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Processo n.º 990/2005
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam no Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Por decisão de 25 de Novembro de 2004, o Tribunal Administrativo e Fiscal do
Porto julgou procedente a impugnação intentada por A. contra a liquidação de IRS
referente ao ano de 2000.
2. Inconformado, o representante da Fazendo Pública interpôs
recurso da decisão para o Supremo Tribunal Administrativo. Na sua alegação,
pediu a aplicação aos autos da norma do artigo 60º da Lei Geral Tributária,
referindo expressamente a alteração operada pelo artigo 13º n.º 1 da Lei n.º
16-A/2002 de 31 de Maio e pelo artigo 40º n.º1 da Lei n.º 55-B/2004 de 30 de
Dezembro.
O recorrido A. não apresentou contra-alegação.
Por acórdão de 18 de Maio de 2005, o Supremo Tribunal Administrativo concedeu
provimento ao recurso, julgou improcedente a impugnação, e manteve a impugnada
liquidação. Para tanto, fez efectivamente aplicação do artigo 60º n.º 1 alínea
d) da Lei Geral Tributária, na redacção dos n.ºs 1 e 2 do artigo 40º da Lei n.º
55-B/2004 de 30 de Dezembro.
3. A. arguiu a nulidade do acórdão de 18 de Maio de 2005 e,
subsidiariamente, requereu a sua reforma. No pedido de reforma foi suscitada a
inconstitucionalidade da “nova redacção dada ao preceituado na Lei Geral
Tributária, no seu artigo 60º alínea d).”
Por acórdão de 19 de Outubro de 2005 o Supremo Tribunal Administrativo
desatendeu a arguição de nulidade e indeferiu o pedido de reforma formulado.
4. A. interpôs, então, recurso de constitucionalidade nos
seguintes termos:
[...] tendo sido notificado da decisão proferida sobre o seu requerimento de
declaração de nulidade e pedido de reforma do acórdão 18 de Maio de 2005, porque
não se conforma, vem deste interpor recurso para o Tribunal Constitucional nos
termos seguintes:
a) Norma fundamento – alínea b) do nº 1 do artigo 70° da Lei 28/82 de 15-11;
b) Norma a declarar inconstitucional – artigo 60°, nº 1, alínea d) da Lei Geral
Tributária na redacção constante da Lei 55 B/04, na medida em que lhe é
conferida natureza interpretativa, com efeito retroactivo;
c) Norma constitucional violada – artigo 103°, nº 3 da Constituição da República
Portuguesa;
d) Peça processual onde foi suscitada a inconstitucionalidade – requerimento de
nulidade a aclaração do Acórdão recorrido.
O recurso foi admitido. No Tribunal Constitucional o recorrente apresentou
alegações que concluiu do seguinte modo:
I- O artigo 60º, nº 1 alínea d) da L.G.T. com a redacção
vigente em 2000 dispunha que o contribuinte fosse ouvido antes da decisão de
aplicação de métodos indirectos.
II- O que não ocorreu.
III- O recorrente em 16-05-2003 impugnou a liquidação com esse
fundamento.
IV- Em 30-12-2004 tal preceito foi alterado pela Lei 55-B/04 que
eliminou a garantia dos contribuintes serem ouvidos antes da decisão de
aplicação de métodos indirectos, no caso de ter havido lugar a relatório de
inspecção.
V- Foi conferida natureza interpretativa à nova redacção, e
consequentemente eficácia retroactiva.
VI- A nova redacção é mais desfavorável para os contribuintes, já que
eliminou um segundo momento de participação na formação do acto tributário.
VII- E mais grave ainda, no caso concreto, porquanto a única vez em que se
entendeu que o recorrente foi ouvido, este, de facto, não o foi, por a carta com
o relatório de inspecção ter sido devolvida com a menção de “não reclamada”.
VIII- E não foi igualmente ouvido para a aplicação dos métodos indirectos, não
porque a redacção da lei à época a tanto não obrigasse a administração fiscal,
mas provavelmente por um entendimento interno daquela administração fiscal.
IX- A nova redacção, pela sua aplicação retroactiva violou o direito do
recorrente ser ouvido antes da decisão de aplicação de métodos indirectos,
afectando a estabilidade e segurança da relação jurídica construída ao abrigo da
anterior redacção.
X- Tanto mais que, se a impugnação tivesse sido obtida em tempo
útil, isto é, em menos de um ano e meio, o S.T.J. não poderia fundar-se na nova
lei para proferir o entendimento perfilhado.
XI- O recorrente além de ser prejudicado pela aplicação retractiva de
uma lei, vê-se ainda colocado numa posição de desigualdade com um outro qualquer
contribuinte que, nas mesmas circunstâncias concretas, conseguisse obter uma
decisão judicial anterior à publicação da Lei 55-B/04, que deu nova redacção ao
citado artigo 60º, nº 1, alínea d) da L.G.T.
XII- A nova redacção violou, entre outros, o disposto no artigo 103º, nº 3
da Constituição da República Portuguesa, devendo, assim, ser declarada
inconstitucional e inaplicável ao caso concreto.
A Fazenda Pública contra-alegou, pugnando a improcedência do recurso (fls. 101 e
102).
Foi, depois, proferido, pelo relator, o seguinte despacho:
A. impugna, no presente recurso, a norma do artigo 60º n.º 1 alínea d) da Lei
Geral Tributária, 'na redacção introduzida pela Lei 55-B/2004' de 30 de
Dezembro.
Acontece que a norma impugnada fora aplicada na sentença lavrada no Tribunal
Administrativo e Fiscal do Porto em 25 de Novembro de 2004, e voltou a sê-lo no
acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo de 18 de Maio de 2005 – que
revogou aquela sentença e julgou improcedente a impugnação – sem que o
recorrente tivesse suscitado, como ditam a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º e o
n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa. É certo que levantou a questão posteriormente,
em sede de reclamação contra o aludido acórdão de 18 de Maio. Todavia, nesse
momento processual já o tribunal recorrido não podia tomar conhecimento de
questões novas, como era indiscutivelmente esta, razão pela qual se deve
entender que a questão não foi suscitada de forma adequada.
Faltaria ao recurso este requisito, o que seria impeditivo do seu conhecimento.
Por outro lado, a razão da inconstitucionalidade apontada residiria na aplicação
retroactiva da norma, conforme explica o recorrente na sua alegação.
Ora, a razão dessa aplicação retroactiva resulta directamente do disposto no n.º
2 do artigo 40º da Lei n.º 55-B/2004 de 30 de Dezembro que qualifica como
interpretativa a alteração introduzida ao preceito pelo n.º 1 do mesmo
dispositivo legal.
Acontece que o recorrente não impugna esta norma, isto é, a norma que impõe a
aplicação retroactiva da norma e, por essa razão, o recurso nunca poderia
comportar um sentido útil ao recorrente.
Deve, por isso, ser ouvido o recorrente sobre esta matéria.
A este despacho respondeu o recorrente, nos seguintes termos:
1- O tribunal de 1ª instância não aplicou
a norma do artigo 60º, n.º1, alínea d) da Lei Geral Tributária, com a redacção
introduzida pelo nº 2 do artigo 40º da Lei 55B/04 de 30-12, pela simples e
elementar razão de ter sido proferida em 25/11/04, ou seja, antes da publicação
desta Lei.
2- Daí que tivesse julgado procedente a
impugnação.
3- Ora, não podia o recorrente invocar
uma inconstitucionalidade quando tinha obtido ganho de causa e num momento em
que nem sequer conhecia o teor da Lei 55B/04.
4- Só o S.T.A. é que pela1ª vez aplica a
norma, donde só a partir desse Acórdão era possível invocar a
inconstitucionalidade.
5- É verdade que a natureza
interpretativa da alteração introduzida ao artigo 60º, nº 1 alínea d) resulta do
disposto no artigo 40º da Lei 55B/04 de 30-12, pelo que constitui mero lapso de
escrita a indicação formulada, o qual é rectificável nos termos do artigo 249º
do Código Civil, já que resulta evidente do seu requerimento que o recorrente
pretende a declaração de inconstitucionalidade na medida em que lhe é conferida
natureza interpretativa e esta de facto é conferida por outra disposição legal.
6- Assim, requer-se que se rectifique o
seu requerimento e se declare a inconstitucionalidade do disposto no n.º 2 do
artigo 40º da Lei 55 B/04 de 30-12.
5. Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentos
6. O presente recurso foi interposto ao abrigo da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional pelo que tem, como
pressuposto, a suscitação da questão de inconstitucionalidade normativa durante
o processo, de forma a que o tribunal recorrido tenha tido oportunidade de a
conhecer.
E embora a norma cuja inconstitucionalidade vem requerida não tenha sido
aplicada na decisão de 1ª instância, o certo é que o recurso interposto pela
Fazenda Pública desta sentença visava precisamente fazer aplicá-la ao caso. O
recorrente não contra-alegou, não respondendo a este pedido, mas dispôs então da
oportunidade processual para suscitar a inconstitucionalidade da norma que a
Fazenda Pública pretendia fazer aplicar ao caso, sustentando a aplicação da
alínea d) do n.º 1 do artigo 60º da Lei Geral Tributária, na redacção do n.º 1
do artigo 40º da Lei 55-B/2004 de 30 de Dezembro, nos termos do n.º 2 do mesmo
preceito, por ter natureza interpretativa.
Desse modo, o recorrente teve oportunidade de suscitar perante o Supremo
Tribunal Administrativo a questão de inconstitucionalidade normativa relativa à
nova redacção do artigo 60º da Lei Geral Tributária. A não impugnação da norma
na perspectiva da constitucionalidade antes da prolação da decisão recorrida
deveu-se, pois, à estratégia processual adoptada pelo recorrente e não a uma
efectiva falta de oportunidade processual para suscitar a questão da
constitucionalidade.
Deve, pois, concluir-se que se não verifica este requisito que é essencial para
que o recurso pudesse ser conhecido.
7. Acresce que a natureza interpretativa da alteração da
alínea d) do n.º 1 do artigo 60º da Lei Geral Tributária decorre expressamente
do n.º 2 do artigo 40º da Lei n.º 55-B/04 de 30 de Dezembro. Daqui resulta que,
não podendo prescindir-se da norma do n.º 2 do artigo 40º da Lei n.º 55‑B/04 de
30 de Dezembro para caracterizar a dimensão normativa que o recorrente
questiona, e apurando-se que o recorrente não impugnou tal norma, o Tribunal
nunca poderia apreciar o objecto do recurso, pois a norma efectivamente
impugnada não foi, com o sentido que o recorrente lhe atribui, aplicada na
decisão recorrida.
É, na verdade, no requerimento de interposição que o recorrente delimita o
recurso, não lhe sendo permitido alterar posteriormente o seu âmbito; ao
contrário do que afirma, a deficiência não pode qualificar-se como um mero lapso
de escrita, decorrendo antes de uma desadequada interpretação dos preceitos em
questão.
8. Não é, pois, possível tomar conhecimento do objecto do
presente recurso.
III
Decisão
9. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide não
tomar conhecimento do objecto do presente recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em doze (12) UC’s.
Lisboa, 10 de Julho de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
José Borges Soeiro
Gil Galvão
Rui Manuel Moura Ramos