Imprimir acórdão
Processo n.º 118/DPR
Plenário
ACTA
Aos dias dezanove do mês de Setembro de dois mil e sete, achando-se presentes o
Excelentíssimo Conselheiro Presidente Rui Manuel Gens de Moura Ramos e os Exmos.
Conselheiros José Manuel Cardoso Borges Soeiro, Gil Manuel Gonçalves Gomes
Galvão, Carlos José Belo Pamplona de Oliveira, Maria João da Silva Baila Madeira
Antunes, Ana Maria Guerra Martins, Joaquim José Coelho de Sousa Ribeiro, Mário
José de Araújo Torres, Maria Lúcia Amaral, Vítor Manuel Gonçalves Gomes, Carlos
Alberto Fernandes Cadilha, Benjamim Silva Rodrigues e João Eduardo Cura Mariano
Esteves, foram trazidos à conferência os presentes autos, para apreciação.
Após debate e votação, foi ditado pelo Excelentíssimo Conselheiro Presidente o
seguinte:
ACÓRDÃO N.º 455/07
I. Relatório.
1. O Presidente do Conselho Económico e Social oficiou ao Presidente do Tribunal
Constitucional em 16 de Março do ano corrente, manifestando reservas quanto a
uma eventual qualificação dos respectivos membros, com excepção do próprio, como
titulares de cargos políticos nos termos e para os efeitos previstos na Lei n.º
25/95, de 18 de Agosto.
Sem questionar a classificação do Conselho Económico e Social como órgão
constitucional, à possibilidade de sujeição daqueles seus membros ao dever de
apresentação da declaração de património e rendimentos previsto no art. 1º do
referido diploma por incidência da previsão da alínea l) do n.º 1 do respectivo
art. 4º contrapôs, contudo, argumentos retirados da própria natureza do órgão,
mormente a circunstância de se tratar de um órgão de consulta e concertação no
domínio das políticas económica e social e, como tal, funcionalmente vocacionado
para a produção de pareceres e promoção da concertação entre Governo e parceiros
sociais.
Neste contexto, colocou ainda em evidência o facto de, excepção feita ao cargo
de Presidente, o Conselho Económico e Social ser composto por representantes da
“sociedade civil organizada” (art. 3º da Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto), os
quais, de acordo com o entendimento sustentado, ficariam privados dessa sua
qualidade essencial na eventualidade de virem a ser considerados titulares de
cargos políticos, não obstante em tal qualidade justamente residir o fundamento
da sua condição de membros do Conselho.
Tal consequência – afirma-se por último – acarretaria, por sua vez, uma grave
distorção do próprio Conselho Económico e Social, contrariando os princípios de
filosofia política em que assenta a existência dos conselhos económicos e
sociais.
2. Autuado o referido ofício, foi concedida vista ao Ministério Público, tendo o
Sr. Procurador-Geral Adjunto emitido o seguinte parecer:
«A questão suscitada prende-se com a definição do conceito de “cargo político”,
para o efeito particular e específico da delimitação do universo dos titulares
de cargos ou funções obrigados à entrega da declaração de património e
rendimentos: será obrigatório interpretar o elenco constante do art. 4º da Lei
n.º 4/83 (na versão emergente da Lei n.º 25/99) à luz de um conceito
“substancial” de exercício de “funções políticas” ou, pelo contrário, deverá
admitir-se que, nesta matéria, goza o legislador de uma ampla margem de
discricionariedade legislativa, que lhe permita incluir naquele elenco – que
apenas releva para a definição dos titulares de cargos que devem apresentar tal
declaração – entidades que não exerçam qualquer função política, no sentido
“estrito” e “normal”, pressuposto, por exemplo, no art. 117º da Constituição da
República Portuguesa?
Como nota o Ex.º requerente, a participação em determinados “órgãos
constitucionais” – nomeadamente, órgãos que exercem funções consultivas como
decorrência de uma “inerência” com o desempenho de cargos que envolvem um dever
de “isenção política”, ou como representantes da sociedade civil – não traduz
efectivamente o exercício de uma “função política” – sendo, todavia, certo que o
legislador sujeitou ao referido dever de apresentação da declaração de
património e rendimentos os “membros” de tais “órgãos constitucionais”.
Não é, aliás, esta a única situação em que a lei, ao delinear o elenco de
“cargos políticos”, para o referido e específico efeito, amplia
significativamente o leque de sujeitos e entidades abrangidas, nele incluindo
manifestamente casos que não envolvem o exercício de funções de natureza
política: é o que sucede, manifestamente, com a situação tipificada na alínea g)
do n.º 1 do artigo 4º, vinculando os “membros do Tribunal Constitucional” à
apresentação da referida declaração, apesar de ser inquestionável que exercem,
não funções políticas, mas jurisdicionais, e bem assim, com a situação
tipificada na 2ª parte da alínea l), ao obrigar à apresentação da mesma
declaração os “membros de entidades públicas independentes”, legalmente
previstos.
Sendo naturalmente discutível esta opção legislativa, consubstanciada na
definição de um conceito “impróprio” e ampliativo de “cargo político”, não
vemos, todavia, que ela se revele incompatível com a Lei Fundamental, já que
apenas põe em causa – não as condições substanciais de exercício dos referidos
cargos, de natureza “não política”, mas a mera apresentação de uma declaração de
património e rendimentos, estendida por lei a pessoas e entidades que não
exercem uma função política em sentido próprio e específico.
Ora, face a tais considerações, e sendo efectivamente o Conselho Económico e
Social um “órgão constitucional”, face ao preceituado no artigo 95º da
Constituição da República Portuguesa, somos de parecer que o artigo 4º, n. 1,
alínea l), da Lei n.º 4/83, na redacção da Lei nº 25/95, impõe efectivamente a
apresentação neste Tribunal da declaração de património e rendimentos».
3. Afigurando-se pertinente a dúvida sobre se, para além do respectivo
Presidente, se encontram os demais membros do Conselho Económico e Social
subordinados ao dever imposto pela Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, na versão
aprovada pela Lei n.º 25/95, de 18 de Agosto, importa resolvê-la, ao abrigo do
disposto no art. 109º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
II. Fundamentação.
É sabido que, ao proceder à revisão do regime jurídico do controle público da
riqueza dos titulares de cargos políticos instituído pela Lei n.º 4/83,
de 2 de Abril, a Lei n.º 25/95, de 18 de Agosto, a par de outras alterações
produzidas, ampliou o elenco dos cargos cujos titulares se encontram obrigados a
apresentar, nos prazos para o efeito estabelecidos, uma “declaração dos seus
rendimentos, bem como do seu património e cargos sociais” (cfr. art. 1º).
Mercê da entrada em vigor da Lei n.º 25/95, de 18 de Agosto, o elenco dos
sujeitos vinculados pelo dever de apresentação da referida declaração passou,
assim, a integrar os “membros dos órgãos constitucionais e os membros das
entidades publicas independentes previstas na Constituição e na lei”, uns e
outros expressamente contemplados na alínea l) do n.º 1 do respectivo artigo 4º.
Por força da alteração introduzida na originária previsão do art. 4º, passaram,
pois, a ser considerados cargos políticos, para os efeitos da presente lei (a
Lei n.º 25/95, de 18 de Agosto), os “membros dos órgãos constitucionais e os
membros das entidades publicas independentes previstas na Constituição e na
lei”.
Ora, é justamente em torno da delimitação do âmbito subjectivo de aplicação da
lei a partir desta fórmula normativa inovatória que ocorre a dúvida que nos
presentes autos importa esclarecer.
Façamo-lo então.
Preceitua o art. 1º, n.º 1, da Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, na versão resultante
da Lei n.º 25/95, de 18 de Agosto, que “os titulares de cargos políticos
apresentam no Tribunal Constitucional, no prazo de 60 dias contado do início do
exercício das respectivas funções, declaração dos seus rendimentos, bem como do
seu património e cargos sociais […]».
Sob a epígrafe «elenco», dispõe-se no respectivo art. 4º o seguinte:
«1 – São cargos políticos para os efeitos da presente lei:
[…]
l) Os membros dos órgãos constitucionais e os membros das entidades públicas
independentes previstas na Constituição e na lei.
[…]».
A qualificação do Conselho Económico e Social como órgão constitucional não vem
questionada pelo Ex. mo requerente.
E, conforme procurará demonstrar-se, tal classificação não suscita efectivamente
justificadas dúvidas no caso presente.
A este propósito, é útil recordar aqui que o problema da delimitação do conceito
de órgãos constitucionais constante da previsão da alínea l) do n.º1 do art. 4º
não é absolutamente inédito na jurisprudência deste Tribunal.
Com efeito, uma vez confrontado com a necessidade de esclarecer «a dúvida sobre
se o dever de declaração de património e rendimentos estabelecido pela Lei n.º
4/83 passou a abranger, na versão que a este diploma foi dada pela Lei n.º
25/95, os Juízes do Tribunal de Contas […]», o Plenário deste Tribunal, no seu
Acórdão n.º 324/01, embora sem ter chegado a «apurar positivamente o que sejam e
quais sejam os órgãos constitucionais de que se trata na alínea l) do n.º
1 do art. 4º da Lei n.º 4/83», não deixou, porém, de proceder a uma
delimitação negativa do conceito, designadamente em ordem a dele excluir os
titulares de outros órgãos de soberania para além dos constantes eo nomine do
elenco.
Para suportar tal conclusão aí se escreveu, além do mais, o seguinte:
«A resposta à pergunta acabada de formular não poderia deixar de ser afirmativa
tomada a expressão “órgãos constitucionais” num ou até em mais do que um dos
sentidos que ela é susceptível de receber, ao menos literalmente: assim, se a
expressão fosse entendida como pretendendo abranger todo e qualquer órgão
previsto e definido pela Constituição, ou então, ao menos alguns desses órgãos,
maxime os “órgãos de soberania”.
Não é em nenhum destes sentidos, porém, que a alínea l) do n.º 1 do art. 4º da
Lei n.º 4/83 passou a referir os “órgãos constitucionais”: E isso, porque, de um
lado, nas alíneas anteriores e seguintes do mesmo n.º 1 se enumera, desde logo,
toda uma série de titulares de órgãos previstos na Constituição, mas sobretudo
de órgãos de soberania, que ficam sujeitos à disciplina da lei; e, de outro
lado, manifestamente não se concebeu a alínea l) em causa como uma cláusula
residual (destinada a abranger os titulares de outros órgãos daquela natureza)
como ela o seria se, por exemplo, se referisse aos membros dos restantes órgãos
constitucionais”.
Ou seja: a lei (o dito n.º 1 do art. 4º) começa por enunciar um conjunto de
titulares de órgãos de soberania que ficam adstritos aos deveres de declaração
nela previstos; e, depois, sujeita ainda aos mesmos deveres um conjunto de
titulares de outros órgãos (quer previstos ou referidos pela Constituição, quer
não, ou não necessariamente) entre os quais os que designa por “órgãos
constitucionais”: Ora, num tal contexto, claro que este último conceito ou
categoria assume um sentido próprio e específico e seguramente não abrange na
sua extensão os “órgãos de soberania”».
Pois bem.
Ainda que por via da delimitação negativa do conceito, a doutrina seguida pelo
Acórdão acabado de citar permite uma primeira aproximação ao significado a
atribuir à categoria “órgãos constitucionais” que aqui podemos retomar: a par da
rejeição da possibilidade de, por incidência da tipificação resultante da al. l)
do n.º 1 do art. 4º, vir a sujeitar ao regime jurídico do controle público da
riqueza em função do cargo titulares de outros órgãos de soberania para além dos
expressamente nomeados, recusa-se, por insuficiente e inidóneo, um critério de
identificação que, emergindo da formalidade pura, fizesse convergir o conceito
com a literalidade do texto fundamental de tal forma que como órgão
constitucional fosse de qualificar todo e qualquer órgão referido ou nomeado
pela Constituição.
A simples circunstância de determinado órgão ser mencionado pela Constituição,
embora necessária no sentido que seguidamente se exporá, não constitui, pois,
requisito suficiente para a sua classificação como órgão constitucional.
Conforme evidenciado no mencionado aresto, o conceito de órgão constitucional é
definível substancialmente, consistindo tal definição no estabelecimento do
conteúdo próprio que especificamente lhe cabe.
Recorrendo a consolidada conceptualização doutrinal, pode dizer-se
que, se por órgão de Estado deverá entender-se o «centro autónomo
institucionalizado de emanação de uma vontade que lhe é atribuída», órgãos
constitucionais serão justamente aqueles através dos quais «o Estado actua
constitucionalmente» (Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, volume V,
pg. 45-46).
Nesta perspectiva, órgãos constitucionais corresponderão àqueles
cuja existência a Constituição impõe em função do modelo organizativo instituído
e, portanto, sem os quais o Estado não poderá subsistir enquanto ser
juridicamente constituído em consonância com a matriz definida na Lei
Fundamental.
Assim caracterizado, o postulado de que se parte propiciará a convocação de
alguns dos critérios classificativos recorrentemente sistematizados na doutrina,
com vantagens do ponto de vista da densificação do conceito e, por consequência,
da respectiva operatividade.
O primeiro desses critérios é de natureza estrutural.
Dizendo respeito à instituição e aos titulares dos cargos, tal critério conduz a
que por órgãos constitucionais sejam havidos «aqueles que a Constituição cria e
que não podem, por conseguinte, ser extintos ou eventualmente modificados por
lei ordinária» (Jorge Miranda, ob cit., pg. 65-66).
A susceptibilidade de recondução genealógica do órgão ao texto fundamental e a
consequente inderrogabilidade da modelação resultante do preceito criador por
acto de inferior posição hierárquico-normativa constituirá, assim, uma via para
a identificação, no universo dos órgãos referidos ou nomeados pela Constituição,
daqueles que deverão integrar a categoria de órgãos constitucionais.
Conforme facilmente se perceberá, o resultado classificativo que assim for de
atingir manter-se-á inalterado se, na tradução funcional do que vem sendo dito,
for feito intervir um outro critério, este respeitante à competência do órgão a
qualificar.
Partindo do chamado «princípio da prescrição normativa da competência» –
princípio segundo o qual, «sendo a competência definida pelo Direito objectivo,
o órgão não pode ter outra competência além da que a norma estipula» -, este
critério conduzirá a que ao conceito de órgãos constitucionais apenas possam ser
reconduzidos aqueles que, para além de figurarem no texto fundamental, sejam
«dotados tão somente de poderes constituídos – constituídos pela Constituição» –
ou ainda de poderes derivados directamente da lei ordinária, contando que estes
possam ser entendidos como «poderes implícitos» contidos nos primeiros,
dispondo, neste sentido, de «“base constitucional”» (Jorge Miranda, ob cit., pg.
57 e 59).
Ao Conselho Económico e Social refere-se o art.92.º da Constituição, aí se
dispondo o seguinte:
1. O Conselho Económico e Social é o órgão de consulta e concertação no domínio
das políticas económica e social, participa na elaboração das propostas das
grandes opções e dos planos de desenvolvimento económico e social e exerce as
demais funções que lhe sejam atribuídas por lei.
2. A lei define a composição do Conselho Económico e Social, do qual farão
parte, designadamente, representantes do Governo, das organizações
representativas dos trabalhadores, das actividades económicas e das famílias,
das regiões autónomas e das autarquias locais.
3. A lei define ainda a organização e o funcionamento do Conselho Económico e
Social, bem como o estatuto dos seus membros.
Perante a configuração inserta no próprio texto fundamental, pode afirmar-se com
segurança que o Conselho Económico e Social se inscreve na categoria dos órgãos
que, quer do ponto de vista formal, quer do ponto de vista material, se
apresentam dotados de uma identidade nuclear estabelecida constitucionalmente.
Com efeito, para além de se objectivar numa composição que, embora a
Constituição não defina de forma completa e fechada, não deixa de subordinar-se
a determinadas exigências de representação impostas constitucionalmente (cfr.
n.º 2), o Conselho Económico e Social funciona como órgão de consulta e
concertação no domínio da política económica e social por expressa determinação
constitucional e, embora o texto fundamental não pormenorize o perfil exacto do
órgão também no que respeita às respectivas áreas de intervenção, atribuições e
funcionamento, não deixou de lhe definir a natureza de órgão de consulta, nem de
determinar a essência da respectiva funcionalidade – a de operar como «órgão
auxiliar do poder político no domínio das políticas económica e social».
Neste sentido, pode dizer-se que, tal como é próprio dos órgãos constitucionais,
quer o status, quer a espécie de atribuições cometidas ao Conselho Económico e
Social derivam directamente da Constituição no sentido em que, não obstante a
ressalvada possibilidade de alargamento da respectiva esfera de competência por
iniciativa do legislador ordinário, a concretização que resultar de acto de
inferior posição hierárquica será sempre obrigatória expressão do modelo
definido constitucionalmente, tendo para com ele aquele mínimo de
correspondência que directamente resultará da imperativa consideração da
natureza consultiva e de concertação que a Constituição atribui ao órgão.
Isto mesmo decorre do disposto nas diversas alíneas que integram o nº. 1 do art.
2º, da Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto, já que, conforme sem dificuldade se
reconhecerá, as competências aí atribuídas ao Conselho Económico e Social, para
além da conexão temática que apresentam com as áreas de jurisdição consultiva
perspectivadas pela Constituição, respeitam integralmente a natureza consultiva
e de concertação definida no texto fundamental.
Estamos, portanto, em presença de competências que, não obstante atribuídas por
lei ordinária, dispõem, no sentido que acima ficou exposto, de génese
constitucional.
Sendo o Conselho Económico e Social um órgão constitucional, a questão que
seguidamente se coloca é a de saber se, para além do presidente, todos os seus
restantes membros deverão ser considerados titulares de cargos políticos para os
efeitos previstos na Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, na versão aprovada pela Lei
n.º 25/95, de 18 de Agosto, ou se, conforme vem defendido, fundamentos existirão
para excluí-los, no todo ou em parte, do âmbito de aplicação do regime do
controlo público da riqueza em razão do cargo, designadamente aqueles que
expressamente são invocados pelo Ex.mo Requerente.
A resposta ao problema assim enunciado não dispensa um prévio esforço de
aproximação ao conceito de cargo político inserto na fórmula legal do art. 4º do
diploma em presença.
Perante a estrutura de formulação seguida no referido artigo, pode afirmar-se
com segurança que o legislador aí se socorreu de um conceito funcionalizado de
cargo político, ou seja, de um conceito pré-ordenado, na economia do diploma em
que se insere, à delimitação do conjunto dos sujeitos vinculados pelo dever de
apresentação da declaração de património e rendimentos a que se refere o art. 1º
do diploma.
Subordinado que assim se encontra à definição do âmbito subjectivo de aplicação
da lei, pode dizer-se, pois, que o conceito de cargo político se revelou ao
legislador dotado de suficiente plasticidade para, numa modelação
especificamente dirigida à delimitação do universo dos sujeitos vinculados pelo
regime do controlo público da riqueza em função do cargo titulado, transcender a
acepção substancial do termo e, para esse mesmo preciso e limitado efeito,
compreender o conteúdo, ainda que em tal sentido ampliativo, resultante da
densificação das categorias que integram o elenco previsto no art. 4º.
No plano da actividade subsuntiva, o resultado interpretativo possível não se
achará deste ponto de vista condicionado pela prévia e forçosa assunção de um
conceito de cargo político subordinado à natureza da função correspondente,
designadamente ao ponto de, no que aos membros dos órgãos constitucionais
respeita, conduzir à exclusão, em primeiro plano e com precedência sobre a
própria definição positiva da categoria, dos membros de órgãos que não exerçam
qualquer função política no sentido “estrito” e “corrente” do termo.
Ao entendimento para que vimos propendendo conduz, de resto, o postulado
hermenêutico da coerência intrínseca do próprio enunciado interpretando, por
força do qual não deixará o intérprete de reconhecer no texto legal convocado a
expressão de um pensamento unitário.
Nesta perspectiva, o art. 4º da Lei n.º 25/95, de 18 de Agosto, constituirá, na
totalidade dos seus números e alíneas, uma unidade de sentido, funcionando esta
como um subsídio interpretativo indeclinável quando se trate de estabelecer o
significado e alcance dos vários preceitos que a integram.
Daí que, em matéria de superação da polissemia que ao enunciado legal aplicável
vem imputada por via da confrontação dos conceitos de cargo político e membro de
órgão constitucional, não possa deixar de se fazer notar, como bem faz o
Ministério Público, que o elenco dos cargos políticos assim qualificados para os
efeitos previstos na lei, integra, eo nomine, os “membros do Tribunal
Constitucional”, os quais, por força do estatuído na alínea g) do n.º 1 do
artigo 4º, se encontram assim expressamente vinculados pelo dever de
apresentação da declaração de património e rendimentos prevista no art. 1º.
Ora, sendo incontestável que as funções exercidas pelos membros do Tribunal
Constitucional são, não políticas, mas jurisdicionais, parece que a consonância
do segmento normativo interpretando com a racionalidade do conjunto em que se
insere apontará necessariamente para o reconhecimento de um conceito impróprio
de cargos políticos, compreendendo este, para o específico e particular efeito
de definição dos sujeitos abrangidos pelo regime jurídico do controlo público da
riqueza em razão do cargo, entidades que exercem funções de natureza
substancialmente diversa.
Assim, se a densificação da cláusula integradora do âmbito subjectivo de
aplicação da Lei colocada pela primeira parte da previsão da aliena l) do n.º 2
do art. 4º não se encontra subordinada, quanto ao seu alcance possível, a um
conceito de cargo político substantivamente coincidente com o exercício das
funções que, em sentido estrito, juridicamente o são, não constituiria, de per
si, idóneo fundamento para a exclusão da obrigação questionada pelo Ex.mo
requerente a eventual procedência dos argumentos apresentados tendo em vista a
descaracterização política do Conselho Económico e Social, designadamente
aqueles que são retirados da natureza consultiva atribuída ao órgão ou mesmo da
qualidade de membros da sociedade civil inerente ao estatuto dos respectivos
titulares.
Vejamos mais de perto.
Sob a epígrafe “Estatuto dos titulares de cargos políticos”, dispõe o art. 117.º
da Constituição:
1. Os titulares de cargos políticos respondem política, civil e criminalmente
pelas acções e omissões que pratiquem no exercício das suas funções.
2. A lei dispõe sobre os deveres, responsabilidades e incompatibilidades dos
titulares de cargos políticos, as consequências do respectivo incumprimento, bem
como sobre os respectivos direitos, regalias e imunidades.
3. A lei determina os crimes de responsabilidade dos titulares de cargos
políticos, bem como as sanções aplicáveis e os respectivos efeitos, que podem
incluir a destituição do cargo ou a perda do mandato.
No âmbito da determinação do conteúdo semântico do texto constitucional em
presença – é útil recordá-lo aqui – diferentes aproximações ao conceito de
«cargos políticos» vêm sendo propostas pela doutrina.
Assim, havendo quem sustente o entendimento segundo o qual o conceito de «cargos
políticos» se caracteriza «não tanto pelo exercício da função política ou
governativa do Estado (contraposto à função jurisdicional) quanto pelo
significado politico da designação dos seus titulares» (Jorge Miranda/Rui
Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 2006, tomo II, pg.
319), igualmente há quem considere que «a noção que melhor parece corresponder à
razão de ser deste preceito constitucional é aquela que considera cargos
políticos todos aqueles aos quais estão constitucionalmente confiadas funções
políticas (sobretudo as de direcção política)» (J .J. Gomes Canotilho/Vital
Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição, pgs. 541-542).
Até com apoio nas incoincidentes propostas de mediação semântica que vimos de
sintetizar, pode dizer-se que, também do ponto de vista da hermenêutica
jurídico-constitucional, o conceito de cargos políticos se inscreve na categoria
dos conceitos vagos ou indeterminados, ou seja, daqueles que, por não
apresentarem um conteúdo preciso e unívoco, nem uma extensão pré-determinada,
comportam uma certa multivalência funcional, admitindo por isso, ainda que
dentro de certos limites, intelecções e modelações diferenciáveis.
Tais limites são, desde logo, os limites colocados pelas próprias zonas de
intensidade semântica que integram a estrutura do conceito.
Com efeito, conforme assinalado na doutrina, todo o conceito indeterminado, por
maior que seja a vaguidade que manifeste, é integrado por um núcleo de
significado seguro em cujo âmbito não podem deixar de caber determinados
elementos ou realidades; a par desta zona de certeza positiva, existe uma outra,
de certeza negativa, constituída por situações que se encontram claramente
excluídas da extensão máxima possível do conceito (neste sentido, vide, por
todos, Germana de Oliveira Moraes, Controle Jurisdicional da Administração
Pública, Dialética, São Paulo, 1999, pg. 58).
Entre uma e outra – cremos poder afirmá-lo –, interpor-se-á por vezes uma certa
zona de neutralidade ou indiferenciação que, em se tratando de conceito
indeterminado inscrito no texto constitucional, consente alguma margem de
intervenção conformadora por parte do legislador ordinário, margem essa que será
particularmente ampla nos casos em que diminuto se apresentar o conteúdo de
informação do conceito (a propósito do espaço de conformação para os órgãos
concretizadores relativamente aos conceitos vazios, vide J. J. Gomes Canotilho,
Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Coimbra Editora, 2001,
pg.437).
Ora, a modelação ampliativa do conceito de «cargos políticos» constante do art.
117º da Constituição para o específico efeito de delimitação do conjunto dos
sujeitos vinculados pelo regime do controlo público da riqueza em função do
cargo corresponde, justamente, ao resultado de uma intervenção concretizadora
naquela apontada zona de neutralidade conceptual e os termos seguidos pela
tipificação das categorias que formam o elenco previsto no art. 4º não se podem
dizer transfiguradores do conceito constitucional modelado, designadamente no
sentido de o conduzirem a absorver «[…] dimensões essenciais e qualitativamente
distintas daquelas que caracterizam a sua intenção jurídico-normativa»
originária (cfr. Acórdão n.º107/88, de 31 de Maio, in Diário da República, 1ª
Série, n.º 141, de 21 de Junho de 1988).
Em síntese: sendo o Conselho Económico e Social um órgão constitucional, os
respectivos membros deverão ser considerados, em literal compreensão do
estatuído na al. l) do n.º 1 do respectivo art. 4º, titulares de cargos
políticos para os efeitos previstos na Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, na versão
resultante da Lei n.º 25/95, de 18 de Agosto, a tal conclusão se não opondo,
desde logo por inconsequentes, os argumentos tendentes à descaracterização
política do órgão.
É sabido, porém, que a interpretação literal, se constitui um obrigatório ponto
de partida quando se trate de estabelecer o sentido normativo atribuível a
determinado enunciado normativo, não representará já um forçoso ponto de
chegada.
Este, ao invés, é proporcionado pela chamada interpretação teleológica, ou seja,
por meio do conhecimento e da caracterização da finalidade prosseguida pelo
legislador através do preceito jurídico sob aplicação, singularmente ou no
contexto da unidade do conjunto jurídico em que se insira.
A importância da captação dos fins para os quais se elaborou a norma na
determinação do sentido e do alcance que em definitivo comportará é, de resto,
consensual e recorrentemente realçada na doutrina.
Na expressiva observação de Baptista Machado, «[…] o esclarecimento da ratio
legis [….] revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma
regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles
traduzida pela solução que a norma exprime. Sem esquecer ainda que, pela
descoberta daquela racionalidade, que (por vezes inconscientemente) inspirou o
legislador na fixação de um certo regime jurídico em particular, o intérprete se
apodera de um ponto de referência que ao mesmo tempo o habilita a definir o
exacto alcance da norma e a discriminar outras situações típicas com o mesmo ou
com recorte diferente» (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador,
Almedina, 1983, pg.183).
Estabelecida, portanto, a influência da razão de ser da lei sobre o resultado
interpretativo possível, a questão que seguidamente se coloca prende-se,
justamente, com a caracterização da finalidade que presidiu à revisão do regime
jurídico do controlo da riqueza pública em razão do cargo operada pela Lei n.º
25/95, de 18 de Agosto.
Para essa caracterização constitui importante subsídio o teor dos trabalhos
preparatórios do referido diploma, em especial dos Projectos Lei que estiveram
na sua origem: os Projectos Lei 52/VI, 544/VI, 561/VI e 569/VI.
De entre os quatro, ressalta a nota justificativa inserta no Projecto Lei
569/VI, incluindo ela a seguinte passagem que é útil aqui recordar:
«A legislação institucionalizando a obrigação de declarar o património, as
actividades e funções privadas e os interesses particulares dos titulares de
cargos públicos deriva da vontade de moralizar e melhorar a transparência da
vida pública.
E funciona para verificar a existência (ou não) de incompatibilidades, em apoio
à fiscalização exercida nos termos da legislação própria, ou em substituição da
criação de possíveis incompatibilidades. A sua importância fundamental prende-se
com as situações às quais se entenda não estender o regime das
incompatibilidades.
Isto é, a preocupação é sempre a mesma, embora com consequências diferentes:
fazer o levantamento dos casos em que os interesses privados podem afectar a
actuação dos homens públicos, dado que estes, no exercício das suas funções,
devem pautar-se pela defesa do interesse público.
O legislador não vai ao ponto de interditar a todos os políticos a acumulação de
toda e qualquer actividade, a detenção de outros interesses ou o crescimento do
seu património e rendimentos, até porque a própria actividade pública é
remunerada, mas procura obter um objectivo essencial, ou seja, que eles não
favoreçam interesses particulares em prejuízo do interesse público, através da
criação de registos idóneos para se poder apreciar a evolução da sua situação
patrimonial e interesses particulares em ordem a poder detectar o eventual
desempenho parcial das suas funções públicas.
Com efeito, as declarações apresentadas no início e no fim de funções são um
meio para verificar se houve algum enriquecimento anormal que leve à suspeita da
defesa ilegítima de interesses privados, propiciada pelo exercício abusivo da
função pública.
Em sentido concordante com aquele que se retira do excerto acabado de
transcrever interpretou também já este Tribunal as finalidades prosseguidas
através do regime jurídico do controlo público da riqueza em razão do cargo,
ainda que por referência à versão resultante da Lei n.º n.º 4/83, de 02
de Abril.
Essas finalidades – escreveu-se então no Acórdão n.º 289/98, disponível em
www.tribunalconstitucional.pt – «[…] só podem reconduzir-se ao objectivo de
assegurar que os titulares de cargos políticos e equiparados exerçam as
respectivas funções com respeito pelas regras da moralidade pública e que,
designadamente, não se aproveitem de tais funções para retirar benefícios
pessoais de ordem patrimonial.
Só a defesa deste valor, na verdade, justifica que sobre tais cidadãos impenda o
ónus de declarar o seu património e rendimentos.
Apresentando-se, pois, consensual a perspectiva que define as finalidades
subjacentes ao regime jurídico do controlo da riqueza pública em razão do cargo
a partir de uma ideia de acautelamento do risco de condicionamento da actividade
exercida pelos titulares de cargos políticos à satisfação de interesses
privados, designadamente em beneficio patrimonial dos próprios, pode dizer-se
que o resultado da aplicação do diploma em presença só será consentâneo com a
racionalidade que lhe vem sendo reconhecida se a posição concretamente ocupada
pelo destinatário literal da obrigação ali imposta a este conferir, em termos
minimamente cognoscíveis, a possibilidade de sujeitar a prestação do órgão em
que se insira à influência de interesses de outra ordem que não pública.
Uma vez que o eixo valorativo subjacente à norma sob aplicação não prescinde do
reconhecimento, no conjunto das competências exercitáveis pelo agente a sujeitar
à obrigação de entrega da declaração de património e rendimentos, da
susceptibilidade de influir no sentido dos pronunciamentos constitucionalmente
cometidos ao órgão de que seja membro, percebe-se que o problema da delimitação
do alcance do regime jurídico sob aplicação adquira particular acuidade quando,
como sucede no caso em presença, o órgão constitucional de que se trate seja
dotado de uma estrutura integrada por instâncias várias, elas próprias colegiais
e, excepção feita à Comissão Permanente de Concertação Social, todas
concorrentes, embora em grau que se verá decisivamente diferenciado, para a
formação da vontade a exprimir pelo órgão.
Não obstante formalmente integrada na complexa estrutura do Conselho Económico e
Social, a Comissão Permanente de Concertação Social começou por ter uma
existência institucional autónoma.
Sob a originária designação de Conselho, a Comissão Permanente de Concertação
Social foi criada pelo Decreto-Lei n.º 74/84, de 2 de Março, e instituída junto
da Presidência do Conselho de Ministros, com a finalidade de, “através da
representação, a nível confederativo, dos trabalhadores e dos empregadores,
favorecer o diálogo e a concertação entre o Governo e aquelas organizações, a
fim de assegurar a sua participação no âmbito da política socioeconómica” (cfr.
art. 1º, n.º 2).
Em especial, foi-lhe cometida a atribuição de “pronunciar-se sobre as políticas
de reestruturação e desenvolvimento sócio-económico”, bem como de “propor
soluções conducentes ao regular funcionamento da economia, tendo em conta,
designadamente, as suas incidências no domínio sócio-laboral” (cfr. art. 2º, n.º
1).
Passando a denominar-se Comissão, o Conselho Permanente de Concertação Social
viria a ser integrado no âmbito do Conselho Económico e Social pela Lei n.º
108/91, de 17 de Agosto, constituindo desde então, a par do presidente, do
plenário, das comissões especializadas e dos conselhos coordenador e
administrativo, um órgão deste último.
Enquanto órgão do Conselho Económico e Social, compete à Comissão Permanente de
Concertação Social promover o diálogo e a concertação entre os parceiros,
contribuir para a definição das políticas de rendimentos e preços, de emprego e
formação profissional (art. 9º, n.º 1, da Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto).
Compõem a Comissão quatro membros do Governo, a designar por despacho do
Primeiro-Ministro; dois representantes, a nível de direcção, da Confederação
Geral dos Trabalhadores Portugueses – Intersindical Nacional, um dos quais o seu
secretário-geral; dois representantes, a nível de direcção, da União Geral de
Trabalhadores, um dos quais o seu secretário-geral; o Presidente da
Confederação dos Agricultores Portugueses; o Presidente da Confederação do
Comércio e Serviços de Portugal; o Presidente da Confederação da Indústria
Portuguesa e o Presidente da Confederação do Turismo Português (cfr. art. 9º,
n.º 2, da Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º
12/2003, de 20 de Maio).
A comissão é presidida pelo Primeiro-Ministro ou por um ministro em quem ele
delegar (cfr. n.º 3), dispõe de um regulamento específico aprovado pela própria
(cfr. n.º 6) e, em matéria de concertação social, as suas deliberações não
carecem de aprovação pelo plenário do Conselho (cfr. n.º 5).
O presidente do Conselho Económico e Social tem assento na Comissão e nos grupos
de trabalho especializados, podendo usar da palavra e intervir nos debates
sempre que o entenda conveniente, sem direito a voto (cfr. art. 6º, n.º 5 do DL
n.º 90/92, de 21 de Maio).
A Comissão Permanente de Concertação Social, no exercício da sua competência,
funciona com plena autonomia em relação ao Conselho Económico e Social (art. 2º,
n.º 2, do Regulamento Interno da Comissão Permanente de Concertação Social,
aprovado em Sessão do Plenário de 04.06.1993, e publicado no DR, II Série, n.º
204, de 31.08.1993).
À singularidade do estatuto legalmente conferido à Comissão Permanente de
Concertação Social enquanto órgão do Conselho Económico e Social não é
seguramente alheia a circunstância de se tratar aqui de uma estrutura
pré-existente ao órgão em cujo âmbito acabou por ser sediada, estrutura essa
que, não obstante a transplantação de que foi alvo em 1991, se pretendeu que
conservasse, mesmo perante o próprio Conselho Económico e Social, uma identidade
própria e materialmente diferenciada.
Enquanto instância integrante do Conselho Económico e Social, a Comissão
Permanente de Concertação Social apresenta, assim, uma configuração atípica,
decorrendo tal atipicidade da circunstância de, embora um órgão interno de um
órgão complexo haja de ser constituído, por natureza, por pessoas que sejam
titulares deste, a Comissão Permanente de Concertação Social, pelo facto de nela
terem assento representantes do Governo a designar por despacho do
Primeiro-Ministro, poder, contrariamente, ser integrada por membros estranhos ao
próprio Conselho Económico e Social; e ainda do facto de, embora o presidente do
órgão complexo em cujo âmbito se institui um órgão específico para uma
determinada finalidade aqui assuma também a presidência, a Comissão Permanente
de Concertação Social ser presidida pelo Primeiro-Ministro, cabendo tão somente
ao Presidente do próprio Conselho a faculdade de estar presente, sem qualquer
direito de voto (neste sentido, caracterizando o que considera serem “graves
anomalias no modo como se articulam o Conselho e a Comissão”, Jorge Miranda,
Conselho Económico e Social e Comissão de Concertação Social, Separata da
Revista “O Direito”, ano 130º, 1998, pg. 27 e ss.).
Quer isto significar que, não obstante as conexões de sentido que conduziram à
sua conversão em órgão do Conselho Económico e Social, a Comissão Permanente de
Concertação Social, regida pelo Regulamento para esse efeito aprovado, se
apresenta, de um ponto de vista substancial, não como uma instância
interveniente ou participativa no processo de formação da vontade a exprimir
pelo Conselho Económico e Social, mas como uma entidade a se, à qual cabem
pronunciamentos próprios.
E, assim sendo, percebe-se que a questão de saber se cada um dos respectivos
membros deverá considerar-se abrangido pela teleologia do regime jurídico sob
aplicação ganhe autonomia relativamente aos demais órgãos do Conselho. A ela se
regressará adiante.
Mesmo que reconduzido, por efeito da particularização do estatuto da Comissão
Permanente de Concertação Social, aos seus sobrantes órgãos –
presidente, plenário, comissões especializadas, conselho coordenador e conselho
administrativo –, o Conselho Económico e Social mantém a configuração própria de
uma entidade de composição alargada dotada de uma estrutura complexa,
apresentando-se claramente como um «[…] órgão […] subdividido em vários órgãos
menores para certos efeitos […]» (cfr. Jorge Miranda, ob. cit., pg. 26).
Ainda que em distintos termos, todas essas sub-instâncias concorrem para a
formação da vontade a exprimir pelo órgão, sendo do sucessivo adicionamento dos
elementos por cada uma delas colocados em consequência do exercício das
respectivas atribuições que resultarão os pronunciamentos que o Conselho
Económico e Social fará seus a final.
E se assim é, percebe-se que a distância que irremediavelmente
intercede entre a prestação concreta de cada agente interventor e as posições a
exprimir em definitivo pelo Conselho dificulte a verificação do pressuposto que
vimos já subjazer à consagração do regime do controlo público da riqueza em
razão do cargo.
Com efeito, tratando-se de um órgão dotado de uma estrutura em certo sentido
policêntrica e fragmentada, o poder que cada um dos respectivos membros terá de
influenciar o sentido da vontade que àquele haverá de ser institucionalmente
imputada vai perdendo consistência e expressão ao longo do processo de formação
das posições que ao plenário caberá exprimir a final (cfr. art. 8º, n.º 2, da
Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto), rarefazendo-se ao ponto de tornar inviável o
reconhecimento, em termos ainda apreensíveis e minimamente consequentes, da
pertinência da finalidade prosseguida pelo legislador através da consagração da
obrigação de entrega da declaração de património e rendimentos.
Até pela própria mutabilidade e inconstância que o estatuto representativo da
generalidade dos actuais sessenta e sete membros do Conselho (cfr. art. 3º, n.º
1, da Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto, na redacção introduzida pela Lei n.º
37/2004, de 13 de Agosto) tende a introduzir na definição do lastro humano que
compõe o órgão, pode dizer-se que a susceptibilidade de cada interveniente vir a
projectar interesses de esquiva ordem sobre o pronunciamento final do órgão é de
tal modo difusa, isto é, encontra-se a um tal ponto atomizada, que a
possibilidade de verificação do tipo de interferência pretendido acautelar pelo
legislador, ainda que porventura não seja integralmente neutralizada por efeito
da intervenção da pluralidade de instâncias concorrentes, subsistirá sempre em
grau que com relevo a distanciará daquela que, conforme visto já, constitui o
ponto de referência valorativo do regime do controlo público da riqueza em razão
do cargo.
A um tal modo de ver as coisas apenas é de excepcionar o conselho coordenador,
previsto como órgão do Conselho Económico e Social na alínea f) do art. 6º da
Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto.
Constituído pelo presidente do Conselho Económico e Social, pelos quatro
vice-presidentes e pelos presidentes das comissões especializadas permanentes, o
conselho coordenador, para além de coadjuvar o Presidente do CES no exercício
das suas funções, aprova a proposta de orçamento e as contas do CES, a
elaboração da ordem de trabalhos do Plenário do CES e emite parecer sobre a
participação de entidades que se candidatem a membros do CES (cfr. art. 11º da
Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto).
Em especial, cabe-lhe pronunciar-se, a pedido do Presidente, sobre a
conformidade legal do mandato dos representantes das entidades que se hajam
candidatado ao CES, bem como decidir, também a pedido do Presidente, qual a
comissão legalmente competente para a elaboração de parecer acerca das matérias
sobre as quais o CES seja consultado ou deva pronunciar-se, nos casos de
conflito de competências entre comissões especializadas, permanentes ou
temporárias (cfr. art. 44º, alíneas e) e f), do Regulamento de Funcionamento do
Conselho Económico e Social, aprovado em sessão do Plenário de 21.05.1993, e
publicado no DR, II Série, n.º 162, de 13.07.1993.
Ressalvada embora a possibilidade de oposição por qualquer membro do Conselho, o
conselho coordenador pode inclusivamente, sempre que uma Comissão Especializada
haja adoptado um relatório ou emitido um parecer, informação ou estudo sem votos
contra, deliberar não submeter a Plenário do CES a apreciação e votação desses
relatórios, pareceres, informações ou estudos, se concluir que dessa forma pode
considerar-se validamente expressa uma posição do CES (cfr. art. 45º do
Regulamento).
Integrado pelos titulares dos cargos de chefia que a estrutura organizativa do
Conselho contempla, o conselho coordenador surge, pois, em face das competências
que concretamente lhe são atribuídas, como um órgão de aconselhamento e de
definição das grandes linhas estratégicas do Conselho Económico e Social: de
pendor especialmente directivo, o conselho coordenador participa no desempenho
das diversas funções cometidas ao Presidente do Conselho Económico e Social
(art. 7º, n.º 1, da Lei n.º 108/91, de 17 de Agosto) e intervém na articulação
dos trabalhos das comissões especializadas, cabendo-lhe, além do mais, a
prerrogativa de, através do parecer a emitir sobre a participação das entidades
que se candidatem a membros do Conselho e conformidade legal do mandato dos
respectivos representantes, influenciar a própria composição do órgão.
Justamente em razão do protagonismo que particularmente lhe cabe na promoção e
gestão da estrutura e do processo de formação das posições que o Conselho haverá
de exprimir em plenário (cfr. art. 8º), o conselho coordenador assume, no
contexto dos demais órgãos do CES, um relevo diferenciado, projectando-se tal
diferenciação na susceptibilidade de, com o grau de concretude que vimos já
suposto pelo reconhecimento das finalidades subjacentes à norma sob aplicação,
influenciar e condicionar, ainda que em resultado de intervenções a montante, a
vontade que poderá vir a ser expressa pelo órgão.
Quanto à Comissão Permanente de Concertação Social.
Disse-se já que, não obstante formalmente integrada na estrutura do Conselho
Económico e Social, a Comissão Permanente de Concertação Social se apresenta
como uma entidade a se, cabendo-lhe tomadas de posição próprias e autónomas,
mesmo perante o próprio órgão em que se inscreve.
Tratando-se de uma instância de promoção do diálogo e da concertação tripartida
entre o Governo e os parceiros sociais, tais tomadas de posição inscrevem-se,
por sua vez, na categoria dos actos políticos negociais, a estes correspondendo
«os acordos de incidência político-social entre o Estado com entidades
individuais ou colectivas, públicas ou privadas, no âmbito de uma ou várias
políticas públicas» (J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da
Constituição, 6ª edição, pg. 562).
Não obstante a circunstância de, conforme resulta do art. 9º do respectivo
regulamento interno, a própria Comissão por sua vez se fraccionar nos órgãos
plenário, núcleo coordenador e grupos de trabalho especializados, o certo é que
tal fraccionamento não chega a originar aqui uma estrutura organizativa
segmentada, ou pelo menos segmentada ao ponto de, relativamente ao sentido dos
pronunciamentos que lhe cabem, disseminar a influência possível da posição
individualmente adoptável por cada um dos doze membros que a compõem,
neutralizando a possibilidade de ingerência de interesses privados por via da
prestação de cada agente ou sequer a colocando aquém do critério referencial
inerente ao regime sob aplicação.
Uma vez aqui chegados a conclusão que cremos ter tornado possível é a de que,
se, por via de uma interpretação literal do preceito correspondente à alínea l)
do n.º 1 do art. 4º da Lei n.º 25/95, de 18 de Agosto, todos os membros do
Conselho Económico e Social, pelo simples facto de integrarem um órgão
constitucional, devem ser considerados titulares de cargos políticos para os
efeitos ali previstos, já uma interpretação teleológica do correspondente
enunciado normativo, ao exigir a concordância do resultado interpretativo a
atingir com a ratio legis do regime jurídico sob aplicação, conduz
inevitavelmente à restrição do alcance da norma em presença, circunscrevendo o
conjunto dos destinatários efectivos da obrigação de entrega da declaração de
património e rendimentos àqueles membros cujo posicionamento na complexa
estrutura do órgão confira o poder, ainda que mediato, de condicionar a
prestação do órgão ou, pelo menos, a susceptibilidade de sujeitar tal prestação
à influência de interesses de outra ordem que não pública. Ou seja, ainda que
por uma distinguível ordem de razões, aos membros do conselho coordenador e da
Comissão Permanente de Concertação Social.
Embora com diverso fundamento legal, aos membros do conselho coordenador e da
Comissão Permanente de Concertação Social deverá juntar-se ainda o
secretário-geral do Conselho.
Para além de integrar o conselho administrativo (art. 12º, n.º 1, da Lei n.º
108/91, de 17 de Agosto), o secretário-geral é o responsável pelos serviços de
apoio técnico e administrativo do Conselho Económico e Social, exercendo as
competências definidas no n.º 1 do art. 12º do DL n.º 90/92, de 21 de Maio.
Nos termos do respectivo n.º 3, o secretário-geral é designado pelo presidente
do CES, sendo equiparado, para todos os efeitos legais, a director geral.
Decorre, por seu turno, da previsão da alínea c) do n.º 3 do art. 4º da Lei n.º
25/95, de 18 de Agosto, que são ainda equiparados a titulares de cargos
políticos, para efeitos da presente lei, o director-geral, subdirector--geral
e equiparados.
Ora, se o secretário-geral do Conselho Económico e Social é, por força do
disposto no n.º 3 do art. 12º do DL n.º 90/92, de 21 de Maio, equiparado, para
todos os efeitos legais, a director-geral, sê-lo-á forçosamente também para os
efeitos particularmente previstos no regime jurídico sob aplicação, tanto mais
quanto certo é que a transversalidade das respectivas atribuições no contexto do
funcionamento do órgão não permite excluí-lo da teleologia do diploma.
III. Decisão.
Em face do que precede, o Tribunal Constitucional decide que os membros do
Conselho Económico e Social que integrem o conselho coordenador ou a Comissão
Permanente de Concertação Social, bem como o respectivo secretário-geral, se
acham adstritos ao dever de apresentação da declaração de património e
rendimentos, previsto na Lei n.º 4/83, de 2 de Abril, com a redacção da Lei n.º
25/95, de 18 de Agosto, nos termos e prazos aí estabelecidos.
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Maria João Antunes
Ana Maria Guerra Martins
Mário José de Araújo Torres
Maria Lúcia Amaral
Vítor Gomes
Benjamim Rodrigues (com reforço de fundamentação nos termos da
declaração junta)
Joaquim de Sousa Ribeiro (vencido, em parte, conforme declaração
junta)
Carlos Fernandes Cadilha (vencido conforme declaração junta)
João Cura Mariano (vencido em parte conforme declaração que junto)
Carlos Pamplona de Oliveira – vencido conforme declaração que junto.
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Para além dos fundamentos aduzidos no acórdão, temos para nós que
a redução teleológica nele sustentada se impõe, também, pelo facto de, muito
embora o Conselho Económico e Social ser, por natureza, um “órgão
constitucional”, enquanto entidade prevista no texto da Lei Fundamental (art.º
92.º), esta não o ver como um elemento da “organização política do Estado”.
Na verdade, o Conselho Económico e Social está previsto na parte II
da Constituição que trata da “organização económica”.
Ora, a injunção constitucional de sujeição dos titulares dos cargos
políticos a determinados deveres, como aquele que está em causa, consta do art.º
117.º e este preceito enquadra-se já na parte III da Constituição que versa
sobre a “organização do poder político”.
Por outro lado, a quase totalidade dos cargos identificados como
políticos pelo art.º 4.º da Lei n.º 4/83, na redacção da Lei n.º 25/95, são
órgãos que estão expressamente previstos nesta parte III da Constituição ou cuja
criação legislativa nela encontra o respectivo fundamento, sendo que, em relação
a eles, a sua expressa inserção no conceito de direito ordinário não representa
mais do que uma concretização/densificação de normas constitucionais.
Já quanto aos demais (outros “órgãos constitucionais” existem que
não estão previstos na parte III da Constituição, como o Provedor de Justiça –
art.º 23.º - e a entidade independente de regulação da comunicação social –
art.º 39.º), correspondendo o recorte do âmbito subjectivo do conceito de cargo
político constante daquele art.º 4.º, no que vai para além da qualificação
resultante necessariamente do seu enquadramento em qualquer dos órgãos previstos
ou constituídos com base na parte III da Constituição, a uma extensão do
legislador ordinário, efectuada no exercício da sua discricionariedade
constitutiva, bem se compreende que essa extensão vá apenas até às pessoas
integrantes de órgãos colectivos em relação às quais seja adequado admitir
existirem as razões que sustentam a previsão da sujeição aos deveres em causa
que motivaram quer o legislador constitucional quer o legislador ordinário.
Benjamim Rodrigues
DECLARAÇÃO DE VOTO
Voto vencido a decisão, na parte em que considera vinculados ao dever de entrega
da declaração de património e rendimentos os membros da Comissão Permanente de
Concertação Social. Divirjo deste entendimento, porque ele não valora na devida
conta a génese histórica desse órgão, a sua natureza específica, com “identidade
própria e materialmente diferenciada”, e o sentido político e funcional da
negociação concertativa, enquanto expressão de autonomia colectiva. Pela própria
lógica imanente ao processo de concertação, não se adequa aos membros daquela
Comissão a ratio legis do regime jurídico sob aplicação.
Joaquim de Sousa Ribeiro
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencido por considerar que todos os membros do Conselho Económico e
Social, e não apenas os que integram o conselho coordenador ou a Comissão
Permanente de Concertação Social, se encontram adstritos, enquanto titulares de
um órgão constitucional, ao dever de apresentação da declaração de património e
rendimentos.
Na verdade, o Conselho Económico e Social, como se concluiu, é inequivocamente
um órgão constitucional para efeito do estatuído na alínea l) do nº 1 do artigo
4º da Lei n.º 4/83, de 2 de Abril (na versão resultante da Lei n.º 25/95, de 18
de Agosto) e uma das suas mais relevantes competências, que, como tal, se
encontra expressamente prevista no artigo 92º, n.º 1, da Constituição – a
participação na elaboração das propostas das grandes opções e dos planos de
desenvolvimento económico e social –, é exercida pelo Plenário em que têm
assento todos os membros do Conselho (artigos 2º, n.º 1, alínea a), e 9º da Lei
n.º 108/91, de 17 de Agosto). É, por outro lado, a este órgão que cabe exprimir
as posições do Conselho, sem prejuízo da competência concorrente da Comissão
Permanente de Concertação Social, em matéria de promoção do diálogo e de
concertação entre os parceiros sociais, pelo que é em relação a cada dos seus
membros que se impõem as razões de política legislativa que justificam a
sujeição a um regime jurídico de controlo público da riqueza, independentemente
de o Conselho possuir características de representatividade plural.
De resto, a admitir-se uma interpretação restritiva do citado artigo 4º, n.º 1,
alínea l), da Lei n.º 4/83, de forma a excluir do dever que aí se comina, no que
respeita ao Conselho Económico e Social, alguns dos seus órgãos ou dos seus
titulares, o critério que se justificaria aplicar seria o da competência
funcional e não qualquer outro associado a considerações que se prendam com a
composição do órgão ou a natureza dos interesses ou actividades que neles se
encontram representadas. E neste plano de consideração seria até inteiramente
inadequado fazer pender a obrigação de entrega de declaração de património e
rendimentos sobre os membros do conselho coordenador, quando este tem, como se
depreende do disposto no artigo 11º da Lei n.º 108/91, uma função meramente
preparatória ou instrumental relativamente às atribuições que incumbem ao
Conselho e que determinam a sua configuração como órgão constitucional. Com
efeito, as finalidades que presidem à instituição do regime do controlo público
da riqueza dos titulares de órgão constitucional apenas se colocam em razão da
actividade que esse órgão exercita – por ser em relação a essa própria prestação
que se pretende evitar a influência de interesses privados –, pelo que o eixo
valorativo subjacente ao regime legal terá de radicar no processo de formação de
vontade que ao órgão cabe exprimir em relação ao conjunto de competências que
lhe estão especialmente confiadas, a começar por aquelas que a Lei Fundamental
especifica e que justificam a atribuição da qualidade de órgão constitucional.
Nenhuma razão subsistia, por conseguinte, para excluir do dever de apresentação
da declaração de património e rendimentos os membros que integram o Plenário do
Conselho Económico e Social.
Carlos Alberto Fernandes Cadilha
VOTO DE VENCIDO
Votei vencido na parte em que se decidiu restringir o dever de apresentação da
declaração de património e rendimentos aos membros do Conselho Económico e
Social que integrem o Conselho Coordenador, da Comissão Permanente de
Concertação Social e ao Secretário Geral, por não poder acompanhar o fundamento
apresentado para a redução teleológica do alcance do artº 4º, l), da Lei nº
4/83, de 2 de Abril, na versão dada pela Lei nº 25/95, de 18 de Agosto.
Ao excluir-se do dever estipulado nesse dispositivo alguns membros do Conselho
Económico e Social, por se considerar que estes, pelo seu posicionamento na
estrutura deste órgão constitucional, só longinquamente condicionavam a sua
prestação, tendo, pois, pouca relevância o seu poder de a influenciar, traçou-se
uma linha de distinção de contornos indetermináveis e esqueceu-se uma das razões
que presidem à imposição desse dever.
Atenta a estrutura complexa do Conselho Económico Social e a subjectividade da
medição do grau de influência dos diversos membros deste órgão no conteúdo das
suas posições, entendo ser temerário que se possam classificar como pouco
influentes determinados membros do Conselho Económico Social.
Além disso, sendo uma das razões para a imposição do dever de apresentação da
declaração de património e rendimentos, a transparência dos titulares dos órgãos
estruturantes do Estado, e tendo todos os membros do Conselho Económico e
Social essa categoria, é indiferente para a obtenção daquela finalidade o grau
de influência que os mesmos possam ter no conteúdo das posições tomadas por
aquele órgão constitucional.
Pouco ou muito influentes, todos são membros de um órgão constitucional,
vinculados à obrigação de transparência que o legislador entendeu consagrar.
Se a exclusão deste dever relativamente a alguns dos membros do Conselho
Económico e Social pode ser motivada pela intenção benevolente de os dispensar
do esforço inerente ao preenchimento da referida declaração, objectivamente tal
dispensa resulta numa menorização do estatuto desses membros e, embora
indirectamente, do relevo dos mecanismos duma democracia de participação
contínua.
Foram estas as razões que me impediram de nessa parte acompanhar a posição
dominante.
João Cura Mariano
DECLARAÇÃO DE VOTO
Vencido, por entender que os membros do Conselho Económico e Social que integram
o conselho coordenador ou a Comissão Permanente de Concertação Social não estão
abrangidos pelo dever de apresentação da declaração de património e rendimentos
previsto na Lei n.º 4/83 de 2 de Abril, na redacção da Lei n.º 25/95 de 18 de
Agosto.
Conforme, aliás, se reconhece no Acórdão, sendo certo que não é suficiente para
poder classificar como 'órgão constitucional' um determinado órgão que a
Constituição se limita a criar, pois se exige que corresponda àqueles cuja
existência se impõe em função do modelo organizativo instituído e que, deste
modo, caracterizam o Estado definido na Constituição, a verdade é que entendo
que 'o conselho coordenador ou a Comissão Permanente de Concertação Social' do
Conselho Económico e Social, não preenchendo manifestamente tal característica,
não podem ser considerados, para este efeito, 'órgão constitucional'.
Por outro lado, a titulação em 'cargo político' provém de uma prévia designação
determinada por juízos não totalmente vinculados e de opção discricionária, que
é destinada ao exercício de funções de natureza política; entendo, por isso, que
os aludidos membros do Conselho Económico e Social também não podem ser
considerados 'titulares de cargos políticos' para os efeitos previstos no artigo
4º da Lei n.º 4/83 de 2 de Abril, na redacção da Lei n.º 25/95 de 18 de Agosto.
Carlos Pamplona de Oliveira