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Processo nº 112/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
O Ministério Público acusou A., em processo de transgressão, que corre termos
no 1º Juízo Criminal do Tribunal de Faro (proc. nº 850/05.1TAFAR), pela prática,
em 3-11-2004, da transgressão prevista nos artº 39º e 43º, do Regulamento para a
Exploração e Polícia dos Caminhos de Ferro, aprovado pela Lei 39/80, de 21/8.
Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença, em
31-5-2006, que julgou “inconstitucional a norma constante do n.º 8, do artigo
14º da Tarifa Geral de Transportes aprovada pela Portaria n.º 403/75, de 30 de
Junho, alterada pela Portaria n.º 1116/80, de 31 de Dezembro enquanto manda
aplicar ao infractor uma sobretaxa igual a metade deste preço. E, caso não
pague tal quantia no prazo de 8 dias, sujeito ao pagamento de do décuplo daquela
importância – por violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade
e de proporcionalidade e, consequentemente, recusa-se a sua aplicação o que
implica a não condenação da arguida pela prática da contravenção ao disposto nos
artigos 39º e 43º do Regulamento para a Exploração e Polícia dos Caminhos de
Ferro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 39.780, de 21 de Agosto de 1954”.
Desta decisão recorreu o Ministério Público para o Tribunal Constitucional, nos
termos do artº 70º, nº 1, a), da Lei da Organização, Funcionamento e Processo
do Tribunal Constitucional (LTC).
Apresentou alegações de recurso com as seguintes conclusões:
“1. É inconstitucional, por violação dos princípios da culpa, da igualdade e da
proporcionalidade a norma constante do nº 8 do artigo 14º da Tarifa Geral de
Transportes, aprovada pela Portaria nº 403/75, de 30 de Junho, alterada pela
Portaria 1116/80 de 31 de Dezembro, na medida em que estabelece uma pena de
multa de valor fixo, que o tribunal terá sempre que aplicar em caso de
condenação.
2. Termos em que deverá confirmar-se a decisão recorrida quanto à questão de
inconstitucionalidade que é objecto do recurso”.
Fundamentação
No Tribunal de Faro recusou-se a aplicação da norma constante do n.º 8, do
artigo 14º, da Tarifa Geral de Transportes, aprovada pela Portaria n.º 403/75,
de 30 de Junho, alterada pela Portaria n.º 1116/80, de 31 de Dezembro, com
fundamento na violação dos princípios constitucionais da culpa, da igualdade e
da proporcionalidade.
A referida norma, na sua segunda parte, estabelecia as consequências da conduta
do passageiro que viajasse, além do mais, em comboio nas linhas ferroviárias do
continente, sem título de transporte válido e não se encontrando em condições
de efectuar de imediato o pagamento da importância referente ao bilhete que lhe
fosse passado, não a pagasse no prazo máximo de 8 dias.
Ao contrário do referido na decisão recorrida não era o nº 8, do citado artº
14º, da Tarifa Geral de Transportes, que mandava aplicar ao passageiro que
viajasse em comboio sem título válido uma sobretaxa igual a metade do preço do
respectivo bilhete, constando esse preceito do nº 1, desse mesmo artº 14º.
No nº 8, do artº 14º, constava apenas o seguinte:
“Quando um passageiro não se encontre em condições de efectuar de imediato o
pagamento da importância referente ao bilhete que lhe é passado, permite-se que
o faça na estação onde ficou identificado, no prazo máximo de oito dias; não o
fazendo, fica obrigado ao pagamento do décuplo daquela importância”.
Esta disposição estabelecia, na sua segunda parte, para um ilícito de natureza
contravencional, uma multa de valor fixo, caso se verificasse a situação
descrita no tipo (utilização de transporte colectivo ferroviário sem título
válido e omissão do pagamento da importância devida no prazo máximo de oito dias
após a viagem em causa). Não era um montante absolutamente fixo, porque era
calculado em função do preço do bilhete que lhe fosse passado, nos termos dos nº
1 a 4 e 6, do referido artº 14º, da Tarifa Geral de Transportes, mas era
seguramente uma sanção pecuniária fixa, no sentido de não graduável pelo juiz
dentro de uma moldura abstracta que estabelecesse um mínimo e um máximo.
Foi a natureza fixa desta sanção que fundamentou a declaração de
inconstitucionalidade proferida pelo tribunal recorrido, por se ter entendido
que essa característica da sanção estabelecida violava os princípios
constitucionais da culpa, da igualdade e da proporcionalidade.
No recente acórdão nº 344/07 do Plenário do Tribunal Constitucional, que
apreciou a constitucionalidade de norma semelhante, que também previa a
aplicação de sanção pecuniária fixa para o passageiro que viajasse sem título
válido em transporte rodoviário colectivo de passageiros (a alínea a), do nº 2,
do artº 3º, do D.L. 108/78, de 24 de Maio), concluiu-se que a previsão daquele
tipo de sanção não violava os princípios constitucionais da culpa, da
proporcionalidade e da igualdade.
A jurisprudência sustentada neste acórdão é inteiramente transponível para o
presente caso, pelo que, remetendo-se para a respectiva fundamentação, impõe-se
concluir que o n.º 8, do artº 14º, da Tarifa Geral de Transportes, aprovada pela
Portaria n.º 403/75, de 30 de Junho, alterada pela Portaria n.º 1116/80, de 31
de Dezembro, não viola os preceitos constitucionais com fundamento nos quais a
sentença recorrida lhe recusou aplicação.
Assim, deve ser concedido provimento ao recurso, ordenando-se a reforma da
sentença em conformidade.
*
Decisão
Pelo exposto, concede-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério
Público e, em consequência, decide-se:
a) não julgar inconstitucional a norma da segunda parte do n.º 8, do artigo 14º
da Tarifa Geral de Transportes, aprovada pela Portaria n.º 403/75, de 30 de
Junho, alterada pela Portaria n.º 1116/80, de 31 de Dezembro, na parte em que
estabelece para a contravenção aí prevista o pagamento duma multa correspondente
ao décuplo da importância do bilhete que é passado ao passageiro que viajar sem
título válido.
b) ordenar a reforma da decisão recorrida em conformidade com o decidido quanto
à questão de constitucionalidade.
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Sem custas.
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Lisboa, 3 de Julho de 2007
João Cura Mariano
Benjamim Rodrigues
Mário José de Araújo Torres (votei a decisão atendendo à orientação definida
pelo Plenário no Acórdão n.º 344/2007 relativamente a situação similar, sem
prejuízo de manter a posição definida na declaração de voto a ele aposta)
Rui Manuel Moura Ramos (acompanhando a declaração de voto do Senhor Conselheiro
Mário Torres)