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Processo n.º 471/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
O A., SA, intentou, no Tribunal Cível da
Comarca do Porto, contra B., C., D., E. e a Federação dos Vinicultores da Região
do Douro (Casa do Douro):
– em 17 de Outubro de 1994, providência
cautelar não especificada, requerendo que as acções da F., SA, correspondentes
aos “títulos provisórios” n.ºs 5/26 a 5/91, depositados no Banco requerente e
que foram objecto de penhor a favor da G., SA, fossem entregues, até estar
definitivamente julgada a acção ordinária que ia ser intentada contra os
requeridos, a terceiro, como fiel depositário; e
– em 9 de Dezembro de 1994, acção de
processo ordinário, pedindo a condenação dos réus a entregar-lhe as acções da
F., SA, correspondentes aos “títulos provisórios” n.ºs 5/26 a 5/91, depositados
no Banco autor e que foram objecto de penhor a favor da G., SA.
O requerente e autor atribuiu à providência
cautelar e à acção ordinária o valor de Esc. 2 550 000 000$00.
Os quatro réus individuais requereram, na
providência cautelar (mas com eficácia extensível à acção), a concessão de
apoio judiciário, com dispensa parcial de pagamento de preparos e custas, tendo,
por despacho de 14 de Novembro de 1995 do Juiz do 3.º Juízo Cível da Comarca do
Porto, os pedidos sido deferidos, sendo os requerentes dispensados de 1/3 do
total a pagar a título de preparos e custas.
Por sentença de 22 de Fevereiro de 2000,
rectificada em 13 de Março de 2000, face a requerimento do autor em que se
comunicava que a Casa do Douro havia pago à G. a quantia em dívida, razão pela
qual esta sociedade renunciou ao penhor dos títulos à guarda do autor, o que
tornava a lide supervenientemente inútil, foi a instância da acção julgada
extinta, por inutilidade superveniente da lide (artigo 287.º, alínea e), do
Código de Processo Civil – CPC).
Por despacho de 10 de Maio de 2000,
atendendo ao trânsito em julgado da aludida sentença, foi julgada extinta a
instância da providência cautelar, por inutilidade superveniente da lide.
Do despacho judicial de 14 de Novembro de
1995, que concedera aos quatro réus individuais apoio judiciário, com dispensa
de 1/3 do total a pagar a título de preparos e custas, interpôs o Ministério
Público recurso para o Tribunal da Relação do Porto, que veio a subir a final,
juntamente com recurso interposto pelos recorrentes contra despacho que
indeferira reclamação da conta de custas. Por acórdão de 12 de Março de 2001,
foi concedido parcial provimento ao recurso dos réus, determinando‑se a reforma
da conta, e foi concedido provimento ao recurso do Ministério Público,
anulando‑se a decisão recorrida e determinando‑se a realização, na 1.ª
instância, de determinadas diligências probatórias e posterior decisão sobre o
mérito do incidente.
Na sequência do assim determinado, veio a
ser proferido o despacho de 23 de Outubro de 2003, que indeferiu o benefício de
apoio judiciário peticionado, tendo os requerentes sido condenados nas custas
do incidente, com taxa de justiça reduzida a 1/4, nos termos do artigo 15.º, n.º
1, alínea o), do Código das Custas Judiciais (CCJ). Este despacho fundamentou
nos seguintes termos o indeferimento do pedido de apoio judiciário:
“«O apoio judiciário visa a concretização do princípio da igualdade perante a
lei, traduzido no livre e igual acesso dos cidadãos ao tribunal para defesa dos
seus direitos, independentemente da insuficiência económico‑financeira».
Ressalta do disposto no artigo 7.º, n.º 1, do Decreto‑Lei n.º 387‑B/87, de 29 de
Dezembro, que «têm direito a protecção jurídica, nos termos da presente lei, as
pessoas singulares que demonstrem não dispor de meios económicos bastantes para
(...) custear, total ou parcialmente, os encargos normais de uma causa
judicial».
É condição necessária à concessão do referido benefício que os requerentes
demonstrem não dispor de meios económicos suficientes para custear, no todo ou
em parte, os encargos normais de uma causa judicial, impendendo sobre os mesmos
o ónus da alegação e prova dos concernentes factos – artigo 342.º do Código
Civil.
Essa incapacidade económica, que justifica a concessão do apoio judiciário,
deverá ser aferida tendo em conta os custos concretos de cada acção e a
disponibilidade da parte que o solicita, assim se devendo atender, por um lado,
aos rendimentos do requerente, ao valor do seu património, à potencialidade
deste para os produzir, aos seus encargos pessoais e familiares, aos impostos
que paga e, por outro lado, ao valor processual da causa, condicionante do valor
das custas respectivas.
No caso presente, importa, desde logo, considerar que a situação dos requerentes
não se insere em nenhuma das presunções de insuficiência económica previstas no
artigo 20.º do Decreto‑Lei n.º 387‑B/87, de 29 de Dezembro.
Depois, e no que toca ao valor das custas, o processo, porque entretanto findou,
encontra‑se já contado, sendo da responsabilidade dos requerentes o pagamento de
€ 103 854,17 (€ 25 963,54 para cada um, considerando que a quota parte da
responsabilidade de cada um nas custas totais é de ¼).
Há que atentar agora à concreta situação económico‑financeira de cada um dos
requerentes ao tempo do pedido.
Porque o depoimento das testemunhas arroladas foi prescindido, resta‑nos a prova
documental produzida nos autos.
E quanto a esta temos que, em relação à requerente E., foi feita prova da sua
remuneração anual, ilíquida (Esc. 6 723 066$00), bem como a de seu marido (Esc.
4 263 600$00) e das despesas com renda de casa (Esc. 91 921$00 mensais), garagem
(Esc. 18 000$00 mensais) e com água, luz e telefone (variáveis, mas numa média
que se aceita de Esc. 28 641$00 mensais).
Para além destas despesas, é facto notório que a requerente terá as normais
despesas com alimentação, vestuário, higiene, saúde e transportes, cujos
montantes, todavia, não foram quantificados, por falta de prova.
Quanto ao requerente B., temos que a sua remuneração anual ilíquida, à data do
requerimento, era de Esc. 20 474 236$00 e as suas despesas fixas e comprovadas
eram com renda de casa (Esc. 17 606$00 mensais), garagem (Esc. 18 000$00
mensais), luz e telefone (variáveis, numa média de cerca de Esc. 17 000$00).
Também quanto a este requerente é notório que o mesmo terá as despesas normais
com água, alimentação, vestuário, higiene, saúde e transportes, em montantes não
quantificados, por falta de prova.
Quanto ao requerente C., apurado ficou que a sua remuneração anual ilíquida era
de Esc. 12 400 000$00 e que as suas despesas fixas e comprovadas eram com a
renda de casa (Esc. 95 299$00 mensais) e garagem (Esc. 18 000$00 mensais).
Também quanto a ele é notório que terá as despesas normais com água,
alimentação, vestuário, higiene, saúde e transportes, em montantes não
quantificados, por falta de prova.
Finalmente, quanto ao requerente D., ficou demonstrado que a sua remuneração
anual ilíquida era de Esc. 12 889 548$00 e que as suas despesas fixas e
comprovadas eram com prémios de seguros (Esc. 38 698$00), médicas e
medicamentosas (variáveis, numa média de Esc. 40 000$00, que se aceita), água e
luz (numa média de Esc. 55 000$00), telefone e telemóvel (numa média de Esc. 35
000$00).
Estas, portanto, as situações económico‑financeiras dos requerentes espelhadas
nos autos.
Cumpre, face a estes factos, decidir.
É nosso entendimento que para que o apoio judiciário seja concedido não é
necessário que o requerente se encontre numa situação de impossibilidade
absoluta de suportar as despesas com o processo, bastando que essas mesmas
despesas possam afectar significativamente a satisfação das suas normais
necessidades e do seu agregado familiar. Daqui decorre que, em concreto, um
rendimento acima da média possa justificar, designadamente face às despesas
apresentadas e ao valor da causa, a concessão, no todo ou em parte, do apoio
judiciário.
Todavia, e porque, como refere Salvador da Costa, «... é tão violador da lei a
concessão de apoio judiciário a quem dele não carece, como a sua denegação a
quem dele necessita», entendemos que, auferindo o requerente um rendimento
consideravelmente superior à média das pessoas, só circunstâncias excepcionais
poderão justificar a sua concessão. O critério será mesmo (como já se referiu) o
de averiguar se as despesas com a demanda irão afectar significativamente a
satisfação das necessidades normais do requerente.
Ora, no caso presente, afigura‑se‑nos que por demonstrar ficou que o montante
das custas da responsabilidade dos requerentes possa afectar significativamente
a satisfação das suas necessidades normais. E assim é porque se elevado é aquele
montante (€ 103 854,17, da responsabilidade dos quatro requerentes), elevados
são igualmente os seus rendimentos, sendo certo que, para além dos factos supra
descriminados, os requerentes não fizeram a prova (como lhes competia) dos
restantes factos alegados, mesmo da composição dos seus agregados familiares.
De referir, aliás, que em relação aos requerentes B. e C., face ao por si
alegado de que, respectivamente, têm um rendimento mensal disponível de Esc.
580 590$00 e Esc. 440 149$00, em nosso entender, e salvo o devido respeito por
opinião contrária, sempre o requerido benefício seria de indeferir.
Assim, e por tudo quanto se expôs, decide‑se indeferir o benefício do apoio
judiciário peticionado.”
Em 3 de Maio de 2004, foi elaborada conta de
custas, sendo o total a pagar pelos réus em causa no montante de € 66 104,80,
dos quais 31 855,86 relativos à condenação no incidente de apoio judiciário.
Em 24 de Maio de 2004, os referidos réus
vieram reclamar da conta de custas, sustentando que o valor do incidente de
apoio judiciário não é o da acção (€ 12 719 346,38), mas o da sucumbência (€ 34
618,12), mas tal foi indeferido por despacho de 3 de Junho de 2004, do seguinte
teor:
“Salvo o devido respeito por opinião contrária, não procedem as razões apontadas
pelos reclamantes.
O artigo 6.°, n.º 1, alínea o), do Código das Custas Judiciais é explícito e
taxativo em determinar que, no apoio judiciário, se considera como valor, para
efeitos de custas, o da respectiva acção.
Assim, o valor tributário do incidente em causa terá de incidir sobre o valor da
acção e não, como pretendem os reclamantes, sobre o montante de € 34 168,12.
Refira‑se ainda o seguinte:
O Acórdão da Relação do Porto que se pronunciou quanto ao recurso interposto
pelo Ministério Público da decisão do incidente do apoio judiciário de fls. 494
anulou tal decisão e determinou que a 1.ª instância realizasse as diligências
tendentes a averiguar e conhecer a situação económica e individual de cada um
dos requerentes.
Tal significa que a partir de tal momento tudo voltou à estaca anterior à
prolação daquela decisão de fls. 494, sendo que na apreciação do incidente
suscitado, a fls. 325 a 327, poderíamos ter optado por indeferir in totum (como
o fizemos) o benefício requerido, por o conceder na totalidade ou por o conceder
em proporção diferente daquela que fora fixada a fls. 494.
Acresce que não vemos em que o valor tributário do incidente do apoio judiciário
não seja o da acção, mas o da sucumbência, na medida em que os reclamantes não
necessitavam do apoio judiciário para a acção, que venceram.
De facto, o que sucede é que o procedimento do apoio judiciário está
necessariamente coligado a uma. especifica acção, com determinado objecto e
valor, surgindo assim como estritamente funcional e instrumental relativamente à
causa principal em que se insere.
Ora, estando os processos judiciais sujeitos a custas e constituindo os
incidentes do apoio judiciário um procedimento judicial, encontram‑se também
eles sujeitos a essas mesmas custas, do pagamento das quais sempre ficará isento
o requerente quando lhe seja concedido o apoio. Já em caso de sucumbência do
pedido, deverá o interessado suportar as custas do incidente, como dispõe a
regra geral do artigo 446.° do Código de Processo Civil.
A norma do artigo 6.º, n.º 1, alínea o), do Código das Custas Judiciais
limita‑se a adoptar como critério para tal tributação o valor da acção
principal, aquela em que se fazem valer ou defender os direitos ou interesses em
litígio e para a prossecução da qual se pede a concessão desse apoio.
Por outro lado, não nos parece que constitua qualquer violação do direito
fundamental de acesso à justiça e aos tribunais a circunstância de o Código das
Custas Judiciais mandar atender ao valor da acção para determinação do valor do
incidente, na medida em que tal critério não reveste qualquer
desproporcionalidade ou arbitrariedade – se o valor da acção for muito elevado,
mais elevadas serão as respectivas custas judiciais, mas se em acções de valor
inferior, então as respectivas custas serão menores.
Acrescente‑se que quando na decisão de fls. 325 se disse «depois, e no que toca
ao valor das custas, o processo, porque entretanto findou, encontra‑se já
contado, sendo das responsabilidades dos requerentes o pagamento de 103 854,17
euros», quis‑se significar, apenas e tão‑só, isso mesmo, isto é, que se atendeu,
entre outros factores, ao valor das custas apuradas para se aferir da capacidade
económico‑financeira dos requerentes para suportarem o seu pagamento, na medida
em que essa havia sido a modalidade do apoio judiciário peticionada.
Poder‑se‑ia colocar a questão de nesse momento de ponderação não se ter atentado
às próprias custas prováveis do incidente.
Mas essa é outra questão, que diz respeito à matéria de fundo do despacho
proferido, o qual transitou em julgado.
Ou seja, tal circunstância, em nosso entender, em nada tem a ver com as custas
devidas pelo próprio incidente do benefício do apoio judiciário, cujo valor
tributário é fixado nos termos do artigo 6.º, n.º 1, alínea o), do Código das
Custas Judiciais e cuja incidência é fixada no artigo 15.º, n.º 1, alínea o), do
mesmo diploma legal – 1/4 –.
Assim, e porque não encontramos fundamentos para a reclamação apresentada, vai
a mesma indeferida.”
Os réus em causa interpuseram recurso deste
despacho para o Tribunal da Relação do Porto, terminando as respectivas
alegações com a formulação das seguintes conclusões:
“1) O valor tributário do incidente de apoio judiciário não é
o da acção, mas o da sucumbência, já que os reclamantes nada devem ao Estado a
título de custas pela acção, que ganharam.
2) Os reclamantes apenas sucumbiram em via de um recurso de
agravo em separado e, subsequentemente, veio‑lhes retirado o 1/3 de apoio
judiciário de que haviam beneficiado, com base na afirmação do valor das custas
já definitivamente apurado.
3) Logo, apenas está em causa o valor de sucumbência: 34
618,12 euros.
4) A decisão recorrida, fazendo voltar a fazer incidir o valor
tributário deste incidente sobre os 12 719 346,38 euros (valor da acção
principal, que os recorrentes ganharam), em lugar dos 34 618,12 euros de custas
para os quais, justamente, a posteriori (já a final) veio retirado o apoio
judiciário aos recorrentes, consagra uma singularidade com valor de injusta
desproporção.
5) A dimensão normativa afirmada para o artigo 6.°, n.° 1,
alínea o), do Código das Custas Judiciais pela decisão recorrida torna esta
norma inconstitucional e tirada em violação do artigo 18.º da Constituição, por
impor uma restrição desproporcionada e excessiva ao direito fundamental
consagrado no artigo 20.° da Constituição.
6) Deverá, por isso, a decisão recorrida vir revogada e
substituída por outra que declare o Direito, com as demais consequências
legais.”
A este recurso foi negado provimento pelo
acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 28 de Fevereiro de 2005, com a
seguinte fundamentação:
“Delimitado o recurso pelas conclusões extraídas pelo
recorrente das respectivas alegações (artigos 684.º, n.º 3, e 690.º, n.º 1, do
CPC), temos que a única questão a decidir é a de saber se, na hipótese dos
autos, o valor para efeito de custas do incidente de apoio judiciário, denegado,
na totalidade, aos recorrentes, deve ser considerado o valor da acção (como na
decisão recorrida) ou o indicado pelos recorrentes como da «sucumbência» no
recurso de agravo interposto pelo Ministério Público do despacho que lhes
concedera, na proporção de 1/3, o beneficio pedido, despacho este anulado pela
decisão desta Relação proferida nesse recurso.
Em nosso entender, tal questão, analisada à luz do artigo 6.º,
n.º 1, alínea o), do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º
224/96, de 26 de Novembro, aplicável ao caso, foi decidida correctamente.
Não procedendo, sequer, a inconstitucionalidade invocada pelos
recorrentes, sobre a qual também se pronunciou a decisão recorrida. Como
refere Salvador da Costa, Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado, 3.ª
ed., p. 110: «Não obstante o valor tributário do incidente em causa ser
determinado em função do valor da acção, não há violação do princípio da
proporcionalidade nem do estatuído no artigo 20.º, n.º 2, da Constituição,
porque a lei faculta, nas acções de valor elevado, a redução da taxa de justiça
do incidente até metade de unidade de conta – artigo 15.º, n.º 2, deste
Código».
Assim, por concordarmos inteiramente com a fundamentação da
decisão recorrida, limitamo‑nos aqui a remeter para os respectivos fundamentos
(artigo 713.º, n.º 5, do CPC).”
É contra este acórdão que, pelos mesmos
réus, vem interposto o presente recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de
Fevereiro (LTC), pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade, por
violação dos artigos 18.º, n.º 2, e 20.º da Constituição da República Portuguesa
(CRP), da norma do artigo 6.º, n.º 1, alínea o), do Código das Custas Judiciais,
enquanto dispõe que, para efeitos de custas, se considera como valor do
incidente de apoio judiciário o da respectiva acção.
Os recorrentes apresentaram alegações neste
Tribunal Constitucional, formulando, a final, as seguintes conclusões:
“1) A concreta dimensão normativa encontrada para o artigo
6.°, n.° 1, alínea o), do Código das Custas Judiciais pela decisão recorrida
impõe uma restrição desproporcionada e excessiva ao acesso ao direito e tutela
jurisdicional efectiva;
2) Violando o disposto nos artigos 18.°, n.° 2, e 20.º da
Constituição da República Portuguesa;
3) Deverá, por isso, vir julgada inconstitucional, com as
demais consequências legais.”
O representante do Ministério Público no
Tribunal Constitucional contra‑alegou, concluindo:
“1 – A norma constante do artigo 6.°, n.° 1, alínea o), do Código das Custas
Judiciais, na versão de 1996, ao considerar como valor tributário do incidente
de apoio judiciário o da respectiva causa principal – com as reduções previstas
no artigo 15.º do mesmo Código – não implica restrição desproporcionada ou
excessiva no acesso ao direito.
2 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
O artigo 6.º, n.º 1, alínea o), do Código
das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro,
na sua versão originária, aplicável ao caso dos autos, dispunha: “1 – Nos casos
a seguir enunciados considera‑se como valor, para efeitos de custas: (...) o) No
apoio judiciário, o da respectiva acção; (...).”
E o subsequente artigo 15.º, n.º 1, alínea
o), estabelecia que a taxa de justiça era reduzida a um quarto nos incidentes de
apoio judiciário, sendo, nos termos do n.º 2, reduzida a um oitavo quando não
houver ou não for admissível oposição, podendo o juiz, justificadamente,
reduzi‑la até metade de 1 UC.
O Tribunal Constitucional, relativamente à
norma correspondente do anterior Código das Custas Judiciais (aprovado pelo
Decreto‑Lei n.º 44 329, de 8 de Março de 1962) – a norma do artigo 8.º, n.º 1,
alínea v), segundo a qual o valor tributário dos processos de “assistência
judiciária” era o da “acção a que respeitam” –, emitiu juízo de não
inconstitucionalidade (num caso em que a condenação em custas por
improcedência de pedido de apoio judiciário se cifrou em 3 591 650$00), no
Acórdão n.º 495/96, com a seguinte fundamentação:
“4. A questão colocada pelos recorrentes é, afinal, a de saber
se a norma constante da alínea v) do n.º 1 do artigo 8.º do Código das Custas
Judiciais constitui uma verdadeira restrição desproporcionada ao direito
fundamental de acesso à justiça e aos tribunais, consignado no artigo 20.º da
Lei Fundamental. Consideram os recorrentes, em sustento da sua tese, que o
direito de acesso à justiça e aos tribunais é um verdadeiro direito imaterial, e
que, como tal, a determinação do valor dos incidentes ou processos de apoio
judiciário – meio privilegiado de realizar aquele direito pelos que não têm
possibilidades económicas de custearem o acesso aos tribunais – se deve fazer
pelas regras atinentes à fixação do valor dos processos que têm por objecto esse
tipo de direitos, ou seja, pelo artigo 312.º do Código de Processo Civil.
Não tem este Tribunal que apurar da natureza material ou
imaterial do direito de acesso à justiça e aos tribunais, nem tão‑pouco
pronunciar‑se sobre a bondade ou justeza da opção feita pelo legislador, ao
estabelecer que o valor dos incidentes de apoio judiciário é «o da acção a que
respeitam». Cabe‑lhe aqui, tão‑somente, e no que à matéria de
constitucionalidade concerne, verificar se a norma constante do artigo 8.º, n.º
1, alínea v), do Código das Custas Judiciais, ao determinar que, nos processos
de apoio judiciário, o valor atendível para efeitos de custas é o da acção a
que respeitam, constitui afrontamento ou restrição inaceitável do direito de
acesso aos tribunais.
Dispõe a norma em apreço:
«1. Os valores atendíveis para efeito de custas são, com
ressalva do disposto no artigo 11.º, os que resultam da aplicação das leis de
processo para o processado a contar, se não forem diferentes dos referidos nas
alíneas seguintes:
(...)
v) Nos processos de assistência judiciária – o da acção a que
respeitam;»
E pode‑se ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, ora recorrido:
«Temos, assim, um direito geral à protecção jurídica, onde se enquadram
conexamente os direitos:
a) de acesso ao direito;
b) de acesso aos tribunais;
c) à informação e consulta jurídicas;
d) ao patrocínio judiciário.
Os comentadores Profs. Canotilho e Vital Moreira ensinam que «o direito ao
acesso ao direito não é apenas instrumento de defesa dos direitos e interesses
legítimos. É também elemento integrante da igualdade e do próprio princípio
democrático, pois este não pode deixar de exigir também a democratização do
direito».
E com aplauso uniforme da nossa doutrina.
Trata‑se de uma igualdade jurídico‑material vista sob dois prismas: obrigação
do legislador de regular de forma igual o que é essencialmente igual e a
obrigação das autoridades que aplicam a lei de proceder do mesmo modo.
Não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos, aqui
estará o traço saliente da ideia de democratização da justiça.
(...)
O direito de acesso ao direito terá como finalidade teleológica atribuir aos
cidadãos o direito fundamental de exigir do Estado a reformulação do direito
substantivo, no sentido de o cidadão poder conhecer os seus direitos e a forma
de, melhor, mais eficaz e em tempo útil, exercitá‑los.
Mas mais.
Existe também como vertente primordial o direito de exigir do Estado a dotação
de um sistema que consiga abarcar as diárias situações fácticas, que venham
intervir, negativamente, na pessoa e património do cidadão.»
5. O direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da
Constituição, implica «assegurar os meios de assistência judiciária e defesa
oficiosa, possibilitadores de uma defesa não claudicante dos direitos
fundamentais» (J. J. Gomes Canotilho, Manual de Direito Constitucional,
Almedina, 3.º edição, pág. 514).
Nesta conformidade, tem este Tribunal entendido de forma generalizada que serão
ofensivas dos preceitos constitucionais, nomeadamente do artigo 20.º da CRP, as
normas que neguem ao interessado economicamente carenciado o acesso aos
mecanismos de assistência e apoio judiciário, em determinadas circunstâncias
processuais (cf., por exemplo, os Acórdãos n.º 450/89, publicado no Diário da
República, n.º 24, II Série, de 29 de Janeiro de 1990, n.º 99/90, publicado no
Diário da República, n.º 204, II Série, de 4 de Setembro de 1990, e n.º 400/91,
publicado no Diário da República, n.º 263, I Série‑A, de 15 de Novembro de 1991,
entre outros). Mas, pelo contrário, tem considerado constitucionalmente
admissíveis os meros condicionalismos ou formalidades que rodeiam ou
regulamentam os procedimentos de apoio judiciário (cf. o Acórdão n.º 395/89,
publicado no Diário da República, n.º 212, II Série, de 14 de Setembro de
1989).
O artigo 20.º da Constituição não impõe a gratuitidade do acesso aos tribunais,
só impedindo que ele seja contrariado pela insuficiência de meios económicos dos
interessados, como foi salientado no Acórdão n.º 409/94 (publicado no Diário da
República, II Série, de 5 de Setembro de 1994).
O instituto do apoio judiciário não é, pois, um instrumento generalizado, ou
pressuposto primário de acesso ao direito: é, antes, um remédio, uma solução a
utilizar, de forma excepcional, apenas pelos cidadãos economicamente
carenciados ou desfavorecidos, e não de forma indiscriminada pela globalidade
dos cidadãos. Isto implica, necessariamente, que também o sistema das custas
judiciais tenha que ser um sistema proporcional e justo, que não torne
insuportável ou inacessível para a generalidade das pessoas o acesso aos
tribunais.
Estando os processos judiciais sujeitos a custas, e constituindo os incidentes
de apoio judiciário um procedimento judicial, encontram‑se, também eles,
sujeitos a essas mesmas custas, do pagamento das quais sempre ficará isento o
requerente quando lhe seja concedido o apoio; já em caso de sucumbência do seu
pedido, deverá o interessado suportar as custas do incidente a que deu origem,
como dispõe a regra geral do artigo 446.º do Código de Processo Civil.
E a norma em questão nos presentes autos adopta como critério para tal
tributação o valor da acção principal, aquela em que se fazem valer ou defender
os direitos ou interesses em litígio, e para a prossecução da qual se pede a
concessão desse apoio; o que é reflexo da própria instrumentalidade daquele
procedimento ou incidente face a esta acção.
Diga‑se, desde já, que não se denota aqui qualquer afrontamento ao artigo 20.º
da Lei Fundamental, já que o critério aqui utilizado não reveste qualquer
desproporcionalidade ou arbitrariedade nem se vê como possa obstruir ou impedir
o acesso aos tribunais. Efectivamente, se o valor da acção for muito elevado,
mais elevadas serão as respectivas custas judiciais, mas em acções de valor
inferior, então as respectivas custas serão menores, atento o princípio da
proporcionalidade adoptado no artigo 16.º do Código das Custas Judiciais, ao
passo que, a seguir‑se a orientação propugnada pelos recorrentes – isto é, se se
tributasse o procedimento de apoio judiciário pelo critério da «imaterialidade»
deste direito, que é dizer, pela regra do artigo 312.º do Código de Processo
Civil, – nas acções de valor inferior a 2 000 000$00, os requerentes de apoio
judiciário, caso lhes não fosse concedido o respectivo benefício, ver‑se‑iam
compelidos a pagar um montante de custas muito superior ao da acção principal –
o que conduziria a resultados absurdos e inaceitáveis.
Falece, assim, de todo, a argumentação dos recorrentes, até porque a norma
impugnada mais não traduz do que a regra ou princípio geral de determinação do
valor dos incidentes processuais, consignado no artigo 313.º, n.º 1, do Código
de Processo Civil.
Não decorre, pois, desta norma, qualquer desproporcionada restrição do direito
de acesso aos tribunais.
É bem verdade que se pode afirmar que, nalguns casos, quando estão em causa
acções de muito elevado valor – como acontece no caso sub judicio – o montante
das custas do incidente de apoio judiciário se apresenta, pelo menos
aparentemente, como excessivo. Contudo, tal não se deve à norma em apreciação,
em si mesma considerada – que se pode mesmo considerar como relativamente
neutra para esse efeito –, mas antes às normas que fixam a taxa de justiça nos
incidentes – artigos 43.º e 42.º do CCJ, que não prevêem um quantitativo máximo
de tributação para o incidente de apoio judiciário –, as quais não foram objecto
de qualquer impugnação no presente recurso de constitucionalidade.”
Estas considerações são inteiramente
transponíveis para o caso do presente recurso e mostram‑se ajustadas aos
critérios que, nesta matéria, têm sido seguidos por este Tribunal, não se
verificando qualquer incompatibilidade entre essa orientação jurisprudencial e o
recentemente decidido nos Acórdãos n.ºs 420/2006, 255/2007 e 299/2007, uma vez
que o primeiro acórdão citado (que julgou inconstitucionais, por violação do
artigo 20.º, n.º 1, da CRP, as normas dos artigos 6.º, n.º 1, alínea o), 14.º,
n.º 1, alínea a), 23.º, n.º 1, 24.º, n.º 1, alínea c), 28.º e 29.º do CCJ,
aprovado pelo Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro, na redacção emergente
do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, quando interpretadas no sentido
de que a impugnação judicial da decisão administrativa sobre a concessão de
apoio judiciário não está dispensada do pagamento prévio da taxa de justiça
inicial, calculada com referência ao valor da causa principal, e determinando a
omissão do pagamento o desentranhamento da alegação apresentada e a preclusão
da apreciação jurisdicional da impugnação deduzida) centrou‑se sobre diversa
questão (os efeitos processuais da falta de pagamento da taxa de justiça
inicial), e os dois últimos (que julgaram inconstitucional, por violação do n.º
1 do artigo 20.º, em conjugação com o artigo 18.º, da CRP, a norma vertida na
alínea o) do n.º 1 do artigo 6.º do vigente CCJ, na parte em que tributa em
função do valor da causa principal a impugnação judicial de decisão
administrativa sobre a concessão de apoio judiciário) incidiram sobre redacção
desse diploma (a emergente do Decreto‑Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro), que
não inseriu, nos actuais artigos 14.º e 15.º, relativos às reduções das taxas de
justiça, normas equivalentes às das anteriores alínea o) do n.º 1 do artigo
15.º (que reduzia a 1/4 a taxa de justiça nos incidentes de apoio judiciário) e
n.º 2 do mesmo preceito (que reduzia a 1/8 a taxa de justiça quando, nos casos
previstos no número anterior, não houvesse ou não fosse admissível oposição,
podendo o juiz, justificadamente, reduzi‑la até metade de 1 UC).
Como resulta expressamente do acórdão ora
recorrido, foi justamente esta possibilidade legal de redução da taxa de
justiça até metade de 1 UC, que justificou o juízo de não inconstitucionalidade
do sistema normativo então vigente. É certo que, no caso, o juiz decidiu não
utilizar essa faculdade, mas fê‑lo, não por tal lhe ser legalmente vedado, mas
por entender que, designadamente, a situação económica dos requerentes de apoio
tal não justificava. O acerto, e mesmo a constitucionalidade, desta decisão
judicial não podem, como é sabido, ser sindicados por este Tribunal,
circunscrito, como está, o sistema de fiscalização de constitucionalidade posto
a seu cargo ao controlo da inconstitucionalidade normativa.
Ora, é manifesto que o critério normativo
que, considerando, para efeitos de custas, o valor do incidente de apoio
judiciário como correspondente ao valor da respectiva acção, e reduzindo a taxa
de justiça a 1/4 (ou 1/8, na falta de oposição), com possibilidade de redução
até metade de 1 UC, não se revela desproporcionado nem intoleravelmente
limitador do acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional a norma do
artigo 6.º, n.º 1, alínea o), do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo
Decreto‑Lei n.º 224‑A/96, de 26 de Novembro, na versão originária, que
considerava como valor tributário do incidente de apoio judiciário o da
respectiva causa principal; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando
a decisão recorrida, na parte impugnada.
Custas pelos recorrentes, fixando‑se a taxa
de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 11 de Julho de 2007.
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Silva Rodrigues
João Cura Mariano
Rui Manuel Moura Ramos