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Processo n.º 255/07
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A., Lda. deduziu reclamação do despacho do Presidente da Relação
de Lisboa que não admitiu o recurso que pretendia interpor para o Tribunal
Constitucional.
2. Resulta dos autos que:
2.1. Em processo que corre termos na 7ª Vara Cível da Comarca de Lisboa,
A., Lda. e outros reclamaram para o Presidente da Relação de Lisboa do despacho
que não admitiu o recurso interposto do despacho que indeferira o pedido de
atribuição de efeito suspensivo a recurso por eles interposto. O despacho
proferido na 1ª instância considerou que a decisão em causa não era recorrível,
nos termos do artigo 687º, n.º 4, do Código de Processo Civil.
O Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, por decisão de 9
de Dezembro de 2005 (fls. 76 e seguinte), indeferiu a reclamação, pelos
seguintes fundamentos:
“[…]
2. Com o devido respeito por opinião contrária, consideramos que a situação se
apresenta muito clara e por isso dispensa grandes considerações. E entendemos
que a Mma. Juíza da 1.ª Instância fez muito bem em não admitir o recurso,
respeitando as normas aplicáveis ao caso.
Contrariamente ao que defendem os reclamantes, o que está em causa não é a
prestação da caução mas sim a fixação do efeito do recurso de apelação. A
prestação da caução é condição e consequência da fixação do efeito suspensivo. E
dessa decisão não pode ficar dissociada, como o impõe o disposto no artigo 692º
n.º 3 do Código de Processo Civil.
Acresce que no caso dos autos a obrigação de prestar caução não foi imposta aos
reclamantes nem estes contestam qualquer prestação prestada – se é que já foi
prestada – por aqueles a quem foi imposta como condição do efeito suspensivo da
sentença.
Com o devido respeito por opinião contrária, não vemos que as normas dos artigos
687º n.º 4 e 692º n.º 3 do Código de Processo Civil violem quaisquer normas
constitucionais, designadamente as dos artigos 2º, 13º n.º 1, 18º n.º 2, 20º n.º
1, 4, e 5 e 202º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
O que se pretende com uma decisão é a reparação de um direito que foi violado. E
o efeito suspensivo dessa decisão, nos casos em que a lei assim o entenda, não
contende com qualquer direito na medida em que não podemos nunca esquecer que a
decisão nesses casos não é definitiva. Mas ainda assim a lei geral ressalva e
salvaguarda em algumas decisões uma garantia para que à decisão seja atribuído
efeito suspensivo: a prestação da caução.
No caso concreto, a Exma Juíza da 1.ª Instância até teve o cuidado de dizer que
a caução a prestar como condição do efeito suspensivo da sentença devia
corresponder ao valor da acção, que os Autores consideraram traduzir a utilidade
económica do seu pedido.
[…].”.
2.2. A., Lda. e outros ainda pediram a aclaração desta decisão
(requerimento de fls. 85 e seguintes), mas tal pedido foi indeferido (decisão de
17 de Fevereiro de 200[6], a fls. 98).
2.3. Tendo A., Lda. e outros interposto recurso de agravo para o Supremo
Tribunal de Justiça da decisão que indeferiu a reclamação e do despacho que
desatendeu o pedido de aclaração (requerimento de fls. 107 e seguintes), foi
proferido despacho, em 26 de Maio de 2006, através do qual o Presidente da
Relação de Lisboa não admitiu tais recursos, nestes termos (fls. 136):
“[…]
Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 689º do Código de Processo Civil, a
decisão do Presidente não pode ser impugnada o que o mesmo é dizer que é
insusceptível de recurso.
Assim não se admitem os interpostos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça
por as decisões de que se pretende recorrer não serem susceptíveis de recurso.
[…].”.
2.4. Notificados deste despacho, A., Lda. e outros apresentaram
“reclamação ao abrigo do art.º 688º e 689º do Código de Processo Civil”
(requerimento de fls. 145 e seguinte).
O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça proferiu, em 13 de
Outubro de 2006, o seguinte despacho (fls. 168 e seguinte):
“I. Em 15.03.06, interpuseram os recorrentes A., Lda., e outros recurso para
este Supremo Tribunal de Justiça de dois despachos proferidos pelo Ex.mo
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, um que indeferira a reclamação do
despacho que não admitira o recurso em 1ª instância e outro o pedido de
aclaração daquele primeiro despacho.
Por despacho do Ex.mo Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa de 26.05.06
não foi esse recurso admitido.
Desse despacho reclamam os recorrentes sustentando, além do mais, que as normas
dos arts. 688º, n.º 1, e 689º, n.º 2, são inconstitucionais, por violação dos
arts. 2º, 13º, 20º, n.º 1, 202º, n.º 2, e 268º, n.º 4, da CRP.
II. Cumpre apreciar e decidir.
Os despachos questionados foram proferidos pelo Presidente do Tribunal da
Relação de Lisboa em conhecimento de uma reclamação e de um pedido de aclaração,
que foram indeferidos.
Ora, os poderes de cognição do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
limitam-se nos termos do n.º 1 do art. 688º do CPC, à apreciação do despacho do
relator da Relação que não admite o recurso ou retém a sua subida.
É-lhe assim estranho o conhecimento de qualquer impugnação de um despacho de um
presidente de uma Relação; aliás, o art. 689º, n.º 2, do CPC é claro no sentido
de não ser admitida impugnação da decisão do presidente.
Tendo em conta que, perante o nosso sistema processual civil, em regra, a
instância única assegura o princípio da tutela jurisdicional efectiva, recusa-se
a inconstitucionalidade assacada pelos reclamantes aos arts. 688º, n.º 1, e
689º, n.º 2, do CPC.
III. Termos em que não se conhece da reclamação apresentada.
[…].”.
2.5. Notificada deste despacho, veio A., Lda. interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, invocando a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, através de requerimento que deu entrada no Supremo
Tribunal de Justiça em 30 de Outubro de 1006, nestes termos (fls. 171 e
seguintes):
“[…] notificada do despacho de 13 de Outubro de 2006, proferido sobre
reclamações contra despachos do Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, de
26.5.2006, 17.2.2006 e 9.12.2005, tendo por objecto requerimentos dos
reclamantes de 15.3.2006, 9.1.2006 e 7.7.2005, respectivamente, deles vem
interpor recurso para o Tribunal Constitucional em virtude de, em todos esses
despachos, terem sido aplicadas normas jurídicas previamente arguidas de
inconstitucionalidade.
Em cumprimento do disposto no artigo 75º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro
(LTC), cumpre ao recorrente dizer o seguinte:
1. O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto nos artigos 280º, n.º
1, alínea b), da Constituição da República (CRP), e 70º, nº 1, alínea b), da
LTC.
2. As normas arguidas de inconstitucionalidade são as extraídas dos artigos
seguintes:
- 692º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC);
- 687º, n.º 4, do CPC;
- 689º, n.º 1, do CPC;
- 689º, n.º 2, do CPC;
- 688º, n.º 1, do CPC.
3. As normas e princípios constitucionais que se consideram violados pelas
normas sindicadas, e as peças processuais em que a inconstitucionalidade foi
suscitada são os seguintes:
3.1. A norma extraída do artigo 692º, n.º 3, do CPC, segundo a qual pode o juiz
atribuir efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto por dois dos
recorrentes de sentença condenatória do sete réus que litigam em regime de
litisconsórcio voluntário, extensivo aos réus recorrentes que não requereram
efeito suspensivo nem prestação de caução, e aos que não recorreram, ao apreciar
o requerimento de interposição de recurso daqueles dois, antes de ser julgada
prestada a caução requerida pelos mesmos dois apelantes – aplicada a sentença
condenatória que julga provada e procedente a acção em que é arguida a falsidade
e a nulidade de escritura pública lavrada ao abrigo do disposto no artigo 490º,
n.ºs 3 e 4, do Código das Sociedades Comerciais, e a não realização efectiva da
oferta pública do n.º 2 do mesmo artigo, e condena solidariamente todos os réus
a reporem a situação jurídica anterior à prática daqueles actos, ao pagamento de
indemnização em montante a fixar em execução de sentença, e na sanção pecuniária
compulsória prevista no artigo 829º-A do Código Civil, por cada acto ou omissão
que os réus venham a cometer após citação para a acção, que constitua violação
dos direitos dos autores, qualquer que seja a forma, comissiva ou omissiva de
que se revista a violação – viola as normas e os princípios dos artigos 2º, 13º,
n.º 1, 18º, n.º 2, 20º, n.ºs 1, 4 e 5, e 202º, n.º 2 da Constituição.
Tal questão foi suscitada no requerimento da reclamação apresentado em 7 de
Julho de 2005.
3.2. A norma extraída do artigo 687º, n.º 4, do CPC, segundo a qual a decisão de
atribuição de efeito suspensivo a recurso de apelação interposto por dois réus
com requerimento de prestação de caução, extensivo aos restantes réus que não
pediram efeito suspensivo nem requereram prestação de caução, e aos que não
recorreram, antes de ser julgada prestada a caução, de sentença de condenação de
réus que litigam em regime de litisconsórcio voluntário, não é recorrível –
aplicada a sentença condenatória que julga provada e procedente a acção em que é
arguida a falsidade e a nulidade de escritura pública lavrada ao abrigo do
disposto no artigo 490º, n.ºs 3 e 4, do Código das Sociedades Comerciais, e a
não realização efectiva da oferta pública do n.º 2 do mesmo artigo, e condena
solidariamente todos os réus a reporem a situação jurídica anterior à prática
daqueles actos, ao pagamento de indemnização em montante a fixar em execução de
sentença, e na sanção pecuniária compulsória prevista no artigo 829º-A do Código
Civil, por cada acto ou omissão que os réus venham a cometer após citação para a
acção, que constitua violação dos direitos dos autores, qualquer que seja a
forma, comissiva ou omissiva de que se revista a violação – viola as normas e os
princípios dos artigos 2º e 20º, n.ºs 1 e 4, da Constituição.
Tal questão foi suscitada no requerimento da reclamação apresentado em 7 de
Julho de 2005.
3.3. A norma extraída do artº 689º, n.º 1 do CPC, segundo a qual os reclamantes
não podem utilizar, na reclamação, provas documentais oferecidas no processo,
mandadas desentranhar antes da sentença recorrida, mas nele ainda integradas por
efeito de recurso interposto de tal decisão, de que os documentos previstos no
artigo 490º, n.º 2, do Código das Sociedades Comerciais, são falsificações
subsumíveis ao disposto no artigo 256º, n.ºs 1, alínea b), e 3 do Código Penal –
viola as normas do artigo 20º, n.ºs 1 e 4, da Constituição.
Tal questão foi suscitada no requerimento da reclamação apresentado em 7 de
Julho de 2005.
3.4. A norma extraída do artigo 689º, n.º 2, do CPC, segundo a qual as decisões
dos Presidentes dos Tribunais das Relações proferidas em reclamações previstas
no artº 688º, n.º 1, do mesmo código, relativas a decisões da primeira instância
proferidas em processos que admitem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça,
são irrecorríveis para o mesmo Supremo Tribunal – viola as normas dos artigos
18º, n.º 1, e 268º, n.º 4, da Constituição.
Tal questão foi suscitada no requerimento de interposição de recurso apresentado
em 15 de Março de 2006.
3.5. As normas extraídas do artigo 688º, nº 1, do CPC, segundo as quais:
a) o presidente dos Tribunais das Relações têm poder jurisdicional para decidir
se uma decisão da primeira instância de não admissão de recurso interposto de
decisão de não admissão de recurso de decisão de atribuição de efeito suspensivo
ao abrigo do disposto no artº 692º, n.º 3, do CPC, antes de julgada prestada a
caução requerida por dois dos réus, extensivo aos restantes réus não recorrentes
e recorrentes que não requereram o efeito suspensivo nem a prestação de caução,
e que litigam em regime de litisconsórcio voluntário – viola as normas dos artºs
18º, n.º 1, 20º, n.º 1, 110º, n.º 2, 202º, n.º 2, e 268º, n.º 4, da
Constituição.
b) o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça tem poder jurisdicional para
decidir que uma decisão dos Presidentes dos Tribunais das Relações proferida em
reclamação deduzida nos termos do mesmo preceito legal, relativa a decisão de
não admissão de recurso interposto de decisão de atribuição de efeito suspensivo
ao abrigo do disposto no artº 692º, n.º 3, do CPC, antes de julgada prestada a
caução requerida por dois dos réus, extensivo aos restantes réus não recorrentes
e recorrentes que não requereram o efeito suspensivo nem prestação de caução, e
que litigam em regime de litisconsórcio voluntário em processo recorrível até ao
Supremo Tribunal de Justiça, não é recorrível para o Supremo Tribunal de Justiça
– viola as normas dos artºs 18º, n.º 1, 20º, n.º 1, 110º, n.º 2, 202º, n.º 2, e
268º, n.º 4, da Constituição.
Tal questão foi suscitada nos requerimentos de 15.3.2006 e de 16.6.2006 (data do
registo postal).
[…].”.
2.6. Por despacho de 2 de Novembro de 2006 (a fls. 180), o Presidente do
Supremo Tribunal de Justiça decidiu:
“[…]
Admite-se o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, através do
requerimento de fls. 171 e ss., nos termos do disposto nos arts. 70º, n.º 1,
alínea b), 71º, n.º 1, 72º, n.º 2, 75º, 75º-A, 76º e 78º, n.º 4, todos da Lei
n.º 28/82, de 15 de Novembro, actual redacção, para apreciação da
inconstitucionalidade dos arts. 688º, n.º 1, e 689º, n.º 2 na interpretação
normativa que lhes foi dada na decisão de fls. 168 e 169, que não conheceu da
reclamação.
No respeitante à inconstitucionalidade imputada aos arts. 689º, n.º 1, 687º, n.º
4, e 692º, n.º 3, todos do CPC, suscitada na reclamação que fora dirigida ao
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, não nos compete pronunciar sobre a
admissibilidade do recurso ora interposto para o Tribunal Constitucional nesta
parte, atento o disposto no art. 76º, n.º 1, da LTC. Oportunamente, e se for
caso disso, reapreciar-se-á esta situação.
[…].”.
2.7. Remetido o processo ao Tribunal da Relação de Lisboa, o Presidente
daquele tribunal proferiu, em 16 de Novembro de 2006, o seguinte despacho (fls.
184 e v.º):
“Da decisão proferida na reclamação não foi interposto qualquer recurso para o
Tribunal Constitucional.
Também do despacho que indeferiu o pedido de aclaração não foi interposto
qualquer recurso para o Tribunal Constitucional.
O prazo para a interposição de recurso dessas decisões para o Tribunal
Constitucional há muito que decorreu (artº 75º da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro).
No requerimento de fls. 171 dirigido ao Exm.º Senhor Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, para além do recurso interposto da decisão que não conheceu
da reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, diz que recorre para o
Tribunal Constitucional daquelas novas decisões (decisão sobre a reclamação e do
despacho que indeferiu o pedido de aclaração).
Por manifestamente intempestivo, não se admite o recurso para o Tribunal
Constitucional.
[…].”.
2.8. A., Lda. apresentou requerimento, dirigido ao Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, do seguinte teor (fls. 197 e seguintes):
“[…], reclamante nos autos supra, notificada de um despacho do Presidente da
Relação de Lisboa, de 16.11.2006, proferido na sequência e por efeito do
despacho de V. Excelência, de 2.11.2006, tendo por objecto o seu requerimento de
interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, apresentado em
30.10.2006, vem, com a devida vénia, dizer e requerer o seguinte:
1. Após admitir o recurso interposto de decisão de V. Excelência, foi proferida
a decisão seguinte:
- No respeitante à inconstitucionalidade imputada aos arts. 689º, n.º 1, 687º,
n.º 4, e 692º, n.º 3, todos do CPC, suscitada na reclamação que fora dirigida ao
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, não nos compete pronunciar sobre a
admissibilidade do recurso ora interposto para o Tribunal Constitucional nesta
parte, atento o disposto no artº 76º, n.º 1, da LTC. Oportunamente, e se for
caso disso, reapreciar-se-á esta situação.
1.1. Notificado desta decisão, a recorrente procurou saber, junto da Secretaria,
se, em conformidade com o sentido da mesma, os autos teriam sido remetidos ao
Presidente da Relação de Lisboa, para que este se pronunciasse sobre o
requerimento tempestivamente apresentado. Tendo obtido informação de que tal
remessa já teria tido lugar, a Reclamante conformou-se com aquela decisão, não
obstante entender que a norma do artº 76º, n.º 1, da LTC não se aplica ao caso,
em virtude de o Presidente da Relação de Lisboa não ser um tribunal.
Em conformidade com as normas e os princípios constitucionais invocados na
arguição da inconstitucionalidade do artº 688º, n.º 1, do CPC – que se pretende
seja apreciada pelo Tribunal Constitucional – o Presidente da Relação de Lisboa
é um órgão da administração autónoma do Estado, no qual nenhuma norma jurídica
pode permitir a delegação dos poderes decorrentes do disposto nos artºs 110º e
202º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.
1.2. Por outro lado, o titular do respectivo cargo retira a sua legitimidade de
dois factos:
a) A eleição nos termos do disposto nos artºs 58º da LOFTJ;
b) A posse conferida pelo Presidente do STJ, ao abrigo do disposto no artº 43º
n.º 1, al. e), da mesma Lei.
Neste contexto constitucional e legal, a decisão a proferir sobre o requerimento
de 30.10.2006 tendo por objecto os despachos de 26.5.2006, 17.2.2006 e
9.12.2005, do titular daquele órgão, pode ser proferida pelo imediato e último
superior hierárquico. É que, todos esses despachos, tendo sido objecto de
reclamação, integram a decisão final.
1.3. Compreende-se, porém, que tenha sido concedida oportunidade ao Presidente
da Relação de Lisboa para se pronunciar sobre o requerimento que tem por objecto
os seus despachos, uma vez que o impugnado despacho de 13.10.2006, recusa a
inconstitucionalidade da norma do artº 688º, n.º 1, do CPC.
Tal oportunidade, porém, não esgotou o poder decisório do imediato superior
hierárquico. Sinal dessa reserva encontra-se na própria decisão acima
reproduzida, quando nela se exara:
- Oportunamente, e se for caso disso, reapreciar-se-á esta situação.
2. A prognose de que tal reapreciação poderia ter que ser feita encontra-se
confirmada pelos factos subsequentes praticados pelo Presidente da Relação de
Lisboa, consubstanciados no seu despacho de 16.11.2006.
Este despacho contém decisões manifestamente ilegais, como se passa a
demonstrar:
2.1. As declarações dele constantes, de que «da decisão proferida na reclamação»
e do «despacho que indeferiu o pedido de aclaração» não foi interposto qualquer
recurso para o Tribunal Constitucional, enfermam da falsidade prevista no artº
372º, n.º 2, do Código Civil.
O requerimento de 30.10.2006, é de recurso, também, das ditas decisão e
despacho.
2.2. A invocação nela feita, do artº 75º, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, é
de violação de lei expressa. Com efeito, o dito artigo contém a norma seguinte:
- Interposto recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência,
que não seja admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo
para recorrer para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna
definitiva a decisão que não admite recurso.
O sentido do termo «interposto recurso ordinário» pressupõe, obviamente, as
«reclamações» dos artºs 667º, 668º, nº 1, 669º, n.º 1, alínea a), e 688º, n.º 1,
do CPC. No mesmo sentido, o disposto no artº 670º, n.º 3, do mesmo código.
É claro que o Presidente da Relação de Lisboa não se considera vinculado por
tais normas por não ser um tribunal no sentido do disposto nos artºs 110º e
202º, n.ºs 1 e 2, da Constituição.
E o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, por requerimento de
15.3.2006, objecto do despacho de 26.5.2006, e, este, da reclamação de
16.6.2006, é subsumível à previsão da norma do artº 75º, n.º 2, da LTC.
2.3. O ora sindicado despacho de 16.11.2006, atenta a sua natureza
administrativa, pode ser revogado e substituído por outro pelo imediato superior
hierárquico, cumprindo-se a prognose da decisão acima reproduzida.
É o que se requer.
3. Caso, porém, se entenda que tal poder revogatório não existe – ou que não
deve ser exercido – apresenta-se, subsidiariamente, ao abrigo do disposto no
artº 76º, n.º 4, da LTC reclamação para o Tribunal Constitucional com fundamento
nas razões de facto e de direito acima referidas, que, com a devida vénia, e
para os devidos efeitos legais, se dão aqui por integralmente reproduzidas.
Sublinha-se, porém, que o requerimento de interposição de recurso para o Supremo
Tribunal de Justiça, de 15.3.2006, foi indeferido pelo despacho de 26.5.2006, e
que este foi objecto da Reclamação de 16.6.2006, admitida por despacho de
21.6.2006, a fls. 148, sobre a qual incidiu o despacho de 13.10.2006 cuja
impugnação perante o Tribunal Constitucional já se encontra admitida, pelo que
está a recorrente muito em tempo para recorrer dos despachos do Presidente da
Relação de Lisboa.
[…].”.
2.9. O Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa ordenou a remessa dos
autos ao Tribunal Constitucional (fls. 210).
3. No Tribunal Constitucional foi o processo autuado e distribuído
como reclamação de não admissão de recurso de constitucionalidade (artigo 77º da
Lei do Tribunal Constitucional).
4. O representante do Ministério Público junto do Tribunal
Constitucional emitiu parecer, do seguinte teor (fls. 213):
“Notificado do indeferimento da reclamação que havia deduzido perante o
Presidente do Tribunal da Relação (p. 76/77) e após rejeição do pedido de
«aclaração» de pretensas obscuridades ou ambiguidades (p. 98), a ora reclamante
pretendeu interpor de tais decisões agravo para o STJ. Confrontada com a
rejeição de tal recurso, reclamou para o Presidente do STJ que (p. 168/169)
julgou a reclamação improcedente, nos termos do art. 689º, n.º 2, do CPC, que
expressamente veda a impugnação da decisão proferida pelo Presidente do tribunal
Superior. Perante tal decisão, interpôs recurso de constitucionalidade,
reportando-o simultaneamente a um confronto de despachos e decisões
sucessivamente proferidos ao longo do curso dos autos.
Enquanto reportado ao decidido pelo Presidente da Relação, o recurso é
efectivamente intempestivo: na verdade, antes de o interpor, a reclamante
limitou-se a utilizar meio processual anómalo, manifestamente inexistente no
ordenamento jurídico: o agravo, interposto para o STJ, da decisão proferida na
reclamação pelo Presidente da Relação, expressamente vedado pelo art. 689º, n.º
2, do CPC.
Ora, assim sendo, a utilização anómala de um meio impugnatório objectivamente
inexistente no ordenamento jurídico não aproveita à reclamante, nomeadamente
para o efeito previsto no art. 75º, nº 2, da Lei do TC – não obstando a
impugnação – abusivamente deduzida contra a lei expressa – ao trânsito e
consolidação da decisão proferida em 9/12/05 pelo Presidente do Tribunal da
Relação de Lisboa.”.
Cumpre decidir.
II
5. Apenas está em causa no presente processo apreciar a decisão do
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitiu o recurso para o
Tribunal Constitucional.
Através de requerimento dirigido ao Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, que deu entrada no Supremo em 30 de Outubro de 1006 (supra,
2.5.), a ora reclamante pretendeu, entre o mais, interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, invocando como fundamento a alínea b) do n.º 1 do
artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, de três decisões proferidas pelo
Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa: despachos, respectivamente, de 9 de
Dezembro de 2005, a fls. 76 e seguinte (supra, 2.1.), de 17 de Fevereiro de
2006, a fls. 98 (supra, 2.2.), e de 26 de Maio de 2006 fls. 136 (supra, 2.3.).
No despacho reclamado (de fls. 184 e v.º), o Presidente do
Tribunal da Relação de Lisboa, entendeu que das decisões por ele proferidas, no
âmbito da reclamação deduzida pelos ora reclamantes da não admissão de recurso
na 1ª instância, não foi oportunamente interposto qualquer recurso para o
Tribunal Constitucional; assim, decidiu que, “por manifestamente intempestivo,
não se admite o recurso para o Tribunal Constitucional” (supra, 2.7.).
Na reclamação agora deduzida – e independentemente de saber se
o requerimento apresentado satisfaz as exigências do artigo 76º, n.º 4, da Lei
do Tribunal Constitucional –, a reclamante invoca, em síntese, que “o
requerimento de interposição de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, de
15.3.2006, foi indeferido pelo despacho de 26.5.2006, e que este foi objecto da
Reclamação de 16.6.2006, admitida por despacho de 21.6.2006, a fls. 148, sobre a
qual incidiu o despacho de 13.10.2006 cuja impugnação perante o Tribunal
Constitucional já se encontra admitida, pelo que está a recorrente muito em
tempo para recorrer dos despachos do Presidente da Relação de Lisboa” (supra,
2.8.).
6. Nos termos do artigo 75º, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional, “o prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional é de 10 dias”. O n.º 2 do mesmo preceito dispõe que, “interposto
recurso ordinário, mesmo que para uniformização de jurisprudência, que não seja
admitido com fundamento em irrecorribilidade da decisão, o prazo para recorrer
para o Tribunal Constitucional conta-se do momento em que se torna definitiva a
decisão que não admite recurso”.
Ora, decorre claramente dos autos e da tramitação processual
escolhida pela ora reclamante (supra, 2.) que o recurso interposto para o
Tribunal Constitucional das decisões do Presidente da Relação é manifestamente
intempestivo, não podendo aqui objectar-se com o disposto no transcrito n.º 2 do
artigo 75º da Lei do Tribunal Constitucional.
Como se refere no parecer do Ministério Público, antes de
interpor o recurso de constitucionalidade, “a reclamante limitou-se a utilizar
meio processual anómalo, manifestamente inexistente no ordenamento jurídico: o
agravo, interposto para o STJ, da decisão proferida na reclamação pelo
Presidente da Relação, expressamente vedado pelo art. 689º, n.º 2, do Código de
Processo Civil”; assim, “a utilização anómala de um meio impugnatório
objectivamente inexistente no ordenamento jurídico não aproveita à reclamante,
nomeadamente para o efeito previsto no art. 75º, nº 2, da Lei do TC – não
obstando a impugnação – abusivamente deduzida contra a lei expressa – ao
trânsito e consolidação da decisão proferida em 9/12/05 pelo Presidente do
Tribunal da Relação de Lisboa.”.
Na verdade, o Tribunal Constitucional tem entendido que a
utilização anómala de um meio impugnatório objectivamente inexistente no
ordenamento jurídico não é susceptível de aproveitar aos recorrentes, para o
efeito previsto no artigo 75º, nº 2, da Lei do Tribunal Constitucional, não
obstando ao trânsito em julgado das decisão que se pretende impugnar.
Ponderou este Tribunal no Acórdão n.º 641/97 (disponível em
wwwtribunalconstitucional.pt ) que “o prescrito no n.º 2 do artigo 75º da Lei
n.º 28/82 há-de ser entendido como reportado a recursos ordinários efectivamente
previstos no ordenamento jurídico, e não a modos de impugnação de que as
«partes» lancem mão mas que, ou são recursos não qualificáveis como recursos
ordinários, ou são formas impugnativas não previstas nem admissíveis por aquele
ordenamento, ou são recursos que, muito embora a lei os qualifique como
ordinários, não podem, como tal, ser tidos em vista para efeitos daquele
preceito (cf. sobre este último ponto, por entre muitos, o Acórdão deste
Tribunal n.º 181/93, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., 485 a
494)”. Assim, decidiu-se que, no caso então em apreço, “os aludidos recurso para
o plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça e a reclamação
dirigida ao Presidente desse Supremo não tinham qualquer suporte legal e,
consequentemente, não se pode dizer que aquelas formas de impugnação de que se
serviram os ora reclamantes se integram na expressão «recurso ordinário»
utilizada no mencionado n.º 2 do artigo 75.º”.
Por sua vez, no Acórdão n.º 459/98 (publicado em Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 40º vol., p. 683), considerou-se que o requerimento
“atípico” em que se pedia a intervenção do plenário do STJ num recurso já
julgado não era susceptível de integrar o preceituado no n.º 2 do artigo 75.º da
LTC. E, mais recentemente, no Acórdão n.º 1/04 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal entendeu que uma “reclamação” para o
Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não teve a virtualidade de interromper
o prazo de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional contra um
acórdão proferido pelo mesmo Supremo Tribunal.
Pelas mesmas razões, no caso destes autos, o recurso de
“agravo” para o Supremo Tribunal de Justiça – que a ora reclamante pretendeu
interpor da decisão do Presidente do Tribunal da Relação que indeferira a
reclamação de não admissão de recurso do despacho proferido na 1ª instância –
não interrompeu o prazo de interposição de recurso para o Tribunal
Constitucional da decisão do Presidente daquela Relação, de 9 de Dezembro de
2005, sendo manifestamente extemporâneo o recurso de constitucionalidade
interposto em 30 de Outubro de 2006.
Tanto basta para concluir que não podia ser admitido o recurso
interposto pela ora reclamante com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional e, consequentemente, que a presente
reclamação tem de ser indeferida.
Não merece pois qualquer censura o despacho reclamado.
III
7. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (
vinte ) unidades de conta.
Lisboa, 8 de Março de 2007
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos