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Processo nº 515/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
UGT – União Geral de Trabalhadores e A., arguidos no processo nº
40180/90.0TDLSB, da 3ª secção, da 4ª Vara Criminal de Lisboa, no decurso da
audiência de julgamento, requereram, conjuntamente com outros arguidos, que
fosse declarado prescrito o procedimento criminal movido contra eles naquele
processo.
Este requerimento foi indeferido por despacho do Juiz Presidente do Tribunal
Colectivo.
Interposto recurso deste despacho pela UGT – União Geral de Trabalhadores e por
A. foi o mesmo admitido, na instância recorrida, com subida a final, nos
próprios autos, com efeito devolutivo.
Desta decisão reclamaram os recorrentes para o Presidente do Tribunal da Relação
de Lisboa, relativamente ao regime de subida do recurso, requerendo que o mesmo
subisse imediatamente e em separado.
Esta reclamação foi indeferida por decisão da Vice-Presidente do Tribunal da
Relação de Lisboa, proferida em 23-3-2007.
Deste indeferimento foi interposto recurso para o Tribunal Constitucional nos
seguintes termos:
“União Geral de Trabalhadores (UGT) e outro, reclamantes nos autos à margem
referenciados, notificados do douto despacho de fls. e não se podendo com o
mesmo conformar, vêm interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por
inconstitucionalidade do disposto no nº 2 do art.º 407º CPP, na interpretação
dada pelas instâncias, por estar na desconformidade com o art.º 20º da CRP.
…
Termos em que se requer a Vossa Excelência que o presente recurso para o
Tribunal Constitucional seja admitido, nos termos do disposto nos art.ºs 6º, 70º
nºs 1, alínea b), 2 e 3, 72º, nºs 1 alínea b) e 2, 74º nº 3 e 75º nºs 1 e 2 da
lei orgânica, Lei 28/82 de 15/11, com a finalidade de vir a ser proferido
acórdão que determine a inconstitucionalidade do art.º 407º/2 do CPP vertida na
interpretação através do que o preceito foi mobilizado para a retenção desse
recurso”.
Notificados para enunciarem a interpretação normativa contida na decisão
recorrida cuja inconstitucionalidade pretendiam ver apreciada, foi apresentado
requerimento de correcção, nos seguintes termos:
“Respondendo à solicitação de V. Ex.a diz a União Geral de Trabalhadores – UGT
pretender conferir a constitucionalidade do artº 407º/2 CPP na interpretação
negativa da subida imediata dos recursos de despachos que negam a extinção do
procedimento criminal e por isso prolongam a audiência penal como gravame inútil
do arguido, não obstante poder este vir a ser absolvido na sentença final,
justamente pelo motivo intercalar rejeitado”.
A UGT apresentou alegações, com as seguintes conclusões:
“O presente recurso diz respeito ao indeferimento da modalidade de subida
imediata do recurso, dito intercalar, interposto do despacho que não acolheu a
prescrição do crime da acusação;
O fundamento das instâncias, inclusivamente do Excelentíssimo Presidente do
Tribunal da Relação está justamente em tratar-se de despacho intercalar penal
que deve seguir, em recurso, a regra da retenção, pois é necessário obter um
julgamento rápido da causa;
Contudo, este argumento é falacioso, porque muito mais rápido será decidido pela
prescrição, na 2ª instância;
De qualquer modo não é este o argumento principal: as questões de não condenação
penal (por exemplo: prescrição) têm exactamente o mesmo peso frente à garantia
do direito de liberdade que o julgamento. Não são, por conseguinte, questões
intercalares, mas verdadeiras questões finais;
E as questões finais que vão à Sentença não podem ter um tratamento processual
penal ao nível do direito fundamental ao recurso diferenciado do tratamento do
direito ao recurso de uma outra qualquer questão final, como é (e acima o
dissemos), o problema da prescrição do procedimento criminal;
Se acontecer da maneira contrária, tal como a interpretação do art.º 407º CPP é
feita pelas instâncias, infringe-se directamente o art.º 18º/3 CRP: não há
racionalidade na compressão do direito de liberdade frente ao direito de
julgamento dito rápido;
Assim, tem toda a razão de ser aquilo mesmo que já foi a esta minuta:
… ao sacrificar em detrimento dos direitos consagrados nos artigo 31.º, 1 e 2, e
20.º, n.º 5 da CRP, de forma injustificada e desnecessária à luz das
necessidades de celeridade processual (acauteláveis com o regime de subida
imediata e em separado previsto no artigo 406.º, n.º 2 do CPP), se atribui ao
artigo 407º, n.º 2 do CPP uma dimensão normativa inconstitucional, por violadora
dos artigos 18º, n.º 2, 31.º, 1 e 2, e 20º, n.º 5 da CRP;
E por outro lado, este entendimento negativo que as instâncias dão ao art.º
407º/2 CPP, por estar desadequado com o conceito de indemnidade processual
(pois, por exemplo, em caso de sentença absolutória, não há recurso da decisão
final e, por isso, não sobem os recursos intercalares) infringe o princípio
constitucional da recursibilidade, pois inutiliza o próprio recurso interposto e
retido”.
O M.P. apresentou contra-alegações com as seguintes conclusões:
“Não é inconstitucional a norma constante do nº 2 do artigo 407º do Código de
Processo Penal, interpretada em termos de só deverem subir imediatamente os
recursos expressamente tipificados no nº 1, não estando incluído em tal
tipologia taxativa o recurso interposto da decisão interlocutória que haja
considerado não se verificar a invocada prescrição do procedimento criminal.
Na verdade, a apreciação a final de tal recurso mantém efectiva utilidade para o
arguido, mesmo no caso de condenação, já que a respectiva procedência sempre
ditaria a retroactiva anulação dos actos processuais praticados, incompatíveis
com extinção do procedimento criminal.
Termos em que deverá improceder o presente recurso”.
*
Fundamentação
A questão decidenda é a de saber se a interpretação do disposto no artº 407.º,
nº 2, do C.P.P. (actual nº 1, após a alteração efectuada pela Lei 48/2007, de 29
de Agosto), no sentido de que não deve subir imediatamente o recurso interposto
da decisão, proferida em audiência de julgamento, que recusou declarar prescrito
o procedimento criminal, é inconstitucional.
O recurso das decisões que não põem termo ao processo, usualmente denominadas
interlocutórias, desde há muito vem sendo palco de confronto de interesses de
política processual conflituantes, sendo frequentes as oscilações das opções
legislativas neste domínio quer no processo penal, quer no processo civil
(leia-se, por exemplo, o édito de D. Afonso IV, que passou a integrar o § 4º, do
Título 71º, do Livro III, das Ordenações Afonsinas, o qual já reflectia os
problemas que ainda hoje se suscitam neste domínio).
Por um lado, muitas decisões interlocutórias assumem uma relevância, ou
condicionam de tal modo o resultado final do processo que dificilmente se
justificará que não sejam recorríveis, exigindo muitas vezes o seu conteúdo, sob
pena de já não poderem ser evitáveis consequências irreparáveis, que esse
recurso seja imediatamente apreciado.
Por outro lado, tais recursos são uma das causas de entorpecimento e perturbação
do processo, neles se despendendo, muitas vezes inutilmente, meios importantes
do aparelho judiciário, nomeadamente a actividade dos tribunais de recurso, com
prejuízo para a celeridade na apreciação das questões decisivas.
Daí que o legislador, ao longo dos tempos, tenha oscilado, ao sabor do sentir
dos efeitos negativos das diferentes soluções, entre a inadmissibilidade dos
recursos das decisões interlocutórias e a sua admissibilidade com conhecimento
imediato, passando por soluções intermédias, nas quais todos estes recursos só
subiriam a final ou subiriam imediatamente apenas aqueles em que se justificava
um conhecimento imediato (vide aspectos desta evolução legislativa, sobretudo na
área do processo civil, em “Código de Processo Civil anotado”, de ALBERTO DOS
REIS, vol. VI, pág. 98-103, da ed. de 1953, da Coimbra Editora, e em “O agravo e
o seu regime de subida”, de LUSO SOARES, pág. 111-144, da ed. s.d. da Almedina).
Em processo penal, na legislação anterior ao C.P.P. de 1929, a regra era os
recursos das decisões interlocutórias subirem imediatamente ao tribunal superior
para serem apreciados.
Com a aprovação deste código e por influência das reformas que tinham vindo a
ser operadas, em legislação avulsa, ao regime do C.P.C. de 1876, os recursos das
decisões interlocutórias, em regra, passaram a subir em dois momentos: com o
recurso do despacho de pronúncia ou equivalente e com o recurso da sentença
final (artº 653.º e 654.º). E no artº 655.º enumeraram-se quinze tipos de
decisões em que o recurso, excepcionalmente, subiria imediatamente. A 12ª
respeitava às decisões sobre excepções, o que abrangia a decisão que negasse a
prescrição do procedimento criminal.
O C.P.P. de 1987 não alterou muito este figurino, passando os recursos, em
regra, a subir com o interposto da decisão final (artº 407.º, nº 3), salvo os
relativos às decisões tipificadas nas diversas alíneas do artº 407.º, nº 1, e
aqueles cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis (artº 407.º, nº 2). O
aditamento desta cláusula geral copiou o disposto no artº 734.º, nº 2, do
C.P.C., o qual havia sido introduzido pelo D.L. 39.157, de 10-9-1953, por
pressão doutrinal e jurisprudencial, e que já vinha sendo aplicado em processo
penal, na vigência do C.P.P. de 1929, com base no critério de integração de
lacunas estabelecido no § único, do seu artº 1º (vide o Assento do S.T.J. de
13-7-1960, no B.M.J. nº 99, pág. 567). Mas, no elenco das decisões cujo recurso
deve ser apreciado imediatamente, constante do nº 1, do artº 407.º, deixou de
figurar as que apreciavam excepções (a recente alteração introduzida a este
artigo pela Lei nº 48/2007, de 29 de Agosto, procedeu à troca do conteúdo dos
anteriores nº 2 e nº 1, passando a ser enunciada em primeiro lugar a regra de
que sobem imediatamente todos os recursos cuja retenção os tornaria inúteis e só
depois se enumerando casos em que o recurso deve subir imediatamente).
A decisão recorrida entendeu que o recurso interposto da decisão, proferida em
audiência de julgamento, que não declarou prescrito o procedimento criminal
também não se integrava na cláusula geral estabelecida no artº 407.º, nº 2, do
C.P.P., de 1987, na sua redacção original.
Neste recurso não cumpre verificar da correcção infra-constitucional deste
juízo, mas apenas verificar se ele viola algum parâmetro constitucional,
nomeadamente o direito ao recurso de que é titular o arguido.
O Tribunal Constitucional já foi chamado por diversas vezes a pronunciar-se
sobre a constitucionalidade da subida diferida de recursos interpostos de
decisões interlocutórias, tendo quase sempre concluído pela sua conformidade com
os princípios constitucionais.
Assim ocorreu nos seguintes acórdãos:
474/94 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 28º vol., pág. 393),
relativo ao recurso de decisão que indeferiu a realização de diligências de
prova em instrução;
964/96 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 34º vol., pág. 413),
relativo ao recurso de decisão que indeferiu a realização de diligências de
prova em instrução;
1205/96 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 35º vol., pág. 551),
relativo ao recurso de decisão instrutória, na parte em que indeferiu questão
prévia relativa à nulidade de diligência de busca;
244/97 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt), relativo ao recurso
de decisão que indeferiu pedido de entrega de veículo apreendido;
104/98 (pub. no D.R., II Série, de 20-3-1998), relativo ao recurso de decisão
que indeferiu a realização de diligências de prova em instrução;
551/98 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt), relativo ao recurso
de decisão que indeferiu a arguição de nulidade de notificação da acusação por
editais;
68/2000 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 46º vol., pág. 367),
relativo ao recurso de decisão que indeferiu a realização de diligências de
prova em instrução;
350/2002 (disponível no site www.tribunalconstitucional.pt), relativo ao recurso
de decisão que indeferiu a arguição de nulidade de escutas telefónicas;
242/2005 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 62º, vol., pág. 325),
relativo ao recurso de decisão que indeferiu a arguição de nulidades ocorridas
durante o inquérito.
A mesma posição foi assumida pelo Tribunal Constitucional quando a decisão
recorrida não acolhia a pretensão do arguido de ver prescrito o procedimento
criminal, como ocorre neste processo (acórdãos nº 435/2000, pub. em “Acórdãos do
Tribunal Constitucional”, 48º vol., pág. 293, e 46/2001 disponível no site
www.tribunalconstitucional.pt).
E, se o acórdão nº 417/2003 (pub. em “Acórdãos do Tribunal Constitucional”, 57º,
vol., pág. 297) considerou inconstitucional “a norma do artigo 407º, n.º 2, do
Código de Processo Penal, interpretada no sentido de apenas dever subir com o
interposto da decisão final o recurso interposto de decisão que indeferiu o
pedido de acesso a elementos contidos nos autos, com vista a impugnar a decisão
que aplicou ao recorrente a medida de coacção de prisão preventiva”, foi por se
considerar que a decisão do recurso, a final, não teria qualquer sentido útil e
que nunca apagaria a prisão preventiva entretanto sofrida.
JOSÉ MANUEL VILALONGA veio, entretanto, alertar que a questão da
constitucionalidade da subida diferida dos recursos em processo penal, não podia
ignorar que a marcha do processo penal, com a sucessiva passagem das várias
fases processuais, implicava uma estigmatização social, ou uma afectação da
dignidade cívica crescente do arguido (em “Direito de recurso em processo
penal”, em “Jornadas de direito processual penal e direitos fundamentais”, pág.
382).
O direito de defesa do arguido em processo penal, constitucionalmente
proclamado, é uma cláusula geral que inclui não só todas as garantias
explicitadas nos diversos números do artº 32.º, da C.R.P., mas também todas as
demais que decorram da necessidade de efectiva defesa do arguido.
Este preceito deve ser interpretado à luz do denominado processo penal
equitativo e leal, no qual o Estado, ao fazer valer o seu jus puniendi, deve
actuar com respeito pela pessoa do arguido, considerando-o um sujeito processual
a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação,
de ser julgado por um tribunal independente e do processo decorrer com lealdade
de procedimentos, considerando-se ilegítimas quaisquer disposições, ou suas
interpretações, que impliquem uma diminuição inadmissível das possibilidades de
defesa do arguido.
Uma das manifestações deste direito à defesa, actualmente (desde a Revisão de
1997) com consagração específica no texto constitucional (artº 32.º, nº 1, in
fine) é o direito ao recurso.
De modo a garantir a possibilidade de defesa contra a prolação de decisões
injustas, deve ser assegurada ao arguido a possibilidade de impugnar para um
segundo grau de jurisdição, não só a sentença condenatória, mas também todas as
decisões que afectem direitos fundamentais deste, ou que prejudiquem seriamente
a sua posição processual.
E, para que esta possibilidade seja efectiva, é necessário que as normas
processuais que regulamentam o direito ao recurso assegurem que o arguido possa
impugnar essas decisões duma forma eficaz.
Contudo, isto não significa que toda e qualquer decisão proferida em processo
penal seja recorrível pelo arguido, nem que todos os recursos por ele
interpostos devam ser imediatamente apreciados pelo tribunal superior.
O artº 20.º, nº 5, da C.R.P., ao dispor que “para defesa dos direitos e
garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais
caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e
em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos”, positivando o due
process, permite a conciliação de vários graus de celeridade processual,
nomeadamente o sacrifício da máxima celeridade em determinadas tramitações
processuais, para defesa duma racionalização dos meios disponíveis, de forma a
garantir uma administração geral da justiça em prazos razoáveis.
Havendo razões de política processual que justifiquem que os recursos de
decisões interlocutórias apenas subam com o recurso interposto da decisão final,
o legislador ordinário poderá estabelecer e o julgador, interpretando a lei,
poderá determinar a sua subida diferida para este momento, desde que tal regime
não atinja o núcleo essencial dos direitos constitucionais do arguido em
processo penal.
É a verificação destas circunstâncias que importa fazer.
Não sendo este um caso em que o recurso teria efeitos suspensivos do processo
(artº 408.º, nº 2, do C.P.P.) a sua subida imediata não provocaria qualquer
entorpecimento ou atraso do processo, uma vez que ela ocorreria em separado
(artº 406.º, do C.P.P.), sendo insignificante o trabalho de instrução dos autos
de recurso com as peças necessárias (artº 414.º, nº 6, do C.P.P.).
Não são, pois, razões de celeridade do processo em que foi deduzido o recurso
que justificam que este suba diferidamente.
São antes razões de política processual geral, de necessidade de filtragem dos
recursos a apreciar pelos tribunais superiores, de modo a apurar a qualidade e a
celeridade das suas decisões, que subsistem como justificação para esse regime
de subida.
Na verdade, com a subida diferida dos recursos interlocutórios evita-se a
apreciação pelos tribunais superiores de muitos deles, uma vez que o seu
conhecimento fica prejudicado pelo sentido da decisão final.
Esse diferimento não prejudica o direito ao recurso de decisão interlocutória
que julgou improcedente o pedido do arguido de ser declarado prescrito o
procedimento criminal, uma vez que aquele sempre terá direito à apreciação por
um segundo grau de jurisdição da sua pretensão, salvo se vier a ser absolvido
dos crimes que lhe são imputados, situação que lhe é mais favorável que a mera
extinção do procedimento criminal, por prescrição.
Não se pode, pois, dizer que, nesta situação, o diferimento do momento da
apreciação do recurso prejudique a efectividade do direito do arguido obter um
controlo por um tribunal superior da correcção da decisão do tribunal de 1ª
instância.
Contudo, esse adiamento não evita o prosseguimento do processo até à decisão
final, o que o arguido conseguiria na hipótese do recurso subir imediatamente e
obter provimento antes de ser proferida tal decisão.
A verificar-se esta hipótese os arguidos recorrentes veriam prolongado o seu
estatuto de arguido submetido a julgamento, com a consequente compressão da sua
liberdade individual, por força do regime da subida diferida daquele recurso.
Na verdade, um arguido sujeito a julgamento, mesmo que se encontre apenas
submetido à medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência
(e não há notícia nestes autos de recurso que os recorrentes estejam sujeitos a
outras medidas de coacção), sempre sofre as limitações impostas pelo nº 3, do
artº 196.º, do C.P.P., além daquelas que resultam necessariamente da
circunstância de se encontrar a ser julgado (v.g. a perda de tempo resultante da
comparência na audiência de julgamento e organização da defesa, os gastos
patrimoniais com a mesma e as repercussões da preocupação com o desfecho do
processo).
Todavia, o Tribunal Constitucional tem vindo a entender que a limitação dos
direitos individuais do arguido, resultante da sua sujeição a julgamento, não
viola o princípio da presunção de inocência (artº 32.º, nº 2, da C.R.P.) e não
justifica que se exija que tenha havido uma completa e exaustiva verificação de
existência de razões que indiciem a sua presumível condenação, nomeadamente
através de um duplo controlo jurisidicional dessa verificação, pelo que também
nesta situação seria suficiente a decisão da 1ª instância que rejeitou a
prescrição do procedimento criminal para justificar o prosseguimento do processo
até à decisão final, sem necessidade de, entretanto, ser apreciado o recurso
dessa decisão.
E, mesmo que não se perfilhe este entendimento, tendo em consideração que na
concreta questão de inconstitucionalidade aqui em discussão, a decisão recorrida
já foi proferida em plena audiência de julgamento, a compressão dos direitos
individuais dos arguidos, imputável ao diferimento da apreciação do recurso,
além de ser meramente hipotética, tem uma dimensão que não é suficiente para
impedir a prevalência das razões de política processual (a celeridade e
qualidade das decisões dos tribunais de recurso) que fundamentam tal
diferimento.
Daí que se conclua que não é inconstitucional, nomeadamente por não violar o
disposto nos artigos 32.º, nº 1 e 2, e 20.º, nº 5, da C.R.P., a interpretação do
artº 407.º, nº 2, do C.P.P., no sentido de que não deve subir imediatamente o
recurso interposto da decisão, proferida em audiência de julgamento, que recusa
declarar prescrito o procedimento criminal.
*
Decisão
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso interposto por UGT – União Geral de
Trabalhadores e A. da decisão da Vice-Presidente do Tribunal da Relação de
Lisboa de 23-3-2007.
*
Custas do recurso pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades
de conta, tendo em consideração os critérios do artº 9.º, do D.L. 303/98, de
7/10 (artº 6.º, nº 1, deste diploma).
*
Lisboa, 25 de Setembro de 2007
João Cura Mariano
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Joaquim Sousa Ribeiro (vencido,
conforme declaração que junto)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não acompanhei a decisão que fez vencimento, por entender que a subida diferida
dos recursos de despachos denegatórios da ocorrência de uma causa extintiva do
procedimento criminal, como a prescrição, esvazia de tutela efectiva o interesse
que a invocação em juízo dessa excepção visa satisfazer. Tendo em conta a
natureza e alcance específicos deste meio de defesa – que, a meu ver, não foram
adequadamente valorados –, a simples continuação do processo acarreta violação
das garantias de defesa, na sua dimensão de direito a recorrer.
Na verdade, o requerimento de prescrição criminal e o recurso contra o seu
indeferimento não almejam obter uma decisão de fundo de sentido favorável ao
requerente, contrariamente ao que se passa, por exemplo, com os recursos das
decisões de não admissão de meios de prova. O fim tido em vista com essa
iniciativa processual é antes a cessação do procedimento criminal, ou seja, a
não apreciação da questão de fundo e a não prolação de uma decisão a seu
respeito, por já não ser exercitável, no caso, o poder sancionatório do Estado.
O que é posto em causa não é apenas a eficácia de uma decisão condenatória que
venha a ser proferida, mas, mais radicalmente, o poder de a proferir, o poder de
julgar os factos submetidos a juízo.
Por isso é que, no caso de sentença absolutória (em que, obviamente, não havendo
recurso da decisão final, a questão da prescrição não chega a ser apreciada),
nunca se pode dizer que a sentença consome o objecto do recurso, por dar
satisfação, ainda que por outra via, ao interesse subjacente à alegação de
prescrição. Esse interesse – o interesse em não ser submetido ao poder
jurisdicional do Estado, por prescrição do procedimento criminal – fica
irremediavelmente prejudicado quando, não havendo decisão definitiva quanto à
ocorrência de prescrição, a acção prossegue até à decisão final. Proferida
sentença absolutória, pode concluir-se que o requerente obteve exactamente o
mesmo tratamento que lhe seria dispensado se não tivesse invocado a prescrição,
sem conseguir evitar o prosseguimento da sujeição a procedimento criminal – de
que o recurso, a ser provido, o libertaria.
Menos ainda se pode dizer, contrariamente ao expendido na fundamentação da
decisão de que divirjo, que, para o arguido, a absolvição é uma «situação que
lhe é mais favorável que a mera extinção do procedimento criminal, por
prescrição».
Esse é um juízo que deve ser deixado à autodeterminação do interessado. É aqui
descabida uma visão paternalista do que é o “bem” para o arguido: é ao próprio
que cabe definí-lo e determinar o modo de o alcançar. E não pode esquecer-se que
a continuação da instância acarreta inevitavelmente uma compressão da liberdade
do arguido na condução da sua vida e a vivência de situações susceptíveis de
ocasionar incómodos e gravames.
No caso de o processo finalizar por uma sentença de condenação, o provimento do
recurso não apaga, a mais disso, a estigmatização social daí decorrente.
Sou, pois, de opinião que a garantia judiciária efectiva do direito à extinção,
por prescrição, do procedimento criminal e do direito ao seu reconhecimento, por
via de recurso, torna constitucionalmente exigível a subida imediata do recurso
da decisão que nega a ocorrência dessa causa extintiva. Como se sustenta no voto
de vencida da Conselheira Maria Fernanda Palma, aposto no Acórdão n.º 242/2005
do Tribunal Constitucional (D.R., II Série, 10 de Outubro de 2005, p. 14.526), a
«tutela constitucional do direito de recurso impõe, no plano
infraconstitucional, a efectiva eficácia do recurso». A retenção do recurso até
à eventual interposição de recurso da decisão final rouba-lhe efectividade, no
plano substancial, pois já não permite a satisfação plena do direito à extinção
do procedimento criminal que, por essa via, se pretende ver reconhecido.
Daí não ter podido acompanhar o entendimento contrário, que fez vencimento.
Joaquim Sousa Ribeiro