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Processo n.º 484/07
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
Como consequência do acidente de viação ocorrido em 24 de Dezembro de 1996, A.
foi condenado no Tribunal Judicial de Mangualde, por decisão proferida em de 15
de Setembro de 2004, na pena de dois anos de prisão efectiva, com um ano de
perdão nos termos do artigo 1º n.º 1 da Lei n.º 29/99 de 12 de Maio, pela
prática de crime de homicídio negligente previsto e punível no artigo 137º n.º 1
e 2 do Código Penal, e no pagamento das seguintes indemnizações: 15.195.483$00 a
B.; 44.366.481$00 a C.; 18.916.226$00 a D.; 16.086.684$00 a E.; 29.658.218$00 a
F.; 15.195.483$00 a G.; 17.081.844$00 a H.; 17.081.844$00 a I.; 20.413.971$00 à
J.; 351.241$00 ao hospital de S. Teotónio de Viseu. A decisão também condenou a
demandada Companhia de Seguros K. nas seguintes indemnizações: 8.970.850$00 a
B.; 23.638.046$00 a C.; 11.167.441$00 a D.; 9.496.983$00 a E.; 17.066.180$00 a
F.; 8.970.850$00 a G.; 10.084.489$00 a H.; 10.084.489$00 a I.; 12.051.654$00 a
J.; e 207.359$40 ao Hospital de S. Teotónio de Viseu
Inconformado, recorreu para a Relação de Coimbra, alegando, em conclusão:
a) Encontra-se consignado na acta da audiência que em Setembro de 2004 os
mandatários presentes confirmaram a renúncia ao direito de recurso, aliás
manifestado oralmente por todos aquando da marcação da leitura da sentença,
facto este que teve lugar em 14 de Julho de 2003.
b) Esta renúncia é irrelevante por violadora dos amplos princípios do direito de
defesa e de recurso consignados no 32º da C.R.P.
c) Interpretar de outro modo o disposto no artigo 328º/ 6 do CPP, constitui pois
violação deste normativo constitucional.
d) E dado que tal declaração só consta da acta de audiência em que estavam
apenas alguns dos advogados constituídos pelas partes, admitir-se essa renúncia
seria criar uma desigualdade de armas, violadora do disposto no artigo 60º do
C.P.P.
e) Além disso, fazendo-se alusão na acta de 15.09.2004 a uma declaração dessa
natureza que teria sido proferida na sessão de 14.07.03, tem como consequência
liminar a total irrelevância dessa declaração ou, se relevante, e não a contendo
a acta, encontra-se ela viciada e todos os actos que dela decorrem.
f) O tribunal interrompeu a audiência de julgamento por mais de 12 meses pois
tendo a última sessão sido realizada em 24 de Setembro de 2003 a sentença só
veio a ser proferida em 15 de Setembro de 2004.
g) Violou-se deste modo o disposto no artigo 328/6 do C.P.P que para estas
circunstâncias comina a ineficácia de todas as provas produzidas.
h) Poderá por isso entender-se que da ineficácia desta prova produzida decorre o
dever de não se considerarem provados todos os factos e de o arguido ser
absolvido.
i) Parece-nos contudo que deverá julgar-se no sentido de ter sido cometida a
nulidade prevista no artigo 120º/2, alínea d) do C.P.P.
j) Do que decorre a anulação do julgamento.
k) Tudo isto no pressuposto óbvio de que o Tribunal recorrido não tenha já
decretado a anulação do julgamento, hipótese esta em que o recurso não chegará
mesmo a este tribunal superior.
1) Mas se assim não for entendido deverá este Tribunal dar como não provado que
o arguido não tenha confessado e que o acidente tenha sido provocado pelo
excesso de velocidade que imprimia ao veiculo o que não lhe permitiu controlar a
velocidade do mesmo nem a manobra de ultrapassagem do veículo que o precedia.
m) E pelo contrário deve dar-se como provado que à frente do recorrente numa
subida transitava um veiculo pesado carregado de madeira e que o recorrente
transitava a uma velocidade na ordem dos 60/70 km/hora sendo no local a
velocidade permitida para os veículos ligeiros de 90 km/hora (IP5).
n) Caso se entenda que estes factos estão dependentes de averiguação deverá
então anular-se o julgamento com vista à indagação dessa matéria de facto que se
considera essencial para a decisão.
o) E nestas circunstancias deverá indagar-se ainda que tipo de veículo precedia
o recorrente, qual a sua carga aproximada e qual a velocidade a que transitava
ou poderia transitar, atento o peso daquela carga.
p) Deverá ainda indagar-se com profundidade qual a eventualidade que neste caso
poderá ter provocado o despiste do recorrente.
q) De tudo isto decorre que o recorrente não actuou, ao contrário do que lhe foi
imputado, de forma negligente e que o sinistro foi motivado por causa a indagar
ou desconhecida e que por isso não lhe pode ser imputada qualquer
responsabilidade criminal.
r) Mesmo que assim não se entendesse é inadequado aplicar a um homem de 63 anos
sem o mais pequeno acidente ou incidente estradal, ou outro, o cumprimento
efectivo de uma pena de prisão, que no caso não se justifica, segundo qualquer
dos princípios penais aplicáveis.
s) Deste modo se houvesse de ser sancionado nunca a pena devia ser de prisão ou
a mesma deveria ser suspensa ao abrigo do artigo 50º/1 do C.P.P.
t) No tocante à responsabilidade civil ela deverá conter-se dentro dos limites
do risco em conformidade com o disposto no artigo 508º do Código Civil.
u) E de qualquer modo essa responsabilidade tem de ter em conta além do mais as
possibilidades do agente que não tem a mínima possibilidade económica, mesmo que
lhe seja retirado o pouco património que tem de pagar as pesadíssimas
indemnizações que pesam sobre si.
v) A sentença violou as disposições invocadas e ainda o disposto nos artigos
60º, 127º, 328º/6, 118º, 120º, 121º/1, alínea a) todos do C.P.P., art.º 32º da
CRP e art. 508º do CC.
A Relação, por acórdão de 9 de Novembro de 2005, concedeu parcial provimento ao
recurso, mas manteve a condenação do arguido ora recorrente em 'pena efectiva de
prisão'.
Quanto à questão da aplicação do artigo 328º n.º 6 do Código de Processo Penal,
suscitada pelo recorrente no seu recurso, disse:
«[...]
3 - Recurso do arguido
3.1 - Com o fundamento em que entre a última sessão da audiência de julgamento e
a prolação da sentença decorreram mais do que 30 dias, o arguido invoca a
nulidade da sentença por violação do n.º 6 do art. 328º do Código de Processo
Penal (diploma a que se reportam os preceitos sem indicação de origem).
Cremos que apesar do tempo decorrido entre o encerramento da audiência de
discussão e julgamento e a prolação da sentença, não cabe ao caso a invocação da
violação do n.º 6 do art. 328º.
A audiência inicia-se com a declaração da sua abertura pelo juiz ou no momento
em que tal declaração deveria ter lugar (art. 329º/3) e tem-se por encerrada com
a declaração de encerramento da discussão também feita pelo juiz ou no momento
em que tal declaração deveria ter lugar (art. 361º/2).
Sob a epígrafe «Continuidade da audiência» o art. 328º/1 esclarece que a
audiência é contínua, decorrendo sem qualquer interrupção ou adiamento até ao
seu encerramento. As noções de «interrupção» e de «adiamento» são construídas a
partir do enunciado nos números 2 e 3 do preceito. O n.º 3 refere que o
«adiamento» só é admissível nos casos aí previstos ou nos casos previstos
noutras disposições do Código. E o n.º 6 do artigo estatui que «O adiamento não
pode exceder trinta dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo,
perde eficácia a produção de prova já realizada».
Uma vez encerrada a audiência nos termos da declaração referida no n.º 2 do art.
361º, a disposição do n.º 6 do art. 328 perde o seu âmbito de aplicação.
Corrobora o elemento literal a inserção sistemática do artigo 328º. Note-se que
o artigo insere-se no Título II (Da audiência) do Livro VII (Do julgamento), bem
demarcado do Título III (Da sentença) do mesmo Livro.
O que está em causa é apenas o princípio da continuidade da audiência proclamado
no n.º 1 do artigo e que nada tem a ver com a fase seguinte, i.é, com a fase da
sentença tratada no Título III. Nesta fase ainda é admissível a produção de
prova suplementar, mas aí o tribunal declarará «reaberta» a audiência.
Este entendimento também tem a seu favor o elemento teleológico. O regime do
art. 328º encontra a sua justificação no princípio da concentração processual,
cuja necessidade se sente com particular acuidade aquando da produção da prova
na fase do julgamento, dominada que é pela imediação e oralidade e que, por
isso, exige que entre cada uma das várias sessões da audiência não decorra um
lapso de tempo demasiado amplo que faça correr o risco de se esbater ou mesmo de
se quebrar o fio condutor que interliga e dá sentido às várias provas, só depois
formulando o juiz a sua convicção.
É esta também a doutrina que se colhe, entre outros, nos Acs do STJ de 15/7/97,
CJ/STJ 97,3, 197; de 14/10/99, CJ/STJ 99,3,10; de 15/12/94 e de 22/4/99
processos 46852 e 3356/98; da RL de 13/11/2001 e de 15/12/2002, CJ 2001, 5, 131
e 2002, 5, 141; da RC de 29/5/2002, CJ 2002, 3, 41; da RP de 20/10/2004, CJ
2004, 4 222.
Conclui-se pela inexistência de nulidade ou de falta de eficácia da prova
produzida nas diversas sessões da audiência de julgamento.
[...]»
O arguido pediu em 29 de Novembro de 2005 a aclaração deste acórdão, pedido
analisado e indeferido por acórdão de 29 de Março de 2006. Notificado deste
segundo acórdão, o arguido ainda pediu, em 26 de Abril de 2006, um novo
esclarecimento sobre o mesmo acórdão, que também foi analisado e indeferido por
acórdão proferido em 28 de Junho de 2006, na mesma Relação.
Apresentou, então, reclamação, invocando a nulidade do acórdão 'por contradição
entre a fundamentação e a decisão' e invocou a 'inconstitucionalidade do artigo
328º n.º 6, (do Código de Processo Penal) quando interpretado no sentido da sua
não aplicação à prolação da sentença', por entender, em suma, que fora violada a
garantia constitucional prevista no n.º 2 do artigo 32º da Constituição segundo
a qual, em seu entender, o arguido 'deve ser julgado no mais curto prazo
compatível com as garantias de defesa'. Simultaneamente, recorreu para o Supremo
Tribunal de Justiça do acórdão condenatório.
O recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não foi admitido por despacho de 2
de Outubro de 2006, posteriormente confirmado, mediante reclamação, pelo
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça; a arguição de nulidade foi indeferida
por acórdão de 14 de Fevereiro de 2004 e, na sua sequência, o arguido recorreu,
em 1 de Março de 2007, para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, pretendendo a apreciação
da 'norma fixada no n.º 6 do artigo 328º do Código de Processo Penal, quando
interpretada no sentido da sua não aplicação à prolação da sentença', por
entender que 'proferida a sentença, mais de um ano após o julgamento da matéria
de facto, só se poderia concluir pela ineficácia da prova então realizada. A
interpretar-se a norma supra referida no sentido vertido no acórdão proferido
pelo Tribunal da Relação de Coimbra, aquela disposição legal viola o artigo 32º
da Constituição'.
No Tribunal Constitucional foi, todavia, proferida a seguinte decisão sumária de
não conhecimento do recurso:
A. recorre para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), solicitando a
apreciação da inconstitucionalidade da “norma fixada no n.º 6 do artigo 328º do
Código Processo Penal, quando interpretada no sentido da sua não aplicação à
prolação da sentença”.
Resulta, todavia, da consulta do processo que o recorrente não suscitou
atempadamente a questão de constitucionalidade cuja apreciação visa obter,
circunstância que impede que se conheça do recurso.
Efectivamente, é pressuposto, entre outros, do recurso de constitucionalidade
interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que
a questão de constitucionalidade tenha sido adequadamente suscitada durante o
processo perante o tribunal recorrido (artigo 70º n.º 2 da LTC e 280º n.º 4 da
Constituição) o que não sucedeu.
Nestes termos, decide-se, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da LTC,
não conhecer do recurso.
Contra este decisão reclama o recorrente dizendo:
A., recorrente nos presentes autos, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art.
78.º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão, vem apresentar
a sua reclamação para a conferência da decisão sumária proferida pelo Sr. Juiz
Conselheiro Relator, de não conhecimento do recurso de constitucionalidade
interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra (TRC),
aduzindo em fundamento:
O arguido foi acusado da prática, em concurso, de várias contra-ordenações e, em
concurso efectivo e em nexo causal, três crimes de homicídio por negligência e
outros três crimes de ofensa à integridade física por negligência.
Realizadas as competentes audiências de discussão e julgamento, em 12, 16, e 19
de Maio, 17 de Junho e 14 de Julho de 2003,
A final, passados mais de 14 meses,
Em 15 de Setembro de 2004, foi o arguido, ora recorrente amnistiado das
contra-ordenações que lhe haviam sido imputadas e condenado além do mais, pela
prática de um crime de homicídio por negligência na pena de 2 anos de prisão,
declarando-se perdoado ao arguido um ano de prisão.
De imediato foi arguida, pelo arguido, uma nulidade processual, prevista e
punida pelo artigo 120º, n.º 2, al. d) do CPP,
Tendo por base o longo decurso de prazo decorrido entre a conclusão da audiência
e a sentença — vários meses.
Em 30 de Setembro de 2004, o arguido, por, além do mais, não concordar com a
decisão proferida pelo Tribunal de 1ª Instância interpôs o competente recurso a
ser apreciado pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
Naquele recurso, além do mais, arguiu-se:
A questão da inconstitucionalidade:
De facto, como consta da acta de audiência de 15 de Setembro de 2004 todos os
mandatários presentes assumiram o compromisso, por eles e pelos ausentes, no
sentido de não arguir a nulidade decorrente da clara violação do disposto no
art. 328º do CPP.
Ora, no entender do arguido, entendimento já demonstrado perante o Tribunal da
Relação de Coimbra,
Porque dispõe o art. 32º, n.º 1 da CRP que o processo criminal assegura todas as
garantias de defesa, incluindo o recurso,
Estes amplos direitos de defesa do arguido não estão na disponibilidade das
partes.
O direito de defesa é assegurado constitucionalmente não só no interesse do
arguido, mas também no interesse da própria sociedade e do ordenamento jurídico
em que se estrutura.
E, se o Código de Processo Penal considera que não podem ser atendidas as provas
que sejam interrompidas mais de 30 dias ou desde que decorram mais de 30 dias,
desde a finalização da prova até à prolação da sentença, é porque entende que,
só deste modo, estão assegurados os direitos de defesa do arguido, em
cumprimento do disposto no art. 32.º da CRP.
Consequentemente, entendeu o arguido, como expôs perante o Tribunal da Relação
de Coimbra, como entende ainda, que considerar-se que se trata de um direito em
que o vicio cometido é de uma nulidade livremente renunciável,
“Consiste numa interpretação restritiva do art. 328º, n.º 6 do CPP, violadora do
disposto no art. 32º da CRP.” — Linha 30 e 31 da página 4 das alegações de
recurso apresentadas no Tribunal da Relação de Coimbra.
Mas, as alegações do arguido continuam a debruçar-se sobre a
inconstitucionalidade do n.º 6 do art. 328º do CPP, na interpretação levada a
cabo pelo Tribunal de 1ª Instância.
No ponto 3, das conclusões, proferidas pelo arguido, e apresentadas no Tribunal
da Relação de Coimbra, pode ler-se:
“3.º Interpretar de outro modo o disposto no art. 328º, n.º 6 do C.P.P.,
constitui pois violação deste normativo constitucional.”
Na resposta ao recurso, elaborada pela Ex.ma Procuradora Adjunta, pode ler-se:
“II-) São assim rês as questões colocadas à cognição do Venerando Tribunal da
Relação de Coimbra:
1.ª) O disposto no n.º 6 do art. 328º do C.P.P. tem aplicação ao caso de a
leitura da sentença ocorrer quando já se mostram ultrapassados 30 dias sobre o
encerramento da audiência de discussão e julgamento?”
No acórdão proferido pela Relação de Coimbra pode ler-se:
“2.1. - Conclusões do recurso do arguido
a)…
b) Esta renúncia é irrelevante por violadora dos amplos princípios do direito de
defesa e de recurso consignados no art. 32º da C.R.P.
c) Interpretar de outro modo o disposto no artigo 328º/6 do CPP, constitui pois
violação deste normativo constitucional.
2- Questões suscitadas nos recursos
2.1. Do arguido/demandado — a) Violação do n.º 6 do art. 328.º do Código de
Processo Penal.”
Assim, fica demonstrado que, logo aquando das alegações apresentadas perante o
Tribunal da Relação de Coimbra, o recorrente suscitou a questão de
constitucionalidade cuja apreciação visa obter,
Devendo, por isso, considerar-se que foi atempadamente suscitada a questão de
constitucionalidade.
O que determina o conhecimento do recurso.
Sem prescindir,
O arguido interpôs ainda Recurso para o Supremo Tribunal da Justiça, da decisão
proferida pelo Tribunal da Relação. Ora,
Igualmente nessas alegações suscitou a questão da interpretação
constitucionalidade cuja apreciação se requer.
Interpretação que o Tribunal da Relação de Coimbra defendeu:
Pode ler-se naquelas alegações, apresentadas pelo recorrente:
“O presente recurso assenta em dois pontos. A saber:
1. Nulidade do acórdão por contradição entre a fundamentação e a decisão.
2. Inconstitucionalidade do art. 328.º, n.º6, quando interpretado no sentido da
sua não aplicação à prolação da sentença.
…Mas, também é verdade que tal renúncia é irrelevante por violadora dos amplos
princípios do direito de defesa e recurso consignados no art. 32º da C.R.P.
Interpretar de outro modo acerca da possibilidade de renúncia é, não só ilegal
mas também inconstitucional.
2.lnconstitucionalidade do art. 328º, n.º 6, quando interpretado no sentido da
sua não aplicação à prolação da sentença.
A interpretação do Venerando Tribunal Recorrido ao n.º 6 do art. 328º do CPP é
inconstitucional.
…Tal interpretação restringe os direitos do arguido constitucionalmente
consagrados.
…Dispõe o art. 32º da CRP, englobado no Título II — Direitos, Liberdades e
Garantias:
N.º 1: O processo Criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o
recurso.
N.º 2: Todo o arguido...devendo ser julgado no mais curto prazo compatível com
as garantias de defesa.”
Assim, a interpretação fixada pelo Tribunal da Relação viola este dispositivo
constitucional.
…Por tudo isto, por imperativo legal e constitucional, o n.º 6 do art. 328º do
CPP tem absoluto cabimento no caso concreto.
…Ao interpretar o disposto no art. 328º, n.º 6 do CPP, no sentido de não ser
aplicado à prolação da sentença, o acórdão do Tribunal da Relação ora recorrido
é inconstitucional por não assegurar os direitos do arguido.”
Esta alegação foi depois retratada nas conclusões.
E só poderia ser aí porquanto, só aí o recorrente se podia defender da
interpretação do Tribunal da Relação vertida no seu Acórdão.
Além disso,
O ora recorrente, para o caso de não se entender admissível recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça, como veio efectivamente a acontecer, p requerimento
apresentado em 14 de Julho de 2006, no Tribunal da Relação de Coimbra, colocou
ainda a questão da inconstitucionalidade do art. 328º, n.º 6 do CPP, quando
interpretado no sentido da sua não aplicação à prolação da sentença.
Aliás, sobre este requerimento pronunciou-se o Sr. Dr. Procurador-Geral Adjunto,
em 5 de Setembro de 2006.
Mas mais,
Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 14 de Fevereiro de
2007 pode ler-se:
“1- O arguido [A.], na base do pressuposto que do acórdão de fls. 2295 e ss. não
há recurso para o STJ, apresenta reclamação com e alega a inconstitucionalidade
do n.º 6 do art. 328º do CPP na interpretação que do preceito é feita no
acórdão.
Por último:
O recurso interposto no Tribunal da Relação de Coimbra, a ser apreciado pelo
Tribunal Constitucional, foi admitido por aquele Tribunal:
“Admito o recurso interposto, a subir de imediato, nos autos e com efeito
suspensivo.”
Se é verdade que esta decisão não vincula o Tribunal Constitucional, não é menos
verdade que a mesma não foi tomada de animo leve, devendo atender-se ao aí
determinado.
Aqui chegados, não restam obstáculos ao conhecimento, por esse Venerando
Tribunal, do recurso interposto pelo ora Reclamante.
O Recorrente pretende, assim, que o Tribunal Constitucional aprecie a
inconstitucionalidade da norma contida no n.º 6 do artigo 328º do CPP, na medida
em que permitam a interpretação segundo a qual aquele dispositivo tem aplicação
na prolação da sentença.
Termos em que deve ser conhecido por esse venerando Tribunal o presente recurso
do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, com os legais efeitos e
consequências.
O representante do Ministério Público neste Tribunal respondeu que a presente
reclamação carece manifestamente de fundamento, em virtude de o reclamante não
ter suscitado, 'no momento processualmente adequado — isto é, no âmbito do
recurso que interpôs para o Tribunal da Relação — e em termos processualmente
adequados qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, susceptível de
integrar o objecto idóneo do recurso que interpôs para este Tribunal
Constitucional.'
Cumpre decidir.
Afirma, em suma, o reclamante que, ao contrário do que se diz na decisão sumária
reclamada, foi por si atempadamente suscitada a questão da
'inconstitucionalidade' do artigo 328º n.º 6 do Código de Processo Penal,
'quando interpretado no sentido da sua não aplicação à prolação da sentença'.
Mas, em primeiro lugar, há que notar que a questão não pode considerar-se
devidamente suscitada quando foi arguida na reclamação indeferida por acórdão de
14 de Fevereiro de 2004 da Relação de Coimbra. E não pode, porque, conforme bem
se diz neste último aresto, o momento adequado para suscitar no processo uma
qualquer questão daquela natureza há-de necessariamente ser anterior à decisão
final; no momento de apreciar reclamações contra essa decisão – como era o caso
–, não é lícito ao tribunal conhecer de questões novas.
E também não pode ser tida por validamente suscitada a questão na alegação do
recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, precisamente porque esse
recurso não foi admitido, razão pela qual o Tribunal não teve, então,
oportunidade de conhecer da matéria.
Todavia, tal como resulta do relatório da presente decisão, o reclamante
referiu-se a esta questão anteriormente, no recurso que interpôs da sentença de
15 de Setembro de 2004 do Tribunal Judicial de Mangualde. Este seria, na
verdade, o momento adequado para suscitar a questão de inconstitucionalidade
normativa.
Só que a questão então suscitada não representa uma questão normativa; com
efeito, tal como, aliás, se repete no requerimento de interposição do presente
recurso, é dirigida uma crítica à decisão recorrida por não ter feito aplicação
do disposto na norma impugnada; isto é: o reclamante não acusa a norma de ser
inconstitucional, o que sustenta é que a decisão que não aplicou a norma é
inconstitucional, o que é bem diferente.
Sustentou o recorrente, no recurso:
«[...]
f) O tribunal interrompeu a audiência de julgamento por mais de 12 meses pois
tendo a última sessão sido realizada em 24 de Setembro de 2003 a sentença só
veio a ser proferida em 15 de Setembro de 2004.
g) Violou-se deste modo o disposto no artigo 328/6 do C.P.P que para estas
circunstâncias comina a ineficácia de todas as provas produzidas.
h) Poderá por isso entender-se que da ineficácia desta prova produzida decorre o
dever de não se considerarem provados todos os factos e de o arguido ser
absolvido.
i) Parece-nos contudo que deverá julgar-se no sentido de ter sido cometida a
nulidade prevista no artigo 120º/2, alínea d) do C.P.P
j) Do que decorre a anulação do julgamento. [...]»
Ora, assim suscitada a questão, é bem certo que nenhum vício de
inconstitucionalidade é apontado à norma.
Dizer-se, portanto, que
«[...]
c) Interpretar de outro modo o disposto no artigo 328º/ 6 do CP.P., constitui
pois violação deste normativo constitucional. [...]»
é, na verdade, imputar à sentença então recorrida a violação indirecta da
Constituição, por não haver acatado o comando legislativo imposto pelo dito n.º
6 do artigo 328º do Código de Processo Penal, o que tem plena comprovação na
fórmula com que o recorrente encerra a sua alegação, ao concluir que
«[...]
v) A sentença violou as disposições invocadas e ainda o disposto nos artigos
60º, 127º, 328º/6, 118º, 120º, 121º/1 alínea a) todos do C.P.P, art.º 32º da CRP
e art. 508º do CC.[...]»
Aliás, foi neste sentido que a Relação interpretou o problema suscitado na
alegação do arguido recorrente, e lhe deu resposta, ao concluir 'pela
inexistência de nulidade ou de falta de eficácia da prova produzida nas diversas
sessões da audiência de julgamento'.
Temos, pois, que admitir que o recorrente não suscitou, de forma adequada, no
processo, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, tal como se diz
na decisão reclamada.
Em consequência, cumpre indeferir a reclamação, confirmando a decisão sumária de
não conhecimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 4 de Julho de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão