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Processo nº 790/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria João Antunes
Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que é
recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b),
da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC), do acórdão daquele Supremo Tribunal de 5 de Julho de 2007.
2. Em 31 de Julho de 2007 foi proferida decisão sumária, ao abrigo do disposto
no nº 1 do artigo 78º-A da LTC, com o seguinte teor:
«Decorre da leitura do requerimento de interposição de recurso acima reproduzido
que este não observa o disposto no artigo 75º-A da LTC. Designadamente, por o
recorrente não indicar, com precisão, qual a norma ou quais as normas cuja
inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie (parte final do nº 1 do
citado artigo). Não se justifica, porém, neste caso, a formulação do convite a
que se refere o nº 6 do artigo 75º-A, uma vez que, ainda que tal indicação
viesse a ser feita, subsistiriam sempre razões para não conhecer do objecto do
recurso interposto.
Estabelece a alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC – ao abrigo da qual foi
interposto o presente recurso – que cabe recurso para o Tribunal Constitucional
das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja
sido suscitada durante o processo.
Analisada a motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça –
o tribunal perante o qual o recorrente tinha o ónus de suscitar a questão de
inconstitucionalidade que pretende apreciada –, verifica-se que não foi aqui
questionada qualquer norma do ponto de vista jurídico-constitucional. A única
referência que é feita à Constituição da República Portuguesa é para questionar
a constitucionalidade de uma decisão judicial:
«(…) a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, de não se pronunciar sobre a
impugnação da matéria de facto, viola o princípio constitucional das garantias
de defesa, consagrado no número 1 do artigo 32º da Constituição»;
«Ao decidir como decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa violou o disposto no
artigo 32º da Constituição da República Portuguesa».
Uma vez que o recorrente não suscitou, durante o processo, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, nunca poderia conhecer-se do objecto do
recurso: “(…) se o tribunal recorrido não for confrontado com a questão de
constitucionalidade, não tem o dever de a decidir. E, não a decidindo, o
Tribunal Constitucional, se interviesse em via de recurso, em vez de ir
reapreciar uma questão que o tribunal recorrido julgara, iria conhecer dela ex
novo” (Acórdão do Tribunal Constitucional nº 569/94, Diário da República, II
Série, de 10 de Janeiro de 1995)».
3. Desta decisão vem agora o recorrente reclamar para a conferência, ao abrigo
do nº 3 do artigo 78º-A da LTC, nos termos e com os fundamentos seguintes:
«O ora requerente – A. recorreu do acórdão que o condenou na pena de 4 (quatro)
anos e 6 (seis) meses de prisão.
E, considerando que o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, não se pronunciou
sobre algumas das questões suscitadas e manteve a sua condenação como autor de
um crime de tráfico de estupefacientes, considerou que essas omissões constituem
violação do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa.
Apresentou RECURSO
Para o Tribunal Constitucional, o que fez nos termos seguintes:
- O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do número 1 do artigo 70° e do
artigo 75° - A, ambos da Lei 28/82, de 15 de Novembro e da alínea b) do número 1
do artigo 280° da Constituição da República Portuguesa;
- Por não aplicação do Princípio In Dubio Pro Reu, que assegura as garantias de
defesa do arguido, violando consequentemente o disposto no artigo 32° da
Constituição da Republica Portuguesa, por desrespeito do artigo 127° do Código
de Processo Penal;
- São aplicáveis as normas respeitantes ao recurso de Apelação, nos termos do
artigo 69º da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro;
- O recurso é a subir de imediato, com efeito suspensivo e nos próprios autos,
ao abrigo do número 1, do artigo 406º e alínea a) do número 1 do artigo 407º,
todos do Código de Processo Penal e do artigo 78º da Lei do Tribunal
Constitucional.
Deu cumprimento do artigo 75º-A (interposição de recurso) da Lei n.º 28/82 de 15
de Novembro, referindo expressamente:
Da norma constitucional violada
Da ilegalidade
O ora requerente A. foi condenado pela prática de um crime de tráfico de
produtos estupefacientes, p. e p. nos termos do artigo 21.°, n.° 1 do
Decreto-Lei n.° 15/93, de 22 de Janeiro, em 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de
prisão.
Contudo, por não se conformar com a referenciada decisão interpôs recurso para o
Tribunal da Relação de Lisboa.
Ora, por ter sido indeferido o mesmo, pelo facto do acórdão recorrido não ter
apreciado algumas das questões suscitadas e por manter a sua condenação como
autor de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, interpôs o ora arguido
recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, não tendo este recurso obtido
provimento, mantendo-se o acórdão do Tribunal a quo.
Em concreto, nas diversas fases de Recurso suscitou o ora requerente a
(i)legalidade da decisão da primeira instância que:
Socorrendo-se da livre apreciação da prova, presente no artigo 127° do Código de
Processo Penal, condenou o ora requerente com base nas interpretações feitas
pelo Tribunal e que não resultaram da prova produzida em sede de audiência de
julgamento, sem fundamentar.
Assim, no entendimento do ora requerente estava vedado, por ser ilegal e
inconstitucional a interpretação do artigo 127° do Código de Processo Penal, no
sentido de que, a livre apreciação da prova aí consagrada, permite ao julgador
ser arbitrário e não obedecer a diversos critérios de experiência comum e da
lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica, sendo assim ilegal a decisão
proferida.
Mas, para além de ilegal é ainda inconstitucional, como se depreenderá em sede
de alegações, por violação do estatuído no artigo 32° da Constituição da
República Portuguesa, porquanto, se a interpretação for em sentido diverso da
presente reclamação, qualquer julgador pode ignorar ou interpretar a prova
produzida em sentido contrário ao das conclusões do ora requerente, mesmo na
presença de prova produzida que seja favorável ao arguido, como sucede in casu.
Como é notório vigora em Processo Penal a regra de que a prova é apreciada
livremente pelo Tribunal, prevista no artigo 127º do Código de Processo Penal,
porém, aquela não é absoluta, na medida em que, a lei prevê excepções.
Entende igualmente o ora requerente que se a decisão proferida, não tiver
assegurado o Princípio In Dubio Pro Reu, conforme sucedeu presentemente,
constitui violação do artigo 32° da Lei Fundamental.
Pelo exposto, requer, em sede de recurso, a declaração de ilegalidade e
inconstitucionalidade – tal como refere o número 2 do artigo 75º-A da Lei 28/82
de 15 de Novembro – da referida interpretação do artigo 127º do Código de
Processo Penal e consequentemente, devem os autos ser remetidos à primeira
instância para que a prova seja reapreciada em conformidade com a decisão que
vier a ser proferida pelo Venerando Tribunal Constitucional.
Pese embora a decisão reclamada indicar que, o requerimento de interposição de
recurso não observa o disposto no artigo 75º-A da Lei n.º 28/82 de 15 de
Novembro, por o ora requerente não ter indicado com precisão, qual a norma ou
normas cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal aprecie, não formulou
sequer o convite para que tal indicação viesse a ser feita, conforme o estatuído
no número 5 do artigo 75º-A, daquele diploma.
Não assiste, salvo o devido respeito, razão à decisão reclamada, pelo que se
requer, ao abrigo do disposto no número 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82 de 15
de Novembro, ao Venerando Tribunal Constitucional que revogue a decisão,
admitindo e posteriormente tomando conhecimento, do objecto do recurso
interposto».
4. Notificado desta reclamação, o representante do Ministério Público junto
deste Tribunal respondeu-lhe nos termos seguintes:
«1º
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2º
Na verdade, a argumentação do reclamante apenas confirma que o recurso
interposto não tem por objecto qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa, susceptível de constituir objecto de um recurso de fiscalização
concreta, dirigido a este Tribunal Constitucional».
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentação
Conforme decorre da decisão reclamada, concluiu-se pelo não conhecimento do
objecto do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da
LTC, com fundamento na não verificação do requisito da suscitação, durante o
processo, perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, de uma qualquer
questão de inconstitucionalidade normativa.
O reclamante não contraria, em nada, este fundamento: numa parte, ressalvadas
alterações pontuais que em nada contendem com o seu conteúdo, a reclamação
limita-se a reproduzir o requerimento de interposição de recurso (cf. fl. 894 e
ss. dos presentes autos); noutra, a que corresponde aos dois últimos parágrafos
desta peça processual, o reclamante censura apenas que não tenha sido convidado
a precisar a norma (ou as normas) cuja apreciação pretendia do ponto de vista
jurídico-constitucional.
Não tendo sido suscitada previamente qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa – durante o processo o recorrente questionou a constitucionalidade da
decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Lisboa –, não se justificava, de
facto, convidar o recorrente a aperfeiçoar o requerimento de interposição de
recurso, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 75º-A da LTC. Este Tribunal
tem vindo a entender, de forma reiterada, que tal convite “é admissível apenas
quando o vício de que enferma o requerimento é susceptível de sanação, por
deficiência do próprio requerimento” e não por falta de um dos requisitos ou
pressupostos do recurso de constitucionalidade interposto (cf. Acórdãos nºs
344/99, 76/2000 e 99/2000, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Resta, pois, concluir pelo indeferimento da presente reclamação, mantendo-se a
decisão de não conhecimento do objecto do recurso, face à não suscitação,
durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, de uma
qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
III. Decisão
Pelo exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de
conta, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário.
Lisboa, 17 de Setembro de 2007
Maria João Antunes
Carlos Pamplona de Oliveira
Gil Galvão