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Processo n.º 767/07
3ª Secção
Relatora: Conselheira Ana Guerra Martins
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é
recorrente A. e recorridos o MINISTÉRIO PÚBLICO e B., a Relatora proferiu a
seguinte decisão sumária:
«I – RELATÓRIO
1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que é
recorrente A. e recorridos o MINISTÉRIO PÚBLICO e B., a primeira interpôs
recurso para este Tribunal, em 1 de Julho de 2007, “da douta decisão de 17 de
Junho de 2007” (fls. 66), através da qual o Presidente do Tribunal da Relação do
Porto, então em exercício, indeferiu a reclamação “do despacho que não admitiu o
recurso do despacho que a Condenou na taxa de Justiça de 3 Ucs, em despacho que
INDEFERIU a ACLARAÇÃO da REFORMA quanto a CUSTAS de 3 Ucs e da respectiva
CONDENAÇÃO em CUSTAS com Taxa de Justiça de 4 ucs” (fls. 59).
Com o recurso agora interposto, ao abrigo da alínea b) do art. 70º da LTC,
pretende a recorrente que este Tribunal Constitucional aprecie a
“inconstitucionalidade da norma do art. 678º, nº 1 do C.P.Civil quando entendida
como aplicável aos recursos interpostos de decisões que, proferidas ao abrigo do
disposto no art. 16º, n.º 1 do Código das Custas Judiciais, condenem as partes
em custas entre 1 UC e 20 UC., por violação do disposto no art. 13º da
Constituição” (fls. 66).
II – INADMISSIBILIDADE DO RECURSO
2. Apesar de o n.º 1 do artigo 76º da LTC conferir ao tribunal recorrido – in
casu, o Tribunal da Relação do Porto – o poder de apreciar a admissibilidade do
recurso, essa decisão não vincula o Tribunal Constitucional, conforme resulta do
n.º 3 do mesmo preceito legal. Assim, antes de mais, cumpre apreciar se estão
preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso previstos nos
artigos 75º-A e 76º, nº 2, da LTC.
3. No sistema português de fiscalização sucessiva concreta da
constitucionalidade, o Tribunal Constitucional só é órgão de recurso de decisões
sobre a constitucionalidade de normas, proferidas a título incidental, no âmbito
de processos jurisdicionais. Tal significa que este Tribunal apenas pode julgar,
em sede de recurso, da bondade das decisões dos tribunais comuns, quando estes
últimos tenham sido colocados perante uma precisa questão de
inconstitucionalidade que os tenha obrigado a decidir sobre ela.
Ora, nos presentes autos, a recorrente, em sede de reclamação da decisão que não
lhe admitiu o recurso de agravo por si interposto, vem argumentar do seguinte
modo:
“O entendimento segundo o qual o disposto no art. 678º, n.º 1 do C.P.Civil se
aplica às condenações fundadas em manifesta improcedência das pretensões
deduzidas, na medida em que contradiz o disposto no art. 456º, nº 3 do C.P.Civil
é inconstitucional, pois viola o princípio da igualdade consagrado no art. 13º
da Constituição da República, segundo o qual, as situações da vida que, de um
ponto de vista substancial, sejam iguais, devem ser igualmente tratadas pela
lei, para além de violar o disposto no art. 20º do mesmo Texto Fundamental
quando consagra o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.”
(fls. 12).
Ou seja, todo o esforço argumentativo da recorrente, em sede de reclamação para
o Presidente do Tribunal da Relação do Porto, incide na tentativa de
demonstração da aplicabilidade da norma prevista no n.º 3 do artigo 456º do CPC
ao caso em apreço, de modo a que a norma contida no n.º 1 do artigo 678º do CPC
pudesse ser interpretada de modo a permitir o direito de recurso quando a
decisão sobre fixação de custas judiciais não excedesse a alçada do tribunal de
primeira instância.
4. Assim, o que a recorrente apelidou de inconstitucional, em sede de reclamação
para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto, foi uma interpretação da
norma contida no n.º 1 do artigo 678º do CPC que considerasse que não haveria
direito a recurso de “condenações em manifesta improcedência das pretensões
deduzidas” (cfr. fls. 12). Mas a verdade é que, em parte alguma, a recorrente
suscitou a questão de saber se a norma do n.º 1 do artigo 678º do CPC poderia
ser configurada como inconstitucional por não permitir o recurso de decisões que
incidissem sobre questões cujo valor de custas oscile “entre 1 UC e 20 UC” (fls.
66).
Tanto assim é que o fundamento da decisão recorrida versa exclusivamente sobre
se a condenação da recorrente em custas processuais equivaleu a uma condenação
por litigância de má fé e não sobre a irrecorribilidade de decisões cujo valor
de custas oscile entre 1 e 20 UC´s. Aliás, a própria decisão recorrida afirma
expressamente que a condenação em custas não resultou do facto de ter dado por
verificada uma ostensiva e manifesta improcedência do pedido:
“Só que o Tribunal não as considerou assim tão gravosas. E, se tal acontecesse,
talvez o sujeito processual não fosse a parte, mas quem a representa.” (fls.
58).
Em suma, a decisão ora recorrida não aplicou efectivamente a interpretação do
n.º 1 do artigo 678º do CPC que a recorrente lhe imputa, simplesmente porque
esta, conforme lhe competia, não suscitou adequadamente a questão da
inconstitucionalidade que serve de objecto ao presente recurso, em momento
prévio ao da decisão tomada pelo Presidente do Tribunal da Relação do Porto.
Como tal, por força do n.º 2 do artigo 72º da LTC, a recorrente não pode vir
agora interpor recurso para o Tribunal Constitucional com este fundamento.
5. Por fim, refira-se ainda que, mesmo que estes obstáculos processuais não se
dessem por verificados, deveria ter-se presente que uma hipotética decisão
favorável à recorrente permaneceria sempre privada de qualquer utilidade
processual. É que a decisão recorrida considerou ainda, a título subsidiário,
que – mesmo que os seus argumentos procedessem – a recorrente já havia deixado
expirar o prazo legal para impugnar a decisão sobre as custas. Assim, veja-se:
“Aliás, se o que está em jogo é a condenação propriamente dita, a apreciação das
custas deveria processar-se nos termos dos arts. 666.º, nºs 1 e 2 e 669.º n.º 1,
b), do CPC. No que se deixou, no mínimo, ultrapassar o respectivo e competente
prazo.” (fls. 59).
Como tal, ainda que se ultrapassasse a circunstância de a recorrente não ter
suscitado de modo processualmente adequado a norma cuja inconstitucionalidade se
pretende ver apreciada e a circunstância de a decisão recorrida não ter aplicado
efectivamente a interpretação referida no requerimento de recurso, sempre seria
manifesto que uma hipotética decisão favorável à recorrente, nesta sede de
fiscalização da inconstitucionalidade, nunca seria apta a alterar o sentido da
decisão recorrida. Acresce, portanto, mais esta razão para não se conhecer do
objecto do presente recurso.
III. DECISÃO
Nestes termos, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da
Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º
13-A/98, de 26 de Fevereiro, e pelos fundamentos supra expostos, decide-se não
conhecer do objecto do recurso.
Custas devidas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 7
UC´s, nos termos do n.º 2 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de
Outubro.»
2. Inconformada com esta decisão, vem a recorrente reclamar, para a conferência,
contra a não admissão do recurso, com os seguintes fundamentos:
«1. Realça-se desde já — e para que não seja perdido tempo a duvidar-se —
que a questão que a recorrente tão penosamente vem arrastando por diversas
instâncias não tem quaisquer intuitos dilatórios, nem decorre, com a devida
vénia, de qualquer fundamentalismo conflitual. Não!
Destina-se ela apenas a tentar repor — e pela última via possível — a legalidade
constitucional e pôr termo a uma prática judiciária que, por ser absolutamente
intimidatória, iníqua e arbitrária, condiciona e vinca de forma deficiente e
insalubre o diálogo entre os cidadãos e a Justiça, que é o mesmo que dizer, o
efectivo direito de acesso aos tribunais, assim como o direito a um processo
equitativo. Com efeito,
O que está em causa na questão de fundo trazida até este Tribunal Constitucional
não é a de saber se um juiz pode ou não, ao longo de um processo judicial,
condenar as partes em penas pecuniárias, ainda que eufemisticamente chamadas de
custas, por aquilo que ele mesmo considere ser incidente anómalo estranho ao
normal desenvolvimento da lide. Não. É evidente que se aceita o princípio de que
todos os incidentes anómalos estranhos ao normal desenvolvimento da lide devem
ser sancionados com custas. O que unicamente se pretende questionar é se essa
prerrogativa legal é ou não susceptível de recurso ordinário.
Na opinião do Mmo. Juiz da 1ª instância e do Exmo. Presidente do Tribunal da
Relação, louvando-se ambos no disposto no art. 678°, n°1 do C.P.Civil, a decisão
de condenação nas custas dos incidentes anómalos só é passível de recurso
ordinário se o valor dessas custas por si fixadas for superior a metade da
alçada do seu tribunal, isto é, se for superior a 1.870,49 €. Donde se segue, em
tal entendimento, que até 19 UC, ou seja, até 1.814,00 €, um juiz de 1ª
Instância poderá condenar qualquer uma das partes, sem apelo nem agravo, por
uma, duas, cinco, dez ou cem vezes ao longo do mesmo processo, sempre que ele,
só ele e mais ninguém, entenda que a parte, ao requerer a prática de qualquer
acto, suscitou incidente anómalo estranho ao normal desenvolvimento da lide.
É certo que uma interpretação estritamente literal do art. 678°, n°1 do
C.P.Civil permite sustentar essa opinião.
Porém, numa interpretação conforme à Constituição que nos rege, nunca e
nenhures, adianta-se desde já, tal entendimento poderá ser acolhido.
2. Mas a questão que agora nos ocupa não é essa, mas sim uma outra e
prévia, suscitada pela Exma. Senhora Juiz Conselheira deste Tribunal, quando
afirma que o presente recurso é inadmissível porque:
a. todo o esforço argumentativo da recorrente, em sede de reclamação
para o Presidente do Tribunal da Relação do Porto, incide na tentativa de
demonstração da aplicabilidade da norma prevista no nº 3 do artigo 456° do CPC
ao caso em apreço, de modo a que a norma contida no n°1 do artigo 678° do CPC
pudesse ser interpretada de modo a permitir o direito de recurso quando a
decisão sobre fixação de custas judiciais não excedesse a alçada do tribunal de
primeira instância. (sic, fls. 3, linhas 3 a 8 da decisão sumária sob
reclamação).
b. mas a verdade é que, em parte alguma, a recorrente suscitou a questão
de saber se a norma do n°1 do art. 678° do CPC poderia ser configurada como
inconstitucional por não permitir o recurso de decisões que incidissem sobre
questões cujo valor de custas oscile “entre 1 UC e 20 UC «is. 66) (sic, fls. 3,
linhas 12 a 15 da decisão sumária sob reclamação).
c. tanto assim é que o fundamento da decisão recorrida versa
exclusivamente sobre se a condenação da recorrente em custas processuais
equivaleu a uma condenação por litigância de má fé e não sobre a
irrecorribilidade de decisões cujo valor oscile entre 1 e 20 UC’s. (sic, fls. 3,
linhas 16 a 19 da decisão sumária sob reclamação).
d. a decisão ora recorrida não aplicou efectivamente a interpretação do
n°1 do artigo 678° do CPC que a recorrente lhe imputa, simplesmente porque esta,
conforme lhe competia, não suscitou adequadamente a questão da
inconstitucionalidade que serve de objecto ao presente recurso, em momento
prévio ao da decisão tomada pelo Presidente do Tribunal da Relação do Porto.
(sic, fls. 4, linhas 1 a 5 da decisão sumária sob reclamação).
e. a recorrente já havia deixado expirar o prazo legal para impugnar a
decisão sobre custas. (sic, fls. 4, linhas 10 e 11 da decisão sumária sob
reclamação).
Mas, salvo o devido respeito, nada disso é sequer verdade de um ponto de vista
factual. Senão vejamos,
Não é verdade o que acima se transcreveu sob a letra a. Com efeito,
O esforço argumentativo da recorrente, na sua reclamação para o Presidente da
Relação, centrou-se em dois aspectos:
a. em primeiro lugar, na afirmação de que o disposto no art. 456°, n°3
se aplica às condenações em custas em quantia variável quando a causa seja, como
foi invocado pelo Mmo. Juiz no caso em apreço, por manifesta improcedência da
pretensão deduzida;
b. em segundo lugar na afirmação de que o entendimento segundo o qual o
disposto no art. 678°, n°1 do C.P. Civil se aplica às condenações fundadas em
manifesta improcedência das pretensões deduzida. na medida em que contradiz o
disposto no art. 456°, n°3 do C.P. Civil é inconstitucional, pois viola o
princípio da igualdade consagrado no art. 13° da Constituição da República,
segundo o qual, as situações da vida que, de um ponto de vista substancial, seja
iguais, devem ser igualmente tratadas pela lei, para além de violar o disposto
no art. 20º do mesmo Texto Fundamental quando consagra o acesso ao direito e a
uma tutela jurisdicional efectiva. (Leia-se, por favor, o que a ora reclamante
escreveu, a fls. 8 da sua reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação).
Desta simples leitura decorre, sem margem para quaisquer dúvidas, que a ora
reclamante suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade da norma do
art. 678°, nº 1 do CPC, ao contrário do que a Exma. Senhora Juiz Conselheira se
permitiu afirmar na decisão sumária ora sob reclamação. Pois afirmar-se que o
entendimento de uma determinada norma é inconstitucional é o mesmo que
afirmar-se que uma norma é inconstitucional quando entendida ou interpretada de
certa forma.
É certo e claro que o Presidente da Relação do Porto não conheceu da questão.
Mas tal circunstância não tem qualquer relevo visto que, não sendo a sua decisão
passível de recurso ordinário, basta, com a devida vénia, que a questão tenha
sido suscitada, como foi, perante a última instância judicial — art. 70º, n°2 da
LTC.
Pelo que, e salvo o devido respeito, são absolutamente inconcludentes as quatro
conclusões acima transcritas sob as letras a., b., c. e d. da decisão sumária
ora sob reclamação - A RECORRENTE SUSCITOU A QUESTÃO DA INCONSTITUCIONALIDADE DA
NORMA DO N°1 DO ART. 678° DO CPC.
Errada é também, com a devida vénia, a conclusão acima transcrita sob a letra
e). Com efeito,
Onde e quando é que a recorrente deixou expirar o prazo legal para impugnar a
decisão sobre custas?
Quando a recorrente foi condenada a pagar 3 UC, na sequência do indeferimento do
pedido de reforma da decisão que não ordenou a notificação do BPN para juntar
aos autos a certidão por ela pretendida, requereu ela, no prazo legal de 10 dias
a reforma dessa decisão ao abrigo do disposto no art. 669°, nº 1, alínea b) do
C.P.Civil, o que, nos termos do disposto no art. 686°, nº 1 do C.P.Civil,
determinou que o prazo para recorrer da decisão que a condenou nas referidas 3
UC só tenha começado a correr depois da notificação da decisão proferida sobre o
requerimento de reforma.
E o certo é que a recorrente interpôs recurso da decisão que a condenou a pagar
as 3 UC no prazo legal de 10 dias contados após a decisão que lhe negou a
reforma da decisão condenatória, ou seja, no prazo legal.
Sendo certo que nesse mesmo acto interpôs recurso da decisão que a condenou em 4
UC, portanto, igualmente em prazo.
Os argumentos constantes das decisões recorridas nunca devem ser aceites
acriticamente pelos tribunais de recurso..., pois correm o risco de estar
errados, como foi e é o caso.
De concluir é, pois, que ao contrário do que foi afirmado na decisão sumária ora
sob reclamação, a questão da inconstitucionalidade da norma do art. 678°, n°1 do
C.P.Civil foi suscitada durante o processo, logo na reclamação para o Presidente
da Relação, imediatamente após ter sido invocada pelo Mmo. Juiz da 1a Instância
como fundamento legal da não admissão dos recursos.
De concluir é também que o facto de o Presidente da Relação não se ter
pronunciado sobre tal questão não tem qualquer relevo nesta sede porquanto a sua
decisão não admitia recurso ordinário.
De concluir é, por fim, que ao contrário do que igualmente foi afirmado na
decisão sumária sob reclamação, a ora reclamante não deixou expirar qualquer
prazo legal de recurso, ao contrário do que erradamente foi afirmado pelo
Presidente da Relação e acriticamente sufragado na referida decisão sumária.
Impondo-se por isso e com a devida vénia, determinar-se a admissão do recurso
interposto, como acto de elementar Justiça Constitucional.
Para além disto,
Incerta da sua leitura por quem de Direito, não pode no entanto a ora reclamante
deixar de sumariar seguidamente os factos que reputa de mais relevantes da
questão em apreço, para que este Tribunal aquilate e pondere se a mesma tem ou
não dignidade para ser apreciada em sede de constitucionalidade das leis e da
sua aplicação pelos tribunais judiciais. Para que das decisões constitucionais
nunca se diga, como das judiciais antigamente se dizia, fundamentá-las para quê
se de nós só para Deus...
Assim:
Numa acção em que a ora reclamante é autora e cujo valor processual é muito
superior ao de qualquer imaginável alçada judicial, requereu ela, durante o
desenvolvimento do processo, que determinada entidade fosse notificada para
juntar aos autos determinado documento que ela confessadamente tinha em seu
poder. O que constitui, em qualquer latitude, o mais simples e comezinho acto de
normal desenvolvimento da lide.
O Mmo. Juiz da causa, manifestamente sem sequer pensar na razão que invocou para
indeferir tal pretensão, deu como fundamento um argumento totalmente absurdo não
apenas de um ponto de vista lógico-jurídico, mas até de um ponto de vista da
lógica tout court, afirmação que aqui agora se reitera com o conforto da decisão
da Relação do Porto, já transitada em julgado que, revogando tal despacho,
inequivocamente o reconheceu.
A ora reclamante, apesar de saber que podia recorrer desse despacho, como aliás
veio a fazê-lo, visto que felizmente a sua acção tinha valor superior à alçada
do tribunal, entendeu todavia apresentar apenas — atenta a evidência e dimensão
do absurdo do fundamento nele invocado e em nome do princípio da economia
processual — um singelo pedido de reforma do despacho, ao abrigo do disposto no
art. 669° do C.P.Civil, com vista a que o Mmo Juiz, já perante a evidência de se
tratar de um manifesto lapso na qualificação jurídica dos factos, já perante a
imperiosa constatação de que do processo constavam elementos que, só por si,
implicavam necessariamente decisão diversa da proferida, eventualmente
modificasse a sua decisão ou, no mínimo, a elucidasse e esclarecesse quanto à
lógica, ostensivamente oculta, da sua ratio decidendi, ou seja, da sua
fundamentação.
O Mmo. Juiz, porém, em acto de auto-análise, sentenciou nos termos seguintes:
Sem necessidade de qualquer ponderação suplementar, é meu entendimento que o
despacho em causa é absolutamente linear, claro e inteligível, pelo que não
necessita de qualquer aclaração.
Na eventualidade de não concordar com o teor do mesmo — que é o que aparenta
suceder — então deve o Autor reagir em conformidade.
Pelo exposto indefiro a aclaração requerida.
Custas do incidente pela Autora, com taxa de justiça que fixo em 3 UC.
(Dir-se-á aqui, e a título de parêntesis, que o Tribunal da Relação do Porto, em
douto acórdão de 10 de Julho de 2007, já transitado em julgado, naturalmente
revogou o despacho que motivara o pedido de reforma (doc. que se anexa).
Retornando, temos que a autora, perante esta decisão, tomou duas atitudes
processuais distintas:
a. recorreu, como era seu direito, da decisão cuja reforma pretendera,
recurso esse que culminou com a decisão acima anexada;
b. requereu, como igualmente era seu direito, e igualmente ao abrigo do
disposto no art. 669° do C.P.Civil, a reforma da decisão que a condenou nas
custas.
Neste pedido de reforma da decisão que a condenou em custas, a autora tentou
sensibilizar o Mmo. Juiz para a circunstância de o seu pedido de reforma do
primitivo despacho não ser nem manifestamente impertinente, nem ostensivamente
dilatório, pugnando portanto pela supressão, mediante reforma, da decisão que o
condenara em custas, citando até, em abono da sua pretensão, uma anotação
concorde do Exmo. Juiz Conselheiro Salvador da Costa.
O Mmo. Juiz, porém, relembrando a autora que o seu despacho era “absolutamente
linear, claro e inteligível, pelo que não necessita de qualquer aclaração “, e
afirmando estar-se perante um caso de manifesta improcedência do pedido de
aclaração, não apenas entendeu que a decisão de condenação em custas não merecia
qualquer reforma, como entendeu, apesar da simplicidade, para ele, da questão,
de tão manifestamente improcedente que ela era, condenar de novo a autora
noutras custas, do segundo incidente de reforma, desta feita em 4 UC.
Foi então e só então — e porque a lei não impunha nem impõe antecedência diversa
(art. 686°, nº1 do C.P.Civil), que a autora interpôs recurso de agravo, tanto da
decisão que a condenou nas custas de 3 UC, como da decisão que a condenou nas
custas de 4 UC.
E foi então — e só então (a fls. 720) — que o Mmo. Juiz, apesar de reconhecer
que a acção tinha um valor superior ao da alçada da 1ª instância, veio afirmar,
lançando mão do disposto no art. 678º, n°1 do C.P.Civil, que a sucumbência da
Autora no que concerne às custas do incidente não é superior a metade dessa
mesma alçada. Como tal, logo por aí não pode o agravo ser admitido. O mesmo
sucede no que toca à condenação em custas decretada no despacho de fls. 694 (4
Uc), também ele de valor inferior a metade da alçada do Tribunal de 1ª Instância
Permitindo-se, em raciocínio aritmético que caso levasse a conclusão diversa
nunca empregaria, esclarecer que mesmo somando as duas condenações em custas, o
valor das mesmas (7Uc) não atinge o limite legal de que depende a
admissibilidade do recurso. Concluindo pela inadmissibilidade do recurso, dessa
vez sem custas, apesar da aparente linearidade da solução encontrada.
Perante esta decisão judicial, em que o Mmo. Juiz decidiu não admitir o recurso
ou os recursos com fundamento no disposto no art. 678°, n°1 do C.P.Civil, à
autora só lhe restava uma única via, que usou, de reclamar para o Presidente da
Relação do Porto, no sentido de ver admitidos os recursos que pretendera
interpor.
Nessa sua reclamação para o Presidente da Relação do Porto a autora suscitou
logo então — visto que antes não o podia ter feito — a questão da
inconstitucionalidade da norma do art. 678°, n°1 do C.P.Civil quando entendida
como aplicável às decisões que condenassem as partes processuais nas custas de
incidentes suscitados ao longo do processo.
Daí que, reitera-se, ao contrário do que foi agora sentenciado pela Exma.
Senhora Juiz Conselheira deste Tribunal Constitucional, a autora, aqui
reclamante, não haja omitido a observância de qualquer ónus de que legalmente
dependesse o conhecimento do presente recurso de fiscalização sucessiva de
constitucionalidade.
Devendo, por isso, o processo prosseguir com notificação para alegações.»
3. O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da
referida reclamação, veio responder-lhe nos termos seguintes:
«O representante do Ministério Público, neste Tribunal, notificado nos autos à
margem referenciados, do teor da reclamação apresentada, vem dizer que a mesma
não põe em causa a múltipla fundamentação constante da decisão sumária, que não
conheceu do objecto do recurso, motivo pelo qual deverá aquela ser indeferida»
4. Notificado para o efeito, o recorrido B. não apresentou resposta
dentro do prazo legalmente fixado.
Cumpre apreciar e decidir.
II – FUNDAMENTAÇÃO
5. A reclamante não logra demonstrar a suscitação das questões de
inconstitucionalidade de forma processualmente adequada, perante o tribunal “a
quo”, de modo a que este delas estivesse obrigado a conhecer.
A jurisprudência consolidada deste Tribunal tem sempre considerado não ser
bastante aos recorrentes afirmarem, perante os tribunais recorridos, que
determinada norma (ou interpretação normativa) padece de inconstitucionalidade.
Mais do que isso, os recorrentes devem suscitar um incidente de
inconstitucionalidade através do qual coloquem em crise uma precisa
interpretação normativa reputada de inconstitucional. Só quando a
inconstitucionalidade da interpretação normativa suscitada perante o tribunal
recorrido corresponde àquela colocada em sede de requerimento de recurso para o
Tribunal Constitucional poderá este dela conhecer, sob pena de subversão do
sistema português de fiscalização sucessiva concreta, que nega o modelo de
“recurso de amparo” e apenas atribui poderes a este órgão jurisdicional de
fiscalização concentrada para conhecer de questões de inconstitucionalidade
colocadas por particulares por via de recurso.
Ora, conforme admitido pela reclamante na sua reclamação, o único momento
processual em que a mesma suscitou uma questão de inconstitucionalidade
normativa foi precisamente na reclamação para o Presidente do Tribunal da
Relação do Porto, tendo-o feito nos seguintes termos:
“O entendimento segundo o qual o disposto no art. 678º, nº 1 se
aplica às condenações fundadas em manifesta improcedência das pretensões
deduzidas, na medida em que contradiz o disposto no art. 456º, nº 3 do C.P.Civil
é inconstitucional, pois viola o princípio da igualdade consagrado no art. 13º
da Constituição da República, segundo o qual, as situações da vida que, de um
ponto de vista substancial, seja[m] iguais, devem ser igualmente tratadas pela
lei, para além de violar o disposto no art. 20º do mesmo Texto Fundamental
quando consagra o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva.”
(fls. 12).
Daqui decorre que a recorrente não suscitou, em parte alguma, a
inconstitucionalidade “da norma do art. 678º, nº 1 do C.P.Civil quando entendida
como aplicável aos recursos interpostos de decisões que, proferidas ao abrigo do
disposto no art. 16º, nº 1 do Código das Custas Judiciais, condenem as partes em
custas entre 1 UC e 20 UC” (fls. 66).
6. Quanto à questão relativa à inutilidade processual do conhecimento da questão
suscitada, por força da expiração de prazo para reclamação das custas, importa
esclarecer que este Tribunal não detém poderes para conhecer, em sede de
recurso, de questões relativas ao Direito infra-constitucional. Ou seja, este
Tribunal não curou de determinar se a recorrente reclamou (ou não) em tempo das
custas fixadas pelo tribunal recorrido. A única questão relevante, para efeitos
de decisão sobre o conhecimento da questão de inconstitucionalidade suscitada,
reside em determinar se uma eventual decisão favorável à recorrente, a proferir
pelo Tribunal Constitucional, seria apta a alterar o sentido decisório do aresto
proferido pelo tribunal “a quo”.
A decisão sumária agora reclamada limitou-se a ter em conta que “a decisão
recorrida considerou ainda, a título subsidiário, que – mesmo que os seus
argumentos procedessem – a recorrente já havia deixado expirar o prazo legal
para impugnar a decisão sobre as custas”. Significa isto que este Tribunal não
conheceu – nem tão pouco poderia tê-lo feito – sobre se o prazo para reclamação
das custas fixadas havia ou não expirado. Pelo contrário, a decisão sumária ora
reclamada limitou-se a constatar “que uma hipotética decisão favorável à
recorrente, nesta sede de fiscalização da inconstitucionalidade, nunca seria
apta a alterar o sentido da decisão recorrida”, visto que o Tribunal da Relação
do Porto já havia considerado estar excedido o prazo de impugnação de custas.
Como tal, todas as considerações tecidas pela recorrente no sentido de
demonstrar que o referido prazo não foi ultrapassado revelam-se manifestamente
irrelevantes para os presentes autos, na medida em que este Tribunal não pode
revogar, em sede de recurso, decisões dos tribunais recorridos que digam
exclusivamente respeito à aplicação do Direito infra-constitucional, sendo ainda
certo que, quanto a este ponto, não vem aqui colocada qualquer questão de
constitucionalidade normativa.
Assim sendo, a presente reclamação é manifestamente improcedente.
III – DECISÃO
Pelos fundamentos supra expostos, e ao abrigo do disposto no do n.º 3 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas devidas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC’s, nos
termos do artigo 7º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 07 de Outubro.
Lisboa, 12 de Outubro de 2007
Ana Maria Guerra Martins
Vítor Gomes
Gil Galvão