que conheceu em último lugar da questão, emitindo o acórdão aqui recorrido.
Essa suscitação não poderia deixar de ser concretizada na alegação de recurso
formulada pelos recorrentes. Acontece que, em tal peça, os recorrentes contestam
a solução dada à questão na formação recorrida, considerando mesmo que a
aplicação concreta do regime legal que disciplina a matéria se revela injusto e
violador de determinados princípios e normas constitucionais.
Todavia, em nenhum momento foi individualizada uma concreta acusação de
inconstitucionalidade dirigida a uma norma determinada, designadamente quanto às
normas inscritas nos preceitos identificados no requerimento de interposição do
recurso.
E tanto assim é que o acórdão recorrido decidiu o recurso mas não detectou nesta
alegação qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que lhe cumprisse
conhecer.
Sendo assim, afigura-se não estar verificado este requisito da interposição do
presente recurso cujo mérito, por esse motivo, não poderá ser conhecido.
Entendo, portanto, ser de ouvir os recorrentes sobre esta matéria.
Os recorrentes responderam:
1. Desde que o presente recurso para o Tribunal Constitucional foi interposto
decorreram sete anos...
Entretanto, já o primeiro mandatário judicial dos recorrentes deixou de ser
advogado, foi nomeado juiz do Supremo Tribunal Administrativo e deixou também já
de o ser...
Entretanto, ao que parece, também já o segundo mandatário judicial dos
recorrentes suspendeu a sua inscrição na Ordem dos Advogados e submeteu‑se a
provas de doutoramento na Faculdade de Direito de Lisboa...
Só aos recorrentes, muito embora tenham já apresentado alegações no presente
recurso, na sequência de notificação do anterior Relator para o efeito, parece
não chegar a hora de ver ser feita justiça.
2. Vem agora invocada a questão prévia do não conhecimento do recurso por não
ter sido devidamente suscitada a questão de inconstitucionalidade perante o
Tribunal recorrido, no caso o Pleno da 1ª Secção do Supremo Tribunal
Administrativo.
Argumenta-se que «essa suscitação não poderia deixar de ser concretizada na
alegação de recurso formulada pelos recorrentes».
Ora, muito embora se admita que os recorrentes invocaram, na sua alegação
perante o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo, que «a aplicação
concreta do regime legal que disciplina a matéria se revela injusto e violador
de determinados princípios e normas constitucionais», sustenta-se, no entanto,
que «em nenhum momento foi individualizada uma concreta acusação de
inconstitucionalidade dirigida a uma norma determinada, designadamente quanto às
normas inscritas nos preceitos identificados no requerimento de interposição de
recurso».
3. Como prova do que acaba de ser dito, afirma-se que o acórdão recorrido que
decidiu o recurso «não detectou nesta alegação qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa que lhe cumprisse conhecer».
4. Resumidamente, o que está em causa é a circunstância de, alegadamente, os
recorrentes não terem suscitado uma questão de constitucionalidade normativa
perante o tribunal recorrido. Por outras palavras, ainda que se admita que os
recorrentes questionaram a solução da decisão recorrida por a considerarem
violadora do disposto na Constituição, aventa-se a hipótese de essa censura
constitucional não ter sido dirigida pelos recorrentes a quaisquer normas ou
interpretações normativas, mas directamente à própria decisão recorrida. Assim,
na perspectiva dos recorrentes, inconstitucional seria a decisão recorrida, não
as normas de direito ordinário por ela aplicadas.
Nestes termos, não poderia dar-se por verificado o requisito de admissibilidade
a que se reporta o artigo 70.º, n.º 1, alínea b) («norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo»), da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro.
Mas sem razão, como se passa a demonstrar.
5. Nas alegações do recurso jurisdicional do Acórdão da Subsecção para o Acórdão
do Pleno da a Secção, ora recorrido afirma-se (cfr. págs. 19 das citadas
alegações, parte III, ponto 6):
«a solução do Acórdão recorrido, e a interpretação que faz das normas envolvidas
(artigos 70.º, 5.º e 11.º do Código das Expropriações, e artigos 34.º e 109.º do
Código do Procedimento Administrativo) não é conforme com os princípios e
garantias constitucionais com que mexem.» (sublinhado acrescentado)
Por outras palavras, suscitou-se então a questão da inconstitucionalidade da
interpretação feita pelo Supremo Tribunal Administrativo das normas envolvidas,
por violação dos princípios e garantias constitucionais então identificados.
Esta é, julga-se, uma questão de inconstitucionalidade normativa, não uma
questão de censura da decisão recorrida por a mesma ser directamente contrária
aos princípios constitucionais.
6. No mesmo sentido, afirma-se nas conclusões das citadas alegações:
«r. A interpretação e a solução do Acórdão recorrido violam por conseguinte os
preceitos dos artigos 70º, 5º e 11º do Código das Expropriações, e artigos 34º,
109º, 133º, n.º 2, alíneas b), c)e f) do Código do Procedimento administrativo.
s. E é além do mais feita ao arrepio do dever de acomodação da leitura dos
textos legais ao ordenamento constitucional (interpretação adequadora ou
conformadora).»
Uma vez mais, resulta claramente que as recorrentes suscitaram a questão da
inconstitucionalidade normativa da interpretação das normas aplicadas pela
Subsecção, para além da simples censura da respectiva decisão.
7. Fica, pois, demonstrado a satisfação do ónus da prévia suscitação da questão
de inconstitucionalidade perante o Tribunal recorrido.
Complementarmente, dir-se-á ainda alguma coisa sobre o afirmado no douto
despacho para demonstrar o contrário.
Afirma-se em tal despacho, como se disse acima, que o Acórdão recorrido que
decidiu o recurso «não detectou nesta alegação qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa que lhe cumprisse conhecer». Mas daí não se pode
retirar que os recorrentes não tenham satisfeito o ónus da suscitação da questão
da inconstitucionalidade normativa.
Com efeito, na grande maioria dos recursos dirigidas ao Tribunal Constitucional,
os tribunais recorridos não se pronunciam sobre as questões de
constitucionalidade suscitadas. Precisamente porque o Tribunal Constitucional o
irá, necessariamente, fazer. Como se espera que também agora o faça.
4. Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
5. O presente recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade
normativa foi interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional. Tal recurso tem como pressuposto processual a
suscitação da questão de constitucionalidade normativa durante o processo, de
modo a que o tribunal recorrido tenha oportunidade de sobre ela se pronunciar.
O Tribunal Constitucional tem, reiterada e uniformemente, entendido que uma
questão de constitucionalidade só pode considerar-se suscitada de modo adequado
quando o recorrente identifica uma norma de direito ordinário, aplicada na
decisão recorrida como sua ratio decidendi, à qual aponta o vício de
inconstitucionalidade, enunciando, ainda que sucintamente, as razões que
fundamentam tal acusação.
6. Nos presentes autos, os recorrentes insurgem-se claramente contra o
entendimento, acolhido pelo acórdão recorrido, segundo o qual o Conselho de
Ministros não tinha competência para decidir o pedido de reversão formulado,
entendimento que conduziu ao julgamento de não formação do acto tácito e da
consequente falta de objecto do recurso interposto.
Os recorrentes impugnam, nesse contexto, “a interpretação [que o acórdão
recorrido] faz das normas envolvidas” (fls. 164), afirmam que “a interpretação
do acórdão é neutralizadora” de vários direitos e garantias constitucionais
(fls. 167) e sustentam que “o acórdão deveria ter feito dos preceitos legais em
causa uma leitura conformadora e adequadora” com os princípios constitucionais
invocados (fls. 169).
Contudo, em momento algum os recorrentes identificam a norma que consideram
inconstitucional; não enunciam, em suma, o critério material dotado de
generalidade e abstracção que, resultando da interpretação dos preceitos
infraconstitucionais mencionados e constituindo a ratio decidendi do acórdão
recorrido, se mostra desconforme com a Constituição.
Na verdade, não basta, para impugnar – na perspectiva de constitucionalidade –
uma dada dimensão normativa resultante de vários preceitos, fazer uma genérica
referência à “interpretação” feita no processo, sem identificar o conteúdo
material de tal interpretação, pois desta forma não fica identificada a norma
impugnada.
Aliás, a estratégia dos recorrentes consistiu, não na impugnação de uma norma,
mas na discordância com a própria decisão; a circunstância de pretenderem –
agora – incluir no objecto do recurso normas que não foram aplicadas na decisão
recorrida revela perspectiva errada com que litigam, neste domínio. Na verdade,
conforme resulta do requerimento de interposição, os recorrentes impugnam no
presente recurso normas dos artigos 5º, 11º e 70º do Código das Expropriações de
1991 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91 de 9 de Novembro) e nos artigos 34º,
109º e 133º n.º 2 alíneas b) c) e f) do Código de Procedimento Administrativo.
Ora, o acórdão recorrido não aplicou manifestamente normas constantes dos
artigos 5º (conteúdo do direito de reversão) e 11º (competência para a
declaração de utilidade pública da expropriação), excepto a constante do n. 3,
do Código das Expropriações já citado, assim como não aplicou o artigo 133º do
Código de Procedimento Administrativo. Na verdade, o Supremo Tribunal
Administrativo limitou-se a julgar que ao recurso contencioso faltava objecto
por não se ter formado o acto de indeferimento contenciosamente impugnado; para
esse resultado, o acórdão aplicou apenas o n.º 1 do artigo 70º do aludido Código
das Expropriações, interpretando-o no sentido de que 'a reversão é da
competência da autoridade que à data do pedido de reversão devesse declarar a
utilidade pública da expropriação em causa', e que essa entidade (aplicando o
n.º 3 do artigo 11º, segundo o qual, 'nos casos em que não seja possível
determinar o departamento a que compete a apreciação final do processo, ou que
não sejam abrangidos pelo disposto nos números anteriores, é competente o
ministro responsável pelo ordenamento do território'), era o ministro competente
para o ordenamento do território e não o primeiro-ministro.
A resposta que os recorrentes apresentaram ao despacho proferido pelo relator a
fls. 257 e 258 (resposta transcrita supra) ilustra, precisamente, o que se deixa
dito; as passagens que transcrevem, nas quais os recorrentes afirmam terem
suscitado a questão de constitucionalidade, apenas confirmam que, então, apenas
fizeram apelo genérico à “interpretação” e à “solução” do acórdão recorrido,
nunca identificando o conteúdo dessa interpretação.
Não se tomará, portanto, conhecimento do objecto do presente recurso.
III
Decisão
7. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional
decide não tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 10 UC’s.
Lisboa, 10 de Julho de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos