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Processo n.º 906/04
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. A fls. 1034 foi proferida a seguinte decisão sumária:
«1.
A. pretendeu interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça do
acórdão da Relação de Lisboa proferido em acção emergente de contrato individual
de trabalho. O recurso, todavia, não foi admitido por ser extemporâneo.
Desse despacho de não admissão do recurso, reclamou a recorrente em 16 de Abril
de 2004 para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que, no entanto,
indeferiu, por despacho de 19 de Maio, tal reclamação. Inconformada, a
recorrente reclamou desse despacho, arguindo a sua nulidade e, simultaneamente,
requereu que o julgamento da questão ocorresse com intervenção do plenário do
Supremo Tribunal de Justiça.
Mas, por despacho de 15 de Setembro de 2004, o Presidente do Supremo Tribunal de
Justiça indeferiu a reclamação e o pedido de julgamento ampliado.
A decisão tem o seguinte teor:
[...]
2.
É deste despacho que a recorrente recorre para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal
Constitucional.
Conforme declara no requerimento de interposição do recurso, a recorrente
pretende que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade:
1. Do artigo 732°-A do Código de Processo Civil na interpretação, constante do
despacho que indeferiu a arguição de nulidades, de que “o requerimento por
qualquer das partes para julgamento ampliado de revista só pode ocorrer depois
de o recurso ser admitido, o que não aconteceu no caso dos autos. Daí ser
inviável a apreciação do requerimento visando tal objecto.”
Afigura-se que a interpretação dada a este preceito é inconstitucional no caso
concreto por ser violadora do disposto no artigo 20° da. Constituição.
Antes que esta decisão tivesse sido proferida, a recorrente aquando do pedido,
formulado no seu requerimento de 1.6.2004, de que a questão fosse julgada com
intervenção do plenário nos termos dos disposto nos artigos 732°-A e 732°-B do
Código de Processo Civil aplicáveis ex vi do disposto no nº 3 do artigo 766° do
mesmo diploma legal, suscitou, antecipando, a questão da inconstitucionalidade
destas normas quando interpretadas no sentido de que não é admissível recurso
ampliado da reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça de
despacho que julga o recurso inadmissível, violando-se, desse modo o artigo 20°
da Constituição da República Portuguesa.
Com efeito, o entendimento expresso no douto despacho desemboca na
impossibilidade prática de haver uniformização de jurisprudência em matéria de
admissibilidade de recursos, ainda que sejam notórias, como no caso vertente, as
contradições entre as diferentes orientações jurisprudenciais.
A recorrente invocou quatro acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça e um do
Tribunal da Relação de Lisboa em sentido favorável à sua argumentação.
Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 688° do Código de Processo Civil, da
decisão que não admite recurso pode reclamar-se para o Presidente do Tribunal
que seria competente para conhecer do recurso.
Nos termos do nº 5 do mesmo preceito legal, se, em vez de reclamar, a parte
impugnar por meio de recurso qualquer dos despachos a que se refere o nº 1,
mandar-se-ão seguir os termos próprios da reclamação.
Tendo em conta que nos termos do disposto no nº 6 do artigo 678° do Código de
Processo Civil é sempre admissível recurso das decisões proferidas contra
jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça, forçoso é concluir
que o entendimento expresso no douto despacho coarcta ex ante essa possibilidade
ao não admitir o julgamento ampliado das questões da admissibilidade dos
recursos sobre as quais recai necessariamente despacho, que não acórdão.
Destarte, os aludidos preceitos legais devem ser interpretados no sentido de que
as matérias de admissibilidade dos recursos, sobre as quais deva recair despacho
do Presidente de Tribunal que cria competência para deles conhecer podem ser
objecto de julgamento ampliado verificando-se os demais pressupostos,
nomeadamente quando acerca da mesma questão fundamental de direito existam
arestos contraditórios proferidos no domínio da mesma legislação, sob pena de
violação frontal do princípio da tutela jurisdicional efectiva consagrado no
artigo 20° da Constituição.
2. Dos artigos 74°, 75°, 76° e na alínea a) do nº 2 do artigo 2° do Código de
Processo de Trabalho aprovado pelo Decreto-Lei 272-A/81 de 30 de Setembro no
sentido de que o recurso de revista não se encontra regulamentado no CPT 81 e
que, portanto, deve ser interposto no prazo de dez dias contados da notificação
da decisão e o prazo de apresentação das respectivas alegações é de trinta dias
contados da notificação do despacho de recebimento do recurso.
O recurso de revista encontra-se regulamentado no CPT 81 porquanto é referido no
seu artigo 74° e não é expressamente excluído em qualquer outra norma.
A interpretação das normas referidas constante do douto despacho viola o
princípio da legalidade e também, no caso concreto, o princípio da tutela
jurisdicional efectiva consagrado no artigo 20º da. Constituição, porquanto
determina a rejeição do recurso da recorrente impedindo-se que se conheça do
fundo das questões que pretende submeter à apreciação do Supremo Tribunal de
Justiça.
A recorrente suscitou a questão da constitucionalidade no requerimento de
1.6.2004, no qual arguiu a nulidade do despacho que não admitiu o recurso.
3. Do artigo 6° do Código Civil, implicitamente aplicado no despacho que
indeferiu a reclamação apresentada.
Esta questão está relacionada com a interpretação do disposto no artigo 732°-A
do Código de Processo Civil no sentido em que o requerimento para julgamento
ampliado “só pode ocorrer depois de o recurso de revista ser admitido”, o que
determina a impossibilidade de existência de uniformização de jurisprudência
quanto às decisões que versem acerca da admissibilidade dos recursos.
No seu requerimento de 1.6.2004, a recorrente invocou diversos arestos e
doutrina que sustenta que o recurso de revista em processo laboral interposto no
prazo de 20 dias juntamente com as alegações é admissível.
Assim, não existindo jurisprudência fixada acerca desta questão, não deve ser
oposto à recorrente o argumento “quantitativo” dos arestos proferidos maxime
quando em termos qualitativos a interpretação levada a efeito pela recorrente
dos artigos 74°, n°1, 75° e 76°, nº 1 e na alínea a) do nº 2 do artigo 1º do
Código de Processo de Trabalho de 1981 no sentido em que conclui pela aplicação
quanto ao “prazo de interposição” do regime previsto para a apelação em processo
laboral é lógica e encontra na lei correspondência verbal, encontrando outrossim
arrimo em diversa jurisprudência e doutrina.
Ora, o artigo 6° do Código Civil devia, interpretar-se no sentido de que dúvidas
havendo entre duas ou mais interpretações da lei acerca de uma questão adjectiva
da qual está dependente o conhecimento do fundo da causa sendo ambas admissíveis
em direito, existindo jurisprudência num e noutro sentido, existindo Acórdãos da
Secção Social deste Tribunal com entendimentos diversos e não existindo
jurisprudência fixada deveria, em obediência, ao artigo 20° da Constituição,
optar-se por aquela interpretação dos preceitos legais que permita o
conhecimento do fundo das questões no caso concreto isto é, o acesso à justiça
ou – pelo menos – a sua não denegação com fundamento em preterições de
formalidades de ordem adjectiva cuja exigibilidade não á totalmente clara de
iure condito e de iure condendo.
Salvo melhor opinião, não podendo afirmar-se que a recorrente desconhece a lei
ou a interpretou mal, não lhe deve, do mesmo modo, ser aplicada a sanção do
respectivo desconhecimento.
4.Dos artigos 12° e 13° do Código Civil, implicitamente aplicados no sentido de
que “o recurso de revista não se encontrava regulamentado no CPT 81” e que
“sendo assim, o regime aplicáve1 é o do art. 685° nº 1 do CPC, donde resulta que
o prazo de interposição do recurso de revista é de dez dias, contados da
notificação da decisão e o prazo de apresentação das respectivas alegações é de
trinta dias, contados da notificação do despacho do recebimento do recurso, art.
698º nº 2 do mesmo diploma” e que este entendimento “veio a obter consagração
legal no artigo 81, n°5 do novo CPT.”.
Neste particular, o Venerando Presidente do Supremo Tribunal de Justiça refere
que o regime actual é o que sempre vigorou, apesar de anteriormente não ter
consagração legal,
Esta fundamentação surpreendente corresponde a aplicação implícita de modo
desconforme à Constituição, nomeadamente dos seus artigos 2°, 3° e 20°, do
disposto nos artigos 12° e 13° do Código Civil.
O diploma adjectivo laboral de 1981 e o de 1999 contam disposições totalmente
diferentes relativamente ao modo de interposição do recurso de revista.
Este não é interpretativo daquele e não pode aplicar-se retroactivamente às
situações que não se encontrem abrangidas pela sua vigência temporal.
A recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade no seu requerimento de
1.6.2004.
A recorrente não podia razoavelmente calcular que tal asserção, que se contém na
ratio decidendi da vertente questão, pudesse ser produzida.
5. Do artigo 9º do Código Civil, aplicado implicitamente, no sentido de que “o
recurso do revista não se encontrava regulamentado no CPT 81” e que “sendo
assim, o regime aplicável é o do art. 685° nº 1 do CPC, donde resulta que o
prazo de interposição de recurso de revista é de dez dias, contados da
notificação da decisão e o prazo de apresentação das respectivas alegações é de
trinta dias, contados da notificação do despacho do recebimento do recurso, art.
698° nº 2 do mesmo diploma” e que este entendimento “vejo a obter consagração
legal no artigo 81, n.° 5 do novo CPT.“
Esta interpretação do artigo 9º do Código Civil, implicitamente aplicado, viola
o princípio da legalidade porquanto a mesma pressupõe que o legislador se
esqueceu de introduzir no CPT 81, uma disposição semelhante ao do actual artigo
81º, nº 5 do actual Código de Processo de Trabalho.
Ao presumir que o legislador não se exprimiu de modo conveniente, o Venerando
Presidente do Supremo Tribunal do Justiça aplicou o artigo 9º do Código Civil em
interpretação que viola o princípio da legalidade e do estada de direito
democrático e, também, o da tutela jurisdicional efectiva no caso vertente.
A recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade no seu requerimento de
1.6.2004.
A recorrente não podia razoavelmente calcular que tal interpretação do artigo
9°, que se contém na ratio decidendi da vertente questão pudesse vir a ser
feita.”
3.
O recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
da LTC cabe de decisões que hajam aplicado normas a propósito das quais o
recorrente antecipadamente formulou uma questão de inconstitucionalidade.
Em suma, no objecto do recurso apenas cabem normas aplicadas pelo tribunal
recorrido como razão de decidir da decisão impugnada, apesar de o recorrente
haver suscitado antecipadamente a sua inconstitucionalidade.
Acontece que a recorrente não suscitou antecipadamente a questão da
inconstitucionalidade das normas que regulam a questão essencial do recurso: a
sua extemporaneidade.
Com efeito, quando reclamou para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do
despacho do Relator que, na Relação, lhe não admitiu a revista, deveria a
recorrente ter suscitado a inconstitucionalidade das normas por força das quais
o recurso não foi admitido.
Não o fez então, apenas suscitando essa questão na arguição de nulidade, ou
seja, num momento processual em que ao Tribunal recorrido já não era lícito
apreciar questões novas, conforme este Tribunal tem repetidamente decidido.
Acresce que, para além de o despacho recorrido não ter aplicado normas dos
artigos 6º, 9º, 12º e 13º do Código Civil, a questão relacionada com artigo
732°-A do Código de Processo Civil, quanto ao julgamento ampliado de revista,
não constitui verdadeiramente a ratio decidendi da decisão recorrida,
dependente, que está, do julgamento de extemporaneidade do recurso.
4.
Decisão
Em face do supra exposto, não se toma conhecimento do objecto do presente
recurso de constitucionalidade, nos termos do n.º 1, do artigo 78-ºA da LTC.
[...] »
2. Contra esta decisão reclama a recorrente, dizendo, no essencial:
[...]
13º
Dando-se de barato que a Recorrente não suscitou em tempo a
inconstitucionalidade das normas por força das quais o recurso não foi admitido,
a saber, na reclamação desse despacho, o mesmo não se diga quanto à questão do
recurso ampliado de revista. Senão vejamos,
14º
Em primeiro lugar, diga-se que não é verdade que o recurso ampliado de revista
não constitui ratio decidendi da decisão recorrida.
15º
Assim, caso este recurso ampliado tivesse tido lugar, a questão da admissão do
requerimento do recurso de revista poderia ter sido apreciada pelo plenário do
Supremo Tribunal de Justiça e, como consequência, poderia ter sido dada razão à
Recorrente quanto às nulidades e inconstitucionalidades invocadas.
16º
Com efeito, o que a Recorrente suscita no seu requerimento de interposição de
recurso para este Venerando Tribunal é a inconstitucionalidade das normas do
art. 732º-A e 732º-B do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi do nº 3 do
art. 762º do mesmo diploma legal no sentido de que não é admissível recurso
ampliado da reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do
despacho que julga o recurso inadmissível, violando-se, desse modo, o art. 20º
da Constituição da República Portuguesa.
17º
Alega para o efeito que “Tendo em conta que nos termos do disposto no nº 6 do
art. 678º do Código de Processo Civil é sempre admissível recurso das decisões
proferidas contra jurisprudência uniformizada do Supremo Tribunal de Justiça,
forçoso é concluir que o entendimento expresso no douto despacho coarcta ex ante
essa possibilidade ao não admitir o julgamento ampliado das questões da
admissibilidade dos recursos sobre as quais recai necessariamente despacho, que
não acórdão.
Destarte, os aludidos preceitos legais devem ser interpretados no sentido de que
as matérias de admissibilidade dos recurso, sobre as quais deve recair despacho
do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que teria competência para delas
conhecer podem ser objecto de julgamento ampliado verificando-se os demais
pressupostos, nomeadamente quando acerca da mesma questão fundamental de direito
existam arestos contraditórios proferidos no domínio da mesma legislação, sob
pena de violação frontal do princípio da tutela jurisdicional efectiva
consagrado no art. 20º da Constituição.”
18º
Ora, se assim é, não se trata efectivamente de uma questão dependente do
julgamento de extemporaneidade do recurso, pois que era esta extemporaneidade
que ao plenário do Supremo Tribunal de Justiça seria dada a oportunidade de
apreciar.
19º
De facto, este Venerando Tribunal parece defender que, mesmo dando razão à
Recorrente quanto ao julgamento ampliado de revista, esta decisão não influiria
no processo, porque já julgada definitivamente a extemporaneidade do
requerimento de recurso de revista que o antecedeu.
20º
É falacioso o argumento apresentado. Senão, vejamos:
21º
Caso tivesse sido dada razão à Recorrente quanto a esta questão, o processo
teria a seguinte tramitação: 1) Os autos teriam baixado ao Supremo Tribunal de
Justiça para que pudesse ter lugar o julgamento ampliado de revista quanto à
extemporaneidade do requerimento de recurso de revista 2) Seria proferida
decisão no âmbito deste julgamento; 3) Caso fosse desfavorável à Recorrente, o
processo transitaria em julgado mas, caso fosse favorável, o processo baixaria à
Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça; 4) A Secção Social admitiria o
requerimento de recurso de revista; 5) A Secção Social julgaria o recurso de
revista admitido quanto à questão de fundo.
22º
Por estas razões a questão do julgamento ampliado de revista nunca poderá ser
apelidada de “questão dependente”, porque não se trata de uma questão que só
terá relevância no caso da decisão de que depende ter determinado desfecho, mas
sim de uma questão autónoma que, julgada per se e deferida, possibilitará um
reexame da questão de fundo da causa.
23º
E nem se diga (o que nem o Venerando Conselheiro Relator faz) que a questão não
foi anteriormente suscitada no âmbito da reclamação de indeferimento do recurso
de revista ou no requerimento de nulidade do despacho de indeferimento da
reclamação e pedido de julgamento ampliado de revista quanto à questão da
extemporaneidade do requerimento do recurso de revista.
24º
Pois aquela questão configura uma verdadeira decisão-surpresa.
25º
A Recorrente não poderia ter previsivelmente contado com a hipótese desta
denegação da realização de recurso ampliado de revista quando elaborou a sua
reclamação.
26º
Na verdade, constitui requisito do recurso interposto ao abrigo do disposto na
alínea b) do nº 1 do art. 280º da Constituição da República Portuguesa e na
alínea b) do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, que a questão de
inconstitucionalidade da norma efectivamente aplicada como ratio decidendi da
decisão recorrida tenha sido suscitada durante o processo.
27º
O sentido desse conceito tem sido esclarecido por este Venerando Tribunal
sustentando que “a exigência de um cabal cumprimento do ónus da suscitação
atempada — e processualmente adequada — da questão da constitucionalidade não é
[...] “uma mera questão de forma secundária”. E uma exigência formal, sim, mas
essencial para que o Tribunal recorrido deva pronunciar—se sobre a questão de
constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de
recurso, proceda ao reexame da questão (e não a um primeiro julgamento de tal
questão”.
28º
Tal princípio sofre no entanto derrogações, nomeadamente, em situações “nas
quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a
questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível que o
fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo
insólita e imprevisível.”
29º
E é precisamente esta a situação com a qual a Recorrente se deparou — a
Recorrente só agora dispôs de oportunidade processual para invocar a
inconstitucionalidade das normas (artigos 732º-A e 732º-B, aplicáveis ex vi do
nº 3 do art. 762º, todos do Código de Processo Civil) que na interpretação do
Acórdão recorrido, fundamentaram o indeferimento do julgamento ampliado de
revista quanto à questão da extemporaneidade do requerimento de recurso de
revista para o Supremo Tribunal de Justiça.
Termos em que deverá ser revogada a decisão sumária proferida de não
conhecimento do recurso e ser o mesmo admitido para apreciação da
inconstitucionalidade decorrente da interpretação dada pela decisão recorrida
aos artigos 732º-A e 732º-B, aplicáveis ex vi do nº 3 do art. 762º, todos do
Código de Processo Civil.
3. Vejamos:
A. interpôs recurso de revista (fls. 895 e ss.) para o Supremo Tribunal de
Justiça do acórdão da Relação de Lisboa (fls. 868), proferido em acção
declarativa emergente de contrato individual de trabalho.
Por despacho do desembargador Relator (fls. 957) o recurso não foi admitido por
ser extemporâneo, nos termos dos artigos 724.º, n.º 1, 685.º, n.º 1 e 698.º, n.º
2, todos do Código de Processo Civil.
Desse despacho de não admissão do recurso, reclamou a recorrente para o Supremo
Tribunal de Justiça (fls. 959 e ss.), sustentando “que o recurso foi interposto
tempestivamente, uma vez que no âmbito do CPT 81, ao recurso de revista se
aplicam as disposições que regulam o recurso de apelação”.
Todavia, não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (fls. 981 e 982) indeferiu a
referida reclamação, fundamentando-a como segue:
“A presente acção teve o seu início em 13.07.99, logo o regime aplicável é o do
CPT aprovado pelo Decreto-Lei 272-A/8 1, de 30 de Setembro.
De facto, o recurso de revista não se encontrava regulamentado no CPT 81, mas
como se poderá retirar do art.º 1º n.º 2 alínea a) do referido diploma legal,
quando houvesse omissão devia aplicar-se primeiramente o CPC, uma vez que contém
normas que regulamentam o referido recurso.
Sendo assim, o regime aplicável é o do art.º 685º n.º 1 do CPC, donde resulta
que o prazo de interposição de recurso de revista é de dez dias, contados da
notificação da decisão e o prazo de apresentação das respectivas alegações é de
trinta dias, contados da notificação do despacho do recebimento do recurso,
art.º 698º, n.º 2 do mesmo diploma.
É este o entendimento uniforme da secção social deste S.T.J. e veio a obter
consagração legal no art.º 81. n.º 5 do novo CPT.
Atendendo que a ora reclamante se considera notificada do acórdão da Relação de
Lisboa em 26 de Janeiro de 2004 e o recurso em causa apenas foi interposto em 16
de Fevereiro de 2004, decorre que o referido prazo legal foi excedido, pelo que
a interposição do referido recurso foi claramente intempestiva.
Donde, o despacho reclamado não ter violado os artigos do Código de Processo do
Trabalho de 1981 e do Código de Processo Civil referidos no ponto 17 da
reclamação.”
Inconformada, a recorrente arguiu a nulidade do despacho do Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça e, simultaneamente, requereu o julgamento da questão
com intervenção do plenário do Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído:
“(…) Termos em que deve proceder-se à reforma da decisão, por a mesma ser nula,
e
a) Especificar-se que o recurso de revista está previsto quanto ao
“modo de interposição” no artigo 76° do Código de Processo de Trabalho de 1981 e
que o Código de Processo Civil não pode aplicar-se no que a ele respeita em sede
laboral mas apenas quanto ao prazo, o qual, sem prejuízo de existir
jurisprudência em contrário, interpretando no caso vertente as normas dos
artigos 74°, 75°, 76° e da alínea a) do nº 2 do artigo 1° do CPT de 81 e as dos
artigos 6°, 9°, 12° e 13° do Código Civil conforme os artigos 2°, 3° e 20º da
Constituição, pode ser o da apelação em processo laboral, ou,
b) Proceder-se ao julgamento ampliado, nos termos do disposto no nº
3 do artigo 766° nos artigos 732°-A e 732°-B do Código de Processo Civil, da
vertente questão, propondo-se que seja uniformizada a seguinte Jurisprudência:
i. O recurso de revista está regulamentado quanto ao “modo de
interposição” nos artigos 72° e 76° do Código de Processo de Trabalho de 1981
pelo que o Código de Processo Civil não pode aplicar-se no que a ele respeita,
mas apenas quanto ao prazo de interposição, o qual pode ser, por a ele se chegar
mediante interpretação lógica e plausível dos textos legais aplicáveis, o da
apelação em processo laboral, isto é, de vinte dias, ou, quando assim não se
entenda, a seguinte:
ii. Existindo jurisprudência em sentido contraditório acerca da
aplicabilidade das normas do Código de Processo Civil em sede de recurso de
revista em Processo de Trabalho à luz do Código de Processo de Trabalho de 1981,
devem interpretar-se as normas dos artigos 74°, 75°, 76° e da alínea a) do nº 2
do artigo 1º do CPT de 81 e as dos artigos 6°, 9º, 12° e 13° do Código Civil
conforme os artigos 2°, 3° e 20º da Constituição, ou seja, no sentido que
permita o conhecimento da questão substantiva que a parte recorrente pretende
submeter à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, quer esta opte por
interpor o recurso de revista nos termos dos artigos 685° e 698° do Código de
Processo Civil, interpondo recurso no prazo de dez dias, contados da notificação
da decisão, e apresentando alegações no prazo de trinta dias, contados da
notificação do despacho de recebimento do recurso, quer opte por fazê-lo nos
termos do disposto nos artigos 76° e 75°, nº 2 do Código de Processo de
Trabalho, ou seja, interpondo recurso no prazo de vinte dias, contados da
notificação da decisão, juntando com o requerimento de interposição de recurso
as alegações.”
Finalmente, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, (fls.1015 e 1016), por
despacho lavrado em 15 de Setembro de 2004, indeferiu quer o requerimento de
julgamento ampliado, quer o requerimento de arguição de nulidades, nos termos já
antes referidos.
“As nulidades:
Resulta claro do CPT 81, por nenhuma disposição nele contida lhe fazer
referência, que o recurso de revista não se encontrava nele regulamentado nem
quanto ao prazo em que deve ser interposto, nem quanto ao modo da sua
interposição.
Daí, ter havido necessidade da jurisprudência clarificar e solucionar esta
questão.
Com efeito, desde 1983 é jurisprudência pacífica e unânime deste Supremo
Tribunal que ao recurso de revista em processo laboral se aplicam as normas do
Código de Processo Civil {cf. entre outros os Acs. do S.T.J. de 13.05.1983 (AD,
260 e 261, p. 1127); de 20.05.1983 (BMJ, 327, p. 596); de 21.07.1983 (AD, 265,
p. l21); de 12.01.1993 (CJ, Ano II, Tomo 1, 1994, p. 269); 12.01.1994 (AD, 389,
p. 611); de 28.06.1995 (AD, 412, p. 522); de 22.05.1996 (AD, 416, p. 1085)}.
Donde, perante esta jurisprudência já firmada há tanto tempo, não ser necessário
dizer-se mais do que se disse na decisão de fls. 981 e 982 e que agora se
transcreve:
“De facto, o recurso de revista não se encontrava regulamentado no CPT 81, mas
como se poderá retirar do art.° 1° nº 2 alínea a) do referido diploma legal,
quando houvesse omissão devia aplicar-se primeiramente o CPC, uma vez que contém
normas que regulamentam o referido recurso.
Sendo assim, o regime aplicável é o do art. 685° nº 1 do CPC, donde resulta que
o prazo de interposição de recurso de revista é de dez dias, contados da
notificação da decisão e o prazo de apresentação das respectivas alegações é de
trinta dias, contados da notificação do despacho do recebimento do recurso, art.
698°, nº 2 do mesmo diploma”.
Assim, não se verifica nulidade de falta de especificação dos fundamentos de
facto e de direito, porquanto esta só é operante quando se verifique total
omissão dos fundamentos, o que não ocorre na situação em análise, onde
expressamente se refere que se tem como adquirido que à revista laboral se
aplicam as normas do Código de Processo Civil. Também é ilegítimo falar de
omissão de pronúncia, uma vez que foram apreciados os problemas fundamentais e
necessários para decidir a questão posta, ou seja, houve pronúncia sobre a
matéria que reclamava apreciação.
O julgamento ampliado de revista:
É jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal, que não se vê necessidade de
reafirmar, na perspectiva da sua uniformização, que o regime aplicável ao
recurso de revista em processo laboral na vigência do CPT 81 é o do Código de
Processo Civil.
Sendo assim, face ao disposto no art. 732°-A do CPC, o requerimento por qualquer
das partes para julgamento ampliado só pode ocorrer depois de o recurso de
revista ser admitido, o que não aconteceu no caso dos autos. Daí ser inviável a
apreciação do requerimento visando tal objecto.”
É deste despacho que a recorrente recorreu, como se viu, para o Tribunal
Constitucional (fls. 1020 a 1025), ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1
do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional.
4.
Cumprirá desde logo sublinhar que, conforme a própria reclamante agora admite,
não suscitou adequadamente a questão de inconstitucionalidade relacionada com a
tempestividade do recurso que pretendia interpor do acórdão da Relação de
Lisboa. Fica, por isso, de fora esta matéria.
Subsiste, em seu entender, 'a questão do recurso ampliado de revista' que se
decompõe, conforme diz, na 'inconstitucionalidade das normas dos artigos 732º-A
e 732º-B do Código de Processo Civil aplicáveis ex vi do n.º 3 do artigo 762º do
mesmo diploma legal no sentido de que não é admissível recurso ampliado da
reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do despacho que
julga o recurso inadmissível', o que, sempre em seu entender, traduzir-se-ia na
violação do artigo 20º da Constituição.
Acontece, porém, que a este Tribunal não compete determinar se, por força de
determinados princípios acolhidos na Constituição, caberia, no caso concreto,
'recurso ampliado da reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
do despacho que julga o recurso inadmissível'.
A tarefa que a LTC reserva a este Tribunal, no domínio do recurso previsto na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º desse diploma, é determinar se uma norma
aplicada na decisão recorrida como sua ratio decidendi se mostra desconforme com
a Constituição.
Portanto, para que o Tribunal possa julgar uma determinada questão que lhe é
colocada, é necessário que o tribunal recorrido haja aplicado, efectivamente,
uma determinada norma jurídica com virtualidade de decidir a questão.
Ora, o que se diz na decisão sumária em reclamação, e que aqui se reafirma, é
que o recorrido despacho do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não
aplicou como sua ratio decidendi – na parte em que não admitiu o julgamento
ampliado 'da reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça do
despacho que julga o recurso inadmissível' –, as normas dos artigos 732º-A e
732º-B aplicáveis ex vi do n.º 3 do artigo 762º do Código de Processo Civil' no
sentido de que não é admissível recurso ampliado da reclamação para o Presidente
do Supremo Tribunal de Justiça do despacho que julga o recurso inadmissível';
bem ou mal – não cabe aqui averiguá-lo –, o despacho indeferiu este pedido com
outro fundamento, sendo manifesto que, na lógica da decisão recorrida, o
julgamento ampliado a efectuar pelo plenário do Supremo Tribunal de Justiça só
poderia ocorrer se o recurso de revista tivesse sido anteriormente admitido, o
que não aconteceu. A ratio decidendi da decisão recorrida não inclui, por isso,
as normas impugnadas.
5.
Em face do exposto, o Tribunal decide indeferir a reclamação, mantendo a decisão
de não conhecimento do objecto do presente recurso de constitucionalidade.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 4 de Julho de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Gil Galvão