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Processo n.º 237/07
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional
A – Relatório
1 – A., melhor identificado nos autos, vem, ao abrigo do
disposto no artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro (LTC),
reclamar do despacho que não lhe admitiu o recurso interposto para este Tribunal
do Acórdão de 31 de Outubro de 2006, proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça.
2 – Com interesse para o caso sub judicio, resulta dos autos:
2.1 – O ora reclamante, inconformado com o decidido pelo
Supremo Tribunal de Justiça, interpôs recurso para o Tribunal Constitucional,
afirmando, entre o mais, no respectivo requerimento de interposição:
“(...)
5.º Em consequência, o R. entende que o douto acórdão deste STJ enferma
de incontornável inconstitucionalidade material e pretende que o Tribunal
constitucional proceda à fiscalização concreta do caso nos termos do art. 280.º
da Constituição e al. b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei Orgânica deste Tribunal
Constitucional.
6.º Contudo, para que seja possível essa fiscalização concreta da
invocada inconstitucionalidade de exigir do R. o cumprimento das normas
referidas no douto acórdão deste STJ que a sua provada deficiência física impede
de entender, é necessário invocar tal inconstitucionalidade.
7.º O Tribunal de 1.ª instância, dando como provada a invocada
incapacidade mental do R. e julgando nulo o negocio efectuado, não cometeu
qualquer infracção constitucional pelo que o R. não a poderia ter suscitado.
8.º O Tribunal da Relação do Porto, ao abundar na decisão proferida pelo
Tribunal a quo e confrontá-la com a sua aprovação, também não infringiu no
entendimento do R. qualquer disposição constitucional pelo que o R. não poderia
ter invocado tal fundamento de recurso para o Tribunal Constitucional.
9.º Só agora, em face do douto acórdão deste STJ, o R. entende que o
decidido ofende o referido art. 70.º, n.º 1, da Constituição e por isso só agora
vem invocar a mencionada inconstitucionalidade e exprimir a sua vontade de
recorrer para aquele Alto Tribunal”.
2.2 – Por seu turno, o despacho reclamado tem o seguinte teor:
“Como o próprio requerente reconhece, não foi aplicada norma cuja
inconstitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo – artigo 70.º, n.º
1, alínea b), da Lei n.º 28/82.
As decisões judiciais, como o acórdão impugnado, não são elas mesmas
inconstitucionais.
Não reconhece o nosso sistema jurídico-constitucional o denominado
recurso de amparo e não se vê que dos direitos protegidos pelo artigo 71.º, n.º
1 CR, de cidadãos portadores de deficiência possa resultar excepção aos casos em
que, face ao referido artigo 70.º e ao artigo 280.º CR, é admissível recurso
para o TC.
Consequentemente, por falta de fundamento legal, não admito o recurso
interposto”.
2.3 – Já a presente reclamação vem sustentada nos seguintes argumentos:
“1.º O recorrente alegou perante o STJ que o douto acórdão que se
pretende ver apreciado por este Alto Tribunal violou o disposto no n.º 1 do art.
70.º da Constituição da República Portuguesa.
2.º Com efeito, está assente pelas instâncias que o recorrente sofre de
anomalia psíquica grave desde a nascença até ao presente que o impede de
compreender e querer, com discernimento suficiente, os vários passos do processo
de compra e venda em apreço nos autos.
3.º Esta decisão da matéria de facto das instâncias está suportada por
perícia médico-forense que vai ao ponto de declarar o recorrente ‘inimputável’.
4.º Este dado de facto não é passível de alteração pelo Supremo Tribunal
de Justiça.
5.º No douto despacho de não recebimento do recurso, diz-se que o
recorrente não goza do amparo do disposto no n.º 1 do art. 71.º da CR sendo-lhe
aplicáveis as regras do Código Civil como se fora um cidadão normal.
6.º Estando provado que o recorrente sofre de anomalia psíquica grave
desde a nascença até hoje, o que impede que lhe sejam exigíveis as
responsabilidades do não cumprimento da lei incompatíveis com a sua deficiência
mental, o douto acórdão violou, de forma inequívoca o referido preceito
constitucional ao considerar o recorrente capaz e a elas estar obrigado”.
2.4 – O representante do Ministério Público junto deste
Tribunal, considerando a reclamação manifestamente improcedente, pugnou pelo seu
indeferimento.
Cumpre agora julgar.
B – Fundamentação
3 – Como fez constar do requerimento de interposição de recurso
para este Tribunal, o reclamante pretendia ver apreciada a
“inconstitucionalidade material” do acórdão do STJ e que o “Tribunal
Constitucional proceda à fiscalização concreta do caso”.
Ora, como é consabido, o objecto da fiscalização jurisdicional de
constitucionalidade é apenas constituído por normas jurídicas, não podendo o
Tribunal Constitucional pronunciar-se sobre uma (eventual)
“inconstitucionalidade da decisão judicial”, como, de resto, tem sido
unanimemente acentuado pela jurisprudência deste Tribunal – cf. nesse sentido o
Acórdão n.º 199/88, publicado no DR II Série, de 28 de Março de 1989.
Na verdade, os recursos de constitucionalidade, embora interpostos de decisões
de outros tribunais, visam controlar o juízo que nelas se contém sobre a
violação ou não violação da Constituição por normas mobilizadas na decisão
recorrida como sua ratio decidendi ou seu fundamento normativo, não podendo
visar as próprias decisões jurisdicionais, identificando-se, nessa medida, o
conceito de norma jurídica como elemento definidor do objecto do recurso de
constitucionalidade, pelo que apenas as normas e não já as decisões judiciais
podem constituir objecto de tal recurso – cf., nestes exactos termos, o Acórdão
n.º 361/98 e, entre muitos outros, os Acórdãos nºs 286/93, 336/97, 702/96, 27/98
e 223/03, todos disponíveis para consulta em www.tribunalconstitucional.pt/.
E isto porque a Constituição não configurou o recurso de constitucionalidade
como um recurso de amparo – ou de «queixa constitucional»
(Verfassungsbeschwerde, staatsrechtliche Beschwerde) – no âmbito do qual fosse
possível sindicar qualquer lesão dos direitos fundamentais, aí se incluindo a
possibilidade de conhecer, nesse âmbito, do mérito da própria decisão judicial
sindicanda, antes recortou a competência do Tribunal Constitucional em torno do
conhecimento de questões de constitucionalidade de normas, pelo que é perante
tal conformação do sistema jurídico-constitucional de recursos que o Tribunal
pode actuar em termos de avaliar da bondade constitucional de critérios
normativos quando estejam em causa os direitos fundamentais – daí decorrendo,
como afirma Fernando Alves Correia (“Os Direitos Fundamentais e a sua Protecção
Jurisdicional Efectiva”, in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de
Coimbra, 2003, p. 72), que o “recurso de constitucionalidade, sobretudo quando
tem na base a suscitação pela parte, durante o processo, da questão de
constitucionalidade da norma jurídica aplicável ao caso, desempenha um papel
determinante na protecção dos direitos fundamentais dos cidadãos”.
Note-se, porém, que o facto de “não exist[ir], no sistema
jurídico-constitucional português, um processo de «queixa constitucional»
(Verfassungsbeschwerde, staatsrechtliche Beschwerde, recurso de amparo) que
permita aos cidadãos lesados nos seus direitos fundamentais apelarem
directamente para um tribunal constitucional (...)”, não impede que, “os
particulares possam, nos feitos submetidos à apreciação de qualquer tribunal e
em que sejam parte, invocar a inconstitucionalidade de qualquer norma (...)
fazendo assim funcionar o sistema de controlo da constitucionalidade (...) numa
perspectiva de controlo subjectivo” – cf. Gomes Canotilho (in “Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, 4.ª edição, Coimbra, 2000, p. 493).
Destas considerações decorre, pois, que não estando em causa a fiscalização
concreta da constitucionalidade de uma norma, outrossim da decisão judicial de
que se recorre, não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do objecto
desse recurso, razão pela qual, em face do exposto, o despacho reclamado não
merece qualquer censura.
C – Decisão
4 – Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a
presente reclamação.
Custas pelo Reclamante, com 20 (vinte) UCs de taxa de justiça.
Lisboa, 8 de Março de 2007
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos