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Processo nº 220/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
A. foi julgado no processo nº 4858/00.5JDLSB, da 1ª Secção, da 5ª Vara Criminal
de Lisboa, pela pratica de um crime de associação criminosa, p.p. pelo artº
299º, nº 1, do C.P., de seis crimes de falsificação de documento, p.p. pelos
artº 255º, a) e c) e 256º, nº 1, a) e c) e 3, ambos do C.P., e de três crimes de
burla qualificada, um deles na forma tentada, p.p. pelos artº 217º, 218º, nº 2,
a), 22º e 23º, do C.P..
No decurso da audiência de julgamento, na sessão de 3-5-2006, o arguido efectuou
o seguinte requerimento, que consta de fls. 9155-9158:
“A fls. 237, a Polícia Judiciária solicitou ao 3.º Juízo Criminal de Loures sete
cassetes e um CD, referentes a escutas realizadas ao n.º 962796188, alegadamente
utilizado pelo arguido B., no âmbito do inquérito que sob o n.º 98/00.1GGLSB, aí
corria os seus termos.
Por despacho lavrado a fls. 237-v.º, o Mmº Juiz do 3.º Juízo Criminal de Loures
decidiu autorizar que tais cassetes e CD fossem disponibilizados para os
presentes autos pelo período de 3 meses.
A fls. 244, o JIC destes autos autorizou que os referidos suportes magnéticos
fossem solicitados ao tribunal de Loures.
Depois de juntos aos presentes autos, foi ordenada e realizada a transcrição das
intercepções telefónicas efectuadas no âmbito referido inquérito n.º
98/00.1GGLSB, passando a constituir o Apenso D, conforme resulta de fls. 363.
Sucede que, por decisão proferida a fls. 5943, no referido proc. n.º
98/00.1GGLSB, as escutas constantes do citado Apenso D dos presentes autos,
vieram a ser julgadas “nulas e de nenhum efeito como meio de prova”.
E, em consequência disso, foi ordenada a “destruição das transcrições das
conversações registadas e a desmagnetízação de todos os suportes utilizados
(CD’s e outros)”.
Tal decisão fundou-se na completa falta de “controlo por parte de magistrado
judicial ao longo das operações de intercepção, audição e transcrição das
conversações telefónicas …”, o que as feriu “de nulidade insanável, traduzindo,
pois, uma abusiva intromissão na vida privada, através das
telecomunicações...”.
Trata-se de decisão que, há muito, transitou em julgado e se consolidou na ordem
jurídica. Ora, a utilização nos presentes autos, quer de cópia dos suportes
magnéticos em que estão registadas as referidas escutas, quer das respectivas
transcrições, contende, flagrantemente, com o ordenado pela instância judicial
que autorizou as referidas intercepções telefónicas e que, a final, veio a
considerá-las uma abusiva intromissão na vida privada, através das
telecomunicações.
Constituindo também, por isso, método proibido de prova, como resulta do
disposto nos art.ºs 126.º n.º 3 do CPP e 26.º n.º 1 e 34.º n.ºs 1 e 4, ambos da
CRP.
Sendo inconstitucional, por violação destes últimos dois preceitos
constitucionais, qualquer interpretação segundo a qual a utilização de
intercepções telefónicas já anteriormente declaradas insanavelmente nulas, por
decisão transitada em julgado, possa ser utilizada como meio de prova, ainda que
no âmbito de outro processo onde vieram a ser transcritas. Atendendo ao exposto,
requer-se que:
• se oficie ao proc. n.º 98/00.IGGLSB, actualmente a correr termos na 1ª Vara
Mista de Sintra, solicitando-se cópia da decisão de fls. 5943, que declarou
“nulas e de nenhum efeito como meio de prova” as escutas aí realizadas,
incluindo as constantes das sete cassetes e um CD, referentes ao n.º 962796188,
cedidas a título devolutivo aos presentes autos.
• as transcrições constantes do Apenso D sejam consideradas método proibido de
prova, nos termos do art.º 126.º n.º 3 do CPP e 26.º n.º 1 e 34.º n.ºs 1 e 4,
ambos da CRP, uma vez que as correspondentes escutas foram consideradas, no
citado proc. n.º 98/00.1GGLSB, uma abusiva intromissão na vida privada dos
arguidos, através das telecomunicações.
Acresce, ainda, que a fls. 2081 constam diversos fotogramas onde, alegadamente,
estará retratado o ora requerente.
Sucede que, segundo dispõe o art.º 6.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 5/2002, de 11 de
Janeiro, carece de “prévia autorização ou ordem do juiz, consoante os casos” o
registo de voz e imagem, por qualquer meio, sem consentimento do visado”.
Ora, no caso em apreço, verifica-se que tal autorização não foi concedida, nem
solicitada, pelo que se conclui que a obtenção de tais imagens não possui
enquadramento legal, violando o direito à imagem do ora requerente, prevista no
art.º 26.º n.º 1 da CRP.
Requer-se, por tal motivo, que tais fotogramas sejam considerados nulos e de
nenhum efeito, para efeitos de prova”.
Em 8-6-2006, o arguido apresentou novo requerimento, antes de ter terminado a
audiência de julgamento, que consta a fls. 9258-9259, com o seguinte teor:
“1. Após consulta, na secretaria judicial, dos suportes magnéticos onde se
encontram registadas as comunicações telefónicas que deram origem às
transcrições realizadas no Apenso D, verifica-se que aí se encontram registadas
dezenas, talvez centenas, de conversas telefónicas sem qualquer interesse para
os presentes autos.
2. Trata-se de conversas, na sua grande maioria, em que são intervenientes
amigos e familiares do arguido B., que nada têm a ver com os presentes autos.
3. Em algumas dessas conversas nem sequer é interveniente o próprio arguido B.
ou qualquer outro dos seus co-arguidos, designadamente, o ora requerente.
4. O conteúdo das conversas mantidas vai desde o banal ao íntimo, incluindo
conversas amorosas e referências sobre pormenores da vida privada e íntima dos
intervenientes.
5. A título de mero exemplo, indicam-se as sessões 8095-1196, 8095-1228,
8095-01240 e 8095-1249, mas muitas outras se podia indicar.
6. Acresce, ainda, que também está registada nos referidos suportes magnéticos,
pelo menos, uma comunicação mantida entre o arguido B. e um dos seus defensores
e, outra, entre a mulher do arguido – D. Odete – e o mesmo defensor (cfr.
sessões 8095-00954 e 8095-01278).
7. O que, no primeiro caso, é expressamente proibido pelo art.º 187.º n.º 3 do
CPP.
8. Além de demonstrar que todas as referidas escutas foram realizadas sem
qualquer controlo judicial, violando as mais elementares regras consignadas nos
art.ºs 187.º e seguintes do citado diploma legal, a verificação do registo de
tais escutas nos presentes autos afronta manifestamente o direito à reserva da
intimidade da vida privada consagrada no art.º 26.º n.º 1 da CRP, bem como a
inviolabilidade das comunicações telefónicas, prevista no artº 34º n.ºs 1 e 4,
do nosso diploma fundamental, relativamente a todos os intervenientes.
9. O que implica a nulidade insanável de todas as referidas escutas e
transcrições.
Atendendo ao exposto e complementarmente ao já requerido na 1ª sessão da
audiência de julgamento, requer-se que as intercepções telefónicas constantes
dos aludidos suportes magnéticos, bem como as respectivas transcrições, sejam
mandadas eliminar, por tal se afigurar essencial à salvaguarda dos direitos
acima mencionados”.
Na sessão da audiência de julgamento de 21-6-2006 foi proferido o seguinte
despacho:
“No que concerne à alegada nulidade dos meios de prova referenciada pelo arguido
no seu requerimento de fls. 9155 a 9158, complementado pelo de fls. 9258/9259,
consigna-se que o Tribunal apreciará a mesma na sua sede própria ou seja aquando
da prolação do Acórdão”.
Terminada a audiência de julgamento foi proferido acórdão que absolveu o arguido
dos crimes que lhe eram imputados, constando dele a seguinte fundamentação:
“Se no que concerne à prova da associação criminosa, dever-se-á dizer que a
apreciação das escutas telefónicas se configurou como absolutamente decisiva
para essa aquisição probatória, a verdade é que para a incriminação concreta do
arguido, as mesmas se revelaram insuficientes. Com efeito, inexistindo
intercepções telefónicas directas ao ora arguido, as que a ele se reportam são
por conversas com o mencionado B. mas de onde nada de seguro, objectivo e
rigoroso, no que toca à matéria dos presentes autos se consegue extrair.
Na verdade, apreciando mesmo aquelas das quais cheira a ilícito pelo teor das
próprias conversas (Cfr. sessões 490 e 1051 a Fls. 28/30 e 90/91), não é
possível dizer que tal ilicitude se reporta à matéria dos autos.
Ora, como a conclusão ititente à pronúncia, no que se tange ao arguido se
baseava, precisamente, nas aludidas escutas, esvaziado o seu valor probatório em
relação àquele, fácil é de concluir que a restante prova não é suficiente para
lhe imputar os factos de que vinha pronunciado.
Na verdade, o que mais existe contra o arguido, tem a ver com os fotogramas de
Fls. 2082/2083, pelos quais parece resultar, ainda que não de uma forma
inequívoca, a presença do arguido no casino da … no dia em causa, ficando por
esclarecer a que propósito ele ali se encontrava, designadamente, se teve alguma
ligação com os movimentos efectuados por C., sendo certo que não se provou que o
arguido, por si, tenha procedido a qualquer levantamento da quantia monetária em
causa em nome de C..
Importa ainda dizer, que o arguido esteve detido desde 14/11/00 a 07/03/02, o
que traz acrescidas dificuldades à possibilidade de imputação ao mesmo da
matéria em que se alicerça o crime de associação criminosa e por arrasto, os
ilícitos de falsificação e de burla em que esta se traduziu. Nessa medida,
entendeu o Tribunal que, em relação à participação do arguido nos factos
criminosos, não estavam reunidos os elementos probatórios suficientes que lhe
permitissem imputar os factos de que estava pronunciado, razão pela qual, no que
a si importa, os deu como não provados.
Por tal motivo, sendo ineficazes os meios de prova constantes do processo no que
concerne ao arguido, fica prejudicada a apreciação das questões de nulidade das
intercepções telefónicas e dos fotogramas constantes autos, razão pela qual nada
se dirá sobre tal matéria.
Não se tendo provado os elementos objectivos e subjectivos dos tipos legais de
crime pelos quais o arguido vem acusado, não poderá o mesmo deixar de ser
absolvido da sua prática e por consequência, do pedido de indemnização civil que
contra si foi formulado”.
O arguido interpôs recurso deste acórdão absolutório para o Supremo Tribunal de
Justiça, constando das suas alegações as seguintes conclusões:
“1. Através do presente recurso, o recorrente pretende pôr em crise a decisão do
tribunal recorrido, unicamente na parte em que considerou prejudicada a
apreciação das questões de validade das intercepções telefónicas e dos
fotogramas constantes dos autos, suscitadas nos requerimentos por si
apresentados em 03-05-2006 e 05-06-2006.
2. Tal decisão pode ser autonomizada do acórdão final, que absolveu o recorrente
da prática dos crimes por que vinha acusado, como resulta do disposto nos art.ºs
401.º n.º 1 al. b) e 403.º n.º 1, ambos do CPP.
3. Sendo, de resto, inconstitucional qualquer entendimento daqueles preceitos,
segundo o qual a questão da nulidade, validade e da eliminação das escutas
transcritas nos autos, bem como dos fotogramas aí existentes, não pudesse ser
autonomizada da decisão final absolutória ou que considerasse não existir
interesse por parte do arguido em recorrer da respectiva decisão por ter sido
absolvido da acusação contra si deduzida.
4. Pois que tal entendimento conflituaria, necessariamente, com as normas
fundamentais consagradas, designadamente, nos art.ºs 18.º n.º 1, 20.º n.º 5,
26.º n.º 1, 32.º n.º 1 e 34.º n.ºs 1 e 4, todos da CRP.
5. A decisão tomada pelo tribunal recorrido relativamente às referidas questões
de validade dos meios de prova é nula, por omissão de pronúncia.
6. Pois que, pese embora o tribunal se tenha pronunciado sobre a sua eventual
relevância para a demonstração dos factos sob julgamento, acabou por decidir que
a apreciação de tais questões de validade estava prejudicada, por ter entendido
que tais meios de prova eram ineficazes, no que ao recorrente se refere.
7. As questões que se prendem com a validade dos meios de prova, da sua admissão
e utilização, bem como da preservação de direitos fundamentais, jamais poderão
ficar prejudicadas pela apreciação de outras questões.
8. Sob pena de resultarem prejudicados os direitos, liberdades e garantias
constitucionais em causa, bem como o disposto nos art.ºs 18.º n.º 1 e 20.º n.º
5, ambos da CRP.
9. Assim sendo e na medida em que o tribunal a quo se absteve de apreciar as
questões de invalidade das provas invocadas pelo arguido, é a decisão recorrida
nula, de harmonia com o disposto no art.º 379º n.º 1 al. c) do CPP.
10. Além disso, tal decisão é também ilógica, uma vez que não faz qualquer
sentido apreciar, primeiro, o conteúdo das provas, depois, afirmar que tal
conteúdo é irrelevante para a condenação do arguido e, finalmente, chegar à
conclusão que não vale a pena apreciar a sua validade.
11. Além de ilógica, a decisão recorrida infringe, ainda, o disposto nos já
mencionados art.ºs 18.º n.º 1 e 20.º n.º 5, ambos da CRP.
12. E constitui, igualmente, violação de caso julgado, uma vez que o tribunal
recorrido estava impedido de valorar e apreciar o conteúdo das intercepções
telefónicas constantes do Apenso D.
13. Pois que as mesmas já haviam sido declaradas insanavelmente nulas e de
nenhum efeito, no processo n.º 98/00.1GGLSB, no âmbito do qual decorreram todas
as operações de escuta.
14. Sendo que aí foi também ordenada a “destruição das transcrições das
conversações registadas e a desmagnetização de todos os suportes utilizados
(CD’s e outros)”.
15. Decisão que se fundou na completa falta de “controlo por parte de magistrado
judicial ao longo das operações de intercepção, audição e transcrição das
conversações telefónicas...”, o que as feriu “de nulidade insanável, traduzindo,
pois, uma abusiva intromissão na vida privada, através das
telecomunicações...”.
16. Tal decisão transitou em julgado, como se alcança da certidão junta a fls….
17. E, por isso, constitui caso julgado material, não podendo as correspondentes
escutas e transcrições subsistir noutros autos para onde for enviadas a título
devolutivo, como é o caso.
18. Sendo também inconstitucional, por violação dos direitos, liberdades e
garantias afectados, o entendimento segundo o qual a nulidade insanável
declarada no processo onde foram executadas as operações de escuta, pudesse ser
considerada sanada noutro processo para o qual as mesmas tenham sido copiadas ou
reproduzidas.
19. Acresce, finalmente, que, ainda que, por absurdo, se concebesse que tais
vícios inexistissem, sempre o tribunal recorrido teria a obrigação de mandar
eliminar dos autos todas as escutas constantes do referido Apenso D.
20. Pois que, analisado o teor de tais escutas, constata-se que parte delas não
possuem qualquer interesse para o processo.
21. Noutras, são intervenientes amigos e familiares do arguido B., que nada têm
a ver com os presentes autos, sem que nelas intervenha qualquer dos arguidos.
22. Sendo que a maioria de tais de conversas são do foro privado ou íntimo das
pessoas escutadas.
23. Como é ocaso das sessões 8095-1196, 8095-1228, 8095-01240 e 8095-1249, de
entre muitas outras que se poderia indicar.
24. Além disso, está registada e transcrita nos autos, pelo menos, uma conversa
entre um arguido e o seu defensor e, outra, entre a mulher de um arguido e o
mesmo defensor.
25. Pelo que se conclui que o conteúdo de tais escutas revela uma violação clara
do disposto nos art.ºs 187.º n.ºs 1 e 3, 188.º n.º 1, ambos do CPP, e 26.º n.º 1
e 34.º n.ºs 1 e 4, ambos da CRP.
26. Assim, se outros motivos não houvesse, sempre ao tribunal a quo incumbiria o
dever de mandar eliminar todas as referidas intercepções e transcrições.
27. O mesmo se diga relativamente aos fotogramas de fls. 2081 e segs., pois que
os mesmos, manifestamente, não foram precedidos da autorização judicial prevista
no art.º 6.º n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro”.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 11-1-2007, rejeitou este recurso,
com fundamento na falta de interesse em agir do recorrente, lendo-se na sua
fundamentação:
“Mas, bem ou mal, com lógica ou sem ela, é uma decisão que, confrontada com o
objecto do processo em que foi proferida, o favorece, pois é ela, afinal, o
instrumento processual em que repousa a absolvição que conseguiu.
E, como se viu, «o arguido nunca terá interesse em recorrer com o fundamento em
que foi feita má aplicação da lei, ainda que em seu benefício».
É certo que esta decisão representará uma perda, relativamente à pretensão que
formulou no dito requerimento de arguição de nulidade das escutas.
Porém, nem todas as perdas ocorridas no processo podem motivar interesse em
agir, nomeadamente, para o recurso.
Por um lado, tem de tratar-se de decisões que integrem afinal a decisão final
(desfavorável) postulada pelo objecto do processo: triunfo total ou parcial da
acusação, por si só, ou porventura complementada com a tese eventualmente
oposta emergente da contestação.
Ora, no caso, embora a decisão instrumental seja aparentemente desfavorável,
quando encarada a se, ela acabou afinal por conduzir ao triunfo da posição
processual relevante do arguido: a improcedência total da acusação.
Por outro, há-de tratar-se de questões objecto de decisão expressa, não
meramente implícita, pois só sobre aquelas se pode formar caso julgado – art.º
673.º do Código de Processo Civil.
E se é certo que o arguido pode ter interesse autónomo na questão, nomeadamente
na não manutenção das escutas do processo, porventura por alegada violação de
direitos fundamentais, não ficam fora do seu alcance os meios de atingir tais
objectivos”.
Desta decisão o arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo do disposto na alínea b), nos seguintes termos:
“1. Por acórdão proferido em 11-01-2007 foi decidido rejeitar o recurso
interposto pelo recorrente do acórdão proferido pela 5.ª Vara Criminal de
Lisboa, na parte em que considerou prejudicada a apreciação das questões de
validade das intercepções telefónicas e dos fotogramas constantes dos autos,
suscitadas nos requerimentos apresentados pelo arguido em 03-05-2006 e
05-06-2006.
2. Ao interpor recurso de tal acórdão, o recorrente, desde logo, sustentou que
consideraria inconstitucional qualquer entendimento segundo o qual fosse
decidido não existir interesse da sua parte em recorrer da referida decisão, por
ter sido absolvido da acusação contra si deduzida.
3. Sucede que o STJ, através do acórdão recorrido, veio precisamente a rejeitar
o recurso interposto pelo arguido, por entender que o mesmo não tinha interesse
em agir, nos termos do disposto nos art.ºs 401.º n.º 2 e 414.º n.º 2, ambos do
CPP.
4. Interpretação que o recorrente já havia considerado – e continua a considerar
– inconstitucional, por conflituar com as normas consagradas nos art.ºs 18.º n.º
1, 20.º n.º 5, 26.º n.º 1, 32.º n.º 1 e 34º n.ºs 1 e 4, todos da CRP – cfr.
conclusões 3.ª e 4.ª do recurso.
5. Assim, através do presente recurso, pretende o recorrente que seja apreciada
a constitucionalidade das normas constantes dos art.ºs 401.º n.º 2 e 414.º n.º
2, ambos do CPP, na interpretação que ora lhe foi dada pelo STJ”.
Apresentou as seguintes conclusões nas suas alegações de recurso:
1. A interpretação e aplicação dos art.ºs 401.º n.º 2 e 414.º n.º 2, ambos do
CPP, feitas pelo tribunal recorrido, é inconstitucional, por ser contrária às
normas consagradas nos art.ºs 18.º n.º 1, 20.º n.º 5, 26.º n.º 1, 32.º n.º 1 e
34.º n.ºs 1 e 4, todos da CRP.
2. Pois que, quando está em causa a defesa de direitos, liberdades e garantias
dos cidadãos, no âmbito de processos judiciais, qualquer interessado,
alegadamente afectado por diligências aí realizadas, dispõe sempre de
legitimidade e de interesse para agir contra tais diligências, inclusive através
de recurso.
3. Sendo certo que apenas essa interpretação dos comandos legais citados é
compaginável com os princípios da aplicação directa, da tutela efectiva, da
celeridade e da prioridade dos direitos, liberdades e garantias, que emergem dos
art.ºs 18.º n.º 1, 20.º n.º 5 e 32.º n.º 1, todos da CRP.
4. Assim, no caso em apreço, a única interpretação conforme à Constituição dos
citados art.ºs 401.º n.º 2 e 414.º n.º 2, ambos do CPP, é a de que o arguido tem
interesse em agir quando, apesar de absolvido da acusação contra si deduzida,
recorre da decisão que considerou válidas ou que não se pronunciou quanto à
validade de provas que, segundo alegou, violam os seus direitos, liberdades e
garantias”.
O Ministério Público contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
1. Não há violação da Constituição numa interpretação normativa dos artigos
401.º, nº 2 e 414º, nº 2, do Código de Processo Penal, que por falta de
interesse em agir do recorrente absolvido, rejeita-lhe o recurso relativamente a
questões de validade e eliminação de provas constantes do processo, susceptíveis
de ofenderem direitos fundamentais de que é titular, sem prejuízo de lhe
reconhecer o direito de através de outros meios – não necessariamente menos
expeditos – alcançar os seus objectivos.
2. Termos em que não deverá proceder o presente recurso”.
*
Fundamentação
O recorrente pretende que se aprecie a inconstitucionalidade da interpretação
dos artº 401º, nº 2, e 414º, nº 2, do C.P.P., defendida pelo S.T.J. na decisão
recorrida, no sentido de que deve ser rejeitado o recurso, por falta de
interesse em agir, interposto pelo arguido de sentença absolutória,
relativamente à parte em que considerou prejudicada a apreciação das questões de
validade das intercepções telefónicas e de fotogramas juntos aos autos.
Alega o recorrente que esta interpretação impede a tutela de direitos
fundamentais que lhe assistem, como o direito à reserva da intimidade da vida
privada e o direito à imagem, contrariando o disposto nos artº 18.º n.º 1, 20.º
n.º 5, 26.º n.º 1, 32.º n.º 1 e 34.º n.ºs 1 e 4, todos da CRP.
É sabido que a possibilidade legal de realização de escutas telefónicas, assim
como a captação de imagens, em processo penal, pelo elevado potencial de ameaça
a direitos fundamentais individuais, como os direitos à reserva da intimidade da
vida privada e familiar e à imagem, está sujeita à observância de rigorosos
requisitos, de modo a respeitarem-se os princípios jurídico-constitucionais que
presidem às leis restritivas referidas no artº 18º, da C.R.P., da necessidade,
adequação, proporcionalidade e determinabilidade.
Se o direito de defesa do arguido (artº 32º, nº 1, da C.R.P.) exige que este
possa arguir, em processo penal, a nulidade de escutas telefónicas ou obtenção
de imagens, por inobservância dos referidos requisitos, de modo a que as provas
delas resultantes não possam ser valoradas, quando o arguido já foi absolvido
dos crimes que lhe eram imputados nesse processo, tal exigência deixa de fazer
sentido, uma vez que a melhor finalidade perseguida pela utilização das
garantias de defesa já foi conseguida – a absolvição.
Daí que a rejeição de recurso, por falta de interesse em agir, interposto pelo
arguido de sentença absolutória, relativamente à parte em que considerou
prejudicada a apreciação das questões de validade das intercepções telefónicas e
de fotogramas juntos aos autos, em nada ofende ou limita os direitos de defesa
do arguido, garantidos pelo artº 32º, nº 1, da C.R.P..
Contudo, a ameaça de ofensa de direitos fundamentais, como os direitos à
reserva da intimidade da vida privada e familiar e à imagem, não cessa com a
absolvição do arguido no processo onde se encontram registos de escutas
telefónicas e fotogramas como resultado de recolha de imagens não autorizadas.
A conservação desses registos continua a gerar um perigo de devassa da
intimidade aí exposta, facilitada pelas regras da publicidade do processo (artº
86º e seg., do C.P.C.), ou nos casos em que esta se encontre restringida, pelo
risco da violação do segredo de justiça.
Se é possível considerar-se que a garantia de tutela destes direitos
fundamentais, assegurada nos nº 1 e 5º, do artº 20º, da C.R.P., exige que, nos
casos de nulidade dos referidos meios de prova, se proceda a destruição dos seus
registos, atenta a proibição da sua valoração, também quando o procedimento
criminal contra o arguido se extingue com a sua absolvição, aquela garantia
constitucional de tutela obriga a procedimento que impeça a sua consulta
posterior, salvo em caso de recurso extraordinário de revisão, de modo a cessar
o perigo inerente à existência de tais registos no processo.
Esta última dimensão do direito à tutela dos direitos fundamentais, nos casos de
escutas telefónicas efectuadas no âmbito do processo penal, foi realçada no
acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem Huvig e Kruslin c. França, de
24 de Abril de 1990, que se pronunciou sobre a legislação francesa em matéria de
escutas telefónicas (cfr. excerto reproduzido no acórdão nº 660/2006, do
Tribunal Constitucional, publicado no Diário da República, II Série, de
10-1-2007).
Todavia, esta tutela não foi recusada pela decisão recorrida.
O acórdão do S.T.J. rejeitou o recurso interposto da sentença absolutória, por
entender que o arguido não tinha interesse atendível na obtenção duma declaração
de nulidade das escutas telefónicas e dos fotogramas existentes nos autos, de
forma a ser decretada a sua destruição, uma vez que perante a sua absolvição a
questão da nulidade daqueles meios de prova era meramente académica e a
salvaguarda dos direitos à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à
imagem podia ser obtida pelo arguido por outros meios ao seu alcance.
Este entendimento em nada ofende o direito à tutela dos referidos direitos
fundamentais, consagrados no artº 26º, da C.R.P., uma vez que, perante a
absolvição do arguido, essa tutela não necessita duma declaração de nulidade dos
meios de prova ofensivos desses direitos, bastando-se com a ocultação segura dos
seus registos juntos aos autos, como consequência da extinção do procedimento
criminal resultante da absolvição. Apenas não será possível decretar a sua
destruição, atenta a possibilidade extraordinária de vir a ser interposto
recurso de revisão da sentença absolutória, o que poderá determinar uma
reapreciação dos meios de prova existentes nos autos.
A possibilidade de ser esconjurada a ameaça aos referidos direitos fundamentais,
sem que seja decretada a nulidade das escutas telefónicas e dos fotogramas
juntos aos autos, é aflorada pelo próprio acórdão recorrido e não se mostra
afastada pelo regime processual penal vigente, antes resultando perfeitamente
admissível, por interpretação do disposto no artº 86º, nº 3, do C.P.P..
Refira-se que na Proposta de Lei nº 109/X, que introduz alterações ao Código de
Processo Penal, já aprovada, na generalidade, na A.R., introduzem-se diversos
números ao artº 188º, do C.P.P., nos quais se prevê expressamente o modo de
evitar que a conservação do registo das escutas telefónicas após o trânsito em
julgado da decisão que puser termo ao processo possa colocar em perigo direitos
fundamentais dos cidadãos:
“12 - Os suportes técnicos referentes a conversações ou comunicações que não
forem transcritas para servirem como meio de prova são guardados em envelope
lacrado, à ordem do tribunal, e destruídos após o trânsito em julgado da decisão
que puser termo ao processo.
13 - Após o trânsito em julgado previsto no número anterior, os suportes
técnicos que não forem destruídos são guardados em envelope lacrado, junto ao
processo, e só podem ser utilizados em caso de interposição de recurso
extraordinário”.
Apesar desta solução não se encontrar expressamente prevista no direito positivo
vigente, o disposto no artº 86º, nº 3, do C.P.P., permite que após o trânsito da
decisão que põe termo ao processo, se determine que sejam guardados em envelope
lacrado os elementos de prova, nomeadamente suportes técnicos ou registos de
escutas telefónicas e fotogramas, que façam perigar os direitos à reserva da
intimidade da vida privada e familiar e à imagem.
Não inviabilizando, pois, a interpretação normativa contida na decisão recorrida
a tutela dos referidos direitos fundamentais, não se mostra que a mesma ofenda
qualquer princípio constitucional, nomeadamente os indicados pelo recorrente,
pelo que deve ser negado provimento a este recurso.
*
Decisão
Pelo exposto acorda-se em negar provimento ao recurso interposto por A. do
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11-1-2007.
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Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta
(artº 6º, nº 1 e 9º, nº 1, do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro).
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Lisboa, 3 de Julho de 2007
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos