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Processo nº 591/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal Central Administrativo Sul, em que é
recorrente A., Lda. e são recorridos o Município de Câmara de Lobos e B., S.A.,
foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no
artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do
Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão daquele tribunal de 14 de Dezembro de
2006.
Em 20 de Junho de 2007, foi proferida decisão sumária, pela qual o Tribunal
decidiu, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 1, da LTC, não tomar
conhecimento do objecto do recurso.
Foi utilizada a seguinte fundamentação:
«A recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da
alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC: recurso que cabe de decisões dos
tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada
durante o processo, devendo tal suscitação ter ocorrido de modo processualmente
adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este
estar obrigado a dela conhecer (artigo 72º, nº 2, da mesma lei). Do que decorre
que, pese embora a recorrente indique, em cumprimento do disposto na parte final
do nº 2 do artigo 75º-A da LTC, o recurso para o Tribunal Central Administrativo
Sul e o recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, apenas as alegações
produzidas no primeiro podem ser consideradas.
Foi, de facto, o Tribunal Central Administrativo Sul que proferiu a decisão
recorrida, cabendo agora ao Tribunal Constitucional averiguar se perante este
tribunal foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa
reportada ao artigo 653º do Código de Processo Civil, pois que está em causa um
dos pressupostos do recurso interposto.
A recorrente define como objecto do recurso, no requerimento de interposição do
mesmo, a norma constante do artigo 653°, n°s. 2 e 4, do Código de Processo
Civil, quando interpretada e aplicada no sentido de que cumpre suficientemente o
disposto no art. 653°, nº 2, do CPC, no que à fundamentação da decisão proferida
quanto à matéria de facto e no que ao exame crítico das provas diz respeito, a
menção de que foram considerados os documentos juntos aos autos; quando
interpretada e aplicada no sentido de que não padece de deficiência, nos termos
do art. 653°, nº 4, do CPC, a decisão proferida quanto à matéria de facto
quando, nos seus próprios expressos termos, respeite apenas aos factos que
considere “relevantes”, tendo sido absolutamente desconsiderados determinados
factos alegados; e, ainda, quando interpretada e aplicada no sentido de que não
padece de deficiência e obscuridade, nos termos do art. 653°, n° 4, do CPC, a
decisão proferida quanto à matéria de facto quando integre resposta que se
limite a dar por reproduzidos determinados documentos, sem a indicação dos
factos pelos mesmos eventualmente provados.
Independentemente da questão de saber se, através desta formulação, a recorrente
observa integralmente um dos ónus previstos no nº 1 do artigo 75º-A da LTC – o
ónus de indicar a norma cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal
Constitucional aprecie – o certo é que, durante o processo, não foi suscitada
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa reportada àquele artigo do
Código de Processo Civil.
Durante o processo, o que a recorrente censurou foi a decisão recorrida, quanto
à matéria de facto, requerendo a sua anulação, por dela não constar, em seu
entender, qualquer exame crítico à prova apresentada, violando assim o disposto
no artigo 653º, nº 2, do Código de Processo Civil, por padecer de deficiência,
nos termos do disposto no artigo 653º, nº 4, do Código de Processo Civil, por
respeitar apenas aos factos que o tribunal a quo considerou relevantes, e ainda
por padecer de deficiência e obscuridade, nos termos do disposto no artigo 653º,
nº 4, do Código de Processo Civil, por se ter limitado a dar por reproduzidos
determinados documentos (cf. supra, ponto 2. do Relatório – pontos 12., 20.,
29., 31., 35., 40., 41., 43., 44. e 45. da parte ali reproduzida da peça
processual em causa).
A alegação feita pela recorrente, nas alegações e conclusões do recurso para o
Tribunal Central Administrativo Sul, segundo a qual “interpretação divergente a
este respeito” viola a Constituição (respectivamente, pontos 32., 42. e 46. e
alíneas j), q) e s)), não corresponde à suscitação de qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa. Lida a peça processual, verifica-se que não se
identifica ali qualquer norma (ou qualquer interpretação normativa) da qual se
pudesse divergir, com fundamento num juízo de inconstitucionalidade. Da leitura
de tal peça só pode concluir-se que a recorrente diverge, isso sim, do modo como
o tribunal procedeu à fixação da matéria de facto.
Não tendo sido previamente suscitada, durante o processo, uma questão de
inconstitucionalidade normativa, não pode conhecer-se do objecto do recurso, o
que justifica a prolação da presente decisão (artigos 70º, nº 1, alínea b), e
78º-A, nº 1, da LTC)».
2. Desta decisão reclama agora a recorrente para a conferência, ao abrigo do
disposto no nº 3 do artigo 78º-A da LTC, nos seguintes termos:
«(…) 5. Quanto ao caso vertente, verifica-se antes de mais que as questões que
integram o objecto do Recurso para esse Tribunal Constitucional, como referido
na alínea d) do respectivo requerimento de interposição, foram colocadas desde
logo no Recurso apresentado da Decisão proferida pelo T.A.F. do Funchal para o
T.C.A. Sul, logo, no sentido apontado pelo supra-citado Acórdão, antes da
decisão desse Tribunal de Segunda Instância, e, como tal, “durante o processo”
para efeitos do disposto no art. 70º, nº 1 da L.T.C.
6. Concretizando, e para além dos demais fundamentos apresentados no referido
Recurso para o T.C.A. Sul, foi aí alegado pela ora Reclamante, quanto à primeira
questão de constitucionalidade individualizada na alínea b) do requerimento de
interposição de Recurso para o Tribunal Constitucional, o seguinte:
«12. Verifica-se, em primeiro lugar, não ter sido dado o devido cumprimento ao
disposto no art. 653°, n° 2, do CPC, desde logo no que ao exame crítico das
provas diz respeito, vício este que desde já e para todos os efeitos
expressamente se invoca.
13. Com efeito, dispõe o art. 653° do CPC, sob a epígrafe “Julgamento da matéria
de facto”, no respectivo n° 2, que “ [...] a decisão proferida declarará quais
os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados,
analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram
decisivos para a convicção do julgador”.
14. Reitera-se a expressão legal: “... analisando criticamente as provas..
15. A exigência aí constante implica a necessidade de identificação quer da
matéria de facto provada quer da matéria de facto não provada, em ambos os casos
expressamente fundamentada.
16. Na verdade, “a decisão sobre a matéria de facto não pode confinar-se [...j à
mera declaração de quais os factos que o tribunal julga provados e quais os
factos que o tribunal julga não provados” (Abílio Neto, in Código de Processo
Civil Anotado, 2003, Ediforum, nota 3 ao referido normativo).
17. Mais ainda: “De acordo com a doutrina maioritária (v.g., Miguel Teixeira de
Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, pág. 348; F. Ferreira Pinto,
Lições de Direito Processual Civil, 1997, pág. 440; Miguel Corte-Real, O Dever
de Fundamentação da Decisão Judicial dada sobre Matéria de Facto, em Vida
Judiciária, nº 24, Abril de 99, págs. 22 e ss.; contra, Rui Rangel, A Prova e a
Gravação da Audiência no Direito Processual Civil, 1998, pág. 59), o n° 2 deste
art. 653° não se contenta com a fundamentação dos factos positivos, mas exige,
de igual modo, que os factos não provados sejam devida e criteriosamente
fundamentados, através da apreciação crítica das provas propostas pelas partes,
de molde a evidenciar a razão ou razões que levam o Tribunal a concluir não
serem as mesmas suficientes para infirmarem conclusão diversa da de considerar
tais factos como não provados, fundamentação esta que a generosidade dos Juízes
omite, o que tanto mais grave e injustificado quanto é certo que a sorte das
acções assenta, não raro decisivamente, nos factos negativos, por aplicação das
regras do ónus da prova. A sindicabilidade da decisão sobre matéria de facto é
incompatível com a desnecessidade da fundamentação das respostas de “não
provado”, como é consabido e sentido por todos os intervenientes processuais.”
18. A necessidade de identificação da matéria de facto provada e da matéria de
facto não provada, bem como da respectiva fundamentação, nos termos do referido
normativo do CPC, tem sido considerada conforme à CRP, concretamente ao
respectivo (e actual) art. 205°, n° 1, correspondente ao anterior art. 208°, n°
1, por diversos Acórdãos do Tribunal Constitucional, e designadamente do Ac. n°
56/97, de 03/01/97, segundo o qual, e para o que aqui mais importa: “O mandado
constitucional de fundamentação das decisões dos tribunais é um mandado aberto a
uma actuação constitutiva do legislador. Deixa claro que é o legislador a
determinar os termos mas também os casos em que tem lugar a fundamentação. O
legislador, porém, não é livre do sentido global da Constituição e, desde logo,
não é livre dos limites materiais que sempre se põem ao cumprimento das
imposições legiferantes. Não pode esvaziar o sentido útil daquele mandado de
fundamentação, desde logo, decisivamente, no sentido de isentar a decisão em
causa de uma fundamentação.
19. E o que se diz do legislador ordinário por maioria de razão se dirá do
intérprete da Lei.
20. Ora, da Decisão recorrida não consta qualquer exame crítico à prova
apresentada.
21. A título meramente exemplificativo, refira-se o seguinte:
[…]
29. Para além deste exemplo concreto, parece-nos claro que a menção genérica no
sentido de que o Tribunal considerou os “documentos juntos aos autos, como acima
referidos”, sendo esta referência feita às respostas dadas quanto à matéria de
facto, algumas acompanhadas da remissão para o respectivo documento, se afigura
totalmente insuficiente em termos de cumprimento do preceituado no art. 653°, n°
2, do CPC.
30. De modo que, em suma, a respeito da decisão quanto à matéria de facto, não
se mostrando minimamente esclarecidos quais os respectivos fundamentos, pelo
exame crítico da prova que se lhe impunha fazer, a mesma se torna neste aspecto
insindicável, isto é, na medida em que irremediavelmente prejudicada fica a
efectiva compreensão da respectiva justiça ou não.
31. Nesta sequência, verifica-se que a Douta Decisão ora recorrida violou o
disposto no art. 653°, n° 2, do CPC, implicando a respectiva anulação,
32. Sendo que interpretação divergente a este respeito viola por sua vez o
disposto nos seguintes normativos e princípios constitucionais: 2° (princípio do
Estado de Direito), 13° (princípio da igualdade), 20º, em particular o n° 4
(princípio da equidade do processo), e art. 205°, n° 1 (princípio da
fundamentação das decisões dos tribunais).»
7. Como resulta de forma expressa do trecho citado das Alegações no Recurso
apresentado para o T.C.A. Sul, o ora Reclamante invocou o art. 653°, n° 2, do
CPC, o qual considerava violado, entre outros aspectos, pela simples menção
genérica no sentido de que o então Tribunal a quo havia considerado os
“documentos juntos aos autos, como acima referidos”, sendo esta referência feita
às respostas dadas quanto à matéria de facto, algumas acompanhadas da remissão
para o respectivo documento.
8. Como então referia o ora Reclamante, tal menção afigurava-se, na respectiva
perspectiva, totalmente insuficiente em termos de cumprimento do preceituado no
referido normativo.
9. Mas o ora Reclamante disse mais ainda então, e aqui entramos na questão do
objecto do presente Recurso: disse que interpretação divergente a esse respeito
– ou seja, no sentido da suficiência de tal simples menção em termos do
cumprimento do disposto no art. 653°, n° 2, do CPC – seria violadora do disposto
nos arts. 2°, 13°, 20° e 205°, n° 1, da CRP.
10. Entendimento diverso teve o T.C.A. Sul, o qual julgou integralmente
improcedente o recurso perante si apresentado.
11. Pese embora o T.C.A. Sul lhe tenha negado razão, o facto é que o Recorrente
suscitou atempadamente, isto é, durante o processo, a questão – que é normativa
e constitucional, e daí ter integrado o objecto do presente Recurso – da
conformidade aos mencionados preceitos constitucionais da norma constante do
art. 653°, no. 2, do CPC, quando interpretada no sentido de que se mostra
suficientemente cumprida, no que à fundamentação da decisão proferida quanto à
matéria de facto e no que ao exame crítico das provas diz respeito, pela menção
de que foram considerados os “documentos juntos aos autos, como acima referidos”
(sendo esta referência, como alegado no Recurso apresentado para o T.C.A. Sul,
feita às respostas dadas quanto à matéria de facto, algumas acompanhadas da
remissão para o respectivo documento)
12. O mesmo se diga, quanto à segunda questão de constitucionalidade
individualizada na alínea b) do requerimento de interposição de Recurso para o
Tribunal Constitucional, verificando-se ter sido alegado pela ora Reclamante no
Recurso apresentado para o T.C.A. Sul o seguinte:
«33. Verifica-se, em segundo lugar, que na Douta Decisão ora recorrida, a fls.
229 a 231, é decidida a matéria de facto, quer quanto aos factos dados como
provados, quer quanto aos factos dados como não provados.
34. No entanto, tal decisão quanto à matéria de facto, nos seus próprios e
expressos termos, respeita apenas aos factos que o Tribunal a quo considerou
“relevantes”.
35. Ora, foram nessa sequência absolutamente desconsiderados factos alegados
pela ora Recorrente que, salvo o devido respeito, são relevantes para a boa
decisão da presente causa.
36. Concretizando, no respectivo RI foram alegados pela ora Recorrente, e
desconsiderados pelo Tribunal a quo, os seguintes factos que se entende serem
relevantes para a boa decisão da presente causa:
[...].
40. Ora, o certo é que “a falta de resposta num quesito cuja matéria é relevante
para a decisão da causa implica a anulação do julgamento da matéria de facto”
(Ac. da RC de 17/11/1987, in BMJ 371°, 560).
41. Assim, e nessa medida, entende-se que a decisão proferida quanto à matéria
de facto padece de deficiência, nos termos do disposto no art. 653°, n° 4, do
CPC,
42. Sendo que interpretação divergente a este respeito viola os mesmos
normativos e princípios constitucionais supra já referidos no ponto 32.»
13. Como resulta de forma expressa do trecho citado das Alegações no Recurso
apresentado para o T.C.A. Sul, o ora Reclamante invocou o art. 653°, n° 4, do
CPC, o qual considerava violado, entre outros aspectos, pela consideração pelo
então Tribunal a quo apenas dos factos julgados “relevantes”, sendo
desconsiderados determinados factos alegados.
14. Como então referia o ora Reclamante, tal consideração apenas dos factos
julgados “relevantes”, implicava, na respectiva perspectiva, a deficiência da
decisão proferida quanto à matéria de facto nos termos do preceituado no
referido normativo.
15. Mas o ora Reclamante disse mais ainda então, e aqui entramos novamente na
questão do objecto do presente Recurso: disse que interpretação divergente a
esse respeito – ou seja, no sentido de que não padecia de deficiência nos termos
do disposto no art. 653°, n° 4, do CPC, a decisão proferida apenas quanto aos
factos considerados “relevantes”, sendo desconsiderados determinados factos
alegados – seria violadora do disposto nos arts. 2°, 13°, 200 e 205°, n° 1, da
CRP.
16. Entendimento diverso teve o T.C.A. Sul, o qual julgou integralmente
improcedente o recurso perante si apresentado.
17. Pese embora o T.C.A. Sul lhe tenha negado razão, o facto é que o Recorrente
suscitou atempadamente, isto é, durante o processo, a questão – que é normativa
e constitucional, e daí ter integrado o objecto do presente Recurso – da
conformidade aos mencionados preceitos constitucionais da norma constante do
art. 653°, n°. 4, do CPC, quando interpretada no sentido de que não padece de
deficiência a decisão proferida quanto à matéria de facto quando, nos seus
próprios e expressos termos, respeite apenas aos factos que considere
“relevantes”, tendo sido absolutamente desconsiderados determinados factos
alegados.
18. O mesmo se diga, finalmente, quanto à terceira e última questão de
constitucionalidade individualizada na alínea b) do requerimento de interposição
de Recurso para o Tribunal Constitucional, verificando-se ter sido alegado pela
ora Reclamante no Recurso apresentado para o T.C.A. Sul o seguinte:
«43. Verifica-se, em terceiro lugar, que na Douta Decisão ora recorrida, a fls.
230, e mais concretamente nos pontos 11 e 12, o Tribunal a quo se limitou a dar
por reproduzidos determinados documentos juntos aos Autos.
44. Ora, “A fixação da matéria de facto é deficiente e obscura se o juiz
consignou dar-se «aqui como reproduzidos os documentos, não impugnados, de
fls...», pois deveria ter indicado os factos (eventualmente) provados por esses
documentos.” (Ac. da RC de 04/06/1992, in BMJ 418°, 875).
45. Assim, e nessa medida, entende-se que a decisão proferida quanto à matéria
de facto padece ainda de deficiência e obscuridade, nos termos do disposto no
art. 653°, n° 4, do CPC,
46. Sendo que interpretação divergente a este respeito também viola os mesmos
normativos e princípios constitucionais supra já referidos no ponto 32.)»
19. Como resulta de forma expressa do trecho citado das Alegações no Recurso
apresentado para o T.C.A. Sul, o ora Reclamante invocou o art. 653°, n° 4, do
CPC, o qual considerava violado, entre outros aspectos, pelo facto de o então
Tribunal a quo se limitar a dar por reproduzidos determinados documentos juntos
aos Autos.
20. Como então referia o ora Reclamante, o apenas a dar por reproduzidos
determinados documentos juntos aos Autos, implicava, na respectiva perspectiva,
a deficiência e obscuridade da decisão proferida quanto a matéria de facto nos
termos do preceituado no referido normativo.
21. Mas o ora Reclamante disse mais ainda então, e aqui entramos na derradeira
questão que constitui o objecto do presente Recurso: disse que interpretação
divergente a esse respeito – ou seja, no sentido de que não padecia de
deficiência e de obscuridade nos termos do disposto no art. 653°, n° 4, do CPC,
a decisão proferida que se limitava a dar por reproduzidos determinados
documentos juntos aos Autos – seria violadora do disposto nos arts. 2°, 13°, 20º
e 205°, n° 1, da CRP.
22. Entendimento diverso teve o T.C.A. Sul, o qual julgou integralmente
improcedente o recurso perante si apresentado.
23. Pese embora o T.C.A. Sul lhe tenha negado razão, o facto é que o Recorrente
suscitou atempadamente, isto é, durante o processo, a questão – que é normativa
e constitucional, e daí ter integrado o objecto do presente Recurso - da
conformidade aos mencionados preceitos constitucionais da norma constante do
art. 653°, no. 4, do CPC, quando interpretada no sentido de que não padece de
deficiência e de obscuridade a decisão proferida quanto à matéria de facto
quando integre resposta que se limite a dar por reproduzidos determinados
documentos, sem a indicação dos factos pelos mesmos eventualmente provados.
24. Como se crê e espera ter demonstrado, as questões que integram o objecto do
Recurso apresentado perante esse TC são de natureza normativa e constitucional,
e foram oportunamente suscitadas durante o processo».
3. Notificados do requerimento de reclamação para a conferência, os recorridos
não responderam.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A decisão sumária proferida concluiu pelo não conhecimento do objecto do recurso
por não se mostrar satisfeito o requisito da suscitação prévia, durante o
processo, de uma questão de inconstitucionalidade normativa. O Tribunal entendeu
que, durante o processo, a recorrente se limitou a exprimir a sua discordância
quanto à forma pela qual o tribunal recorrido procedeu à fixação da matéria de
facto, ou seja, quanto à forma como o tribunal decidiu. Uma vez que o recurso
previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC tem por objecto normas e não
decisões judiciais (entre muitos outros, cfr. Acórdãos nºs 178/95 e 20/96,
Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 1995 e de 16 de Maio de 1996),
concluiu-se pelo não conhecimento do objecto do recurso.
Na presente reclamação não se demonstra que, durante o processo, a recorrente
tenha suscitado a inconstitucionalidade de normas. Aliás, os excertos agora
reproduzidos nos pontos 6., 12. e 18. da reclamação são precisamente os mesmos
que o Tribunal analisou quando proferiu a decisão reclamada (cf. ponto 1. do
Relatório). Como já se afirmou, durante o processo, o que a recorrente fez foi
divergir da decisão recorrida quanto à fixação da matéria de facto, invocando a
violação do artigo 653º do Código de Processo Civil. Tal facto é desde logo
indiciador de uma crítica, não a normas, mas à decisão: “se se utiliza uma
argumentação consubstanciada em vincar que foi violado um dado preceito legal
ordinário e, simultaneamente, violadas normas ou princípios constitucionais,
tem-se por certo que a questão de desarmonia constitucional é imputada à decisão
judicial, enquanto subsunção dos factos ao direito, e não ao ordenamento
jurídico infra-constitucional que se tem por violado com essa decisão, pois que
se posta como contraditório sustentar-se que há violação desse ordenamento e
este é desconforme com o Diploma Básico. Efectivamente, se um preceito da lei
ordinária é inconstitucional, não deverão os tribunais acatá-lo, pelo que
esgrimir com a violação desse preceito, representa uma óptica de acordo com a
qual ele se mostra consonante com a Constituição” (Acórdão do Tribunal
Constitucional nº 489/04, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Por outro lado, na decisão sumária não se descuraram as passagens onde se diz
que interpretação divergente a este respeito… seria violadora do disposto nos
artigos… da CRP (cf. ponto 1. do Relatório), passagens agora destacadas pela
reclamante (pontos 9., 15. e 21.). Da leitura da peça processual em causa
resulta claro que não se enuncia ali uma interpretação normativa divergente, uma
vez que nem sequer se chegou a enunciar qualquer interpretação normativa da qual
se pudesse divergir. Por cabalmente elucidativos, mais uma vez se reproduzem os
passos processuais em questão:
«(…) 31. Nesta sequência, verifica-se que a Douta Decisão ora recorrida violou o
disposto no art. 653°, n° 2, do CPC, implicando a respectiva anulação,
32. Sendo que interpretação divergente a este respeito viola por sua vez o
disposto nos seguintes normativos e princípios constitucionais: 2° (princípio do
Estado de Direito), 13° (princípio da igualdade), 20º, em particular o n° 4
(princípio da equidade do processo), e art. 205°, n° 1 (princípio da
fundamentação das decisões dos tribunais) (…)
41. Assim, e nessa medida, entende-se que a decisão proferida quanto à matéria
de facto padece de deficiência, nos termos do disposto no art. 653°, n° 4, do
CPC,
42. Sendo que interpretação divergente a este respeito viola os mesmos
normativos e princípios constitucionais supra já referidos no ponto 32 (…)
45. Assim, e nessa medida, entende-se que a decisão proferida quanto à matéria
de facto padece ainda de deficiência e obscuridade, nos termos do disposto no
art. 653°, n° 4, do CPC,
46. Sendo que interpretação divergente a este respeito também viola os mesmos
normativos e princípios constitucionais supra já referidos no ponto 32 (…)»
(itálico aditado).
Resta, pois, concluir pelo indeferimento da reclamação.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta.
Lisboa, 27 de Setembro de 2007
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão