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Processo n.º 961/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Maria Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, A. reclama, ao abrigo do n.º 1 do artigo 77º da LTC, do
despacho do Ex.mo Juiz Conselheiro Relator proferido nos autos do Recurso n.º
678/07-1, que correu termos junto da 1ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça,
que recusou a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, por ter
considerado que:
“Como já se expendeu no acórdão recorrido (de 26.6.2007), constitui
jurisprudência uniforme e constante do Tribunal Constitucional que o recurso de
constitucionalidade previsto no artº 280º, nº 1, b) da Constituição e na alínea
b) do n.º 1 do artº 70º da Lei do Tribunal Constitucional exige; para além dos
pressupostos gerais a verificação da suscitação da inconstitucionalidade de uma
ou várias normas jurídicas durante o processo, a aplicação ulterior pela decisão
recorrida dessa norma ou normas jurídicas reputadas de inconstitucionais, e a
inadmissibilidade de recurso ordinário da decisão de aplicação, por a lei não o
prever ou por já se haverem esgotado todos os que no caso cabiam, não se
verificando esse requisitos se o recorrente nunca tiver suscitado, durante o
processo, a questão da inconstitucionalidade da norma ou normas questionadas
(…).
Ora, durante o processo, ou seja antes do acórdão do STJ, de 19.3.2002 (fls.
9912 a 9926), que transitou em julgado e a 2ª sentença da 1ª instância se
limitou a cumprir, não foi suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade.
Por isso não foi admitido neste STJ o anterior recurso para o TC,
inadmissibilidade que este último tribunal confirmou.” (fls. 11224 e 11224-verso
dos autos recorridos).
Nos termos do n.º 1 do artigo 77º da LTC, compete ao Tribunal Constitucional o
julgamento da reclamação do despacho que indefira o requerimento de interposição
de recurso.
2. No âmbito do processo principal que deu origem a estes autos, já a ora
reclamante (juntamente com outros reclamantes) tinha interposto uma outra
reclamação para a conferência do Tribunal Constitucional do despacho do Ex.mo
Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Junho de 2002 (fls.
10005 dos autos recorridos), que não lhe admitiu o recurso interposto para o
Tribunal Constitucional de um acórdão proferido em 16 de Maio de 2002 (fls. 9970
e 9971 dos autos recorridos), que indeferiu o pedido de reforma do acórdão
proferido em 19 de Março de 2002, que, por sua vez, concedeu provimento parcial
à revista, ordenando a alteração da graduação de créditos, de modo a que os
créditos dos trabalhadores por indemnização devida a título de cessação do
contrato de trabalho fossem graduados como créditos comuns (fls. 9912 a 9926 dos
autos recorridos).
Essa reclamação acabou por dar origem ao Acórdão n.º 443/02, de 29 de Outubro de
2002, proferido pela 3ª Secção deste Tribunal, que a indeferiu, com fundamento
na falta de suscitação da questão de inconstitucionalidade durante o processo.
3. Após notificação do Acórdão n.º 443/02, o tribunal de primeira instância
viria a reformular a sentença de graduação de créditos, em função da decisão
transitada em julgado do STJ, mas a ora reclamante persistiu em invocar os
artigos 1º, n.º 1, 2º, 3º e 4º da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto, e do artigo
12º da Lei n.º 17/86, de 14 de Junho. Entretanto, o Supremo Tribunal de Justiça,
por acórdão proferido, em 26 de Junho de 2007, afirmou expressamente que:
“Não tendo sido admitido o recurso para o Tribunal Constitucional, transitou em
julgado o acórdão do STJ, de 19.3.2002 (constante de fls. 9912 a 9926), no qual
se ordenou que a graduação dos créditos fosse alterada (…).
O Senhor Juiz da 1ª instância, ao alterar a sentença de graduação dos créditos,
em 26.3.2003, mais não fez do que cumprir o decidido e ordenado no acórdão do
Supremo transitado em julgado, traduzindo-se a nova sentença na execução do
mandato que o Supremo lhe conferiu para concretizar a decisão transitada quanto
à forma de graduar os créditos.
Bem ou mal decidida a questão de fundo, suscitada no primeiro recurso para o
Supremo, ficou definitivamente arrumada.
(…)
Apesar de não ter suscitado durante o processo a questão da
inconstitucionalidade das normas, e não obstante ter transitado em julgado o
primeiro acórdão do Supremo, veio a recorrente reeditar a mesma problemática da
inconstitucionalidade que extemporaneamente colocara.
(…)
Bem ou mal – repete-se – o direito foi no caso concreto definitivamente aplicado
aos factos, não podendo ser alterada a decisão, mercê da força e autoridade
atribuídas à decisão do STJ transitada em julgado, que as instâncias se cingiram
a respeitar.” (fls. 11197-verso a 11198-verso dos autos recorridos)
4. Notificada a ora reclamante pretendeu recorrer para este Tribunal, visando
ver apreciada a constitucionalidade das normas constantes dos artigos 1º, n.º 1,
2º, 3º e 4º da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto, e do artigo 12º da Lei n.º
17/86, de 14 de Junho. Tal recurso não foi admitido, pelo despacho ora
reclamado, como já se viu.
5. O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, em sede de
vista realizada ao abrigo do n.º 2 do artigo 77º da LTC (fls. 24) pronunciou-se
no sentido da manifesta improcedência da reclamação ora em apreço, nos seguintes
termos:
“A presente reclamação é manifestamente improcedente.
Na verdade – e como decorre claramente do decidido pelo STJ, na
decisão impugnada perante este Tribunal Constitucional – a “ratio decidendi” do
acórdão proferido é exclusivamente a força do caso julgado material, decorrente
da anterior tramitação do processo – não tendo obviamente o Supremo, perante tal
vinculatividade do precedentemente decidido, aplicado as normas materiais
questionadas pela ora reclamante.”
Cumpre apreciar e decidir.
II – APRECIAÇÃO DOS FUNDAMENTOS DA RECLAMAÇÃO
6. A interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea
b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, pressupõe que a decisão recorrida tenha
aplicado uma norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o
processo.
Ora, como já se mencionou supra, o acórdão de que a ora reclamante recorreu para
o Tribunal Constitucional, tem como fundamento a pré-existência de caso julgado
quanto à aplicação das normas constantes dos artigos 1º, n.º 1, 2º, 3º e 4º da
Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto, e do artigo 12º da Lei n.º 17/86, de 14 de
Junho, nos autos recorridos e cuja constitucionalidade a recorrente pretende ver
agora apreciada.
Com efeito, por força do Acórdão n.º 443/02, de 29 de Outubro de 2002, da 3ª
Secção do Tribunal Constitucional, o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de
Justiça, em 19 de Março de 2002 (fls. 9912 a 9926) transitou em julgado,
designadamente, no que concerne à aplicação daquelas normas – só agora –
reputadas de inconstitucionais. Ora, no requerimento de interposição de recurso
entregue em 12 de Julho de 2007 (fls. 11205 a 11210), a ora reclamante apenas
fixou como objecto do recurso de constitucionalidade as normas dos artigos 1º,
n.º 1, 2º, 3º e 4º da Lei n.º 96/2001, de 20 de Agosto, e do artigo 12º da Lei
n.º 17/86, de 14 de Junho, e não as normas sobre o caso julgado que constituem
ratio decidendi do Acórdão do STJ de 26 de Junho de 2007.
Ora, perante a vinculatividade do precedentemente decidido, o Supremo não
aplicou as normas materiais questionadas pela ora reclamante.
Em conclusão, nos termos do n.º 2 do artigo 72º e do n.º 2 do artigo 76º da LTC,
o recurso de inconstitucionalidade não deveria ter sido admitido, tal como não
foi.
III – DECISÃO
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 77º da Lei n.º 28/82,
de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de
Fevereiro, e pelo fundamentos expostos, decide-se rejeitar a presente
reclamação, não admitindo o recurso interposto.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC´s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro, sem prejuízo do
regime de apoio judiciário de que goze.
Lisboa, 9 de Novembro de 2007
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão