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Processo nº 621/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
A. e B. foram condenados, em cúmulo jurídico, por acórdão da 1ª Vara de
Competência Mista de Sintra, proferido em 19-1-2007 e depositado no mesmo dia na
secretaria, nas penas de 3 anos e 6 meses de prisão e 4 anos de prisão,
respectivamente.
Por requerimento entrado em 22-01-2007 aqueles arguidos vieram solicitar a
confiança das gravações efectuadas na audiência de julgamento para efeito de
interposição de recurso de tal aresto.
Por despacho datado de 24-01-2007 entendeu-se nada ter a opor ao requerido,
devendo, para tanto, os interessados depositar na Secretaria as cassetes
necessárias à pretendida duplicação.
Este despacho foi notificado aos arguidos por carta registada enviada ao seu
mandatário em 30-1-2007.
Em 2-2-2007 os arguidos entregaram os suportes magnéticos necessários para a
duplicação da prova gravada em audiência de julgamento.
Em 6-2-2007 a secretaria entregou ao mandatário dos arguidos o suporte magnético
da prova produzida na audiência de julgamento.
Os arguidos interpuseram recurso do acórdão condenatório para o Tribunal da
Relação de Lisboa, por requerimento que deu entrada no Tribunal em 22-02-2007,
tendo sido remetido pelo correio no dia anterior, em que impugnaram a decisão
sobre a matéria de facto, com fundamento no teor dos depoimentos gravados
prestados na audiência de julgamento.
O recurso foi admitido no Tribunal recorrido.
O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 8 de Maio de 2007, rejeitou este
recurso, com fundamento na sua intempestividade, com os seguintes argumentos:
“Dispõe o Art.º 411º, n.º 1 do C.P.Penal que o prazo para interposição do
recurso é de 15 dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou,
tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria.
Verifica-se, pois, que a lei passou a fazer depender a contagem do prazo de
recurso do depósito na secretaria, isto, de certo, para evitar incertezas acerca
do início do mesmo, atendendo a alguma prática de publicação de sentenças sem
que fosse correspondente e simultaneamente facultado às partes o acesso ao seu
teor.
Aliás, neste sentido se pronunciou já o colendo S.T.J., segundo o qual: “I – O
prazo para interposição de recurso conta-se a partir da data da leitura e
depósito na secretaria, ainda que tenha sido deferido o requerimento do
assistente para ser notificado por carta registada no seu escritório, como foi
feito. II – A carta registada remetida a comunicar o teor do acórdão não tem a
virtualidade de transferir o início do prazo para a interposição do recurso.”
(cfr. Acórdão de 15-01-1997, C. J. – Acórdãos do S.T.J., Ano V, Tomo I – 1997,
págs. 200 e seg.).
E não se nos afigura que este entendimento seja susceptível de atentar contra
qualquer exigência de ordem constitucional respeitante às garantias de defesa do
arguido (cfr. Art.º 32º, n.º 1 da C.R.P.).
Por outro lado, é certo que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de
facto, o recorrente deve especificar os pontos de facto que considera
incorrectamente julgados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e
as provas que devem ser renovadas, devendo as duas últimas especificações serem
feitas por referência aos suportes técnicos quando as provas tenham sido
gravadas (cfr. Art.º 412º, n.ºs 3, alíneas a), b) e c) e 4, do supra aludido
diploma de direito adjectivo penal).
Porém, o prazo de interposição de recurso é sempre o mesmo (o acima indicado),
quer se trate de recurso que incida exclusivamente sobre matéria de direito,
quer se trate de recurso que vise somente a impugnação da decisão sobre matéria
de facto, quer, ainda, se trate de recurso que, simultaneamente, verse matéria
de direito e impugne a decisão sobre matéria de facto e conta-se, em qualquer
dos casos, do depósito da sentença na secretaria.
E dizemos isto porque, seguramente, a lei não estabelece qualquer distinção, nem
quanto ao prazo, nem quanto ao momento a partir do qual se inicia a respectiva
contagem.
Afigura-se-nos, também, que o normativo supra citado não carece de qualquer
integração, nem entra em contradição com qualquer outra norma processual penal.
Limita-se, tão só, a definir o prazo para a interposição de recurso, bem como a
determinar o momento a partir do qual se conta o mesmo e, por isso, não se
consegue vislumbrar que entre em colisão com qualquer outra norma do ordenamento
processual penal.
Deste modo, a questão fica delimitada à indagação da existência de uma lacuna
teleológica, ou seja, averiguar se a ausência de uma disposição especial
concedendo um acréscimo ao prazo de interposição de recurso quando vise a
impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto contraria o escopo visado
pelo legislador, subjacente à regulamentação legal da matéria de recursos.
Contudo, perante a teleologia imanente a todo o complexo normativo que constitui
o ordenamento processual penal, não pode, em nosso entender, ser afirmada a
existência de uma lacuna nesses termos.
Na verdade, verifica-se, desde logo, que o legislador sublinhou, no preâmbulo do
C.P.Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 78/87 de 17 de Fevereiro (cfr. Ponto
III, n.ºs 8 e 9) que uma das motivações que esteve na primeira linha dos
trabalhos da reforma do processo penal foi a procura de uma maior celeridade e
eficiência na administração da justiça penal.
E, nessa linha, aí se deixou consignado, nomeadamente, que “a eficiência é, por
um lado, o espelho da capacidade do ordenamento jurídico e do seu potencial de
prevenção, que, sabe-se bem, tem muito mais a ver com a prontidão e a segurança
das reacções criminais do que com o seu carácter mais ou menos drástico” e,
ainda, que “a celeridade é também reclamada pela consideração dos interesses do
próprio arguido, não devendo levar-se a crédito do acaso o facto de a
Constituição, sob influência da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, lhe
ter conferido o estatuto de um autêntico direito fundamental”.
Foi, por isso, propósito do legislador “reduzir ao mínimo a duração” dos
processos penais.
Constata-se, assim, que o propósito de aceleração processual aflora-se em
alterações e inovações, umas directamente preordenadas à aceleração processual,
outras apresentando pelo menos uma inquestionável valência neste sentido.
Sendo forçoso, de igual modo, salientar que a favor directamente da aceleração
processual está, sem dúvida, a nova disciplina em matéria de prazos.
Por outro lado, os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos
estabelecidos por lei, nos casos especificados nos n.ºs 2, 5 e 6 do Art.º 107º
do C.P.Penal.
Na primitiva versão, o acto só poderia ser praticado fora de prazo desde que se
provasse justo impedimento (n.º 2).
Com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 317/95 de 28 de Novembro,
foi aditado o n.º 5 que veio permitir o recurso ao regime do processo civil
sobre os prazos (Art.º 145º, n.ºs 5 e 6 do C.P.Civil).
O actual n.º 6 foi introduzido pela Lei n.º 59/98 de 25 de Agosto.
Com o novo n.º 6 é dada a possibilidade ao juiz de, em função da excepcional
complexidade do processo, prorrogar certos e determinados prazos a requerimento
do assistente, do arguido ou das partes civis.
Todavia, a prorrogação dos prazos aí prevista é excepcional e justificada pela
especial complexidade do procedimento, tendo de ser expressamente requerida (não
pode ser oficiosamente concedida) e, ainda assim, a possibilidade de prorrogação
só existe para certos prazos taxativamente definidos na lei [prazo do Art.º 78º
(contestação do pedido cível), prazo do Art.º 287º (requerimento para abertura
da instrução) e prazo do Art.º 315.º (apresentação da contestação e rol de
testemunhas para julgamento)].
Torna-se, igualmente, imperioso referir que o legislador, em 1998, apesar de
conhecedor do regime consagrado no processo civil, não entendeu incluir no n.º 6
do Art.º 107º sequer a possibilidade de prorrogação do prazo fixado no Art.º
411º, n.º 1, para o recurso que vise a impugnação da decisão proferida sobre
matéria de facto, nem incluiu, nesta última disposição legal, sobre a qual se
debruçou, alterando-a, norma correspondente ao n.º 6 do Art.º 698º do C.P.Civil.
Atendendo a que a disciplina em matéria de prazos visa corresponder à celeridade
que se quis imprimir ao processo penal e ao facto de o legislador, recentemente,
ter introduzido alterações na matéria, consagrando a possibilidade de
prorrogação de prazos em casos taxativamente definidos nos quais não incluiu a
interposição de recurso em matéria de facto, parece-nos seguro concluir que a
não previsão, ao nível do processo penal, de norma correspondente ao n.º 6 do
Art.º 698º do C.P.Civil traduz uma pensada opção legislativa, não podendo, pois,
afirmar-se a existência de uma lacuna teleológica.
Daí que, só se possa, legitimamente, concluir que, relativamente aos recursos em
processo penal que visem a impugnação da decisão proferida em matéria de facto,
não se aplica o supra mencionado normativo de direito adjectivo civil (cfr.
Acórdão do S.T.J. de fixação de jurisprudência n.º 9/2005, de 11 de Outubro de
2005, in D.R. Série I-A de 6 de Dezembro do mesmo ano).
E que, outrossim, não se pode olvidar que, conforme vem assinalado na
fundamentação de tal acórdão, a gravação da prova, enquanto meio que permite
proporcionar a reapreciação da decisão em matéria de facto pelo tribunal de
recurso, está submetida a modos regulamentados de execução (cfr. Art.ºs 3º a 9º
do Decreto-Lei n.º 39/95 de 15 de Fevereiro), avultando, no que para estes autos
importa, a circunstância de os suportes técnicos respectivos deverem ser
colocados pelo tribunal à disposição das partes no prazo máximo de oito dias a
contar da respectiva diligência.
Nesta conformidade, estatui o Art.º 7º do sobredito diploma que o tribunal
facultará cópia das gravações, devendo o mandatário, com a respectiva
solicitação, fornecer as fitas magnéticas necessárias, sendo que a resposta do
tribunal no prazo máximo que a lei impõe (oito dias) se harmoniza, por modo
adequado, com o exercício do direito ao recurso nos prazos fixados, isto até
por que, em caso de demora na disponibilidade das cópias, o interessado sempre
disporá da faculdade de invocar justo impedimento.
Aliás, entendendo-se, como se deixou já exarado supra, inexistir qualquer lacuna
no regime dos recursos penais em matéria de facto que cumpra suprir, não poderá
nunca obter-se alargamento do prazo da respectiva interposição com o fundamento
na necessidade prévia de obtenção de cópias dos registos magnéticos.
Até porque a motivação em processo penal constitui, quando bem interpretada na
sua função e finalidade processual, apenas uma delimitação do objecto do recurso
e a enunciação dos fundamentos, sendo o desenvolvimento dos fundamentos do
recurso objecto de intervenções posteriores, seja nas alegações na audiência
seja, quando o recorrente o requeira, em alegações escritas (cfr., nomeadamente,
Acórdão do S.T.J. de 03-03-2005, Processo 335/05-3ª Secção, in
www.pgdlisboa.pt).
Em regra, o recorrente, logo após a entrega das cópias, poderá facilmente
elaborar as motivações de recurso, mediante a especificação reportada aos
suportes técnicos, tal como lhe é exigido pelo estabelecido no Art.º 412º, n.º
4, com referência ao seu n.º 3, alíneas b) e c), do C.P.Penal.
Na medida em que, podendo os suportes técnicos referentes à prova gravada estar
à disposição do recorrente desde o início do prazo de interposição do recurso,
não se consegue vislumbrar motivo válido para entendimento diverso,
designadamente para o alargamento do respectivo prazo, sendo certo que de tal
entendimento não advém o cercear de quaisquer garantias de defesa
constitucionalmente consagradas.
O Tribunal Constitucional teve mesmo oportunidade de se pronunciar já pela
constitucionalidade da norma processual penal respectiva – Art.º 411º do
C.P.Penal –, no caso do recurso visar a reapreciação da prova gravada, tendo
considerado que o prazo de 15 dias estabelecido naquele dispositivo não ofende
as garantias de defesa consagradas na lei fundamental por não constituir um
encurtamento inadmissível das possibilidades de defesa do arguido (cfr. Acórdão
n.º 542/04 de 15 de Julho, em que foi relator o Exm.º Conselheiro Benjamim
Rodrigues).
Porém, quando a ultimação das motivações de recurso não for susceptível de
ocorrer, mormente por demora na disponibilidade das pretendidas cópias, sempre
poderá o recorrente usar da faculdade de invocar justo impedimento e de assim
vir a ser admitida a prática do acto fora do prazo “normal” de 15 dias
legalmente previsto para a interposição do recurso em processo penal.
Todavia, in casu, conforme se verifica, os arguidos nada invocaram nesse
sentido.
Aliás, não pode sequer deixar, ainda, de se salientar que, na data em que os
mesmos deduziram o requerimento de fls. 812, já há muito expirara, quer o prazo
máximo de 8 dias a contar de cada uma das sessões de audiência de julgamento (a
última sessão em que se registou produção de prova teve lugar em 20-12-2006),
quer o prazo de 3 dias de que dispunham para reclamar quanto à qualidade da
própria gravação.
Afigurando-se-nos, por outro lado, até que os recorrentes estiveram
particularmente atentos no que concerne à possibilidade do concreto e atempado
exercício da supra mencionada faculdade legal, tanto mais que, em momento
anterior – 09-11-2006 –, haviam solicitado já a confiança das gravações
efectuadas na sessão de julgamento ocorrida em 07-11-2006, o que lhes foi então
deferido (cfr. fls. 734 a 736).
Por conseguinte, dificilmente se concebe – nem vem sequer invocada – uma
efectiva impossibilidade de acesso ao suporte material da prova gravada,
geradora de justo impedimento, relativamente à não apresentação das motivações
de recurso no decurso do prazo de 15 dias previsto na lei para esse efeito.
Daí que, por força do que acaba de se expender, não se vislumbre a existência de
qualquer interpretação inconstitucional, maxime do estatuído nos Art.ºs 411º,
n.º 1 e 412º, n.ºs 3 e 4 do C.P.Penal, reportada ao consagrado no Art.º 32º da
C.R.P.
Nestes termos, impõe-se concluir que o recurso deduzido pelos arguidos A. e B. é
manifestamente extemporâneo, uma vez que, à data da sua interposição, estava já
precludida, de forma irremediável, a faculdade de reapreciação da matéria
objecto do mesmo.
O que decorre, desde logo, da circunstância do prazo, para tal efeito, ter
terminado no dia 05-02-2007 e, com pagamento de multa, em 08-02-2007.
Deve, por isso, tal recurso ser rejeitado por se verificar causa que devia ter
determinado a sua não admissão (Art.º 420º, n.º 1, segundo segmento, do
C.P.Penal), sendo, por outro lado, certo que o despacho de admissão do mesmo,
afirmando, implicitamente, a sua tempestividade, não vincula este tribunal
(Art.º 414º, n.º 3 do predito Código).
Por conseguinte, só pode, de uma forma patente, concluir-se que a Digna
Magistrada do Mº Pº junto deste Tribunal tem razão naquilo que suscitou a título
de questão prévia, o que, deste modo, obsta a que se tome conhecimento do teor
do sobredito recurso”.
Desta decisão interpuseram os arguidos recurso para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo do disposto nas alíneas b) e g), do n.º 1, do artigo 70.º, da Lei de
Organização Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), nos
seguintes termos:
“Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma do artigo 411.º, n.º
1, do Código de Processo Penal (abreviadamente, CPP) quando interpretada no
sentido com que foi aplicada no douto Acórdão, isto é, que o prazo para a
interposição de recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto e as
provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre a partir da
data do depósito da sentença na secretaria, e não da data da disponibilização
das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas pelo arguido
recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do direito de recurso.
Tal norma, na interpretação com que foi aplicada, viola o artigo 32.º, n.º 1 da
Constituição”.
Os arguidos apresentaram alegações, com as seguintes conclusões:
“I. Com o recurso da decisão da 1ª instância, pretenderam os recorrentes
impugnar a douta decisão proferida sobre a matéria de facto.
II. Nesse sentido, tendo havido gravação da prova e atento o disposto nos
números 3 e 4 do art. 412.º do CPP, os recorrentes requereram oportunamente (no
1.º dia útil seguinte à leitura do douto Acórdão), que lhe fosse facultado o
acesso às gravações das (diversas) sessões da audiência de julgamento.
III. A formação esclarecida da vontade de recorrer, por parte dos arguidos
condenados, e o adequado cumprimento por estes dos ónus que a lei de processo
penal impõe aos recorrentes que pretendam impugnar a decisão proferida sobre a
matéria de facto, no caso da gravação da audiência, implicam, em regra, o acesso
aos suportes técnicos que corporizam a gravação da audiência e das provas nela
produzidas.
IV. A invocação, perante o tribunal que proferiu a decisão condenatória, da
necessidade do acesso às ditas gravações para estruturar adequadamente a
motivação do recurso, constitui invocação de justo impedimento, susceptível de
diferir no tempo o início do prazo para a interposição e motivação do recurso em
que questione a matéria de facto.
V. É inconstitucional, por violação do direito ao recurso previsto no artigo
32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, a interpretação normativa
do artigo 411.º, n.º 1, do Código de Processo Penal que implica que o prazo para
interpor e motivar o recurso se conta inexoravelmente do depósito da sentença na
secretaria, mesmo nos casos em que os arguidos/recorrentes hajam requerido o
acesso à gravação da audiência por necessidade de obtenção de cópia de tal
gravação para o exercício do direito ao recurso”.
O Ministério Público concluiu do seguinte modo as suas contra-alegações:
É materialmente inconstitucional, por violação do direito ao recurso, consagrado
no nº 1 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, a interpretação
do nº 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal que conta, em termos
absolutamente peremptórios e preclusivos, o prazo de interposição e motivação do
recurso do arguido da data do depósito da sentença condenatória, desvalorizando
o acesso às gravações que corporizam a prova que sustenta aquela condenação,
mesmo nos casos em que o arguido tenha agido com a diligência devida para a
respectiva obtenção e haja revelado, com a sua conduta processual, a
essencialidade de tal acesso para a formação esclarecida da vontade de recorrer.
Termos em que deverá proceder o presente recurso”.
*
Fundamentação
A questão decidenda é a de saber se a interpretação da regra do artº 411º, nº 1,
do C.P.P., de que o prazo de 15 dias para interposição de recurso de sentença se
conta a partir do depósito desta na secretaria, mesmo quando a disponibilização
dos suportes magnéticos da prova produzida em audiência ocorra em data posterior
e se impugne a decisão da matéria de facto, viola o direito do arguido ao
recurso previsto no artº 32º, nº 1, da C.R.P..
O direito de defesa do arguido em processo penal, constitucionalmente estatuído,
é uma cláusula geral que inclui não só todas as garantias explicitadas nos
diversos números do artº 32º, da C.R.P., mas também todas as demais que decorram
da necessidade de efectiva defesa do arguido.
Este preceito deve ser interpretado à luz do denominado processo penal
equitativo e leal, no qual o Estado, ao fazer valer o seu jus puniendi, deve
actuar com respeito pela pessoa do arguido, considerando-o um sujeito processual
a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação,
de ser julgado por um tribunal independente e do processo decorrer com lealdade
de procedimentos, considerando-se ilegítimas quaisquer disposições, ou suas
interpretações, que impliquem uma diminuição inadmissível das possibilidades de
defesa do arguido.
Uma das manifestações deste direito à defesa, actualmente (desde a Revisão de
1997) com consagração específica no texto constitucional (artº 32º, nº 1, in
fine) é o direito ao recurso.
De modo a garantir a possibilidade de defesa contra a prolação de decisões
injustas, deve ser assegurada ao arguido a possibilidade de as impugnar para um
segundo grau de jurisdição, delas recorrendo.
Mas, para que esta possibilidade seja efectiva, é necessário que as normas
processuais que regulamentam o direito ao recurso assegurem que o arguido
recorrente tenha a possibilidade de analisar e avaliar criteriosamente os
fundamentos da decisão recorrida, de forma a permitir-lhe um exercício
consciente, fundado e eficaz desse seu direito.
Entre essas normas deve constar o estabelecimento de um prazo razoável para
apresentação do recurso, de forma a permitir que a ponderação e o labor
necessário para a prática desse acto decorra em período confortavelmente
suficiente para a sua realização.
Entre os fundamentos da sentença encontra-se a decisão sobre a matéria de facto
considerada provada ou não provada, a qual deve ser motivada de acordo com os
meios de prova apresentados (artº 374º, nº 2, do C.P.P.).
Os meios de prova orais produzidos em audiência de julgamento podem ser objecto
de gravação, de modo a possibilitar o controle da correcção daquela decisão
(artº 363º, do C.P.P.).
Assim, quando tenha ocorrido essa gravação, o respectivo suporte magnético é um
elemento essencial para que o arguido tenha a possibilidade de analisar e
avaliar criteriosamente a correcção dos fundamentos da decisão de facto, de
forma a permitir-lhe um exercício consciente, fundado e eficaz do seu direito ao
recurso.
Por isso, o prazo para o exercício deste direito só pode ser contabilizado
quando tais suportes sejam disponibilizados pela secretaria do Tribunal para
serem consultados pelo arguido, desde que a demora nessa disponibilização não
seja imputável ao próprio arguido.
E para que se difira o início da contagem deste prazo para esse instante, não se
deve exigir ao arguido que requeira tal alteração, com fundamento em justo
impedimento, nos termos do artº 107º, nº 2 a 4, do C.P.P..
Uma vez que esse impedimento se encontra documentado nos autos, tendo dele
conhecimento o tribunal, por virtude do exercício das suas funções, deve,
oficiosamente, considerar-se como início do prazo para o arguido recorrer, a
data em que lhe disponibilizou os suportes magnéticos, em solução semelhante à
prevista no artº 146º, nº 3, do C.P.C..
A necessidade de nestes casos o prazo para o arguido recorrer só se iniciar com
a disponibilização pela secretaria dos suportes magnéticos da gravação da
produção de prova, resultante da aplicação do direito ao recurso, consagrado no
artº 32º, nº 1, da C.R.P., tem sido afirmada reiteradamente pelo Tribunal
Constitucional (vide a fundamentação dos Acórdãos nº 433/02, pub. em “Acórdãos
do Tribunal Constituciona”l, 54º vol., pág. 551, 542/04, pub. em “Acórdãos do
Tribunal Constitucional”, 60º vol., pág. 349, 17/06,, pub. em Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 64º vol., pág. 273, 545/06 e 546/06, ambos pub. no
Diário da República, II Série, de 6-11-2006, e 194/07, disponível no site
www.tribunalconstitucional.pt), tendo, inclusive, os três últimos acórdãos
referidos proferido o seguinte julgamento:
Ac. 545/06 - “Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 411.º, n.º 1,
do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de o prazo para a
interposição de recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto e as
provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre a partir
da data do depósito da sentença na secretaria, e não da data da disponibilização
das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas pelo arguido
recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do direito de
recurso”;
Ac. 546/06 – “Julgar inconstitucional a norma do artigo 411º, nº 1, do Código de
Processo Penal, por violação do artigo 32º, nº 1, da Constituição, interpretado
no sentido de ao prazo de 15 dias referido nesse preceito não acrescer o período
de tempo em que o arguido não pôde ter acesso às gravações da audiência, desde
que se pretenda impugnar a matéria de facto e desde que o arguido actue com a
diligência devida”;
Ac. 194/07 – “Julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da
Constituição da República Portuguesa, a norma constante do artigo 411.º, n.º 1,
do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de que o prazo para a
interposição de recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto e as
provas produzidas em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre a partir da
data do depósito da sentença na secretaria, e não da data da disponibilização
das cópias dos suportes magnéticos, tempestivamente requeridas pelo arguido
recorrente, por as considerar essenciais para o exercício do direito de
recurso”.
Como o recurso constitucional tem natureza instrumental, só se justificando que
dele se conheça se o mesmo tiver utilidade para a decisão de fundo, pois, de
contrário, estar-se-ia a decidir uma pura questão académica, importa verificar
se, neste caso, a não aplicação da citada doutrina tem influência na decisão de
não admissão do recurso interposto pelos arguidos.
Relembrando a tramitação processual relativa à interposição do recurso:
- Em 19-1-2007 (sexta-feira) foi lida a sentença condenatória dos arguidos, a
qual foi depositada no mesmo dia na secretaria.
- Por requerimento, entrado em 22-01-2007 (primeiro dia útil seguinte ao do
depósito da sentença) os arguidos vieram solicitar a confiança das gravações
efectuadas na audiência de julgamento para efeito de interposição de recurso de
tal aresto.
- Por despacho, datado de 24-01-2007, entendeu-se nada ter a opor ao requerido,
devendo, para tanto, os interessados depositar na secretaria as cassetes
necessárias à pretendida duplicação.
- Este despacho foi notificado aos arguidos por carta registada enviada ao seu
mandatário em 30-1-2007.
- Em 2-2-2007 (dentro dos 3 dias em que se presume que aquela carta foi
recepcionada pelo destinatário) os arguidos entregaram os suportes magnéticos
necessários para a duplicação da prova gravada em audiência de julgamento.
- Em 6-2-2007 a secretaria entregou ao mandatário dos arguidos o suporte
magnético da prova produzida na audiência de julgamento.
- Os arguidos remeteram pelo correio em 21-2-2007 o requerimento de interposição
de recurso para o tribunal recorrido.
Apesar dos arguidos terem a possibilidade de requerer a entrega dos suportes
magnéticos no fim de cada sessão de julgamento com produção de prova, apenas
lhes é exigível que solicitem essa entrega após terem conhecimento do conteúdo
da sentença, para efeitos de ponderarem a oportunidade de impugnarem a decisão
sobre a matéria de facto e de fundamentarem esse acto, pois, só com esse
conhecimento se justifica que sintam a necessidade de consultar tais registos.
Assim, da sequência de actos processuais acima descrita verifica-se que os
arguidos, apesar de terem agido com a diligência exigível para que lhes fossem
disponibilizados os suportes magnéticos da gravação da prova produzida em
audiência, estes apenas lhes foram facultados em 6-2-2007, quando já tinha
terminado o prazo de 15 dias para interporem recurso (este prazo terminava em
5-2-2007), caso a contagem deste se iniciasse com o depósito da sentença, tendo
apresentado o requerimento de interposição de recurso dentro do prazo de 15 dias
após a disponibilização pela secretaria dos referidos suportes magnéticos.
Por isso, faz todo o sentido que se declare a inconstitucionalidade da
interpretação normativa que presidiu à decisão de não admissão do recurso
interposto pelos arguidos para o Tribunal da Relação de Lisboa, nos mesmos
termos em que já decidiram os citados acórdãos nº 545/06 e 194/07.
*
Decisão
Pelo exposto, acorda-se em:
a) julgar inconstitucional, por violação do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição
da República Portuguesa, a norma constante do artigo 411.º, n.º 1, do Código de
Processo Penal, interpretada no sentido de o prazo para a interposição de
recurso em que se impugne a decisão da matéria de facto e as provas produzidas
em audiência tenham sido gravadas, se conta sempre a partir da data do depósito
da sentença na secretaria, e não da data da disponibilização das cópias dos
suportes magnéticos, tempestivamente requeridas pelo arguido recorrente, por as
considerar essenciais para o exercício do direito de recurso;
e, consequentemente,
b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reformulação da decisão
recorrida, na parte impugnada, em conformidade com o precedente juízo de
inconstitucionalidade.
*
Sem custas.
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Lisboa, 3 de Julho de 2007
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos