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Processo nº 475/07
2ª Secção
Relator: Conselheiro João Cura Mariano
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
Relatório
No Tribunal Judicial do Cartaxo correu termos um processo de expropriação movido
pela A. S.A. contra B. e marido, C., D. e E., e ainda contra o Fundo de Fomento
Florestal, este na qualidade de credor hipotecário, com vista à expropriação e
determinação da indemnização devida pela expropriação de duas parcelas de
terreno com as áreas de 16.092 m2 e 26.136 m2, cada uma delas, por sua vez,
constituída por várias fracções, a destacar do prédio rústico denominado '…” com
a área total de 1.082 ha e 6.600 m2, antes descrito na Conservatória do Registo
Predial de Azambuja sob o nº 25619, de fls. 198, do Livro B-65 (Alenquer), e
actualmente descrito sob o nº 01894/230296 de Azambuja e sob o nº 00271/0902967
de Vila Nova da Rainha e inscrito na matriz rústica da freguesia de Azambuja sob
o art. 1º, Secção I a III e na matriz rústica da freguesia de Vila Nova da
Rainha sob o art. 1º, Secção A a A5, sendo que a primeira das parcelas seria a
destacar da parte sita na freguesia de Azambuja e a segunda da sita na freguesia
de Vila Nova da Rainha.
Segundo a Declaração de Utilidade Pública, tais parcelas eram necessárias à
construção de terceiras vias (alargamento) do sub-lanço Carregado - Aveiras de
Cima da Auto-Estrada do Norte.
Nesse processo foi proferida sentença em 31/5/2001, fixando a indemnização
devida pela expropriante aos expropriados em 8.202.114$00, ou seja, em €
40.911,97.
Os expropriados recorreram desta decisão e o Tribunal da Relação de Évora, em
acórdão de 06.10.2003, deliberou anular a avaliação pericial e a sentença
recorrida e ordenar nova avaliação.
Repetida a peritagem, foi proferida nova sentença, fixando a indemnização devida
em € 52.313,45 – sem qualquer actualização por reportar os valores à data da
avaliação – assim constituída:
- € 40.652,00 de capitalização do rendimento fundiário médio anual;
- € 1.401,53 de potencial idade edificativa;
- € 259,92 de desvalorização de parte sobrante temporariamente utilizada.
Contra tal sentença recorreram os expropriados, a título principal, e a
expropriante, a título subordinado, tendo o Tribunal da Relação de Évora,
proferido novo acórdão em 12-10-2006 que julgou parcialmente procedente a
apelação principal dos expropriados, reportando o cálculo da indemnização à data
da publicação da DUP e actualizando-o depois de deduzida a importância
entretanto entregue aos expropriados, e julgou procedente a apelação subordinada
da expropriante, desconsiderando factores de edificabilidade na determinação do
montante indemnizatório do solo classificado como apto para outros fins, fixando
a indemnização devida aos expropriados em € 40.911,92, sem prejuízo da dedução e
actualização acima referidas.
Desta sentença recorreram os expropriados para o Tribunal Constitucional, nos
termos do artº 70.º, nº 1, b), da LTC, com fundamento na inconstitucionalidade
do artº 24.º, nº 5, do C.E., na interpretação que lhe foi dada pelo aresto
recorrido, por violação dos artº 13.º e 62.º, da C.R.P..
Convidados a enunciarem a interpretação normativa cuja inconstitucionalidade
pretendiam ver apreciada, os recorrentes apresentaram requerimento de correcção,
com o seguinte teor:
“Conforme resulta do requerimento de interposição de recurso apresentado em
2006.10.26, o presente recurso tem por objecto a questão de
inconstitucionalidade do art. 24º/5 do Código das Expropriações, aprovado pelo
DL 438/91, de 9 de Novembro (CE 91):
Através do presente recurso pretende-se questionar a dimensão normativa do
referido preceito legal, no sentido em que este foi interpretado e aplicado no
douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, considerando-se excluídas da
classificação de “solo apto para a construção” as parcelas expropriadas,
destinadas à construção de uma auto-estrada e nas proximidades de uma estação de
serviço, maxime face ao disposto no art. 24º/2 do CE 91, por se ter entendido
que “a mera confinância com a auto-estrada (e eventualmente áreas de serviço
desta), não é, só por si e sem mais, susceptível de determinar a conversão de
tal terreno em solo edificável, a mera construção e existência da área de
serviço, adstrita ao serviço dos utentes da auto-estrada, não permite atestar
aí qualquer potencialidade edificativa relevante”.
Cremos que os referidos sentido e dimensão normativa não podem ser adoptados,
por serem incompatíveis com as normas e princípios constitucionais consagrados
no art. 62º da CRP (v. art. 70º/1/b) da LTC).
Com efeito, o disposto no art. 24º/5 do CE 91 não pode implicar que a
circunstância de parte das parcelas expropriadas se destinar a uma auto-estrada
afaste a sua avaliação como solo apto para construção ou pelo menos as
potencialidades edificativas inerentes aos fins a que se destina, impondo-se
assim a sua classificação e avaliação como solo apto para a construção (v. art.
62º da CRP).”
Concluíram, do seguinte modo, as suas alegações:
“1º. A CRP apenas permite a expropriação mediante o pagamento de justa
indemnização, a qual deve ser fixada, com base no valor real e corrente dos bens
expropriados, o que leva necessariamente à consideração do ius aedificandi como
um dos factores de fixação valorativa (v. art. 62º da CRP; cfr. art. 22º do CE
91 e art. 23º do CE 99);
2º. Nos termos do n.º 2 do art. 24º do CE 91, considerava-se solo apto para a
construção, além do mais:
- O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de
energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as
edificações nele existentes ou a construir (v. art. 24º/2/a));
- O que apenas dispõe de parte das infra-estruturas referidas na alínea
anterior, mas se integra em núcleo urbano existente (v. art. 24º/2/b)) – cfr.
texto nº. 2;
3º. A classificação do solo como apto para a construção não depende da
existência de todas as infra-estruturas referidas na alínea a) do n.º 2 do
artigo 24º do CE 91 – acesso rodoviário, rede de abastecimento de água, de
energia eléctrica e de saneamento (v. Ac. RP de 1997.11.20, CJ 1997/V/199; cfr.
do signatário, Expropriações por Utilidade Pública, p.p. 187);
4º. O sentido normativo fixado pelo acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de
2006.10.12, relativamente à disposição contida no art. 24º/5 do CE 91 é
claramente inconstitucional, pois implica a desconsideração das efectivas
capacidades edificativas de bens sujeitos a expropriação, face a normas
regulamentares preparatórias e pré-ordenadas à própria expropriação, em clara
violação dos princípios da igualdade e da justa indemnização
constitucionalmente consagrados (v. arts. 13º e 62º da CRP);
5º. Como se reconheceu expressamente no douto acórdão recorrido, nas
proximidades das parcelas expropriadas foram construídas, em ambos os sentidos
da Auto-Estrada, as instalações da área de serviço de Aveiras de Cima,
situando-se entre 500 m a 3 km de distância de Aveiras de Cima, pelo que as suas
potencialidades edificativas “configuram-se bem definidas e próximas” (v. Ac. RP
de 1991.01.31, BMJ 403/483; RE de 1990.10.18, CJ 1990/IV/292), não podendo
deixar de ser consideradas in casu (v. arts. 13º e 62º da CRP);
6º. A consideração das capacidades edificativas do imóvel expropriado sempre
resultaria do disposto no art. 26º/12 do CE 99, bem como do princípio
constitucional da igualdade (v. art. 13º da CRP).”
A entidade expropriante apresentou as seguintes conclusões nas suas
contra-alegações:
a) – São as parcelas expropriadas – constituídas por 31 pequenas fracções que se
estendem ao longo da Auto-Estrada do Norte (sublanço Carregado-Aveiras de Cima)
– a destacar de um prédio rústico, com a área de 10.836.400 m2, denominado “…” e
“…”, sito nas Freguesias de Vila Nova da Rainha e Azambuja;
b) – Estavam incultas à data da DUP e apenas ocupadas por vegetação espontânea,
apresentando os solos aptidão para as culturas arvenses de sequeiro;
c) – Não são dotadas de quaisquer infra-estruturas urbanísticas, nelas não
existem benfeitorias – muito embora nas suas proximidades existam as instalações
da área de serviço de Aveiras de Cima em ambos os sentidos da Auto-estrada e
algumas construções dispersas servidas por rede pública de electricidade para
habitação e apoio à actividade agrícola e pecuária – e o prédio de que foram
desanexadas tinha acesso por caminho público e também acesso rodoviário através
do CM 1158;
d) – O aglomerado urbano mais próximo é a freguesia de Aveiras de Cima, situado
entre 500 metros a 3 quilómetros de distância, distando a área expropriada cerca
de 2 quilómetros do núcleo habitacional de Casais dos Britos;
e) – A sua classificação no PDM de Azambuja é de “Espaço Canal “, sendo os
terrenos vizinhos, maioritariamente, classificados como “Espaços Florestais” e,
com menor representatividade, como “Espaços Agrícolas não integrados na RAN”;
f) – Perante esta matéria factual, o douto acórdão, ora impugnado, considerou
que o terreno das parcelas expropriadas, face ao nº 2 do artº 24º do CE (1991) –
aplicável ao caso – não reunia condições para poder ser classificado como
terreno apto para construção;
g) – O douto acórdão fez uma correcta aplicação do direito aos factos e a
decisão nele proferida não merece qualquer censura, nem a título de ilegalidade,
nem a título de inconstitucionalidade das normas aplicadas;
h) – Não foi aplicado, ao caso concreto, o nº 5 do artº 24º do CE (1991), nem
este tinha aqui qualquer aplicação;
i) – A arguida inconstitucionalidade do nº 5 do artº 24º do CE (1991) não tem
assim qualquer fundamento.”
*
Fundamentação
1. Do objecto do recurso
Com o presente recurso os expropriados pretendem ver apreciada a
constitucionalidade da interpretação normativa, com base na qual o acórdão
recorrido classificou as parcelas expropriadas como “aptas para outros fins”, de
modo a fixar o respectivo montante indemnizatório pela expropriação.
Foi a seguinte a fundamentação aduzida nesse acórdão para efectuar tal
classificação:
“…A sentença recorrida classificou o solo das parcelas expropriadas como solo
para outros fins, classificação esta que os expropriados, todavia, não aceitam,
reclamando antes a de solo para construção.
É sabido que a aptidão edificativa é o factor que intervém decisivamente na
valorização do terreno.
Vejamos, pois, se as parcelas expropriadas podem ser classificadas como solo
para construção como defendem os expropriados.
Do art. 24º do CE (1991) – diploma aplicável tendo em atenção a data da
Declaração de Utilidade Pública – decorre que o solo para construção se delimita
por exclusão, sendo tal apenas o que satisfizer os requisitos enunciados nas
várias alíneas do nº 2 e no nº 3.
Todo o mais é apto para outros fins (nº 4).
Elementar confronto da matéria de facto com estes preceitos força a conclusão da
justeza da classificarão do solo para outros fins.
Com efeito, as parcelas não dispõem de infra-estruturas urbanísticas – muito
embora nas suas proximidades, existam as instalações da área de serviço de
Aveiras de Cima em ambos os sentidos da Auto-Estrada e algumas construções
dispersas servidas por rede pública de electricidade para habitação e apoio à
actividade agrícola e pecuária – e o prédio de que foram desanexadas tinha
acesso por caminho público e também aceso rodoviário através do CM 1158.
As áreas de serviço da AE são zonas confinantes e marginais das auto-estradas
destinadas a apoio dos seus utentes, designadamente postos de abastecimento de
combustíveis, restaurantes e motéis (Base XIV nº 1 anexa ao Decreto nº 467/72 de
22 de Novembro e Base XXIV nº 1 anexa ao DL nº 315/91 de 20 de Agosto e Base
XXXIV nº 1 anexa ao DL nº 294/97 de 24 de Outubro).
Como tal, os equipamentos básicos e infra-estruturas de higiene, salubridade,
saneamento, água e electricidade de que beneficiem não projectam qualquer
aptidão edificativa para os terrenos envolventes e confinantes, aliás até
impedidos de acesso à auto-estrada; se estes deles não beneficiavam antes, logo,
se antes não tinham vocação edificativa por falta dessas infra-estruturas
urbanísticas, não parece que a passem a ter apenas pela mera construção, seja da
auto-estrada, seja da área de serviço.
Por conseguinte, não sendo o solo das parcelas dotado da totalidade das
infra-estruturas urbanísticas indicadas na alínea a) do nº 2 do art. 24, não
pode ser considerado apto para construção.
Mas os expropriados sustentam que do art. 25º nº 2 do CE decorre a inexigência
legal da totalidade dessas infra-estruturas para a classificação do solo como
apto para construção.
Segundo tal preceito (art. 25º, nº 2 CE), num aproveitamento economicamente
normal, o valor do solo apto para construção deverá corresponder a 10% do valor
da construção, no caso de dispor apenas de acesso rodoviário, sem pavimento em
calçada, betuminoso ou equivalente.
E concluem que o solo pode ser apto para construção mesmo que disponha apenas de
acesso rodoviário.
Antes de mais, o problema que o art. 25º citado pretende resolver (determinação
do valor do solo para construção) é posterior ao que ora nos ocupa; com efeito,
a determinação daquele valor pressupõe a prévia classificação do solo e é esta a
questão com que nos debatemos.
Por outro lado, o terreno para construção a que se refere o nº 2 do art. 25º (e
que pode ser dotado apenas de acesso rodoviário, sem pavimento em calçada,
betuminoso ou equivalente) pode ser qualquer dos solos previstos nas alíneas b),
c) e d) do nº 2 do art. 24º, a saber: o que pertence a núcleo urbano não
equipado com todas as infra-estruturas referidas na alínea a), mas que se
encontre consolidado por as edificações ocuparem 2/3 da área apta para o efeito
(b), o que esteja destinado, de acordo com plano municipal de ordenamento do
território plenamente eficaz a adquirir as características da alínea a) (c) e o
que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua alvará
de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da DUP (d).
Quer dizer: o terreno apto para construção referido no nº 2 do art. 25º é o que
o é só em virtude de qualquer das alíneas b), c) e d) do º2 do art. 24º CE.
Um outro argumento invocado pelos expropriados a favor da sua pretensão é a não
correspondência entre os fins da expropriação e o uso e finalidades rústicas que
vinham sendo aplicados ao solo das parcelas expropriadas e a
inconstitucionalidade do nº 5 do art. 24º CE já deliberada pelo Trib.
Constitucional (Ac nº 267/97 de 19-03-1997) quando interpretado no sentido de
excluir da classificação de solo apto para a construção os solos integrados na
RAN expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins
diferente de utilidade pública agrícola na medida em que imporia um sacrifício
desproporcionado (acrescido) aos particulares.
O princípio normativo que os expropriados pretendem extrair é o seguinte: se o
fim da expropriação é diverso do que justifica a proibição de construir e
implica mesmo a construção, o solo deveria ser classificado como apto para
construção.
Ao desrespeitar a afectação rural do prédio para a construção de equipamentos e
empreendimentos a ela estranhos (in casu, com a consequente dotação das
infra-estruturas urbanísticas indicadas na alínea a) do nº 2 do art 24º CE), é o
próprio Estado que, por via da DIJP, altera o destino da área expropriada,
conferindo-lhe potencialidades edificativas que antes não tinha.
O argumento continua a não proceder.
Desde logo porque a interpretação restritiva da inconstitucionalidade não se
enquadra na situação em apreço, já que não se está perante parcelas de terreno
incluídas na RAN mas sim na zona adjacente à auto-estrada e destinadas à
protecção e alargamento desta bem como em áreas agro-florestais.
O nº 5 do art. 24º CE prescrevia a equiparação a solo para outros fins do solo
que, por lei o regulamento, não pudesse ser utilizado na construção.
No caso em apreço e segundo o Regulamento do Plano Director Municipal de
Azambuja, ratificado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 14/95 e
publicado no Diário da República, n.º 40, Série I-B, de 16 de Fevereiro de 1995,
em vigor à data da DUP, a área expropriada é classificada como 'Espaço Canal)',
estando sujeita, antes da construção da auto-estrada, aos condicionalismos
decorrentes da protecção de infra-estruturas e equipamentos públicos, não sendo
possível a construção e, depois da construção da auto-estrada, continuou sujeita
à servidão 'non-aedificandi' resultante dessa construção.
Por sua vez, e ainda de acordo com esse Regulamento, os terrenos vizinhos da
área expropriada e situados fora do referido 'Espaço Canal', são classificados
maioritariamente como 'Espaços Florestais' e os remanescentes como 'Espaços
Agrícolas não integrados na RAN', com finalidade de preservação do meio
ambiente, do equilíbrio biofísico e da exploração florestal, agrícola e
pecuária, podendo ser autorizada, e só nos terrenos inseridos em zona florestal
e sobre os quais não impendam servidões e restrições de utilidade pública, a
construção de habitação própria, com a área de 300 m2 em prédios com área igual
ou superior a 10 hectares/100.000 m2, o que corresponde a um índice de
utilização bruto máximo de 0,3%, em caso de ser possível o emparcelamento em
unidades de 10 hectares.
Por conseguinte, e não obstante esta possibilidade de autorização condicionada
de edificabilidade, o solo expropriado não podia ser utilizado na construção,
quer por força da lei (art. 3º nº 1 do DL nº 13/94 de 15 de Janeiro e Bases
XXVIII anexa ao Dec. nº 467/72 e Bases XXXVIII nº 1 anexa ao Dec. nº 315/91),
quer por força do Regulamento constituído pelo PDM de Azambuja.
Da situação e localização das áreas expropriadas nas imediações de auto-estrada
(e de área de serviço nela existente), das suas características agro-florestais
como tal acolhidas pelo PDM decorrem, pois, proibições, limitações, restrições e
condicionamentos de utilização do solo que inviabilizam a sua aptidão
edificativa e consequente classificação como apto para construção.
Apesar de, em princípio, todo o solo ter abstractamente potencialidade
edificativa, como já se disse, nem a construção da auto-estrada nem a da áreas
de serviço destinada a servir os respectivos utentes projectam qualquer aptidão
edificativa concreta e juridicamente relevante aos terrenos envolventes e
confinantes; logo, sob pena de ad absurdum ter de se concluir que a mera
construção da auto-estrada só por si converte o terreno ao longo do seu traçado
em solo apto para construção, continuará tal terreno privado de capacidade
edificativa, se antes da mesma não gozava e se, entretanto, a não adquiriu por
outras razões.
Portanto, se a mera confinância com a auto-estrada (e eventualmente áreas de
serviço desta) não é, só por si e sem mais, susceptível de determinar a
conversão de tal terreno em solo edificável, a mera construção e existência da
área de serviço, adstrita ao serviço dos utentes da auto-estrada, não permite
atestar aí qualquer potencialidade edificativa relevante.
Aliás, a inconstitucionalidade invocada pelos expropriados foi decretada num
caso concreto que nenhumas semelhanças tinha com o presente, pois se tratava da
expropriação de solo integrado na RAN com a finalidade de construção de um
quartel de bombeiros (Ac. Trib. Const. nº 267/97, DR nº 117 de 21-05-1997),
sendo certo que, posteriormente, a mesma norma não foi declarada
inconstitucional num caso em que a finalidade da expropriação de solo também
integrado na RAN era, à semelhança do nosso caso, a implantação de vias de
comunicação (Cfr. Ac. Tri. Const. nº 20/2000, DR nº 99 de 28-04- 2000).
Em suma:
O solo expropriado foi correctamente qualificado como solo para outros fins, por
força dos nºs 4 e 5 do art. 24º do CE de 1991, por se não enquadrar em qualquer
das hipóteses previstas nas alíneas a) a d) do nº 2 do referido art. 24º.
Nesta parte, pois, nenhuma censura merecem, quer o parecer unânime dos peritos,
quer a douta sentença recorrida que nele se fundou…”
Da leitura deste excerto resulta que o acórdão recorrido recusou classificar as
parcelas expropriadas como “aptas para construção”, para efeitos de fixação da
indemnização pela expropriação, com os seguintes fundamentos:
1 - tais parcelas não integravam a situação prevista na alínea a), do nº 2, do
artº 24.º, do C.E. de 1991, porque das infra-estruturas ali exigidas apenas se
provou possuírem acesso rodoviário;
2º - o facto da finalidade da expropriação ser o alargamento duma auto-estrada,
não determina que as parcelas expropriadas devam ser classificadas como aptas
para a construção;
3º - a existência de auto-estrada e de áreas de serviço destinadas a servir os
respectivos utentes não projectam qualquer aptidão edificativa concreta e
juridicamente relevante aos terrenos envolventes e confinantes;
4º - da lei (art. 3.º, nº 1, do DL nº 13/94 de 15 de Janeiro, Base XXVIII anexa
ao Dec. nº 467/72 e Base XXXVIII, nº 1, anexa ao Dec. nº 315/91), e do
Regulamento constituído pelo PDM de Azambuja, decorrem proibições, limitações,
restrições e condicionamentos de utilização do solo das referidas parcelas, que
inviabilizam a sua classificação como aptas para construção, nos termos do artº
24.º, nº 5, do C.E. de 1991.
Os expropriados apenas questionam a constitucionalidade dos dois últimos
fundamentos, discutindo apenas o primeiro fundamento no âmbito
infraconstitucional, o que escapa à competência deste Tribunal.
No seu requerimento de correcção ao de interposição de recurso e nas suas
alegações, os expropriados, misturam, de forma pouco clara, os dois fundamentos
impugnados na mesma enunciação da interpretação normativa recorrida, imputando-a
ao nº 5, do artº 24.º, da C.E. de 1991, mas fazendo também referência ao nº 2,
do mesmo dispositivo, relativamente à matéria do 3º fundamento acima indicado.
Importa, pois, delimitar o objecto do recurso, interpretando o referido
requerimento e respectivas alegações dos expropriados.
Tendo em consideração o acima exposto, são as seguintes as interpretações
normativas contidas na decisão recorrida, cuja constitucionalidade importa
verificar:
- o nº 2, do artº 24.º, do C.E., de 1991, quando interpretado no sentido de que
a existência de auto-estrada e de áreas de serviço destinadas a servir os
respectivos utentes não projectam qualquer aptidão edificativa concreta e
juridicamente relevante aos terrenos envolventes e confinantes;
- o nº 5, do artº 24.º, do C.E., de 1991, quando interpretado no sentido de que
da lei (art. 3º, nº 1, do DL nº 13/94 de 15 de Janeiro, Base XXVIII anexa ao
Dec. nº 467/72 e Base XXXVIII, nº 1, anexa ao Dec. nº 315/91), e do Regulamento
constituído pelo PDM de Azambuja, decorrem proibições, limitações, restrições e
condicionamentos de utilização do solo das parcelas expropriadas, que
inviabilizam a sua classificação como aptas para construção.
2. Da inconstitucionalidade da interpretação normativa do nº 2, do artº 24.º, do
C.E. de 1991
A constitucionalidade dos critérios utilizados para determinar o quantum
indemnizatório por expropriação por utilidade pública de bens imóveis está
relacionada com o sentido e alcance do conceito de “justa indemnização”,
constante do artº 62.º, nº 2, da C.R.P..
Apesar da Constituição ter remetido para o legislador ordinário a fixação dos
critérios conducentes à fixação da indemnização por expropriação, ao exigir que
esta seja “justa”, impõe a observância dos seus princípios materiais (igualdade,
proporcionalidade), assim como do direito geral à reparação dos danos, como
corolário do Estado de direito democrático (artº 2.º, da C.R.P.).
Em termos gerais e utilizando definição comum à jurisprudência deste Tribunal,
poder-se-á dizer que a “justa indemnização” há-de considerar, como ponto de
referência, o valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda do bem
que lhe pertencia, com respeito pelo princípio da equivalência de valores. O
valor pecuniário arbitrado, a título de indemnização, deve ter como referência o
valor real do bem expropriado.
Ora, para a fixação deste valor, relativamente à expropriação de terrenos, não
pode ignorar-se o aproveitamento dos mesmos, em função da utilização que neles
pode ser desenvolvida.
Um dos aproveitamentos de maior valorização dos solos é o da construção de
edifícios, pelo que a potencialidade edificativa de um terreno expropriado é um
elemento de imprescindível ponderação na fixação da respectiva indemnização.
Mas, como tem afirmado repetidamente a doutrina e a jurisprudência
constitucional, esta potencialidade só pode ser considerada quando o terreno em
causa tenha “uma muito próxima ou efectiva capacidade edificativa”, não bastando
uma simples possibilidade abstracta, sem quaisquer elementos seguros de real
concretização. Não é suficiente que seja fisicamente possível a construção de
edifícios no terreno expropriado, para que este seja valorizado como tendo
potencialidade edificativa, sendo necessário que, devido à verificação de
elementos objectivos, como a existência de infra-estruturas, a sua localização,
ou a sua destinação por plano ou autorização pública, se possa concluir, com
alguma segurança, que aquele terreno tinha como utilização provável a construção
de edifícios.
O C.E. de 1991, aplicado ao presente caso, dispunha o seguinte no seu artº 24.º,
nº 2:
“Considera-se solo apto para a construção:
a) O que dispõe de acesso rodoviário e de rede de abastecimento de água, de
energia eléctrica e de saneamento, com características adequadas para servir as
edificações nele existentes ou a construir;
b) O que pertença a núcleo urbano não equipado com todas as infra-estruturas
referidas na alínea anterior, mas que se encontre consolidado por as edificações
ocuparem dois terços da área apta para o efeito;
c) O que esteja destinado, de acordo com plano municipal de ordenamento do
território plenamente eficaz, a adquirir as características descritas na alínea
a);
d) O que, não estando abrangido pelo disposto nas alíneas anteriores, possua,
todavia, alvará de loteamento ou licença de construção em vigor no momento da
declaração de utilidade pública.”
Relativamente à situação das parcelas expropriadas aqui em análise provou-se o
seguinte:
“a) Os terrenos desenvolvem-se ao longo da auto-estrada do norte, entre os
quilómetros 35 e 40, com a qual confinam, e, como tal, a área expropriada não
pode ser utilizada na construção, inserindo-se numa extensa área de várias
centenas de hectares de mancha florestal e com alguns terrenos agrícolas, não se
integrando em qualquer aglomerado urbano e aproximando-se da zona urbana apenas
nas imediações da localidade de Aveiras de Cima;
b) Os solos apresentam, na sua maioria, aptidão cultural muito limitada, sendo
alguns dotados de aptidão cultural para culturas arvenses de sequeiro e aptidão
para cultura florestal, designadamente de eucaliptos;
c) A ocupação cultural dos solos, na sua maioria, é inexistente, pois
encontram-se incultos e cobertos de vegetação espontânea ou de restolho de
cultura arvense de sequeiro, existindo 21 pinheiros e 4 azinheiras na
sub-parcela n.º 21.4, 4 pinheiros na sub-parcela n.º 21.8, 1 sobreiro e 5
eucaliptos na sub-parcela n.º 21.10, 1 pinheiro pequeno na sub-parcela n.º
21.13, 30 eucaliptos na sub-parcela n.º 21.15, 37 eucaliptos na sub-parcela n.º
22.1, 20 eucaliptos na sub-parcela nº 22.2, 13 sobreiros e 2 choupos na
sub-parcela n.º 22.4, 2 pinheiros na sub-parcela n.º 22.10 e na sub-parcela n.º
22.14 e 10 pinheiros na sub-parcela n.º 22.13;
d) As parcelas não são dotadas de quaisquer infra-estruturas urbanísticas, nem
nelas existem benfeitorias ou construções, localizando-se a sub-parcela 21.3
sobre um caminho de terra, dispondo as sub-parcelas n.ºs 21.9, 21.10, 21.13,
21.14, 21.15, 22.1 apenas de um caminho de terra batida, a sub-parcela n.º 22.1
de um caminho de terra batida que a atravessa e de um caminho municipal que a
margina, as sub-parcelas n.ºs 22.4, 22.7 , 22.8, 22.13, 22.16 e 22.17 de um
caminho que as margina a nascente e a sub-parcela n.º 22.12 de um caminho que a
margina a poente;
e) O prédio de onde foram desanexadas as parcelas expropriadas tinha acesso por
caminho público antes da construção da auto-estrada, e depois foram implantados
dois caminhos paralelos à auto-estrada e outros dois que, passando por debaixo
dela, asseguram a comunicação entre as partes sobrantes do prédio, existindo
ainda acesso rodoviário através do CM n.º 1158;
f) Na proximidade imediata das parcelas não existem construções para além das
instalações da área de serviço da auto-estrada da GALP de Aveiras, implantada em
ambos os sentidos dela, enquanto na zona envolvente mais ampla existem algumas
construções dispersas, servidas por rede pública de distribuição de
electricidade, para habitação familiar ou para apoio à actividade agrícola e
pecuária;
g) O parque industrial de Azambuja dista cerca de 6 a 7 quilómetros da área
expropriada, sendo ocupado por unidades na sua maior parte afectas aos sectores
de transportes, serviços e agro-alimentar;
h) A auto-estrada passa a cerca de 3 quilómetros da base aérea da Ota e do
Parque Logístico de Combustíveis de Aveiras;
i) As unidades industriais e armazéns pertencentes, designadamente, a F., Lda.,
G., Lda, H., SA, I., SA, J., Lda, K., Lda, L., Lda, M., N., O., P., Q., Lda, R.,
Lda, S., Lda, e T., situam-se a cerca de 6 a 7 quilómetros da área expropriada,
tratando-se na sua maioria de edifício do tipo nave industrial, de grandes
dimensões, com logradouros pavimentados para circulação e acesso de veículos ou
parque de estacionamento dos mesmos;
j) O aglomerado urbano mais próximo da área expropriada é a freguesia de Aveiras
de Cima, situada entre 500 metros a 3 quilómetros de distância, distando a área
expropriada cerca de 2 quilómetros do núcleo habitacional de Casais dos Britos”.
O acórdão recorrido considerou que a existência de auto-estrada e de áreas de
serviço destinada a servir os respectivos utentes, em terrenos confinantes com
as parcelas expropriadas, não projectam nestas qualquer aptidão edificativa
concreta e juridicamente relevante.
Os recorrentes entendem que esta interpretação viola os parâmetros
constitucionais do direito à justa indemnização e do princípio da igualdade,
porquanto não valoriza terrenos naquelas condições como dispondo de aptidão
edificativa
A localização de um terreno pode ser decisiva, no sentido de lhe ser reconhecida
efectiva aptidão edificativa, quando dela resulta uma forte probabilidade do
mesmo ser destinado à edificação no imediato ou em tempo muito próximo.
Se a proximidade de uma via pública, por garantir um acesso fácil, é um elemento
que favorece a construção de edifícios nos terrenos confinantes, isso já não
sucede quando essa via é uma auto-estrada, dado que esta, pelo facto de ter
acessos condicionados, não permite o trânsito directo para os terrenos
confinantes.
E o facto desses terrenos também confinarem com uma área de serviço construída
para servir os utentes da auto-estrada também não lhes confere qualquer aptidão
edificativa, dado que as construções existentes naquela área se destinam apenas
àquela finalidade, não tendo acesso directo aos terrenos confinantes, nem tendo
a capacidade de fomentar a expansão de mais construções. A zona edificada é,
pela sua situação e finalidade, isolada, não transmitindo aptidão edificativa
aos terrenos confinantes.
Por isso se conclui que a interpretação efectuada pelo acórdão recorrido em não
considerar como dispondo de aptidão edificativa os terrenos confinantes com
auto-estrada e respectiva área de serviço, para efeitos de fixação do montante
indemnizatório por expropriação, não viola os parâmetros constitucionais do
direito a uma justa indemnização e do princípio da igualdade.
3. Da inconstitucionalidade da interpretação normativa do nº 5, do artº 24.º, do
C.E. de 1991
Os recorrentes também invocaram a inconstitucionalidade da interpretação do nº
5, do artº 24º, do C.E. de 1991, quando interpretado no sentido de que da lei
(art. 3º, nº 1, do DL nº 13/94 de 15 de Janeiro, Base XXVIII anexa ao Dec. nº
467/72 e Base XXXVIII, nº 1, anexa ao Dec. nº 315/91), e do Regulamento
constituído pelo PDM de Azambuja, decorrem proibições, limitações, restrições e
condicionamentos de utilização do solo das parcelas expropriadas, que
inviabilizam a sua classificação como aptas para construção.
Dispunha o artº 24º, nº 5, do C.E. de 1991:
“Para efeitos de aplicação do presente Código é equiparado a solo para outros
fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na construção”.
Os recorrentes questionam a constitucionalidade desta norma enquanto exclui a
indemnização de terrenos como solos aptos para construção, quando eles possuíam
tal aptidão.
Se é certo que o acórdão recorrido enunciou a interpretação normativa
questionada, fê-lo, não para afastar a classificação como solo apto para
construção, apesar da aptidão edificativa objectiva dos terrenos expropriados,
mas apenas como argumento de reforço, após já ter considerado que os mesmos não
tinham essa aptidão.
Assim, não tendo sido considerada inconstitucional a interpretação que negou que
os terrenos expropriados tivessem uma aptidão edificativa, a aplicação do
disposto no aº 5, do artº 24.º, do C.E. de 1991, não é necessária para que os
terrenos expropriados sejam classificados, para efeitos de determinação do
quantum indemnizatório, como “solos aptos para outros fins”.
Estamos perante a utilização de duas linhas de argumentação para sustentação da
mesma solução, por parte da decisão recorrida.
Tendo ambas as interpretações que presidem a tais linhas sido arguidas de
inconstitucionais e tendo-se concluído pela improcedência de tal arguição
relativamente a uma dessas interpretações, fica prejudicado o conhecimento da
outra questão de constitucionalidade.
Na verdade, a natureza instrumental do recurso para o Tribunal Constitucional
impede que se apreciem questões, cuja solução não tenha reflexos na decisão
recorrida, como sucederia no presente caso, uma vez que a eventual declaração de
inconstitucionalidade desta última interpretação apenas faria cair o argumento
de reforço da decisão recorrida, mas não obstaria à classificação como “solo
apto para outros fins”, para efeitos de determinação do quantum indemnizatório,
dos terrenos expropriados, atenta a conclusão, não considerada inconstitucional,
que os mesmos não tinham aptidão edificativa, independentemente de qualquer
proibição, limitação, restrição ou condicionamento de utilização do solo de
ordem legal ou regulamentar.
Assim, por se encontrar prejudicada, não pode ser conhecida esta questão de
inconstitucionalidade.
*
Decisão
Pelo exposto decide-se:
- julgar improcedente o recurso interposto por B. C., D. e E., para o Tribunal
Constitucional, do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12-10-2006, quanto
à questão de inconstitucionalidade da interpretação normativa do artº 24.º, nº
2, do Código das Expropriações de 1991;
- não conhecer do mesmo recurso, por se considerar prejudicada a apreciação da
questão da inconstitucionalidade da interpretação normativa do artº 24.º, nº 5,
do Código das Expropriações de 1991.
*
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 25 unidades de conta,
tendo em atenção os critérios indicados no artº 9.º, do D.L. nº 303/98, de 7 de
Outubro (artº 6.º, nº 1, do mesmo diploma).
*
Lisboa, 25 de Setembro de 2007
João Cura Mariano
Joaquim Sousa Ribeiro
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos