Imprimir acórdão
Processo n.º 482/07
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
Notificada de um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que negou provimento
ao recurso interposto do despacho de pronúncia, proferido nos presentes autos de
instrução criminal, e pelo qual se tinham julgado improcedentes as razões
invocadas quanto à inadmissibilidade, no caso, do procedimento criminal (fls
463-477), veio a arguida A. requerer a correcção da decisão, por lapso
manifesto, sustentando que, para além do recurso relativo à pretendida
inadmissibilidade do procedimento criminal (interposto a fls. 423), havia um
outro referente a uma decisão de indeferimento do pedido de extinção do
procedimento criminal (interposto a fls. 357), relativamente ao qual a Relação
se não havia pronunciado.
Nesse mesmo requerimento, deduzido nos termos do artigo 380º do Código de
Processo Penal (CPP) e destinado a obter a rectificação do acórdão reclamado, a
reclamante alegou, em síntese, o seguinte:
(a) Tendo interposto dois recursos, e não estando nenhum deles retido, não era
aplicável ao caso o disposto no artigo 412º, n.º 5, do CPP, pelo que o não
conhecimento do recurso interposto a fls. 357 ter-se-á ficado a dever a mero
lapso;
(b) Se assim se não entendesse, seria exigível que o relator, no Tribunal da
Relação, convidasse previamente a reclamante a esclarecer a sua posição quanto
àquele recurso, sob pena de violação do direito ao recurso previsto no artigo
32º, n.º 1, da Constituição;
(c) A admitir-se que não ocorreu o referido lapso material, verifica-se então a
nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia (aplicável por força do artigo
379°, n.º 1, alínea c), do CPP), por o tribunal ter deixado de conhecer de
questão que tinha sido submetida à sua apreciação, «sob pena de vio1ação do
direito ao recurso constitucionalmente previsto no artigo 32°, n° 1, da
Constituição da República Portuguesa».
Por acórdão de 14 de Fevereiro de 2007, o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu
desatender a arguição de nulidade por considerar que não era legalmente exigível
a tomada de conhecimento do recurso interposto a fls. 357, por tal não ter sido
oportunamente requerido pela interessada, conforme prevê o n.º 5 do artigo 412º
do CPP.
Desta decisão veio a arguida recorrer para o Tribunal Constitucional, nos
seguintes termos:
1º - O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do artigo 70º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro,
e pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
2° - O recurso é admissível porque a decisão recorrida não é passível de recurso
ordinário (artigo 400°, n° 1, alínea e), e 432°, alínea b), a contrario sensu,
ambos do Código de Processo Penal, e artigo 670°, n° 2, do Código de Processo
Civil aplicável ex vi artigo 4° Código de Processo Penal) e a questão da
inconstitucionalidade foi suscitada durante o processo, no requerimento em que
foi pedida a correcção do douto acórdão do tribunal da Relação e a consequente
apreciação de recurso oportunamente interposto e das nulidades, por omissão de
pronúncia, invocadas.
3º - Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 412°,
nº 5 do Código de Processo Penal por violação do artigo 32°, n° 1, da
Constituição da República Portuguesa na interpretação que lhe foi dada na douta
decisão recorrida, ao não apreciar e ao considerar ‘retido’ um recurso que não
esperava qualquer outro para subir e que subiria sempre – de acordo com a forma
como foi recebido, - no mesmo momento, isto é, após prolação da decisão
instrutória, mesmo que não tivesse sido interposto qualquer outro recurso
posteriormente.
4º - Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 42°,
n° 5, do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32°, n° 1, da
Constituição da República Portuguesa, na interpretação que lhe foi dada pela
douta decisão recorrida ao considerar que ‘ao não ter requerido ou manifestado
expressamente que o Tribunal ad quem tomasse conhecimento do recurso, a
recorrente, tacitamente, formulou uma desistência de recurso interlocutório
retido, o que conduziu ao seu não conhecimento’.
5° - Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 412°,
n° 5, do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32°, n° 1, da
Constituição da República Portuguesa na interpretação implícita que lhe foi dada
pela douta decisão recorrida ao não considerar dever ser formulado um convite à
recorrente para definir, esclarecendo, a sua posição no que concerne a tal
recurso.
6° - Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 379°,
nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, por violação do artigo 32°, n° 7,
da Constituição da República Portuguesa e, bem assim, dos princípios da
segurança, certeza, e paz jurídica ínsitos nos artigos 2°, 18°, 20º, 29° e 32°
da Constituição da República Portuguesa, na interpretação dada pelo douto
acórdão ao ‘desatender por não ser legalmente exigível a tomada de conhecimento
do invocado recurso, a arguição da nulidade por omissão da pronúncia’.
7º - Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 379°,
n° 1, alínea e), do Código de Processo Penal, por violação dos mesmos preceitos
legais na interpretação implícita no douto acórdão, ao não conhecer das
conclusões 4ª, 5ª e 9ª do recurso interposto para o Tribunal da Relação por
entender não ter que delas conhecer, não obstante terem sido submetidas à sua
apreciação.
Admitido o recurso no tribunal recorrido, no Tribunal Constitucional o relator
proferiu decisão sumária, nos termos previstos no artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do
Tribunal Constitucional, no sentido de se não tomar conhecimento do recurso,
aduzindo para tanto as seguintes ordens de considerações:
Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 o
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto
processual a suscitação, durante o processo, da questão da inconstitucionalidade
da norma ou interpretação normativa que se submete à apreciação do Tribunal
Constitucional (cfr., ainda, o artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional).
Verifica-se, porém, que, contrariamente ao afirmado pela recorrente, nenhuma
questão de inconstitucionalidade normativa foi suscitada perante o tribunal
recorrido, pois que, no requerimento de fls. 488 e seguintes, nenhuma
inconstitucionalidade foi por si imputada a qualquer norma ou interpretação
normativa, nomeadamente àquelas que agora vem identificar no recurso para o
Tribunal Constitucional; sendo certo que, nesse referido requerimento,
unicamente vem mencionada a violação, pelo acórdão da Relação de Coimbra, da
norma do artigo 32º, n.º 1, da CRP, por não ter sido apreciado um dos recursos
que havia sido apresentado à apreciação do tribunal recorrido (o que não se
confunde com a invocação da inconstitucionalidade dessa norma na interpretação
dela feita pelo tribunal recorrido).
Assim sendo, não é possível tomar conhecimento do presente recurso de
constitucionalidade, por falta de preenchimento dos seus pressupostos
processuais.
A isto acresce que, percorrendo o texto da decisão recorrida, nenhuma referência
se encontra a qualquer interpretação normativa reportada ao artigo 379º, n.º 1,
alínea c), do Código de Processo Penal.
Ora, constituindo a aplicação, na decisão recorrida, da norma ou interpretação
normativa cuja apreciação se requer ao Tribunal Constitucional um dos
pressupostos processuais do presente recurso de constitucionalidade, não pode,
igualmente por não restar preenchido esse outro pressuposto, conhecer-se das
duas interpretações normativas reportadas ao artigo 379º, n.º 1, alínea c), do
Código de Processo Penal que a recorrente indica.
É desta decisão que vem interposta reclamação para a conferência em que a
reclamante alega o seguinte:
1º - Entendeu o Exmo Juiz Relator que não «é possível tomar conhecimento do
presente recurso de constitucionalidade, por falta de preenchimento dos seus
pressupostos processuais» .
2º - Assim entendeu por, alegadamente, «nenhuma questão de inconstitucionalidade
normativa ter sido suscitada perante o Tribunal recorrido, pois que, no
requerimento de fls. 488 e seguintes, nenhuma inconstitucionalidade foi por si
imputada a qualquer norma ou interpretação normativa, nomeadamente aquelas que
agora vem identificar no recurso para o Tribunal Constitucional».
3º- Salvo o devido respeito, contrariamente ao Relator logo no requerimento em
que foi suscitada a questão da constitucionalidade a recorrente teve o cuidado
de afirmar em que é que o comportamento omissivo do Tribunal da Relação violou a
Lei Fundamental.
4º- Aliás, já anteriormente nas conclusões 4º, 5ª e 9ª do recurso interposto
questões de inconstitucionalidades haviam sido invocadas, sem que a Relação as
apreciasse, o que constituiu flagrante violação do direito ao recurso ínsito no
artigo 32°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa.
5° - Note-se ainda que o comportamento omissivo do Tribunal da Relação – quando
deveria, pelo menos ter formulado um convite ao aperfeiçoamento, - constitui por
si mesmo um violação do direito ao recurso, tendo a recorrente tido o cuidado
não só de invocar a norma violada (artigo 32º, n.º 5, da Constituição da
República Portuguesa) como a jurisprudência do Tribunal Constitucional neste
mesmo sentido.
6° - Finalmente no requerimento de interposição de recurso a recorrente teve o
cuidado de dizer qual as normas e interpretação normativa cuja apreciação
requereu ao Tribunal Constitucional.
7° - A douta decisão de que se reclama não teve em conta que o que está na base
do recurso para o Tribunal Constitucional é o comportamento injustificadamente
omissivo do Tribunal da Relação.
8º - A manter-se a douta decisão sumária, então bastará aos Tribunais não
apreciarem as questões postas à sua consideração para, na prática, vedarem
qualquer apreciação de inconstitucionalidade.
9º - Isto é (partindo dos presentes autos e numa das vertentes da decisão):
- A recorrente invoca no recurso interposto para o Tribunal da Relação a
inconstitucionalidade de normas e princípios da Lei Fundamental;
- O Tribunal da Relação não aprecia o recurso nesta parte omitindo qualquer
consideração sobre as invocadas inconstitucionalidades;
- A recorrente suscita a nulidade de tal decisão por omissão de pronúncia e não
obtém qualquer resposta;
- Invoca então a inconstitucionalidade junto do Tribunal Constitucional que,
por entender não ter a decisão recorrida feito qualquer referência à questão
invocada, não há que apreciá-la:
- A atitude omissiva reflectida na decisão do Tribunal da Relação impede, pois,
na prática, qualquer apreciação no Tribunal Constitucional o que se afigura
gravemente violador do mais elementar direito ao recurso e do acesso aos
tribunais,
10º - Vejamos agora outra vertente da decisão:
- A recorrente no requerimento em que suscitou a inconstitucionalidade da
interpretação que estava a ser feita do artigo 412°, nº 5, do Código de Processo
Penal pelo Tribunal da Relação teve o cuidado de chamar a atenção para o facto
de se estar perante um caso em que podia/devia ser formulado um convite ao
aperfeiçoamento – no seguimento de jurisprudência do Tribunal Constitucional –
sob pena de violação do direito ao recurso;
- A douta decisão do Tribunal da Relação omitiu qualquer consideração sobre a
necessidade de tal convite;
- Perante tal omissão o recorrente interpôs recurso para o Tribunal
Constitucional (§ 5°). Dizendo qual a norma violada na interpretação (implícita
dado ser omissiva a decisão) do tribunal a quo;
- O Tribunal Constitucional entende que não há que receber o recurso por falta
de preenchimento de um dos seus pressupostos processuais…
- Mas é evidente que se a inconstitucionalidade radica na omissão, não é
possível dizer mais do que o que foi dito.
O que fica exposto vale também para o pedido de apreciação da
inconstitucionalidade reportado ao artigo 379°, n° 1, alínea e), do Código de
Processo Penal:
- a decisão do Tribunal a quo não se pronuncia sobre concretas questões
formuladas;
- a decisão é nula e inconstitucional por violação do artigo 32º, n° 1, do
Código de Processo Penal (deve ter pretendido referir-se à Constituição da
República) e, não obstante isso, como omite qualquer referência a essa norma, o
Tribunal Constitucional não admite o recurso.
Afigura-se estar-se perante um círculo vicioso que a recorrente não poderá
quebrar: a recorrente invoca; o tribunal de recurso não aprecia a invocação;
porque o tribunal não apreciou a invocação não pode ser apreciada a
inconstitucionalidade, não obstante expressamente, invocada pela recorrente.
É este «círculo vicioso» que a recorrente pretende que V. Exas. Em conferência
quebrem, decidindo-se pela apreciação das questões de inconstitucionalidade
invocadas não só desde a primeira instância, como já depois no Tribunal da
Relação, porque foram claramente indicadas pela recorrente quer as normas
violadas, quer as interpretações dadas e a dar às normas cuja apreciação se
requer.
Vem o processo à conferencia sem vistos.
2. Fundamentação
A recorrente interpôs recurso de constitucionalidade, com fundamento no disposto
na alínea b) do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, da decisão do
Tribunal da Relação de Coimbra que havia desatendido uma arguição de nulidade,
alegando, no respectivo requerimento de interposição de recurso, que pretendia
ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 412°, nº 5, do Código
de Processo Penal, por violação do artigo 32°, n° 1, da Constituição da
República, e da norma do artigo 379°, nº 1, alínea c), do mesmo Código, por
violação do artigo 32°, n° 7, da Constituição da República, e, bem assim, dos
princípios da segurança, certeza, e paz jurídica ínsitos nos seus artigos 2°,
18°, 20º, 29° e 32°, na interpretação que lhes foi dada pelo acórdão recorrido.
Através da decisão sumária ora reclamada, o relator não tomou conhecimento do
recurso, por considerar, no essencial, que a recorrente não suscitou, no decurso
do processo, as questões de constitucionalidade que constituiam o seu objecto, a
que acrescia o facto de em relação a uma dessas questões (a interpretação
normativa reportada ao artigo 379º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo
Penal), não ter sido sequer feita qualquer aplicação da correspondente norma na
decisão recorrrida.
É contra esta decisão que a recorrente se insurge, dizendo, em suma, que a
decisão reclamada não teve em conta que o que está na base do recurso para o
Tribunal Constitucional é o «comportamento injustificadamente omissivo do
Tribunal da Relação», traduzido (se bem se entende) na circunstância de o
tribunal recorrido não ter formulado um convite ao aperfeiçoamento, antes de
optar por não apreciar um dos recursos em causa, nem se ter pronunciado sobre as
concretas questões de constitucionalidade que nele tinham sido suscitadas.
Sendo assim, no entender da recorrente, é a própria «omissão» resultante de a
Relação se ter recusado a apreciar o recurso, indeferindo a arguição de
nulidade, que é inconstitucional, por violação do disposto no artigo 32º, n.º 1,
da Constituição.
Como se sabe, o recurso de constitucionalidade, quando interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, tem por
objecto decisões judiciais «que apliquem norma cuja inconstitucionalidade tenha
sido suscitada durante o processo». Por sua vez, os recursos «são restritos à
questão de inconstitucionalidade (…) suscitada» (artigo 71º, n.º 1, da LTC),
impondo-se ainda que a questão da inconstitucionalidade tenha sido colocada «de
modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão
recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (artigo 72º, n.º 2,
da LTC).
O Tribunal Constitucional apenas aprecia, portanto, a inconstitucionalidade de
uma norma ou interpretação normativa, sendo para isso necessário que um
tribunal, numa decisão judicial concreta, tenha aplicado uma norma ou
efectuado uma interpretação de norma que seja tida como inconstitucional e que
essa inconstitucionalidade tenha sido invocada, pela parte, no decurso do
processo, de tal modo que a pronúncia judicial se reporte à questão de
inconstitucionalidade que tenha sido colocada.
É assim evidente que o recurso de constitucionalidade, incindindo embora sobre
uma decisão judicial, tem como objecto imediato, não a decisão em si mesma, mas
o tratamento que nela é efectuado do problema de inconstitucionalidade de normas
que tenha sido suscitado no processo e relativamente ao qual a referida decisão
se tenha pronunciado.
O Tribunal Constitucional não pode, por isso, sindicar, uma certa actuação
processual do tribunal recorrido, mas apenas a aplicação ou interpretação que
esse tribunal tenha feito de uma questão de constitucionalidade normativa
previamente delimitada.
No caso vertente, a recorrente pretende que o Tribunal Constitucional intervenha
para censurar a decisão da Relação que, tendo recusado a apreciação de um
recurso que fora anteriormente interposto, deixou assim de apreciar as questões
de inconstitucionalidade que nele vinham colocadas.
É claro, porém, que o Tribunal Constitucional não tem essa competência e as
decisões judiciais em si apenas poderão ser reexaminadas através dos mecanismos
impugnatórios que estiveram legalmente previstos na respectiva ordem
jurisdicional, tornando-se definitiva a decisão que tenha transitado em julgado,
isto é, que não seja já susceptível de recurso ordinário ou de reclamação nos
termos dos artigos 668º e 669º do Código de Processo Civil (artigo 677º deste
diploma).
Assim sendo, nem o alegado comportamento omissivo por parte do Tribunal da
Relação é sindicável através de recurso de constitucionalidade, nem ele permite
inferir a aplicação de uma norma ou de uma interpretação normativa em termos de
poder constituir objecto de um recurso desse tipo.
Neste contexto, o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional apenas poderia ser interpretado – como o foi na decisão sumária
ora reclamada – como respeitando à inconstitucionalidade de uma norma ou de uma
interpretação normativa que tivesse sido aplicada pela decisão recorrida (tal
como nesse requerimento foi identificada), corporizada no acórdão de 14 de
Fevereiro de 2007 pelo qual se decidiu ser de indeferir o pedido de correcção e
a arguição de nulidade.
O ponto é que, conforme se explicitou na decisão sumária, a recorrente não
suscitou, perante o tribunal recorrido, de forma processualmente adequada,
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
No requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, em
cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 75º-A da LTC, a recorrente indicou
que a questão de constitucionalidade foi suscitada na reclamação pela qual pediu
a rectificação e arguiu a nulidade do acórdão de fls. 463-477.
Nessa peça processual, porém, a recorrente limita-se a referir, para fundamentar
cada um dos mencionados pedidos, que, sob pena de violação do direito ao recurso
previsto no artigo 32º, n.º 1, da Constituição, o tribunal deveria ter-lhe
dirigido um convite para esclarecer a sua posição quanto ao recurso
interlocutório, e que o não reconhecimento da nulidade por omissão de pronúncia
(por não apreciação desse recurso) é também susceptível de violar o direito ao
recurso a que se refere a mesma norma.
Como bem se vê, a recorrente não descreve nem identifica uma interpretação
normativa relativa a um preceito da lei processual penal que deva considerar-se
como inconstitucional. Mas unicamente imputa ao acórdão rectificando (ou
anulando) uma violação de norma constitucional, por não se ter efectuado um
prévio convite para esclarecimento da situação e por se ter omitido pronúncia
sobre a matéria do recurso.
Ora, a imputação a uma decisão judicial de violação do artigo 32º, n.º 1, da
Constituição não se confunde com a invocação de inconstitucionalidade de uma
certa norma, e só a alegação de que o Tribunal da Relação teria efectuado uma
interpretação normativa inconstitucional, ao não conhecer do recurso, é que
poderia preencher o requisito processual do recurso de constitucionalidade a que
se referem os referidos artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da LTC.
É, por outro lado, irrelevante que a recorrente venha agora invocar (como faz no
n.º 4 da sua reclamação) que já no recurso para a Relação suscitara diversas
questões de constitucionalidade. O certo é que a decisão que indeferiu a
reclamação relativa à rectificação e arguição de nulidade é que foi alvo de
recurso de constitucionalidade, e este apenas poderia prosseguir, como se deixou
esclarecido, caso tivessem sido adequadamente identificadas as interpretações
normativas que poderiam ser inconstitucionais.
Por tudo, a decisão sumária não merece qualquer censura e é de manter.
3. Decisão
Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, acordam em indeferir a reclamação e
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 11 de Julho de 2007
Carlos Fernandes Cadilha
Maria Lúcia Amaral
Gil Galvão