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Processo n.º 631/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
I.
Relatório
1.1.
No presente processo recorreu a arguida A. para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei 28/82 de 15 de Novembro,
invocando “a inconstitucionalidade material do artigo 71.º do Código Penal […]
ao tratar desigualmente cidadãos em situações similares, acusados dos mesmos
crimes e utilizando parâmetros para a atribuição da medida da pena que
extravasam a culpa unitária do arguido…”.
Foi, no entanto, logo proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto no n.º 1
do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, a decidir não conhecer do
recurso por nunca ter sido suscitada no processo 'qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa que devesse ser conhecida no tribunal recorrido,
conforme é imposto no n.º 2 do artigo 72.º da referida LTC”.
1.2.
Notificada da decisão sumária proferida, veio a recorrente, com invocação do
artigo 669º do Código Processo Civil, pedir a sua aclaração por 'obscuridade”,
dizendo o seguinte:
1 – refere a douta decisão sumária que não foi nunca suscitada qualquer questão
de inconstitucionalidade normativa que devesse ser apreciada por este tribunal,
2 – nem sendo referida qualquer questão desta natureza no próprio requerimento
de recurso,
3 – Certo é que, tal questão de inconstitucionalidade foi aflorada no § 2 do
pedido de aclaração feito pela arguida, consistindo tal pedido de aclaração peça
processual constante nos autos,
4 – por outro lado, se o requerimento de recurso não refere taxativamente
qualquer questão de inconstitucionalidade (embora discordemos de tal asserção
pois tal referência nos parece expressa no requerimento de recurso) sempre
deveria o recorrente ter sido convidado a aperfeiçoar o seu requerimento de
recurso, tal como aliás impõe a Lei do Tribunal Constitucional.
Não se compreende assim como refere a decisão sumária que se não encontra
aflorada questão de inconstitucionalidade quando o foi e nem porque, a
entender-se que o não foi, não foi ordenado o aperfeiçoamento do requerimento de
recurso, não sendo a decisão sumária, porque muito sumária, clara nestes
aspectos.
Razão porque se requer a aclaração dessa mesma decisão sumária.
1.3.
O Ministério Público, por seu turno, respondeu (fls. 467 e 468):
1º
O pedido deduzido carece manifestamente de fundamento sério.
2º
Na verdade, nem a decisão reclamada padece de qualquer obscuridade ou
ambiguidade que careça de ser esclarecida, nem o reclamante a individualiza e
especifica minimamente no seu requerimento.
3º
Tal actuação processual traduz uso anormal do incidente pós-decisório invocado,
sendo certo que, se a parte discordar do sentido decisório da decisão sumária
proferida, deveria ter deduzido o meio impugnatório próprio e adequado: a
reclamação para a conferência.
II.
Fundamentação
2.
A invocada alínea a) do n.º 1 do artigo 669º do Código de Processo Civil
permite, em geral, o “esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade” que
as decisões jurisdicionais possam conter e pode ter aplicação subsidiária no
processo relativo à fiscalização concreta da constitucionalidade de normas desde
que, como é próprio da disciplina subsidiária, não haja, na regulamentação
própria do recurso, outra norma cuja directa aplicação se imponha ao caso.
A questão suscitada pela arguida recorrente, atentos os seus fundamentos,
configura, no entanto, uma verdadeira impugnação da decisão sumária de não
conhecimento do recurso, pois em parte alguma do respectivo requerimento se
identifica qualquer passagem da decisão que possa considerar-se obscura ou
ambígua, limitando-se a recorrente a manifestar a sua discordância com o sentido
da mesma, e a apresentar argumentos que contrariariam os fundamentos que a
sustentam.
Apura-se, assim, que só formalmente se trata de um pedido de esclarecimento,
pois a recorrente não manifesta qualquer dificuldade de apreensão do teor da
decisão e das razões que, embora de forma sumária, foram apresentadas como sua
justificação.
Trata-se, portanto, de uma impugnação daquela decisão e, por esse motivo, tem
aplicação directa ao presente caso o n.º 3 do artigo 78º-A da LTC, o que desde
logo afasta – se outras razões não existissem – a aplicação do invocado artigo
n.º 1 do artigo 669º do Código de Processo Civil (neste sentido, Acórdãos
379/06, 427/06 e 325/07, www.tribunalconstitucional.pt).
3.
Questiona a reclamante a dita decisão na parte em sustenta que não fora nunca
suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa que devesse ser
apreciada por este Tribunal, em virtude de ter havido um 'afloramento' dessa
matéria 'no § 2 do pedido de aclaração' apresentado ao Supremo Tribunal de
Justiça a propósito do acórdão ali proferido em 25 de Janeiro de 2007.
Contudo, tal como se disse na decisão sumária proferida ora reclamada, não foi,
durante o processo, suscitada pela recorrente qualquer questão de
constitucionalidade, nos termos impostos pelo n.º 2 do artigo 72.º da LTC. Para
tal concluir, basta atentar nas alegações e respectivas conclusões de recurso
apresentadas, pela recorrente, perante o Supremo Tribunal de Justiça – fls. 375
a 383 dos autos.
Na verdade, o requisito da suscitação atempada, durante o processo, da questão
de constitucionalidade visa assegurar que o Tribunal recorrido tenha
oportunidade de conhecer da questão e de a decidir.
Por isso, se deve entender que a questão de constitucionalidade deve ser
suscitada antes de esgotado o poder jurisdicional do Tribunal recorrido, ou
seja, antes de ter proferido a decisão final. Como já, por diversas vezes, este
Tribunal fez notar, 'a suscitação atempada, ou seja durante o processo,
significa que a questão deve ser levantada, em princípio, em momento anterior ao
de o tribunal recorrido proferir a decisão final, de modo a ser-lhe ainda
possível pronunciar-se a seu respeito. A inconstitucionalidade há-de suscitar-se
antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que a questão
de inconstitucionalidade” diz respeito (Acórdão n.º 489/05, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt.).
Por essa razão, os requerimentos de arguição de nulidades ou os pedidos
aclaração de sentença não são o momento adequado para suscitar uma questão de
constitucionalidade.
Assim, conforme se entendeu na decisão reclamada, a não suscitação adequada de
qualquer questão de constitucionalidade impede a interposição do recurso, pelo
que se não justifica o apelo à doutrina do n.º 5 do artigo 75º-A da LTC quanto
ao convite de aperfeiçoamento do requerimento de interposição, que apenas deve
ser usado quando se mostre haver alguma viabilidade do recurso interposto, o que
não era, sequer, o caso. Com efeito, tal oportunidade processual não pretende
ser um remédio para suprir deficiências irremediáveis dos pressupostos do
recurso.
Resta, por isso, reiterar que a reclamante não suscitou, adequadamente, qualquer
questão de constitucionalidade normativa susceptível de poder ser apreciada pelo
Tribunal Constitucional.
III.
Decisão:
Nestes termos, indefere-se a reclamação apresentada, e confirma-se a decisão
proferida de não conhecimento do objecto do recurso de constitucionalidade
interposto.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s.
Lisboa, 10 de Julho de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão