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Processo n.º 652/07
Plenário
Relator: Conselheiro Mário Torres
(Conselheira Ana Maria Guerra Martins)
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional,
I – Relatório
1. O Presidente da República requereu, em 11
de Junho de 2007, ao abrigo do n.º 1 do artigo 278.º da Constituição da
República Portuguesa (CRP) e dos artigos 51.º, n.º 1, e 57.º, n.º 1, da Lei de
Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional,
aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela
Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), que o Tribunal Constitucional
aprecie a conformidade com o disposto no n.º 7 do artigo 231.º, conjugado com
os n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 226.º da CRP, da norma constante do artigo 1.º do
Decreto n.º 121/X, de 17 de Maio de 2007, da Assembleia da República, que
“Altera o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos
políticos e altos cargos públicos”, recebido na Presidência da República no dia
4 de Junho de 2007 para ser promulgado como Lei, “pela circunstância de essa
norma legal poder ter regulado indevidamente uma matéria de reserva necessária
dos Estatutos Político‑Administrativos das Regiões Autónomas”.
O pedido assenta nos seguintes fundamentos:
“1.º – A disposição normativa constante do artigo 1.º do Decreto enviado para
promulgação e que é objecto do presente pedido de fiscalização altera o artigo
1.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, a qual aprova o regime jurídico de
incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos
cargos públicos.
2.º – A nova redacção que a norma submetida a apreciação confere à alínea b) do
n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 64/93 determina expressamente a extensão do
regime legal nela previsto sobre incompatibilidades e impedimentos dos
titulares de cargos políticos aos deputados das Assembleias Legislativas das
Regiões Autónomas, regime que se cumularia com as regras legais vertentes sobre
a mesma matéria que constam dos Estatutos Político‑Administrativos, em especial,
com as normas dos artigos 34.º e 35.º do Estatuto da Região Autónoma da Madeira.
3.º – Embora a alínea m) do artigo 164.º da CRP integre na reserva absoluta de
competência legislativa da Assembleia da República a regulação por lei comum da
matéria do estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem
como de outros órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e
universal, verifica‑se que o n.º 7 do artigo 231.º da CRP determina que o
estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas (no
qual figura o domínio das incompatibilidades e impedimentos) seja
necessariamente definido nos respectivos Estatutos Político‑Administrativos.
4.º – Na medida em que a norma cuja apreciação da constitucionalidade se requer
e que reveste a categoria formal de lei comum da Assembleia da República impõe a
aplicação do regime da Lei n.º 64/93 aos deputados dos parlamentos regionais,
ela mostra‑se susceptível de violar a reserva de Estatuto
Político‑Administrativo tal como se encontra definida pelo n.º 7 do artigo 231.º
da CRP, já que carece, na sua formação, de uma formalidade essencial do
procedimento produtivo da lei estatutária, a qual consiste na reserva de
iniciativa dos parlamentos regionais, prevista nos n.ºs 1 e 4 do artigo 226.º da
CRP.
5.º – Encontra‑se, deste modo, em causa, não uma apreciação substancial do
conteúdo do decreto, mas sim a resolução de uma questão prévia de ordem formal
que tange à garantia da integridade da reserva de Estatuto
Político‑Administrativo, a qual releva para a defesa de direitos regionais que
se projectam na faculdade conferida às Assembleias Legislativas das regiões para
participarem qualificadamente na fase de iniciação do procedimento produtivo de
uma lei aprovada pelos órgãos de soberania que disponha sobre o estatuto dos
deputados regionais.”
Em anexo ao pedido, foi remetido um parecer
da Assessoria para os Assuntos Jurídicos e Constitucionais da Casa Civil da
Presidência da República.
2. O artigo 1.º do Decreto n.º 121/X, da
Assembleia República, dispõe o seguinte:
“Artigo 1.º
Alterações à Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto
O artigo 1.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto, alterada pela Lei n.º 39‑B/94,
de 27 de Dezembro, pela Lei n.º 28/95, de 18 de Agosto, pela Lei n.º 12/96, de
18 de Abril, pela Lei n.º 42/96, de 31 de Agosto, e pela Lei n.º 12/98, de 24 de
Fevereiro, passa a ter a seguinte redacção:
«Artigo 1.º
(…)
1 – (…).
2 – (…):
a) Os Representantes da República nas regiões autónomas;
b) Os Deputados das Assembleias Legislativas das regiões autónomas;
c) Anterior alínea b);
d) Anterior alínea c);
e) (…);
f) (…);
g) (…).»”
O diploma, que foi aprovado “nos termos da
alínea c) do artigo 161.º da Constituição” (que atribui competência à
Assembleia da República para “fazer leis, salvo as reservadas pela Constituição
ao Governo”), contém ainda um artigo 2.º, que dispõe: “A presente lei entra em
vigor no dia seguinte ao da sua publicação”.
A redacção do artigo 1.º do Decreto‑Lei n.º
64/93 que se encontra em vigor corresponde à que lhe foi dada pela Lei n.º
28/95, de 18 de Agosto, e é do seguinte teor:
«Artigo 1.º
(Âmbito)
1 – A presente lei regula o regime do exercício de funções pelos titulares de
órgãos de soberania e por titulares de outros cargos políticos.
2 – Para efeitos da presente lei, são considerados titulares de cargos
políticos:
a) Os Ministros da República para as Regiões Autónomas;
b) Os membros dos Governos Regionais;
c) O Provedor de Justiça;
d) O Governador e Secretários Adjuntos de Macau;
e) O governador e vice‑governador civil;
f) O presidente e vereador a tempo inteiro das câmaras municipais;
g) Deputado ao Parlamento Europeu.”
Da comparação dos dois textos legais resulta
que as alterações visadas pelo Decreto n.º 121/X se traduzem: (i) na
actualização da designação dos Representantes da República nas Regiões
Autónomas em conformidade com a revisão constitucional de 2004; (ii) na
eliminação da referência aos extintos cargos de Governador e Secretários
Adjuntos de Macau; e (iii) na inclusão dos deputados das Assembleias
Legislativas das Regiões Autónomas entre o elenco dos titulares dos cargos
políticos que ficam sujeitos ao regime de exercício de funções estabelecido pela
Lei n.º 64/93 e suas sucessivas alterações.
Resulta dos fundamentos do pedido que apenas
está em causa esta última alteração.
Constitui, assim, objecto do presente pedido
a questão da constitucionalidade da norma do artigo 1.º do Decreto n.º 121/X, na
parte em que altera a redacção da alínea b) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º
64/93, de 26 de Agosto (na redacção vigente, dada pela Lei n.º 28/95, de 18 de
Agosto), incluindo os deputados das Assembleias Legislativas das Regiões
Autónomas entre o elenco dos titulares dos cargos políticos que ficam sujeitos
ao regime de exercício de funções estabelecido nessa Lei.
3. Notificado nos termos e para os efeitos
do artigo 54.º da LTC, o Presidente da Assembleia da República apresentou
resposta na qual oferece o merecimento dos autos, remete cópia do recurso de
admissão do Projecto de Lei n.º 254/X (BE) apresentado pelo Grupo Parlamentar do
PSD, dos Diários da Assembleia da República que contêm matéria a ele referente,
e dos trabalhos preparatórios relativos ao Decreto n.º 121/X da Assembleia da
República, e esclarece que “a decisão tomada quanto à admissão do Projecto de
Lei em questão, ao abrigo da alínea c) do artigo 161.º da Constituição da
República Portuguesa e nos termos do n.º 1 do artigo 139.º e da alínea c) do n.º
1 do artigo 17.º do Regimento da Assembleia da República, radica no entendimento
e prática de que a rejeição de iniciativas legislativas apresentadas à
Assembleia da República, nos casos estabelecidos na alínea a) do n.º 1 do artigo
133.º do já mencionado Regimento, só deverá ter lugar quando ocorra a violação
frontal e absoluta do disposto na Constituição da República Portuguesa, ou dos
princípios nela consignados”.
4. Apresentado pela primitiva Relatora o
memorando previsto no artigo 58.º, n.º 2, da LTC e tendo‑se apurado, uma vez
concluída a respectiva discussão, que a solução nele proposta não obtivera
vencimento, operou‑se mudança de relator, cumprindo agora formular a decisão,
em conformidade com o disposto no artigo 59.º, n.º 3, da LTC.
II – Fundamentação
5. Relativamente ao estatuto dos titulares
de órgãos de soberania e de outros cargos políticos (incluindo o respectivo
regime de incompatibilidades e impedimentos) e quanto ao órgão
constitucionalmente competente para a sua definição, a versão originária da CRP
limitava‑se a atribuir à Assembleia da República competência exclusiva para
legislar sobre a “remuneração do Presidente da República, dos Deputados, dos
membros do Governo e dos juízes dos tribunais superiores” (artigo 167.º, alínea
u)), a estipular que os Deputados que fossem funcionários do Estado ou de outras
pessoas colectivas públicas não podiam exercer as respectivas funções durante o
período de funcionamento efectivo da Assembleia (artigo 157.º, n.º 1) e que os
Deputados que fossem nomeados membros do Governo não podiam exercer o mandato
até à cessação destas funções (artigo 157.º, n.º 2), e a determinar a perda de
mandato dos Deputados que viessem “a ser feridos por alguma das incapacidades ou
incompatibilidades previstas na lei” (artigo 163.º, n.º 1, alínea a)).
Foi a 1.ª revisão constitucional (Lei
Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro) que introduziu nesta matéria três
importantes inovações, que, na sua essência, permaneceram até à actualidade.
A primeira respeita à consagração – a par da
imposição de a lei determinar os crimes de responsabilidade dos titulares dos
cargos políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos, que
já constava do n.º 2 do artigo 120.º da versão originária da CRP – do dever de
“a lei disp[or] sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades a que
estão sujeitos os titulares dos cargos políticos, bem como sobre os respectivos
direitos, regalias e imunidades” (n.º 2 do artigo 120.º, na versão de 1982).
Este preceito foi mantido na versão de 1989, com mera alteração formal da
redacção (“A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e
incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, bem como sobre os
respectivos direitos, regalias e imunidades”), e, com a revisão de 1997,
transitou para o artigo 117.º, n.º 2, com o aditamento da referência à previsão
das consequências do incumprimento dos deveres, responsabilidades e
incompatibilidades, adquirindo a redacção que ainda hoje mantém:
“A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e
incompatibilidades dos titulares de cargos políticos, as consequências do
respectivo incumprimento, bem como sobre os respectivos direitos, regalias e
imunidades.”
Nunca suscitou dúvidas sérias a inclusão no
conceito de “titulares de cargos políticos” dos deputados das assembleias
legislativas regionais. Como se referiu no Acórdão n.º 637/95 deste Tribunal
(publicado no Diário da República, I Série‑A, n.º 296, de 26 de Dezembro de
1995, p. 8092, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 32.º vol., p. 139, e
com texto integral disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
“Reconhecendo ser complexa a densificação do conceito de «cargos políticos»,
Gomes Canotilho e Vital Moreira sustentaram, em comentário a este novo preceito,
que tal conceito não podia reconduzir‑se ao de «órgãos de soberania»: por um
lado, os titulares destes últimos «abrangem os titulares da função
jurisdicional, que parece não devem considerar‑se titulares de cargos
políticos; por outro lado, os cargos políticos não se resumem aos órgãos de
soberania, visto que do artigo 121.º decorre que os cargos políticos não têm de
ser estaduais, podendo ser cargos das regiões autónomas ou do poder local»
(Constituição da República Portuguesa Anotada, 2.ª ed., 2.º vol., Coimbra, 1985,
p. 83). Os mesmos constitucionalistas alertavam para o facto de que os titulares
de cargos políticos não eram «só aqueles que têm um estatuto
constitucionalmente definido de imunidades e prerrogativas; estas só vêm
definidas quanto aos titulares de alguns órgãos de soberania, sendo inequívoco
que nem só eles são titulares de cargos políticos. A noção que melhor parece
corresponder à razão de ser deste preceito constitucional é aquela que
considera cargos políticos todos aqueles aos quais estão constitucionalmente
confiadas funções políticas (sobretudo as de direcção política)» (ob. cit.,
ibidem).
Passou a ser, pois, isento de dúvidas que o Presidente da República, os
Deputados à Assembleia da República, os membros do Governo, os conselheiros de
Estado, os membros dos governos e das assembleias regionais, os Ministros da
República para as Regiões Autónomas e os membros de órgãos de poder local eram
qualificados como titulares de cargos políticos. Não havia, assim, que fazer
apelo a normas de direito infraconstitucional para preencher esse conceito
(veja-se, por exemplo, a Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, sobre o controlo da
riqueza dos titulares dos cargos políticos).
Este n.º 2 do artigo 120.º da Constituição consagrou, assim, uma «imposição
legiferante» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. cit., 2.º vol., p. 85), no
sentido de os órgãos legislativos competentes concretizarem o estatuto dos
titulares de cargos políticos, relativamente aos aspectos indicados (deveres,
responsabilidades e incompatibilidades, direitos, regalias e imunidades).”
A segunda alteração relevante da revisão
constitucional de 1982 consistiu no aditamento do n.º 5 ao artigo 233.º da CRP –
“O estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é
definido nos respectivos estatutos político‑administrativos” –, disposição que
transitou, sem qualquer alteração no seu teor, para o n.º 6 do artigo 231.º pela
revisão de 1997 e para o n.º 7 do mesmo preceito pela revisão de 2004.
Neste contexto, interessa recordar que a
aprovação dos estatutos político‑administrativos das Regiões Autónomas sempre
competiu à Assembleia da República (artigo 164.º, alínea b), na versão
originária da CRP, que transitou para o artigo 161.º, alínea b), na revisão de
1997), cabendo às respectivas assembleias legislativas regionais a elaboração
não apenas dos projectos iniciais dos estatutos (como já constava do artigo
228.º, n.º 1, na versão originária da CRP), mas também dos projectos de
alterações dos estatutos (n.º 4 do artigo 228.º, aditado na revisão de 1982, e
que transitou, com a revisão de 1997, para o n.º 4 do artigo 226.º).
A terceira alteração a assinalar introduzida
em 1982 consistiu na inserção, no artigo 167.º da CRP, entre as matérias de
reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República, sob a
alínea g), da respeitante ao “estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e
do poder local, do Conselho de Estado e do Provedor de Justiça, incluindo o
regime das respectivas remunerações”.
Na revisão de 1989, a correspondente alínea
l) do artigo 167.º passou a referir o “estatuto dos titulares dos órgãos de
soberania e do poder local, bem como dos restantes órgãos constitucionais ou
eleitos por sufrágio directo e universal”, formulação que transitou, sem
alteração de teor, para a alínea m) do artigo 164.º na revisão de 1997.
A este propósito, consignou‑se no citado
Acórdão n.º 637/95:
“[15] – (…)
No texto saído da primeira revisão constitucional, estabeleceu‑se que integrava
a reserva absoluta de competência legislativa do órgão parlamentar da República
a edição de legislação sobre «estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e
do poder local, do Conselho de Estado e do Provedor da Justiça, incluindo o
regime das respectivas remunerações» [artigo 167.º, alínea g)].
Comentando este preceito, escreviam Gomes Canotilho e Vital Moreira:
«O âmbito da matéria da alínea g) surge claramente delimitado por referência aos
artigos 113.º e 120.º. Trata‑se de definir o regime de responsabilidade dos
titulares dos cargos aí mencionados (nomeadamente da responsabilidade
criminal), bem como os deveres, responsabilidades e incompatibilidades e,
reciprocamente, os direitos, regalias e imunidades, incluindo o regime das
remunerações (mas não necessariamente a fixação do seu montante). Curioso é
notar a omissão da menção dos titulares dos órgãos das Regiões Autónomas;
todavia, o estatuto deles há‑de constar do respectivo estatuto regional (artigo
233.º, n.º 5), cuja aprovação também pertence em exclusivo à Assembleia da
República [cf. artigos 164.º, alínea b), e 228.º].» (ob. cit., 2.ª ed., 2.º
vol., p. 193, nota X ao artigo 167.º).
Dos trabalhos preparatórios da primeira revisão constitucional pode retirar‑se
que os constituintes não pretenderam incluir, na norma que iria passar a constar
da alínea g) do artigo 167.º da Constituição, os titulares dos órgãos das
Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, por entenderem que tal matéria
deveria antes constar dos estatutos político‑administrativos dessas regiões,
também eles aprovados pela Assembleia da República, sendo embora a iniciativa
desses estatutos exclusivamente do órgão parlamentar regional [vejam‑se as
intervenções dos Deputados Amândio de Azevedo e Nunes de Almeida na Comissão
Eventual de Revisão Constitucional, in Diário da Assembleia da República, II
Série, n.º 39, de 15 de Janeiro de 1982, p. 852‑(65). Passou a figurar no n.º 5
do artigo 233.º da Constituição, a partir de 1982 — cf. Gomes Canotilho e Vital
Moreira, ob. cit., 2.º vol., pp. 353-354 e 375‑376].
(...)
[16] – Na versão em vigor da Constituição, no texto resultante
da segunda revisão constitucional aprovada pela Lei Constitucional n.º 1/89, de
8 de Julho, o artigo 120.º, n.º 2, manteve praticamente inalterada a anterior
redacção, se se descontar uma modificação de redacção num sentido simplificador
(em vez de se fazer referência aos deveres, responsabilidades e
incompatibilidades a que estão sujeitos os titulares de cargos políticos,
indica‑se agora os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos titulares
de cargos políticos).
No que toca à alínea g) do artigo 167.º da versão de 1982, a
norma dessa alínea passou para a alínea l) do mesmo artigo, havendo‑se suprimido
a referência à matéria do regime remuneratório e aditado uma nova parte final:
«É da exclusiva competência da Assembleia da República legislar sobre as
seguintes matérias:
(…)
l) Estatuto dos titulares dos órgãos de soberania e do poder local, bem como dos
restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal.»
Dos trabalhos preparatórios desta segunda revisão constitucional não se retira
que os constituintes hajam visado qualquer finalidade específica de corte com a
anterior solução através da supressão da referência ao regime remuneratório dos
titulares de cargos políticos. Segundo a explicação do Deputado António
Vitorino, a redacção proposta pelo seu Partido pretendia encontrar uma
formulação abrangente e de ordem genérica para os titulares de cargos políticos,
evitando a anterior referência exemplificativa aos membros do Conselho de
Estado e ao Provedor de Justiça. O mesmo Deputado reafirmou que esta alínea não
abrangia os titulares dos órgãos do governo das Regiões Autónomas, visto
competir a estas a elaboração da proposta do seu próprio estatuto (veja-se o
Diário da Assembleia da República, II Série, n.º 98-RC, de 8 de Maio de 1989, p.
2820; e o mesmo Diário, II Série, n.º 108-RC, de 22 de Maio do mesmo ano, com
intervenções dos Deputados António Vitorino, Pedro Roseta, Rui Machete e José
Magalhães, este último chamando a atenção para o n.º 5 do artigo 233.º). A
eliminação da frase «incluindo o regime das respectivas remunerações» não
parece, pois, revestir-se de qualquer relevância interpretativa, pois é
manifesto que o regime remuneratório se reconduz aos «direitos e regalias»
contemplados no n.º 2 do artigo 120.º [cf. igualmente artigo 168.º, n.º 1,
alínea q), da Constituição].
É por isso que Gomes Canotilho e Vital Moreira, ao comentarem esta alínea l) do
artigo 167.º da versão em vigor da Constituição, continuam a afirmar que a
mesma tem um âmbito «claramente delimitado por referência aos artigos 113.º e
120.º. Trata-se de definir o regime de responsabilidade dos titulares dos
cargos aí mencionados (nomeadamente da responsabilidade criminal), bem como os
deveres, responsabilidades e incompatibilidades e, reciprocamente, os direitos,
regalias e imunidades, incluindo o regime das remunerações (mas não
necessariamente a fixação do seu montante)» (Constituição da República
Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, p. 666).
[17] – Relativamente aos titulares de cargos políticos do
governo próprio das Regiões Autónomas, é pacífico que a competência para a
fixação do seu regime estatutário não se acha prevista no artigo 167.º da
Constituição, não obstante a formulação extremamente abrangente da parte final
de nova alínea l) («bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por
sufrágio directo e universal»). A evolução do texto constitucional e a análise
dos trabalhos preparatórios das duas revisões constitucionais de 1982 e de 1989
fundamentam esta afirmação.
Tal competência cabe à Assembleia da República, é certo, mas a iniciativa
legislativa está atribuída em exclusivo às assembleias legislativas regionais –
é o que resulta dos artigos 164.º, alínea b), 228.º e 233.º, n.º 5, da Lei
Fundamental, como acima se referiu.
Na verdade, o artigo 233.º da Constituição regula a matéria atinente aos órgãos
de governo próprio das duas regiões autónomas, esclarecendo que tais órgãos são
a assembleia legislativa regional e o governo regional (n.º 1). O n.º 5 deste
artigo, por seu turno, estabelece que «o estatuto dos titulares dos órgãos de
governo próprio das regiões autónomas é definido nos respectivos estatutos
político-administrativos».
Anotando este n.º 5 do artigo 233.º, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira:
«O estatuto dos titulares dos órgãos de governo regional (membros da assembleia
e membros do governo) deve ser definido, naturalmente, pelo estatuto regional
(n.º 5), respeitando os princípios constitucionais pertinentes (artigo 120.º),
bem como, com as devidas adaptações, os princípios deduzíveis do regime
constitucional dos Deputados da Assembleia da República e dos membros do Governo
da República. Ao reservar explicitamente para o estatuto regional a definição do
estatuto dos titulares dos órgãos regionais, a Constituição não deixa por isso
margem para dúvidas de que tal matéria não cabe nem na competência legislativa
reservada comum da AR [v. artigo 167.º, alínea l)], nem na competência
legislativa regional, através de decreto legislativo regional […]. Mas nada
parece impedir que os estatutos – que não podem «delegar» essa matéria para
decreto regional – sejam «regulamentados» por diploma regional.» (Constituição,
3.ª ed., pp. 873‑874; vejam‑se o 2.º vol. da 2.ª ed. desta obra, pp. 375-376, e
Jorge Miranda, Funções, Órgãos e Actos do Estado, Lisboa, 1990, pp. 84‑85).”
Como na precedente transcrição do Acórdão
n.º 637/95 se refere, a adopção, na revisão de 1989, na alínea l) do artigo
167.º, de uma fórmula mais ampla do que a da alínea g) do mesmo preceito na
versão de 1982, não significou a inclusão, naquela previsão, dos titulares dos
órgãos de governo próprio das regiões autónomas, designadamente dos deputados
das assembleias legislativas regionais. A clara intenção manifestada no debate
parlamentar foi a de rejeitar essa inclusão, como resulta inequivocamente das
intervenções dos Deputados António Vitorino, Pedro Roseta, Rui Machete
(Presidente da Comissão) e José Magalhães (Diário da Assembleia da República, II
Série‑RC, n.º 108, de 22 de Maio de 1989, pp. 3055‑3056), tendo o primeiro
expressamente referido que: “é óbvio e evidente que neste estatuto dos titulares
dos órgãos eleitos por sufrágio directo e universal não se inclui o estatuto
dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas. No caso das
assembleias regionais esses órgãos são eleitos por sufrágio directo e
universal, mas isso é matéria que a Constituição atribui especificamente às
regiões autónomas”, tendo o Presidente da Comissão salientado tratar‑se de “uma
precisão importante, embora ela resulte de interpretação sistemática”, “porque
de outro modo seria conflituante”, o que foi corroborado pelo Deputado José
Magalhães, que salientou que “o n.º 5 do artigo 233.º reza o seguinte: «O
estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas é
definido nos respectivos estatutos político‑administrativos»”.
A mesma conclusão seria, aliás, imposta pela
mera comparação da alínea l) do artigo 167.º, na versão de 1989, com a
precedente alínea j) do mesmo preceito (que inseria na reserva absoluta de
competência legislativa da Assembleia da República a matéria das “eleições dos
titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas e do poder local,
bem como dos restantes órgãos constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e
universal”). A referência aos titulares dos órgãos de governo próprio das
regiões autónomas na alínea j) e a omissão de referência a esses titulares na
subsequente alínea l), e a menção em ambas as alíneas dos “restantes órgãos
constitucionais ou eleitos por sufrágio directo e universal” implica
necessariamente, por um lado, que nesta última categoria não cabem aqueles
titulares (pois se coubessem seria redundante a sua específica menção na alínea
j)), e, por outro lado, que se quis diferenciar o enquadramento constitucional
da competência legislativa (sempre absolutamente reservada) da Assembleia da
República relativamente aos órgãos de governo próprio das regiões autónomas: a
matéria eleitoral no âmbito da competência legislativa “comum” e a matéria do
estatuto dos titulares desses órgãos fora dessa competência “comum”, porque
inserida na competência “estatutária” (alínea b) do artigo 164.º). Por isso, J.
J. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa
Anotada, 3.ª edição, Coimbra, 1993, p. 666), anotando a omissão, na alínea l)
(em contraste com a alínea j)), da menção aos titulares dos órgãos das regiões
autónomas, assinalam que “o estatuto deles há‑de constar do respectivo estatuto
regional (artigo 233.º, n.º 5), cuja aprovação também pertence em exclusivo à
Assembleia da República (cf. artigos 164.º, alínea b), e 228.º)”.
Não se tendo verificado, como inicialmente
se referiu, alterações relevantes, nas revisões constitucionais posteriores à de
1989, na formulação das normas correspondentes aos actuais artigos 164.º, alínea
m), e 231.º, n.º 7, da CRP, é de reiterar o entendimento, acolhido pela
doutrina (cf., por último, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição
Portuguesa Anotada, tomo II, Coimbra, 2006, p. 521: “O estatuto dos órgãos das
regiões autónomas integra‑se na reserva absoluta da Assembleia, mas não com
fundamento na alínea m) [do artigo 164.º], e sim com fundamento na alínea b) do
artigo 161.º, pois ele constitui matéria de estatuto político‑administrativo”)
e jurisprudência citadas, de que a definição do estatuto dos titulares de
órgãos de governo próprio das regiões autónomas, designadamente dos deputados
das respectivas assembleias legislativas, é da competência da Assembleia da
República, não ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º, mas a coberto da alínea
b) do artigo 161.º, por ser matéria que deve ser definida nos correspondentes
estatutos político‑administrativos, e não em “lei comum” da Assembleia da
República.
Daqui decorre a impossibilidade da afirmação
da existência de uma “concorrência de competências” nesta matéria entre “lei
comum” e “lei estatutária” da Assembleia da República.
6. Alcançada a precedente conclusão, não se
vislumbram razões válidas para não incluir na expressão “estatuto dos titulares
dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas” a matéria das
incompatibilidades e impedimentos desses titulares.
O sentido normal e corrente de estatuto de
titular de qualquer órgão engloba a definição quer dos direitos, regalias e
imunidades de que beneficiam, quer dos deveres, responsabilidades,
incompatibilidades e impedimentos que oneram os respectivos sujeitos. Cabe,
assim, neste conceito de “estatuto” a generalidade dos aspectos referidos no n.º
2 do artigo 117.º da CRP, incluindo as incompatibilidades. Já não caberá a
matéria da definição dos crimes de responsabilidade, que está contemplada, não
nesse n.º 2, mas no subsequente n.º 3 desse preceito.
A circunstância de os estatutos
político‑administrativos das Regiões Autónomas terem uma relevante dimensão
organizatória não pode fazer esquecer que é a própria Constituição que, ao
definir o seu conteúdo obrigatório, determina que, a par da definição dos
poderes das Regiões referidos nas diversas alíneas do n.º 1 do artigo 227.º e da
enunciação das matérias sobre que incide a autonomia legislativa regional (n.º 1
do artigo 228.º), aqueles estatutos definam o estatuto dos titulares dos seus
órgãos de governo próprio (n.º 7 do artigo 231.º), não se justificando qualquer
restrição deste último conceito em termos de dele excluir a matéria das
incompatibilidades.
Trata‑se, aliás, de questão que já foi
objecto de pronúncia por este Tribunal, sempre no sentido de que a definição das
incompatibilidades se insere no âmbito do estatuto dos titulares dos órgãos de
governo próprio das regiões autónomas.
No Acórdão n.º 92/92 (Diário da República, I
Série‑A, n.º 82, de 7 de Abril de 1992, p. 1644, e Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 21.º vol., p. 7) – em que o Tribunal Constitucional, também em
sede de fiscalização preventiva, se pronunciou, com fundamento em violação das
disposições conjugadas dos artigos 164.º, alínea b), 228.º, n.ºs 1 a 4, 229.º,
n.º 1, alínea a), e 233.º, n.º 5, da Constituição (correspondentes aos actuais
artigos 161.º, alínea b), 226.º, n.ºs 1 e 4, 227.º, n.º 1, alínea a), e 231.º,
n.º 7), pela inconstitucionalidade de todas as normas do decreto, aprovado pela
Assembleia Legislativa Regional da Madeira, na sessão de 11 de Fevereiro de
1992, subordinado ao título “Alterações ao Estatuto do Deputado” –, após
referências às revisões constitucionais de 1982 e de 1989 que foram retomadas no
Acórdão n.º 637/95 e atrás transcritas, entendeu‑se parecer não restarem
dúvidas de que:
“a) Só a Assembleia da República pode legislar sobre o
estatuto (e suas alterações) dos titulares dos órgãos de governo regional –
maxime sobre o estatuto dos deputados regionais [cf. os artigos 228.º, n.º 1, e
233.º, n, º 5, da Constituição];
b) Esse estatuto – ou seja, o estatuto dos órgãos de governo
regional – tem de constar do estatuto político‑administrativo da respectiva
região autónoma (cf. artigo 233.º, n.º 5);
c) O mesmo estatuto há-de versar «sobre os deveres,
responsabilidades e incompatibilidades» dos titulares daqueles órgãos, e bem
assim «sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades» (cf. artigo 120.º,
n.º 2).” (sublinhado acrescentado).
Nenhum dos votos de vencido apostos a este
acórdão dissente da afirmação de que a matéria das incompatibilidades integra o
estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas que
deve constar dos respectivos estatutos político‑administrativos. O voto de
vencido do Conselheiro Alves Correia começa por manifestar concordância “com a
doutrina geral do acórdão – a de que o diploma apreciado versa, no essencial,
sobre matéria que faz parte do estatuto dos titulares dos órgãos de governo
próprio das regiões autónomas (cujo conteúdo abrange, nos termos do n.º 2 do
artigo 120.º da Constituição, os deveres, responsabilidades e incompatibilidades
dos titulares daqueles órgãos, bem como os respectivos direitos, regalias e
imunidades), a qual constitui reserva de lei estatutária, – da competência da
Assembleia da República (cf. os artigos 164.º, alínea b), 228.º e 233.º, n.º 5,
da Constituição)”, apenas divergindo da inclusão na pronúncia de
inconstitucionalidade das normas respeitantes ao estatuto remuneratório, por se
traduzir em intervenção legislativa complementar do núcleo essencial do
estatuto remuneratório dos deputados regionais já definido no Estatuto
Político‑Administrativo. Por seu turno, o voto de vencido do Conselheiro António
Vitorino (a que se associou, em parte, o Conselheiro Bravo Serra),
relativamente às “normas que versam sobre deveres, responsabilidades,
incompatibilidades, direitos, regalias e imunidades dos deputados à Assembleia
Legislativa Regional, que integram o essencial do conceito de estatuto dos
titulares dos cargos políticos tal como ele decorre do artigo 120.º da
Constituição”, considerou‑as inconstitucionais, “tal como bem decidiu o Acórdão,
também aqui com o meu apoio, porque se reportam ao «núcleo essencial» do
estatuto dos deputados à Assembleia Legislativa Regional da Madeira (e na medida
em que sobre ele disponham), uma vez que nesta dimensão estão abrangidas pela
«reserva de estatuto», como dispõe o n.º 5 do artigo 233.º da Lei Fundamental”,
somente dissentindo do Acórdão nas partes relativas às “normas que constituem
mera projecção organizatória das disposições atinentes ao estatuto dos titulares
de cargos políticos” e às “normas que estabelecem as remunerações e outros
benefícios complementares susceptíveis de serem enquadrados num conceito amplo
de «estatuto remuneratório»”, por entender “que a «reserva de estatuto» quanto à
«definição» do estatutos dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões
autónomas abrange apenas o «núcleo essencial» desse estatuto, tal como ele
resulta da formulação do artigo 120.º da Constituição, sendo lícita às
assembleias legislativas regionais uma intervenção legislativa regulamentar e
conformadora desse estatuto fora daquele «núcleo essencial» e em tudo o mais que
se prefigure como projecção organizatória das disposições estatutárias por
natureza”, reiterando o entendimento expresso, como Deputado, no processo de
revisão constitucional de 1989, de que “a competência da alínea l) do artigo
167.º [actual alínea m) do artigo 164.º] da Constituição não abrange o estatuto
dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas: sobre tal
matéria a Assembleia da República legisla por força do disposto na alínea b) do
artigo 164.º [actual alínea b) do artigo 161.º] da Constituição, podendo as
regiões legislar em complemento da formação estatutária naquilo que não integre
a matéria reservada ao Estatuto Político-Administrativo”.
O entendimento de que a matéria das
incompatibilidades integra o estatuto dos titulares dos órgãos de governo
próprio das Regiões Autónomas foi reiterado no já citado Acórdão n.º 637/95,
onde expressamente se reafirmou:
“Com efeito, a Constituição exige que o estatuto desses
titulares de órgãos de governo próprio regional [os deputados às Assembleias
Legislativas Regionais] se ache definido no estatuto político‑administrativo.
Há, pois, uma reserva de lei estatutária na matéria. A definição desse estatuto
tem de abranger os deveres, as responsabilidades e incompatibilidades desses
titulares, bem como os respectivos direitos, regalias e imunidades.” (sublinhado
acrescentado).”
Nestes termos, à conclusão, alcançada no
número anterior, de que a definição do estatuto dos titulares de órgãos de
governo próprio das regiões autónomas, designadamente dos deputados das
respectivas assembleias legislativas, é da competência da Assembleia da
República, não ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º, mas a coberto da alínea
b) do artigo 161.º, por ser matéria que deve ser definida nos correspondentes
estatutos político‑administrativos, e não em “lei comum” da Assembleia da
República, há que aditar a conclusão, alcançada neste número, de que a matéria
das incompatibilidade faz parte integrante do estatuto dos deputados regionais.
7. A aprovação do Decreto n.º 121/X, como
resulta do respectivo processo legislativo, embora não se apresentando
formalmente como uma alteração dos estatutos político‑administrativos das
Regiões Autónomas, visa introduzir modificações no estatuto dos deputados
regionais, designadamente no capítulo das incompatibilidades e impedimentos,
tendo especificamente como alvo a situação dos deputados da Assembleia
Legislativa da Região Autónoma da Madeira.
A iniciativa legislativa em causa teve na
sua origem o Projecto de Lei n.º 254/XI [“Altera a Lei n.º 64/93, de 26 de
Agosto (Estabelece o Regime Jurídico de Incompatibilidades e Impedimentos dos
Titulares de Cargos Políticos e Altos Cargos Públicos)”], apresentado por
Deputados do Bloco de Esquerda (Diário da Assembleia da República (DAR), X
Legislatura, 1.ª Sessão Legislativa, II Série‑A, n.º 109, de 13 de Maio de 2006,
pp. 12‑15), e o Projecto de Lei n.º 366/X (“Determina a equiparação entre os
Deputados à Assembleia da República e os deputados às Assembleia Legislativas
das Regiões Autónomas em matéria de incompatibilidades e impedimentos”),
apresentado por Deputados do Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português
(DAR citado, II Série‑A, n.º 52, de 9 de Março de 2007, pp. 13‑14).
O Projecto de Lei n.º 254/X, considerando
injustificada a não consideração dos deputados das Assembleia Legislativas
Regionais dos Açores e da Madeira como titulares de cargos políticos para
efeitos da aplicação do regime jurídico estabelecido pela Lei n.º 64/93, e
constatando que a questão não é satisfatoriamente resolvida pelos respectivos
Estatutos Político‑Administrativos (no dos Açores “não é abordada a questão das
incompatibilidades e impedimentos dos Deputados, embora a prática política tenha
garantido sempre a consonância com a lei”; e no da Madeira “as
incompatibilidades e impedimentos previstos ficam aquém dos estipulados pelo
regime que se pretende geral e a prática política é aberta e violentamente
contraditória com a definida pela lei”), propunha as alterações à Lei n.º 64/93
que vieram a ser acolhidas no Decreto n.º 121/X.
O Projecto de Lei n.º 366/X, considerando
igualmente não se justificar a existência de disparidade de estatutos entre os
Deputados à Assembleia da República e os deputados às Assembleias Legislativas
das Regiões Autónomas em matéria de incompatibilidades e impedimentos,
entendendo que “existe um regime idêntico aplicável aos Deputados à Assembleia
da República e aos Deputados da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos
Açores”, mas que “existe uma diferenciação de estatuto dos Deputados à
Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira, que é mais permissivo em
matéria de incompatibilidades e impedimentos”, não sendo aplicáveis a estes
deputados “os princípios da transparência e de não acumulação indevida de
funções públicas com funções privadas que possam comprometer a independência no
exercício do mandato”, propunha, como solução legislativa, a adopção pela
Assembleia da República de uma lei que concretizasse esses princípios em todo o
território nacional, contendo um artigo único, do seguinte teor: “O Estatuto dos
Deputados às Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas é equiparado ao
Estatuto dos Deputados à Assembleia da República no que se refere aos direitos,
regalias, incompatibilidades, impedimentos e imunidades consagrados
constitucionalmente”.
Pelo Grupo Parlamentar do PSD foram
interpostos recursos contra a admissão dos referidos Projectos de Lei, com
fundamento em inconstitucionalidade, “por violação do disposto nos artigos
226.º, n.º 1, 227.º, n.º 1, alínea e), e 231.º, n.º 7, da Constituição da
República Portuguesa, já que ofende a reserva de iniciativa legislativa das
assembleias legislativas das regiões autónomas em matéria estatutária”, recursos
que, na sequência de pareceres desfavoráveis da Comissão de Assuntos
Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias (o parecer sobre a
admissibilidade do Projecto de Lei n.º 254/X foi publicado no DAR, II Série‑A,
n.º 112, de 18 de Maio de 2006, pp. 6‑9), foram indeferidos pelo Plenário da
Assembleia da República (DAR, I Série, n.º 125, de 19 de Maio de 2006, pp.
5748‑5754 e 5781, e n.º 63, de 23 de Março de 2007, pp. 27‑34). O referido
parecer considera que a matéria versada pelo Projecto de Lei n.º 254/X está
abrangida não apenas pela reserva absoluta de competência legislativa da
Assembleia da República prevista na alínea m) do artigo 164.º da CRP, entendendo
que as assembleias legislativas regionais se incluem entre os órgãos
constitucionais previstos nessa alínea (n.ºs 20 a 22 do parecer), mas também
“pela reserva exclusiva de iniciativa legislativa da Assembleia da República,
sendo matéria conexa com a eleição dos Deputados, mas que não se pode entender
que caiba no âmbito do artigo 226.º da Constituição da República Portuguesa”,
uma vez que “não se está a alterar os estatutos político‑administrativos das
regiões autónomas, mas tão‑só pretende o partido proponente um alteração à lei
que estabelece o regime jurídico das incompatibilidades e impedimentos dos
titulares de cargos políticos e altos cargos públicos” (n.º 27 do parecer).
Sobre os Projectos de Lei recaiu o Parecer
da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, de
11 de Abril de 2007 (DAR, II Série‑A, n.º 65, de 12 de Abril de 2007, pp. 13‑15)
e pareceres desfavoráveis da Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos
Açores (DAR, II Série‑A, n.º 65, de 12 de Abril de 2007, pp. 16‑18), do Governo
Regional dos Açores (DAR, II Série‑A, n.º 131, de 22 de Julho de 2006, pp.
19‑20, e n.º 61, de 30 de Março de 2007, pp. 16‑17, republicado no DAR, II
Série‑A, n.º 63, de 5 de Abril de 2007, p. 7), da Assembleia Legislativa da
Região Autónoma da Madeira (DAR, II Série‑A, n.º 59, de 24 de Março de 2007, pp.
4‑6) e do Governo Regional da Madeira (DAR, II Série‑A, n.º 63, de 5 de Abril de
2007, p. 7), após o que foram discutidos e aprovados na generalidade (DAR, I
Série, n.º 70, de 12 de Abril de 2007, pp. 5‑30).
Após discussão e votação na especialidade na
referida Comissão (cf. relatório no DAR, II Série‑A, n.º 80, de 18 de Maio de
2007, pp. 14‑16), foi, em votação final global, aprovado o texto proposto pela
Comissão (DAR, I Série, n.º 84, de 18 de Maio de 2007, p. 39), que se viria a
transformar no Decreto n.º 121/X, ora em apreço.
Com a aprovação da norma questionada no
presente processo passam os deputados das Assembleias Legislativas das Regiões
Autónomas a ficar sujeitos ao regime de exercício de funções estabelecido na Lei
n.º 64/93 (alterada pelas Leis n.ºs 39‑B/94, 28/95, 12/96, 42/96 e 12/98, atrás
referidas, e, por último, pelo Decreto‑Lei n.º 71/2007, de 27 de Março, cujo
artigo 42.º, n.º 1, alínea b), revogou as alíneas a) e b) do artigo 3.º e os
n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 64/93), o que implica que:
1) as respectivas funções são exercidas em
regime de exclusividade, sendo a titularidade do cargo incompatível com
quaisquer outras funções profissionais remuneradas ou não, bem como com a
integração em corpos sociais de quaisquer pessoas colectivas de fins lucrativos,
com excepção das funções ou actividades derivadas do cargo e as que são
exercidas por inerência – artigo 4.º da Lei n.º 64/93, alterado pelas Leis n.ºs
28/95 (artigo 1.º) e 12/98 (artigo 1.º, n.º 2);
2) não podem exercer, pelo período de três
anos contado da data da cessação das respectivas funções, cargos em empresas
privadas que prossigam actividades no sector por eles directamente tutelado,
desde que, no período do respectivo mandato, tenham sido objecto de operações de
privatização ou tenham beneficiado de incentivos financeiros ou de sistemas de
incentivos e benefícios fiscais de natureza contratual, exceptuando‑se o
regresso à empresa ou actividade exercida à data da investidura no cargo –
artigo 5.º da Lei n.º 64/93, alterado pela Lei n.º 28/95 (artigo 1.º);
3) as empresas cujo capital seja por eles
detido numa percentagem superior a 10% ficam impedidas de participar em
concursos de fornecimento de bens ou serviços, no exercício de actividade de
comércio ou indústria, em contratos com o Estado e demais pessoas colectivas
públicas, ficando sujeitas ao mesmo regime as empresas de cujo capital, em igual
percentagem, sejam titulares os seus cônjuges, não separados de pessoas e bens,
os seus ascendentes e descendentes em qualquer grau, e os colaterais até ao 2.º
grau, bem como aqueles que com eles viviam nas condições do artigo 2020.º do
Código Civil, e as empresas em cujo capital detenham, directa ou
indirectamente, por si ou conjuntamente com os referidos familiares, uma
participação não inferior a 10% – artigo 8.º da Lei n.º 64/93, alterado pela Lei
n.º 28/95 (artigo 1.º);
4) estão impedidos de servir de árbitro ou
de perito, a título gratuito ou remunerado, em qualquer processo em que seja
parte o Estado e demais pessoas colectivas públicas, impedimento que se mantém
até ao termo do prazo de um ano após a respectiva cessação de funções – artigo
9.º da Lei n.º 64/93;
5) os deputados regionais que, nos últimos
três anos anteriores à data da investidura no cargo, tenham detido, nos termos
do artigo 8.º, a percentagem de capital em empresas nele referidas ou tenham
integrado corpos sociais de quaisquer pessoas colectivas de fins lucrativos
(excepto se esta participação nos corpos sociais tiver ocorrido por designação
do Estado ou de outra pessoa colectiva pública) não podem intervir: a) em
concursos de fornecimento de bens ou serviços ao Estado e demais pessoas
colectivas públicas aos quais aquelas empresas e pessoas colectivas sejam
candidatos; b) em contratos do Estado e demais pessoas colectivas públicas com
elas celebrados; c) em quaisquer outros procedimentos administrativos, em que
aquelas empresas e pessoas colectivas intervenham, susceptíveis de gerar dúvidas
sobre a isenção ou rectidão da conduta dos referidos titulares, designadamente
nos de concessão ou modificação de autorizações ou licenças, de actos de
expropriação, de concessão de benefícios de conteúdo patrimonial e de doação de
bens – artigo 9.º‑A da Lei n.º 64/93, aditado pela Lei n.º 42/96 (artigo 1.º).
Por seu turno, o Estatuto
Político‑Administrativo da Região Autónoma da Madeira (EPARAM), na versão
resultante da revisão operada pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto, considera:
1) incompatível com o exercício do mandato
de deputado à Assembleia Legislativa Regional o desempenho dos cargos
seguintes: a) Presidente da República, membro do Governo e Ministro [hoje,
Representante] da República; b) Membro do Tribunal Constitucional, do Supremo
Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas e do Conselho Superior da
Magistratura e Provedor de Justiça; c) Deputado ao Parlamento Europeu; d)
Deputado à Assembleia da República; e) membro dos demais órgãos de governo
próprio das Regiões Autónomas; f) embaixador não oriundo da carreira
diplomática; g) governador e vice‑governador civil; h) presidente e vereador a
tempo inteiro das câmaras municipais; i) funcionário do Estado, da Região ou de
outras pessoas colectivas de direito público, com excepção do exercício
gratuito de funções docentes, de actividade de investigação e outras similares
como tal reconhecidas caso a caso pela Assembleia Legislativa Regional; j)
membro da Comissão Nacional de Eleições; l) membro dos gabinetes ministeriais
ou legalmente equiparados; m) funcionário de organização internacional ou de
Estado estrangeiro; n) Presidente e Vice-Presidente do Conselho Económico e
Social; o) membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social (substituída
pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social – Lei n.º 53/2005, de 8 de
Novembro); p) membro dos conselhos de administração das empresas públicas; q)
membro dos conselhos de administração das empresas de capitais públicos
maioritariamente participadas pelo Estado ou pela Região; e r) membro dos
conselhos de administração de institutos públicos autónomos – artigo 34.º, n.ºs
1 e 3;
2) incompatível com a função de deputado
regional: a) a substituição interina do Ministro [hoje, Representante] da
República; b) o exercício do cargo de delegado do Governo Regional no Porto
Santo; e c) o exercício do cargo de director regional no Governo Regional –
artigo 34.º, n.º 2;
3) que os deputados regionais carecem de
autorização da Assembleia Legislativa Regional para serem jurados, árbitros,
peritos ou testemunhas, e é‑lhes vedado exercer o mandato judicial como autores
nas acções cíveis contra o Estado e contra a Região; servir de peritos ou
árbitros a título remunerado em qualquer processo em que sejam parte o Estado, a
Região e demais pessoas colectivas de direito público (salvo deliberação em
contrário da Assembleia Legislativa Regional, fundada em razão de interesse
público); integrar a administração de sociedades concessionárias de serviços
públicos; e figurar ou de qualquer forma participar em actos de publicidade
comercial – artigo 35.º, n.ºs 1, 3 e 4.
Relativamente ao Estatuto
Político‑Administrativo da Região Autónoma dos Açores (EPARAA), na versão
resultante da revisão operada pela Lei n.º 61/98, de 27 de Agosto, e
contrariamente ao que por vezes foi referido no debate parlamentar que conduziu
à aprovação do Decreto n.º 121/X ora em apreciação, não existe qualquer norma de
equiparação do regime de incompatibilidades e impedimentos dos respectivos
deputados ao regime dos Deputados à Assembleia da República. Na verdade, o
artigo 24.º desse Estatuto só equipara o estatuto dos deputados à Assembleia
Legislativa Regional ao Estatuto dos Deputados à Assembleia da República “no que
se refere aos direitos, regalias e imunidades consagrados constitucionalmente”,
o que não abrange as incompatibilidades e impedimentos. Quanto a estas, o artigo
29.º limita‑se a referir que “Sem prejuízo de outras incompatibilidades
previstas na lei, os Deputados que desempenharem cargos de titulares ou de
membros dos órgãos de soberania ou de outro órgão de governo próprio da Região
Autónoma não poderão exercer o seu mandato até à cessação dessas funções.”
A remissão para as “outras
incompatibilidades previstas na lei” é susceptível de ser interpretada como
dirigida, nomeadamente, ao Decreto Legislativo Regional n.º 19/90‑A, de 20 de
Novembro (rectificado no Diário da República, I Série, 5.º Suplemento ao n.º
300, de 31 de Dezembro de 1990, p. 5288‑(23)), que fixou um regime específico de
incompatibilidades e impedimentos dos deputados à Assembleia Legislativa da
Região Autónoma dos Açores, e nos termos do qual (independentemente da questão
da sua inconstitucionalidade, face ao princípio da reserva de estatuto, como, a
respeito do precedente Decreto Legislativo Regional n.º 13/88/A, de 6 de Abril,
advertiam Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, Estatuto Político da Região
Administrativa dos Açores Anotado, Lisboa, 1997, p. 80):
1) considera incompatível o exercício dos
cargos de deputado regional e de: a) Presidente da República, membro do Governo
e Ministro [hoje, Representante] da República; b) membro do Tribunal
Constitucional, do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas e do
Conselho Superior da Magistratura e Provedor de Justiça; c) Deputado ao
Parlamento Europeu; d) Deputado à Assembleia da República; e) membro dos demais
órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas; f) embaixador não oriundo da
carreira diplomática; g) governador e vice‑governador civil; h) presidente e
vereador a tempo inteiro das câmaras municipais; i) funcionário do Estado, da
Região ou de outras pessoas colectivas de direito público (com excepção dos
deputados não afectos permanentemente, nos dias em que se verifique a situação
de não afectação, e do exercício gratuito de funções docentes no ensino
superior, de actividade de investigação e outras similares como tais
reconhecidas caso a caso pela Assembleia Legislativa Regional); j) membro da
Comissão Nacional de Eleições; l) membro dos gabinetes ministeriais ou
legalmente equiparados; m) funcionário de organização internacional ou de
Estado estrangeiro; n) Presidente e Vice‑Presidente do Conselho Económico e
Social; o) membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social (substituída pela
Entidade Reguladora para a Comunicação Social – Lei n.º 53/2005, de 8 de
Novembro); e p) membro dos conselhos de gestão das empresas públicas, das
empresas de capitais públicos maioritariamente participadas pelo Estado e pela
Região e de institutos públicos autónomos – artigo 22.º;
2) veda aos deputados da Assembleia
Legislativa Regional: a) exercer o mandato judicial como autores nas acções
civis contra o Estado e contra a Região; b) servir de perito ou árbitro a título
remunerado em qualquer processo em que sejam parte o Estado, a Região e demais
pessoas colectivas de direito público (salvo deliberação em contrário da
Assembleia Legislativa Regional, fundada em razão de interesse público); c)
integrar a administração de sociedades concessionárias de serviços públicos; d)
no exercício de actividade de comércio ou indústria, participar em concursos
públicos de fornecimento de bens e serviços, bem como em contratos com o Estado,
à Região ou a outras pessoas colectivas de direito público; e e) figurar ou de
qualquer forma participar em actos de publicidade comercial – artigo 23.º.
Como resulta da comparação entre o regime de
exercício de actividade dos titulares de cargos políticos constante da Lei n.º
64/93, com as alterações das Leis n.ºs 28/95, 42/96 e 12/98, e o regime de
incompatibilidade e impedimentos dos deputados regionais constante do EPARAM e
do EPARAA, este complementado pelo Decreto Legislativo Regional n.º 19/90‑A, a
aprovação do Decreto n.º 121/X representa materialmente uma nova regulação
deste último regime, o que, pelas razões atrás expostas, implicava que essa
intervenção legislativa da Assembleia da República fosse feita no uso da
competência político‑legislativa de aprovação dos estatutos
político‑administrativos das regiões autónomas (artigo 161.º, alínea b), da
CRP), e não ao abrigo da competência legislativa “comum” (artigo 164.º, alínea
m), da CRP).
Como resultou do debate parlamentar relativo
ao diploma ora em apreço, o aspecto mais relevante da intentada intervenção
legislativa respeita ao alargamento dos impedimentos dos deputados regionais da
Madeira, neste aspecto circunscritos à integração da “administração de
sociedades concessionárias de serviços públicos” (artigo 35.º, n.º 3, alínea d),
do EPARAM), aos impedimentos previstos nos artigos 5.º e 8.º da Lei n.º 64/93,
na redacção da Lei n.º 28/95, e 9.º‑A daquela Lei, aditado pela Lei n.º 42/96,
atrás descritos.
Alargamento que foi justificado pela
conveniência de equiparação entre o regime de incompatibilidades e impedimentos
dos deputados regionais e o dos Deputados à Assembleia da República. Este último
consta do Estatuto dos Deputados (Lei n.º 7/93, de 1 de Março, alterado pelas
Leis n.ºs 24/95, de 18 de Agosto, 55/98, de 18 de Agosto, 8/99, de 10 de
Fevereiro, 45/99, de 16 de Junho, 3/2001, de 23 de Fevereiro, 24/2003, de 4 de
Julho, 52‑A/2005, de 10 de Outubro, e 44/2006 e 45/2006, de 25 de Agosto), que,
na redacção actualmente vigente (ignorando‑se, por isso, as alterações
introduzidas pelas duas últimas Leis citadas, que só entrarão em vigor no 1.º
dia da próxima legislatura), consagra actualmente, em matéria de
incompatibilidades e imunidades:
1) serem incompatíveis com o exercício do
mandato de Deputado à Assembleia da República os seguintes cargos ou funções: a)
Presidente da República, membro do Governo e Ministro [hoje, Representante] da
República; b) membro do Tribunal Constitucional, do Supremo Tribunal de
Justiça, do Tribunal de Contas, do Conselho Superior da Magistratura, do
Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, Procurador‑Geral da
República e Provedor de Justiça; c) Deputado ao Parlamento Europeu; d) membro
dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas; e) embaixador não oriundo
da carreira diplomática; f) governador e vice‑governador civil; g) presidente e
vereador a tempo inteiro ou em regime de meio tempo das câmaras municipais; h)
funcionário do Estado ou de outras pessoas colectivas públicas (exceptuado o
exercício gratuito de funções docentes no ensino superior, de actividade de
investigação e outras de relevante interesse social similares como tais
reconhecidas caso a caso pela Comissão de Ética da Assembleia da República); i)
membro da Comissão Nacional de Eleições; j) membro dos gabinetes ministeriais
ou legalmente equiparados; l) funcionário de organização internacional ou de
Estado estrangeiro; m) Presidente e Vice‑Presidente do Conselho Económico e
Social; n) membro da Alta Autoridade para a Comunicação Social (substituída
pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social – Lei n.º 53/2005, de 8 de
Novembro); e o) membro dos conselhos de gestão das empresas públicas, das
empresas de capitais públicos ou maioritariamente participadas pelo Estado e de
instituto público autónomo – artigo 20.º, n.ºs 1 e 2;
2) a necessidade de autorização da
Assembleia para serem jurados, peritos ou testemunhas ou para servirem de
árbitros em processos de que seja parte o Estado ou qualquer outra pessoa
colectiva de direito público – artigo 21.º, n.ºs 1 e 2;
3) a possibilidade de exercerem outras
actividades, com ressalva:
– para a generalidade dos Deputados (sem
prejuízo do disposto nos regimes de incompatibilidades e impedimentos previstos
em lei especial, designadamente para o exercício de cargos ou actividades
profissionais): a) da titularidade de membro de órgão de pessoa colectiva
pública e, bem assim, de órgão de sociedades de capitais maioritária ou
exclusivamente públicos ou de concessionários de serviços públicos, com
excepção de órgão consultivo, científico ou pedagógico ou que se integre na
administração institucional autónoma; b) do serviço como perito ou árbitro a
título remunerado em qualquer processo em que sejam parte o Estado e demais
pessoas colectivas de direito público; e c) dos cargos de nomeação
governamental, cuja aceitação não seja autorizada pela comissão parlamentar
competente em matéria de incompatibilidades e impedimentos – artigo 21.º, n.º
5;
– para os Deputados, em regime de acumulação
(sem prejuízo do disposto em lei especial): a) de, no exercício de actividades
de comércio ou indústria, directa ou indirectamente, com o cônjuge não separado
de pessoas e bens, por si ou entidade em que detenha participação relevante e
designadamente superior a 10% do capital social, celebrarem contratos com o
Estado e outras pessoas colectivas de direito público, participar em concursos
de fornecimento de bens, de serviços, empreitadas ou concessões, abertos pelo
Estado e demais pessoas colectivas de direito público, e, bem assim, por
sociedades de capitais maioritária ou exclusivamente públicos ou por
concessionários de serviços públicos; b) do exercício do mandato judicial como
autores nas acções cíveis, em qualquer foro, contra o Estado; c) do patrocínio
de Estados estrangeiros; d) de beneficiarem, pessoal e indevidamente, de actos
ou tomarem parte em contratos em cujo processo de formação intervenham órgãos
ou serviços colocados sob sua directa influência; e e) de figurarem ou de
qualquer forma participarem em actos de publicidade comercial – artigo 21.º,
n.º 6.
Para além da não integral coincidência entre
a lista de cargos incompatíveis constante do artigo 20.º, n.º 1, do Estatuto dos
Deputados, do artigo 22.º, n.º 1, do Decreto Legislativo Regional n.º 19/90‑A e
do artigo 34.º, n.º 1, do EPARAM, importa salientar, até porque se trata de
aspecto de que resulta a adopção de um regime mais gravoso para os deputados
regionais, que da aprovação do Decreto n.º 121/X resultaria, por aplicação do
artigo 4.º, n.º 1, da Lei n.º 64/93, que todos eles passariam a exercer as
respectivas funções em regime de exclusividade, sem quaisquer excepções,
enquanto para os Deputados à Assembleia da República, o n.º 3 do artigo 21.º do
respectivo Estatuto estabelece a regra da possibilidade do exercício de outras
actividades, com excepção das enumeradas nos subsequentes n.ºs 5 e 6.
8. Demonstrado que a definição do estatuto
dos titulares de órgãos de governo próprio das regiões autónomas, designadamente
dos deputados das respectivas assembleias legislativas, é da competência da
Assembleia da República, não ao abrigo da alínea m) do artigo 164.º, mas a
coberto da alínea b) do artigo 161.º, por ser matéria que deve ser definida nos
correspondentes estatutos político‑administrativos, e não em “lei comum” da
Assembleia da República (supra, n.º 5); que a matéria das incompatibilidade e
impedimentos faz parte integrante do estatuto dos deputados regionais (supra,
n.º 6); e que a norma ora em causa representa materialmente uma alteração ao
regime das incompatibilidades e impedimentos dos deputados regionais (supra, n.º
7), a sua conformidade constitucional dependia do respeito pelo procedimento
legislativo próprio da alteração dos estatutos regionais, designadamente da
apresentação do correspondente projecto pelas assembleias legislativas regionais
(n.ºs 1 e 4 do artigo 226.º da CRP), que, no caso, manifestamente não ocorreu,
uma vez que a medida legislativa em causa teve na origem duas iniciativas de
Deputados à Assembleia da República (Projectos de Lei n.ºs 254/X e 366/X).
A solução constitucional de reservar em
exclusivo às assembleia legislativas regionais o poder de elaborar os projectos
quer dos estatutos político‑administrativos iniciais, quer das suas alterações
(“momento impulsivo”), embora reservando à Assembleia da República o “momento
deliberativo”, adequa‑se à concepção da “função estatutária” como sendo “a
actividade regional mais importante, já que é dela que se deriva a vida das
próprias entidades político‑territoriais” (Mortati), mas sem se tratar de um
verdadeiro “poder constituinte”, pois as Regiões são “entes constituídos” que
“encontram o fundamento da sua existência e dos seus poderes não num acto de
vontade autónomo e originário, mas numa atribuição conferida pelo poder
constituinte” (E. Gizzi), constituindo “o direito à elaboração dos estatutos e o
direito à alteração dos estatutos (…) uma dimensão nuclear da autonomia
regional” (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, 7.ª edição, Coimbra, 2003, pp. 774‑775). Esta autonomia regional
– que “visa a participação democrática dos cidadãos, o desenvolvimento
económico‑social e a promoção e defesa dos interesses regionais, bem como o
reforço da unidade nacional e dos laços de solidariedade entre todos os
portugueses” (artigo 225.º, n.º 2, da CRP), sendo, assim, uma “autonomia forte
mas integrada e solidária”, “postula, naturalmente, a propósito do momento mais
importante ou de fronteira da autonomia – como é o da definição estatutária do
respectivo «regime» –, um princípio de «cooperação dos órgãos de soberania e dos
órgãos regionais» que é, diga‑se em abono da verdade, a sintomática designação
do artigo 229.º”, como referem Francisco Lucas Pires e Paulo Castro Rangel
(“Autonomia e Soberania (Os poderes de conformação da Assembleia da República
na aprovação dos projectos de estatutos das Regiões Autónomas)”, em Juris et De
Jure – Nos vinte anos da Faculdade de Direito da Universidade Católica
Portuguesa – Porto, Porto, 1998, pp. 411‑434, em especial pp. 422‑423), que
prosseguem: “É no quadro deste «espírito constitucional» que julgamos dever
interpretar‑se a colaboração entre a Assembleia Legislativa Regional, titular do
monopólio de iniciativa em matéria de estatuto (artigo 226.º), e a Assembleia da
República, órgão competente para a aprovação do mesmo (artigo 161.º, alínea b),
e artigo 226.º). O modelo da Constituição da República Portuguesa é, por
conseguinte, o modelo de um procedimento concertado – em linguagem de direito
comunitário não se lhe poderia decerto chamar «procedimento de codecisão», mas
poder‑se‑ia nomeá‑lo, sem forçar, como «procedimento de cooperação». O que se
pretende, numa palavra, é que cada órgão actue, pelo menos, numa medida
«suportável», «aceitável», «sustentável» para o outro.”
Não se pode, contudo, ignorar – e o caso ora
em apreço tem sido precisamente apontado como um exemplo desse risco – que a
competência exclusiva das assembleias legislativas regionais para a iniciativa
de alterações aos estatutos político‑administrativos pode originar situações de
“rigidez estatutária”, colocando‑se a questão de “como superar a «inércia
regional»”, sobretudo em hipóteses em que a manutenção do estatuto existente se
mostre susceptível de ser acusada de desconformidade com normas ou princípios
constitucionais, designadamente supervenientes. A essa questão responde J. J.
Gomes Canotilho (obra citada, p. 778) que a única via para modificar o status
quo estatutário é “a via da revisão constitucional com a eventual consagração do
poder de a Assembleia da República se substituir aos «parlamentos regionais»
quanto à própria iniciativa de alterações aos estatutos”. Foi, no fundo, este o
caminho que foi seguido na revisão constitucional de 2004 perante o risco de
inércia das assembleias regionais quanto à iniciativa da alteração,
constitucionalmente imposta por essa revisão, do respectivo regime eleitoral:
através de uma disposição transitória (artigo 47.º da Lei Constitucional n.º
1/2004, de 24 de Julho), que limitou temporalmente (seis meses subsequentes às
primeiras eleições regionais realizadas após a entrada em vigor dessa Lei
Constitucional) a reserva da iniciativa legislativa em matéria de leis
eleitorais para as Assembleias Legislativas, prevista no n.º 1 do artigo 226.º
e na alínea e) do n.º 1 do artigo 227.º da CRP, assumindo a Assembleia da
República poder de legislar nessa matéria uma vez ultrapassado aquele prazo,
mesmo na falta de iniciativa regional.
No contexto em que foi aprovado o Decreto
n.º 121/X, ora em apreço, o reconhecimento da inconstitucionalidade do
procedimento legislativo adoptado surge, assim, como imperioso.
9. Esta conclusão não se mostra susceptível
de ser ultrapassada pelo apelo, de acordo com o princípio da unidade da
Constituição, a outras normas ou princípios constitucionais.
9.1. Desde logo, se do artigo 117.º, n.º 2,
da CRP resulta claramente uma imposição legiferante no sentido de serem
legalmente estabelecidos os direitos, responsabilidades e incompatibilidades
dos titulares de cargos políticos, as consequências do respectivo incumprimento,
e os respectivos direitos, regalias e imunidades, já do mesmo não decorre a
imposição de esse tratamento ser uniforme, quer formal, quer substancialmente.
Isto é: não é constitucionalmente imposto que o regime dessas matérias conste de
um único diploma (tal é, aliás, constitucionalmente afastado pela imposição de o
estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das regiões autónomas
constar de cada um dos respectivos estatutos político‑administrativos, diplomas
estes que obviamente não podem conter os estatutos dos restantes titulares de
cargos políticos), nem que esse regime seja materialmente uniforme para todos
estes titulares. As incompatibilidades do Presidente da República serão
naturalmente diferentes das dos membros do Governo, dos Deputados à Assembleia
da República, dos Conselheiros de Estado, dos autarcas, etc.
E mesmo entre os Deputados à Assembleia da
República, por um lado, e os deputados às assembleias legislativas das Regiões
Autónoma, a Constituição não impõe – embora se possa entender que também não
impede – uma total equiparação de regime, designadamente em matéria de
incompatibilidades e impedimentos. Dependerá da liberdade de conformação da
Assembleia da República e da ponderação a que proceda quanto ao peso relativo
dos diversos factores em presença – designadamente, a diferente natureza dos
órgãos em causa (a Assembleia da República é um órgão de soberania e as
assembleias legislativas regionais não o são), a alegada menor área de
recrutamento de deputados regionais qualificados ou a menor duração dos
trabalhos parlamentares regionais – a opção entre um regime de total
uniformidade ou mais ou menos diferenciado. Aliás, nos últimos tempos, a
Assembleia da República foi directamente confrontada com tal questão, tendo, por
duas vezes, optado pela não consagração da unificação do regime de
incompatibilidades e impedimentos dos Deputados nacionais e regionais.
Fê‑lo, primeiro, aquando da aprovação da
revisão do EPARAM operada pela Lei n.º 130/99, de 21 de Agosto. Constando da
Proposta de Lei n.º 234/VII apresentada pela Assembleia Legislativa Regional da
Madeira (DAR, II Série‑A, n.º 34, de 4 de Fevereiro de 1999, pp. 903‑925),
disposições (artigos 36.º e 37.º) relativas a incompatibilidades e impedimentos
(o que afastava eventual impedimento ao poder de intervenção da Assembleia da
República nessa matéria – sobre o poder de rejeição e alteração das propostas de
alterações dos estatutos, cf. as posições doutrinárias divergentes de J. J.
Gomes Canotilho, obra citada, pp. 775‑777; J. J. Gomes Canotilho e Vital
Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª edição, Coimbra
1993, p. 847, anotação III ao artigo 228.º; Jorge Miranda, “Estatutos das
Regiões Autónomas”, em Dicionário Jurídico da Administração Pública, vol. IV,
Lisboa, 1991, pp. 265‑268, republicado em Estudos de Direito Regional, Lisboa,
1997, pp. 797‑802, e Manual de Direito Constitucional, Tomo III – Estrutura
Constitucional do Estado, 5.ª edição, Coimbra, 2004, p. 306, nota 1; Carlos
Blanco de Morais, A Autonomia Legislativa Regional, Lisboa, 1993, pp. 214‑217;
Rui Medeiros e Jorge Pereira da Silva, obra citada, pp. 20‑27; José Luís Pereira
Coutinho, A Lei Regional e o Sistema das Fontes, polic., Lisboa, 1988, pp.
206‑208; e Francisco Lucas Pires e Paulo Rangel, estudo citado), com conteúdo
claramente diferenciado das já então existentes quanto aos Deputados à
Assembleia da República, foram aquelas disposições aprovadas (tal como, aliás,
toda a Proposta) por unanimidade (DAR, I Série, n.º 101, de 2 de Julho de 1999,
p. 3687).
Mais recentemente, no âmbito da revisão
constitucional de 2004, constando do Projecto de Revisão Constitucional n.º
4/IX, apresentado pelo PCP (DAR, II Série‑A, n.º 14, de 21 de Novembro de 2003,
pp. 564‑(24) a 565‑(35)), uma proposta de aditamento ao artigo 231.º da CRP de
um n.º 7, do seguinte teor “O regime de incompatibilidades e impedimentos dos
membros das Assembleias Legislativas Regionais e dos Governos Regionais são
equiparados respectivamente aos dos Deputados à Assembleia da República e dos
membros do Governo”, veio esta proposta a ser rejeitada, com 185 votos contra
(93 PSD, 76 PS, 13 CDS‑PP e 3 BE), 13 votos a favor (8 PCP, 2 Os Verdes, 1 PSD,
1 PS e 1 CDS‑PP) e 2 abstenções (1 PSD e 1 PS) – DAR, I Série, n.º 79, de 24 de
Abril de 2004, p. 4333).
9.2. Por outro lado, não parece possível
diferenciar, dentro do regime de incompatibilidades e impedimentos dos
deputados regionais, uma dimensão regional e uma dimensão nacional consoante a
causa da incompatibilidade ou do impedimento seja o exercício de cargos ou
actividades de âmbito regional ou nacional, respectivamente. Mesmo quando a
“causa” seja “nacional” (por exemplo: o exercício de funções como Deputado à
Assembleia da República ou o patrocínio de acções contra o Estado), do que, no
caso, se trata é sempre de determinar uma restrição ao mandato de deputado
regional, o que constitui, como se viu, matéria necessariamente estatutária, por
imposição constitucional.
Não é, assim, salvo o devido respeito,
sustentável, designadamente por apelo ao princípio da unidade do Estado, a
existência de uma “concorrência de competências” entre “lei comum” da Assembleia
da República (que trataria das incompatibilidades e impedimentos dos deputados
regionais por causas “nacionais”) e “lei estatutária” da mesma Assembleia (que
trataria das incompatibilidades e impedimentos dos deputados regionais por
causas “regionais”), sendo, aliás, certo que a motivação central da iniciativa
legislativa em causa (impedir a intervenção dos deputados regionais da Madeira
em assuntos em que sejam interessadas empresas regionais a que estejam ligados)
respeita fundamentalmente à pretensa “dimensão regional” do regime de
incompatibilidades e impedimentos.
9.3. Por último, qualquer que seja o juízo
que possa merecer o mérito da situação jurídica actualmente existente, o que
surge como insustentável é que dele se pretenda extrair justificação para o
desrespeito das claras normas constitucionais que reservam à iniciativa das
assembleias legislativas regionais a proposta de alteração dos respectivos
Estatutos Político‑Administrativos, designadamente na parte relativa ao
estatuto dos titulares dos órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas, que
integra o conteúdo necessário daqueles Estatutos.
III – Decisão
10. Em face do exposto, o Tribunal
Constitucional decide pronunciar‑se pela inconstitucionalidade, por violação
das disposições conjugadas dos artigos 231.º, n.º 7, e 226.º, n.ºs 1 e 4, da
Constituição da República Portuguesa, da norma constante do artigo 1.º do
Decreto n.º 121/X, de 17 de Maio de 2007, da Assembleia da República, que
“Altera o regime de incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos
políticos e altos cargos públicos”, na parte em que altera a redacção da alínea
b) do n.º 2 do artigo 1.º da Lei n.º 64/93, de 26 de Agosto (na redacção
vigente, dada pela Lei n.º 28/95, de 18 de Agosto), incluindo os Deputados das
Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas entre o elenco dos titulares dos
cargos políticos que ficam sujeitos ao regime de exercício de funções
estabelecido nessa Lei.
Lisboa, 3 de Julho de 2007.
Mário José de Araújo Torres
Vítor Manuel Gonçalves Gomes
Carlos Alberto Fernandes Cadilha
Benjamim Silva Rodrigues
João Cura Mariano
José Manuel Borges Soeiro
Gil Galvão
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Maria Lúcia Amaral (Acompanhando toda a fundamentação, mas aditando a ela o
seguinte elemento “substancial”: sendo as Assembleias Legislativas Regionais
verdadeiros Parlamentos (órgãos representativos da Região) as normas relativas
ao estatuto dos seus Deputados integram, no quadro da Constituição, o núcleo
essencial dos respectivos Estatutos Político‑Administrativos)
Ana Maria Guerra Martins (Vencida, conforme declaração de voto junta)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
I. Votei vencida por considerar que a fundamentação do acórdão assenta,
essencialmente, em razões históricas (cfr. nºs 5 e 6), sendo que uma leitura
contextualizada e teleológica da letra dos artigos 226º, nºs 1, 2, e 4, e 231º,
nº 7, CRP conjugados com o artigo 117º, nº 2, CRP e com os princípios
constitucionais da unidade do Estado, do Estado de Direito democrático e da
igualdade conduz à não inconstitucionalidade do preceito em apreço. Isto porque
nem todo o regime legal, ou dito de outro modo, nem todo o universo de normas,
relativo às incompatibilidades e impedimentos dos Deputados das Assembleias
Legislativas das Regiões Autónomas, faz parte do “estatuto dos titulares dos
órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas” e, como tal, não integra a
reserva necessária de Estatuto Político-Administrativo das Regiões Autónomas.
Quer dizer, nem todo o regime de incompatibilidades e de impedimentos daqueles
titulares reclama a exclusividade e a consequente exclusão de regulação por acto
legislativo diverso do Estatuto Político-Administrativo.
II. Com efeito, o artigo 117º, nº 2, da CRP, ao consagrar uma imposição
legiferante, que deve ser cumprida pelo legislador ordinário, emanando,
obrigatoriamente, uma ou várias leis destinadas a concretizarem, para o que
neste caso releva, a matéria das “incompatibilidades dos titulares de cargos
políticos”, deve concretizá-la de forma global e coerente, tendo em conta os
princípios constitucionais relevantes para o efeito (neste sentido, Gomes
Canotilho / Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed.,
Coimbra, 1993, p. 544).
Dessa imposição legiferante decorrem, a meu ver, três consequências: em primeiro
lugar, a existência de regimes legais parcelares e fragmentados é admissível,
mas apenas se eles forem compatíveis entre si, não forem contraditórios e
assegurarem a plenitude, ou seja, abrangerem todas as situações que devem ser
reguladas; em segundo lugar, o cumprimento global e coerente da mencionada
imposição legiferante implica que a existência de regimes jurídicos distintos
para titulares de cargos políticos funcionalmente assimiláveis, do ponto de
vista constitucional, não possa contrariar princípios constitucionais
fundamentais, como sejam, por exemplo, o princípio da unidade do Estado, o
princípio do Estado de Direito democrático e o princípio da igualdade perante a
lei. Por último, o cumprimento da imposição legiferante do artigo 117º, nº 2,
CRP, no que diz respeito às Regiões Autónomas, não pode ficar na total
dependência da iniciativa legislativa regional, uma vez que há aspectos do
regime de incompatibilidades e impedimentos, que supõem a criação de um regime
idêntico e uniforme para todo o território nacional, por não se verificarem
quaisquer especificidades ou particularidades regionais que justifiquem um
regime especial regional. Como tal, esses aspectos, ainda que constem do
Estatuto político-administrativo, não ficam excluídos do âmbito de aplicação da
lei nacional.
III. Este entendimento sai reforçado se pensarmos que o princípio do Estado de
Direito democrático impõe a independência dos Deputados, no exercício do seu
mandato, face a qualquer poder, público ou privado, a imparcialidade e a
transparência, bem como a igualdade dos titulares dos cargos políticos, tratando
igualmente o que é essencialmente idêntico e diferentemente o que é desigual. A
Constituição opõe-se, portanto, a que titulares de funções equivalentes sejam
objecto de um regime de incompatibilidades e impedimentos diferenciado, mais
favorável e até privilegiado, como é o caso dos Deputados da Assembleia Regional
da Madeira, como ficou demonstrado no acórdão e se dá aqui por reproduzido. A
igualdade, neste caso, só se conseguirá atingir através de uma lei de âmbito
nacional e de aplicação uniforme.
Naturalmente que estes princípios, assim como os valores que lhe estão
subjacentes, não se circunscrevem às parcelas do território nacional que não se
encontram sujeitas a um regime autonómico regional. Pelo contrário, em
obediência ao princípio da unidade do Estado são extensivos a todo o território
nacional e, como tal, reclamam um tratamento nacional da questão das
incompatibilidades e impedimentos dos titulares de órgãos políticos. A autonomia
regional não pode fundar discriminações entre os cidadãos nacionais, titulares
de cargos políticos, no tocante ao gozo de direitos e imposições, de carácter
público, sem que as especificidades regionais o justifiquem, como acontece
actualmente.
Em suma, para assegurar o cumprimento dos princípios da unidade do Estado, do
Estado de Direito democrático e da igualdade, a imposição legiferante, constante
do artigo 117º, nº 2, CRP, em matéria de incompatibilidades e impedimentos dos
titulares dos órgãos políticos, não pode deixar de incluir os titulares dos
órgãos próprios de governo regional, e só conseguirá ser cumprida através de
legislação de âmbito nacional.
IV. Deve notar-se ainda que o regime diferenciado em matéria de
incompatibilidades e impedimentos dos Deputados da Assembleia Legislativa da
Madeira, constante do Estatuto político-administrativo da Madeira, não se
justifica por nenhum dos critérios enunciados no artigo 225º CRP como
fundamentadores da autonomia regional. Ora, se não se verificam nenhumas
especificidades que justifiquem a inclusão de uma determinada incompatibilidade
no Estatuto da Região, ela deve ser objecto de um tratamento de âmbito nacional.
Como já se disse, a criação de regimes parcelares e fragmentados susceptíveis de
criar distorções e situações de privilégio viola, sem dúvida, a imposição
legiferante do artigo 117º, nº 2, CRP.
V. Do exposto resulta que o artigo 231º, nº 7, da CRP deve ser interpretado no
sentido de que somente a parte do estatuto dos titulares dos órgãos de governo
próprio das Regiões Autónomas, que não reclama um tratamento de âmbito nacional,
deve ser definida nos Estatutos político-administrativos das Regiões Autónomas.
Ou seja, apenas as especialidades do estatuto fazem parte da reserva estatutária
regional e, como tal, a competência da Assembleia da República deve ser
exercida, mediante iniciativa legislativa da Região Autónoma. Por outras
palavras, a iniciativa legislativa da região autónoma, neste domínio, apenas
opera relativamente às especialidades, particularidades, especificidades do
estatuto e não em relação a todo o regime jurídico.
VI. No caso em apreço, considero que a extensão do regime legal de
incompatibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e altos
cargos públicos aos Deputados das Assembleias Legislativas das Regiões
Autónomas, pelas razões expostas, não está subtraída à iniciativa da Assembleia
da República.
A tese vencedora, ou seja, a inclusão de todo o universo de normas relativo às
incompatibilidades e impedimentos dos titulares dos órgãos de governo regional
no “estatuto” a que se refere o artigo 231º, nº 7, CRP, conduz à cristalização
do regime jurídico de incompatibilidades e impedimentos dos Deputados da Região
Autónoma da Madeira, como se demonstra, aliás, pela retirada da Proposta de Lei
n.º 3/X/1ª (de alteração do Estatuto Político-Administrativo) apresentada pela
Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira na Mesa da Assembleia da
República, em 15 de Abril de 2004, quando se apercebeu de que alguns grupos
parlamentares na Assembleia da República pretendiam introduzir mudanças
significativas no regime de incompatibilidades e impedimentos dos membros
daquela Assembleia Legislativa, que visavam a aproximação daquele regime
especial regional ao regime geral de âmbito nacional.
Na minha óptica, a tese vencedora, ao colocar toda a matéria das
incompatibilidades e impedimentos, em exclusividade, na iniciativa legislativa
das Assembleias Legislativas Regionais, leva a que a inércia destas configure a
impossibilidade formal de alteração das actuais situações de privilégio, não
justificado e, portanto, proibido pela Constituição, dos Deputados da Assembleia
Legislativa da Região Autónoma da Madeira, em comparação com todos os outros
titulares de cargos políticos, como se tem vindo a verificar. Conduz, portanto,
ao paradoxo de colocar o impulso de alteração dos Estatutos relativamente a esta
matéria nas mãos daqueles a quem a situação de privilégio aproveita, o que,
repete-se, contraria os mais elementares princípios do Estado de Direito
democrático e da igualdade perante a lei consignados na Constituição.
Lisboa, 3 de Julho de 2007
Ana Maria Guerra Martins