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Processo n.º 746/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, em que figura como recorrente o Ministério Público e
como recorrido A., vindos do Tribunal Judicial da Comarca de Vagos, o primeiro
interpôs recurso da decisão de fls. 51 a 54 (fls. 23 a 26 dos presentes autos),
ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, o qual é obrigatório, nos
termos do n.º 3 do artigo 72º da LTC.
Em suma, analisando um pedido de pagamento em prestações das custas de que vinha
condenado o recorrido, a decisão ora recorrida determinou que:
“Nestes termos, e por considerar este tribunal que a imposição do limite mínimo
preceituado no n.º 1 do artigo 65.º do Código das Custas Judiciais para se
ponderar o pagamento de custas em prestações é inconstitucional, porque violador
do disposto no art. 13.º da Constituição da República Portuguesa, o Tribunal
decide-se por não aplicar a referida norma, na parte em que fixa o apontado
limite.” (fls. 26)
2. Notificado para esse efeito, o Ministério Público veio proferir
as seguintes alegações (fls. 33 e 34):
“1. Apreciação da questão de constitucionalidade
apreciada
O presente recurso obrigatório vem interposto da decisão, proferida pelo
Tribunal Judicial da Comarca de Vagos, que recusou aplicar, com fundamento em
inconstitucionalidade, a norma constante do n.º 1 do artigo 65º do Código das
Custas Judiciais.
Tal questão não é nova na jurisprudência constitucional, tendo sido dirimida
recentemente no acórdão nº 391/07, a cuja fundamentação – coincidente com o
sentimento da alegação apresentada nesses autos pelo Ministério Público –
inteiramente se adere.
2. Conclusão
Nestes termos e pelo exposto, conclui-se:
1º
A norma constante do nº 1 do artigo 65º do Código das Custas Judiciais, ao
estabelecer os requisitos de que depende a admissibilidade do pagamento em
prestações do débito de custas, condicionando-a, nomeadamente, em função de
determinado limite mínimo (actualmente 4 uc) – com vista a obviar a uma
desproporcionalidade entre o valor do débito em causa e o acréscimo de custos
burocráticos e processuais que sempre envolve o pagamento fraccionado daquela
dívida – não afronta qualquer norma ou princípio constitucional.
2º
Na verdade, nos casos de carência económica, dispõe a parte de plena
oportunidade para requerer o apoio judiciário, podendo este ser concedido –
perante situações de insuficiência económica meramente parcial – na modalidade
de «pagamento faseado» de custas
3º
Termos em que deverá proceder o presente recurso.”
3. Notificado para contra-alegar, o recorrido não o fez no prazo
legal.
Cumpre apreciar e decidir.
II – DA FUNDAMENTAÇÃO
4. O Tribunal Constitucional já teve oportunidade de não julgar inconstitucional
a norma extraída do n.º 1 do artigo 65º do CCJ, a propósito de uma situação
idêntica à actualmente em apreço, relativa a decisão igualmente proferida pelo
Tribunal Judicial da Comarca de Vagos.
Fê-lo nos seguintes termos, aos quais integralmente se adere:
“Encontra-se em equação o pretenso direito ao pagamento em prestações de todo e
qualquer débito de custas judiciais.
Essa possibilidade veio a ser amplamente concedida pelo artigo 65º do Código das
Custas Judiciais de 1996, pois que “o regime excepcional do pretérito (viria a
ser) arvorado em regime geral, isto é, aplicável a todos os responsáveis por
dívidas de custas” (Salvador da Costa, in “Código das Custas Judiciais”, 1997,
pág., 250).
Na reformulação do mencionado Código das Custas Judiciais (C.C.J), mantendo-se o
regime geral apontado, viria o legislador a condicionar a possibilidade do seu
deferimento, impondo um limite mínimo das custas em divida, que, no entanto foi
reduzido de 6 para 4 UC da versão do C.C.J de 1996 (Decreto-lei nº 224-A/96, de
26 de Novembro) face à reformulação legal operada em 2003 (Decreto-lei nº
324/2003, de 27 de Dezembro) ao mesmo tempo que se impunha um prazo máximo para
o pagamento em prestações da dívida de custas.
Esse montante mínimo das custas, em dívida, fixado na lei ordinária, hoje 356 €
não visa tão somente proteger o interesse da parte devedora, visa, também,
proteger o interesse público, consubstanciado no facto de só justificar pôr em
marcha um incidente processual, com os inerentes custos dessa actividade
judiciária, se tal acréscimo de actuação se justificar.
O legislador considerou que se a dívida de custas for inferior a 4 UC não tem
razão de ser esse “plus”, não devendo, assim, a máquina judiciária, nesse
particular, iniciar qualquer tipo de intervenção com a inerente despesa por esse
funcionamento.
Consubstancia uma opção do legislador ordinário não passível de censura, já que
não afronta, contrariamente ao sustentado no despacho recorrido, quaisquer
princípios constitucionais.
Com efeito, não afronta o princípio da igualdade, já que tais limites e
pressupostos têm incidência para todo o universo de interessados que pretendam
utilizar o mecanismo previsto no citado artigo 65º do C.C.J.
De igual forma, também não se revela beliscado o principio do acesso ao direito,
já que, a montante, o interessado teria na sua disponibilidade a utilização de
meios processuais, como o instituto do apoio judiciário, se a sua situação
económica revestisse os atinentes índices de insuficiência com vista ao
pagamento efectivo de custas.
Poderia, inclusive, conforme bem sustenta o Exmo. Magistrado do Ministério
Público, junto deste Tribunal, obter o apoio judiciário na modalidade de
pagamento faseado, nos termos do artigo 16º nº 1, alínea d) da Lei nº 34/04, de
29 de Julho, por essa via obtendo um beneficio semelhante ao pagamento
fraccionado do débito de custas.
Não foi, consequentemente, ofendido o artigo 13º da Constituição da República
Portuguesa.
Acresce que a norma posta em crise no despacho recorrido (artigo 65º do C.C.J)
não exige um encargo financeiro intolerável a quem recorre aos tribunais,
estabelecendo uma restrição desproporcional e injustificada ou arbitrária do
direito à efectivação do acesso à justiça.
Com efeito, a Constituição não impõe que o serviço de administração da justiça
seja gratuito.
Nesta sede, o Tribunal Constitucional vem entendendo que a Constituição se
limita a proibir que o acesso aos tribunais seja contrariado pela insuficiência
de meios económicos (Acórdão nº 495/96, in www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, tendo em conta a condição económica média do cidadão português, não pode
considerar-se o limite mínimo de €356 como desproporcionalmente elevado nem
violador do principio de igualdade ou que coloque em crise a garantia de acesso
ao direito.” (cfr. Acórdão n.º 391/07, de 10 de Julho de 2007, disponível in
www.tribunalconstitucional.pt)
5. No caso sub judice não se afiguram quaisquer argumentos
adicionais que possam pôr em causa o sentido da decisão contida no referido
Acórdão n.º 391/07. Assim, o facto de o valor da unidade de conta processual
para o triénio de 2007/2009 ter sido aumentada para 96,00 € (por força da
fixação do salário mínimo nacional, fixado pelo Decreto-Lei n.º 238/2005, de 30
de Dezembro, aplicável “ex vi” artigo 6º do Decreto-Lei n.º 212/89, de 30 de
Junho) não é apta a modificar o juízo formulado no âmbito daquele processo. A
subida, entretanto, verificada do limite mínimo previsto pelo n.º 1 do artigo
65º do CCJ (que agora ascende a 384,00 €) não implica uma restrição
desproporcionada ao direito à tutela jurisdicional efectiva, na sua tripla
vertente de adequação, necessidade e proporcionalidade “stricto sensu”.
Acrescente-se apenas que a fixação de tal limite mínimo não atenta
contra o princípio da proibição de tratamento desigual dos cidadãos ou mesmo da
proibição de tratamento indiferenciado de situações desiguais (artigo 13º, nºs 1
e 2, da CRP), conforme aludido na decisão recorrida.
Ainda que seja verdade que o custo marginal do pagamento de custas no valor
igual ou inferior a 384,00 € varie em função das condições económicas dos
responsáveis pelo seu pagamento (afectando de modo mais significativo aqueles
que dispõem de menos rendimentos), não é menos verdade que a própria lei
assegura que as partes processuais que não disponham de meios económicos
necessários ao pagamento das custas processuais possam beneficiar de um regime
de apoio judiciário, não podendo, pois, a norma constante do n.º 1 do artigo 65º
do CCJ ser interpretada e aplicada isoladamente, sem consideração pelas demais
normas aplicáveis naquelas situações.
Conforme bem notado pelo recorrente, o integral respeito pelo princípio do
tratamento desigual de situações desiguais é plenamente assegurado pelos
mecanismos previstos no artigo 16º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho,
aplicáveis “ex vi” n.º 1 do artigo 44º, que permitem, inclusive, a dispensa
total de taxa de justiça e demais encargos [cfr. alínea a)], bem como o
pagamento faseado dessas custas judiciais [cfr. alínea d)].
A circunstância de o recorrido só ter vindo a suscitar o pagamento em
prestações, em 19 de Janeiro de 2007 (cfr. fls. 21), quando a sentença que o
condenou em custas já havia transitado em julgado, em 21 de Agosto de 2006
(conforme certificado pela certidão narrativa de fls. 8), apenas lhe pode ser
imputada, uma vez que o pedido de apoio judiciário deveria ter sido requerido
até ao trânsito daquela (cfr. n.º 1 do artigo 44º da Lei n.º 34/2004, de 29 de
Julho). Esta omissão processual do recorrido não pode, todavia, ter por
consequência a desaplicação do n.º 1 do artigo 65º do CCJ, em função de um juízo
de inconstitucionalidade que, efectivamente, não procede.
III. DECISÃO
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma constante do n.º 1 do
artigo 65º do Código das Custas Judiciais, na sua actual redacção dada pelo
Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, na parte em que impõe que o
montante de custas seja superior a 4 UC para que o juiz possa autorizar o seu
pagamento em prestações;
b) Conceder provimento ao recurso, determinando‑se a baixa dos
autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Vagos para reformulação da decisão
recorrida, em conformidade com a decisão ora proferida, conforme determina o n.º
2 do artigo 80º da LTC.
Não são devidas custas, por força da isenção decorrente do n.º 1 do artigo 84º
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro.
Lisboa, 13 de Novembro de 2007
Ana Maria Guerra Martins
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Carlos Fernandes Cadilha
Gil Galvão