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Processo n.º 730/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. A. e outros instauraram, no Tribunal Administrativo do Círculo do
Porto, acção popular administrativa, na modalidade de recurso de impugnação de
normas, contra a Assembleia Municipal do Porto, pedindo que fosse declarada, com
força obrigatória geral, a ilegalidade de todas as normas integrantes do
Regulamento das Normas Provisórias do Município do Porto (fls. 2 e seguintes).
A Assembleia Municipal do Porto contestou (fls. 74 e
seguintes), seguindo-se as alegações dos autores (fls. 102 e seguintes) e o
parecer do Ministério Público (fls. 106 e seguintes).
Por sentença de 31 de Outubro de 2003, o juiz do Tribunal
Administrativo do Círculo do Porto julgou o recurso improcedente (fls. 109 e
seguintes).
2. Desta sentença recorreram de agravo A. e outro (fls. 122), tendo
nas alegações respectivas (fls. 127 e seguintes) concluído, para o que agora
releva, do seguinte modo:
“Primeira conclusão
Nos termos do art. 8° do DL 69/90, o recurso ao estabelecimento de normas
provisórias apenas era possível em relação a procedimentos de elaboração de
planos municipais de ordenamento destinados a regular o uso e ocupação do solo
em áreas por eles ainda não abrangidas, estando excluída a sua admissibilidade
em relação a procedimentos de revisão.
Segunda conclusão
A norma do art. 8°/5 do DL 69/90, na medida em que permite que o regulamento de
um PDM, precedido de inquérito público, seja alterado automaticamente por um
regulamento de normas provisórias cujo procedimento não integra qualquer momento
de participação dos interessados, é inconstitucional, por violação do art. 65°/5
da Constituição da República Portuguesa, que garante «a participação dos
interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de
quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território».
[…].”.
A Assembleia Municipal do Porto contra-alegou (fls. 156 e
seguinte).
A sentença foi mantida, por despacho de fls. 175 e v.º.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que o recurso
não merecia provimento (fls. 183).
3. Por acórdão de 25 de Maio de 2006, o Supremo Tribunal
Administrativo negou provimento ao recurso jurisdicional, para o que agora
releva pelos seguintes fundamentos (fls. 185 e seguintes):
“[…]
2.2.2. Quanto à matéria da conclusão 1ª
[…] independentemente do mais, todo o esforço argumentativo desenvolvido pelos
recorrentes em abono da interpretação do preceito em causa [artigo 8º do
Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março] como apenas aplicável à elaboração dos
planos fica sem qualquer suporte justificativo em face do que, muito claramente,
se estatui no art.º 19º, n.º 4 do mesmo diploma legal: «A revisão dos planos
municipais obedece ao processo e requisitos estabelecidos no presente diploma,
nomeadamente quanto à sua elaboração, aprovação, ratificação, registo e
publicação».
O legislador usou, no diploma em causa, um expediente técnico-legislativo
bastante frequente para evitar a repetição de normas, ou seja, uma norma de
remissão, mandando aplicar ao procedimento de revisão o regime jurídico
disciplinador do processo de elaboração de planos, sem exceptuar, como se vê, o
regime das normas provisórias; o que significa, conforme ensina Baptista Machado
[…] que foi o próprio legislador que se deu conta da existência de analogia
entre as situações a regular.
Compreende-se, assim, melhor que o n.º 5 do aludido art.º 8º se reporte à
alteração automática, durante a sua vigência, das disposições de qualquer plano
municipal, na parte abrangida por essas normas, e que o n.º 6, ao prescrever a
necessidade de ratificação das normas provisórias, faça expressa alusão às
situações em que as mesmas se relacionam com a elaboração de planos municipais
que careçam de ratificação ou alterem disposições de plano municipal ratificado.
A disjuntiva é claramente estabelecida entre as duas situações – elaboração ou
alteração –, o que sempre retiraria qualquer hipótese de êxito à tentativa dos
Recorrentes de destruir a argumentação usada na sentença a este propósito,
alvitrando que os citados n.ºs 5 e 6 se refeririam a outros planos municipais
que não àquele que estivesse em elaboração.
Improcede, assim, a conclusão 1ª das alegações.
2.2.3 - Quanto à matéria da conclusão 2ª
Alegam os recorrentes que a norma do art.º 8º, n.º 5 do D. Lei 69/90, na medida
em que permite que o regulamento de um P.D.M., precedido de inquérito público,
seja alterado automaticamente por um regulamento de normas provisórias, cujo
procedimento não integra qualquer momento de participação dos interessados, é
inconstitucional, por violação do art.º 65º/5 da Constituição da República
Portuguesa, que garante «a participação dos interessados na elaboração dos
instrumentos de planeamento físico do território».
Sem razão, contudo.
Efectivamente a circunstância de não estar legalmente prevista no processo de
elaboração das normas provisórias a participação dos interessados, nomeadamente
através de inquérito público, é justificada pela natureza urgente da adopção das
referidas medidas, as quais visam neutralizar os perigos e inconvenientes para o
interesse público da demora na aprovação final dos planos.
Ora, tendo em conta que, em sede de controlo da constitucionalidade, não cabe
aos tribunais emitir propriamente um juízo «positivo» sobre a solução legal, mas
tão só um juízo «negativo» que afaste aquelas soluções de todo o modo
insusceptíveis de credenciação racional, dir-se-á que a opção legal em causa não
merece a censura inerente ao aludido juízo negativo, atenta, nomeadamente, a
justificação acima referida.
[…].”.
4. Deste acórdão recorreu A. para o Tribunal Constitucional, ao
abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional,
pretendendo a apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 8º, n.º 5,
do Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, “interpretada no sentido de as
disposições dos Regulamentos de Normas Provisórias não precedidos de inquérito
público prevalecerem sobre as disposições de Regulamentos de outros instrumentos
de planeamento urbanístico aprovados na sequência de um procedimento que integra
esse mecanismo de audição dos interesses dos particulares”, por violação do
princípio consagrado no artigo 65º, n.º 5, da Constituição (fls. 218 e
seguinte).
O recurso foi admitido por despacho de fls. 226.
5. Já no Tribunal Constitucional, produziu o recorrente alegações
(fls. 233 e seguintes), formulando as conclusões que seguem:
“Primeira
O tribunal recorrido interpretou a norma do art. 8º/5 do Decreto-Lei 69/90, de 2
de Marco, no sentido de as disposições dos Regulamentos de Normas Provisórias
não precedidos de inquérito público, destinado a assegurar a participação dos
interessados, prevalecerem, alterando-as automaticamente, sobre as disposições
de Regulamentos de outros instrumentos de planeamento urbanístico aprovados na
sequência de um procedimento integrador dessa fase de audição dos interesses dos
particulares.
Segunda
Interpretação essa que levou o tribunal recorrido a sustentar a admissibilidade
legal da utilização do mecanismo das normas provisórias nos procedimentos de
revisão de planos directores municipais em vigor.
Terceira
Porém, interpretada assim, tomada com esse significado normativo, a norma do
art. 8º/5 do D.L. 69/90, de 2 de Março, viola frontalmente o preceito do art.
65º/5 da CRP, segundo o qual «garantida a participação dos interessados na
elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de quaisquer outros
instrumentos de planeamento físico do território», pelo que deve julgada
inconstitucional.
[…].”.
A Assembleia Municipal do Porto contra-alegou (fls. 240 e
seguintes), concluindo do seguinte modo:
“A) O regime jurídico das normas provisórias resulta de uma opção do legislador
ao disciplinar juridicamente uma matéria especial, através de diploma
legislativo (Decreto-Lei).
B) A regulamentação do art.º 8º do D.L. 69/90, de 2/3 (posteriormente revogado
pelo D.L. 380/99, de 22 de Setembro), que previa a possibilidade de a Assembleia
Municipal, mediante proposta da Câmara Municipal (e com parecer da comissão
técnica ou da comissão de coordenação regional, consoante os casos) estabelecer
normas provisórias para a ocupação, uso e transformação do solo em toda ou em
parte das áreas a abranger por planos municipais em elaboração quando o estado
dos trabalhos fosse de modo a possibilitar a sua adequada fundamentação, era
também aplicável à revisão dos planos municipais, por força do estatuído no artº
19º, n.º 4 do mesmo diploma legal.
C) A norma do artº 8º, n.º 5 do DL. 69/90 não infringe o disposto no artº 65º,
n.º 5 da C.R.P., que garante «a participação dos interessados na elaboração dos
instrumentos de planeamento físico do território», pois, a omissão da previsão
legal de participação dos interessados no processo de elaboração das normas
provisórias justifica-se pela natureza urgente e cautelar das referidas medidas.
D) A «antecipação» das soluções urbanísticas constantes do plano em elaboração
ou em revisão nas normas provisórias não constitui um desvio ilegal do
procedimento, antes, como medida cautelar que visa obviar ao perigo de uma
decisão tardia, a utilidade prática das normas provisórias será tanto maior
quanto mais acentuada for a identidade de conteúdo com as correspondentes
disposições do plano.
E) A adopção de normas provisórias e/ou de medidas preventivas traduz um
verdadeiro e próprio sub procedimento que se insere no procedimento mais amplo
de elaboração, revisão ou alteração de um instrumento de planeamento, onde
estava, e está, assegurado o direito de participação dos cidadãos – arts. 14º,
15º e 19º do revogado DL n.º 69/90 e arts 6º e 77º do RJIGT.”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
6. É a seguinte a redacção do artigo 8º do Decreto-Lei n.º 69/90, de
2 de Março, que disciplinava – antes da sua revogação pelo Decreto-Lei n.º
380/99, de 22 de Setembro – o regime jurídico dos planos municipais de
ordenamento do território:
“Artigo 8º
Normas provisórias
1 – A assembleia municipal, mediante proposta da câmara municipal e com parecer
da comissão técnica ou da comissão de coordenação regional, consoante os casos,
pode estabelecer normas provisórias para a ocupação, uso e transformação do solo
em toda ou em parte das áreas a abranger por planos municipais em elaboração,
quando o estado dos trabalhos seja de modo a possibilitar a sua adequada
fundamentação.
2 – O parecer referido no número anterior é emitido no prazo de 60 dias a contar
da recepção do respectivo pedido, interpretando-se a sua não emissão como nada
havendo a opor.
3 – A assembleia municipal, ao estabelecer as normas provisórias, fixa também o
prazo da sua vigência, que não pode exceder dois anos.
4 – Sem prejuízo do disposto no número anterior, as normas provisórias caducam
com a entrada em vigor dos planos a que respeitam, bem como com a entrada em
vigor de qualquer outro plano na área que tal plano com elas tenha em comum.
5 – Com a entrada em vigor das normas provisórias caducam as medidas
preventivas, se as houver, e ficam automaticamente alteradas, durante a sua
vigência, as disposições de qualquer plano municipal, na parte abrangida por
essas normas.
6 – As normas provisórias, quando estejam relacionadas com a elaboração de
planos municipais que careçam de ratificação ou alterem disposições de plano
municipal ratificado, estão sujeitas a ratificação nos termos do artigo 16º.
7 – Aplica-se às normas provisórias o disposto nos artigos 17º e 18º, sobre
registo e publicação, com as necessárias adaptações.”.
Constitui objecto do presente recurso a norma do n.º 5 deste
preceito legal, interpretada no sentido de “as disposições dos Regulamentos de
Normas Provisórias não precedidos de inquérito público prevalecerem sobre as
disposições de Regulamentos de outros instrumentos de planeamento urbanístico
aprovados na sequência de um procedimento que integra esse mecanismo de audição
dos interesses dos particulares”.
Segundo o recorrente, tal norma, nesta interpretação, é
inconstitucional, por violação do disposto no artigo 65º, n.º 5, da
Constituição.
O artigo 65º da Constituição, que tem como epígrafe “Habitação
e urbanismo”, integrando-se sistematicamente no Capítulo da Constituição
dedicado aos direitos e deveres sociais, determina o seguinte no seu n.º 5:
“É garantida a participação dos interessados na elaboração dos instrumentos de
planeamento urbanístico e de quaisquer outros instrumentos de planeamento físico
do território.”.
Vejamos se a apontada interpretação normativa viola este
preceito constitucional, como sustenta o recorrente.
Refira-se, porém, e antes de mais, que ao Tribunal
Constitucional não cumpre apreciar se o artigo 8º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º
69/90, de 2 de Março, restringe a admissibilidade das normas provisórias aos
procedimentos de elaboração de planos municipais de ordenamento destinados a
regular o uso e ocupação do solo em áreas por eles ainda não abrangidas (como
quer o recorrente) ou, diversamente, se as admite também em relação a
procedimentos de revisão (como entendeu o tribunal recorrido e a recorrida).
Este é um problema de interpretação do direito ordinário, que,
em regra, não compete ao Tribunal Constitucional resolver. No âmbito do recurso
previsto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional,
este Tribunal deve partir, sem questionar a respectiva legalidade, da
interpretação que, a esse propósito, foi perfilhada pelo tribunal recorrido,
cabendo-lhe unicamente apreciar se tal interpretação é ou não conforme com a
Constituição.
7. Segundo o recorrente, e em síntese, a violação do artigo 65º, n.º
5, da Constituição, pela interpretação normativa que constitui o objecto do
presente recurso, decorreria do seguinte (supra, 5.):
a) A disposição constitucional invocada exige que as
próprias normas provisórias aprovadas durante o procedimento de elaboração ou
revisão de planos municipais sejam precedidas da participação dos interessados,
não legitimando a respectiva natureza cautelar e urgente a total ausência de
participação dos interessados;
b) Ainda que tal ausência de participação dos
interessados seja constitucionalmente admissível, não é aceitável a preterição
de um regulamento precedido de participação dos interessados por um outro que
não é precedido dessa participação.
Na óptica do tribunal recorrido (supra, 3.), porém, a
inexistência de participação dos interessados no processo de elaboração das
normas provisórias justificar-se-ia “pela natureza urgente das referidas
medidas, as quais visam neutralizar os perigos e inconvenientes para o interesse
público da demora na aprovação final dos planos”; também a Assembleia Municipal
do Porto, nas contra-alegações (supra, 5.), sustenta que “a omissão da previsão
legal de participação dos interessados no processo de elaboração das normas
provisórias justifica-se pela natureza urgente e cautelar das referidas
medidas”.
Apreciemos, então, a questão de constitucionalidade colocada.
8. O artigo 65º, n.º 5, da Constituição, ao garantir a participação
dos interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento urbanístico e de
quaisquer outros instrumentos de planeamento físico do território, constitui,
como sublinham Jorge Miranda / Rui Medeiros (Constituição portuguesa anotada,
Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 678), “uma das diversas manifestações
constitucionais do princípio da democracia participativa proclamado no artigo
2º”, e, “ao contrário do que sucede noutros preceitos constitucionais
(designadamente, artigo 267º, n.º 4), o artigo 65º, n.º 5, não contém qualquer
remissão para a lei, sendo antes um preceito directamente aplicável, sem
prejuízo, naturalmente, da liberdade de conformação do legislador na concreta
concretização do modo como se efectiva uma tal participação […]”.
Para Gomes Canotilho / Vital Moreira (Constituição da República
Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª edição revista, Coimbra Editora, 2007, anotação
ao artigo 65°, n.º XII), o n.º 5 do artigo 65º da Constituição “é uma
concretização em sede do ordenamento e do urbanismo do direito da participação
dos interessados nas tarefas e estruturas da administração (cfr. art. 267º-1)”.
No entender destes autores, “a Constituição visou alicerçar a democracia
participativa no âmbito do planeamento territorial procurando estimular uma
cidadania territorial indispensável à prossecução das tarefas do Estado
referentes ao correcto ordenamento do território e desenvolvimento harmonioso
(arts. 9º/e e g e 82º/d, i, l e m) e à efectivação de direitos fundamentais
(direito ao ambiente e qualidade de vida, direito ao património cultural,
direito à paisagem, direito ao desenvolvimento sustentado, direito das futuras
gerações, direito à fruição cultural, direito à igualdade real entre
portugueses)”.
O dever de audiência prévia e de audição dos interessados na
elaboração de planos directores e de ordenamento do território foi objecto de
regulação no artigo 4º da Lei n.º 83/95, de 31 de Agosto – a lei que rege o
direito de participação procedimental e acção popular – e voltou a ser
reafirmado em recentes instrumentos de gestão territorial (vejam-se, por
exemplo, os artigos 6º e 48º do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, que
revogou o diploma onde se insere a norma aqui em apreciação).
No Acórdão n.º 394/04, de 2 de Junho (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), o Tribunal Constitucional considerou que “a
participação dos interessados está constitucionalmente prevista em quaisquer
instrumentos de planeamento físico do território (artigo 65º, n.º 5, da
Constituição), mas apenas na sua elaboração […]. É dizer que a prorrogação do
regime pré-existente, não sendo este constitucionalmente definido como
transitório, não carece, à face da Constituição, de participação obrigatória dos
cidadãos”.
A referência à exigência de participação dos interessados
apenas a propósito da elaboração dos instrumentos de planeamento territorial não
significa, porém, na lógica deste Acórdão, que a alteração de um regime anterior
não deva estar também submetida a tal exigência: significa apenas que só para a
prorrogação de um regime pré-existente se prescinde dessa participação. Como aí
se diz: “[…] as próprias razões que depõem a favor da criação de Parques
Naturais depõem a favor da sua natureza permanente, salvo circunstâncias
excepcionais, e sem prejuízo da alteração do regime que lhes é aplicável (quer
no sentido de o flexibilizar, ou reduzir, quer no sentido de o endurecer, ou
aumentar), justificando-se então, de novo, a participação dos cidadãos, como
constitucionalmente previsto («criação e desenvolvimento de parques naturais»)”.
A necessidade de participação dos interessados, quer na
elaboração, quer na alteração de um instrumento de planeamento urbanístico, é
sublinhada por Jorge Miranda / Rui Medeiros (ob. cit., p. 678), que, citando
Fernando Alves Correia, consideram que “a teleologia do preceito [do artigo 65º,
n.º 5, da Constituição] abrange qualquer modificação substancial de instrumentos
de planeamento urbanístico”. Também Gomes Canotilho / Vital Moreira (ob. e loc.
cits.) entendem que “o direito de participação incide sobre a elaboração (e
sobre a revisão) de todos os instrumentos de planeamento urbanístico e de
planeamento físico do território e tem por beneficiários todos os cidadãos e
organizações residentes ou sedeadas nas áreas correspondentes” e que “dado o
âmbito dos interessados, o mecanismo de participação deve contemplar
procedimentos adequados (debates públicos, audiências públicas, etc.) a uma
eficaz participação”.
Sendo este o sentido do preceito, o que se pode, então,
perguntar é se também as normas provisórias a que alude o artigo 8º do
Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março, ora em apreciação, consubstanciam, elas
mesmas, a elaboração ou a alteração de um instrumento de planeamento
territorial, e se, consequentemente, estão abrangidas pela exigência de
participação dos interessados, contida no artigo 65º, n.º 5, da Constituição.
9. Importa desde logo reconhecer que, de acordo com o que se
estabelece no próprio artigo 8º do Decreto-Lei n.º 69/90, as normas provisórias
aí previstas dizem respeito a “ocupação, uso e transformação do solo em toda ou
em parte das áreas a abranger por planos municipais em elaboração, quando o
estado dos trabalhos seja de modo a possibilitar a sua adequada fundamentação”
(itálico aditado).
Por outro lado, não pode deixar de se ter em consideração que
as normas provisórias, tal como se encontram reguladas no preceito em análise,
têm um prazo de vigência limitado, que não pode exceder dois anos (n.º 3), e que
essas normas provisórias caducam com a entrada em vigor dos planos a que
respeitam (n.º 4).
Tal significa que a adopção das normas provisórias se inscreve
num processo de elaboração de um determinado instrumento de planeamento
territorial e se encontra por isso vinculada a um certo fim – a elaboração desse
instrumento de planeamento territorial. Ora, no âmbito do procedimento mais
amplo de elaboração de um instrumento de planeamento, encontra-se assegurado, no
sistema do revogado Decreto-Lei n.º 69/90, o direito de participação dos
cidadãos (vejam-se os artigos 14º, 15º e 19º).
A determinação de participação dos interessados contida no
artigo 65º, n.º 5, da Constituição não é absoluta. O direito de participação dos
interessados na elaboração dos instrumentos de planeamento territorial deve
harmonizar-se com outras exigências constitucionais que, no caso concreto, podem
até prevalecer, implicando, por exemplo, um prazo mais curto do que o geral para
o exercício do direito de participação dos interessados, ou até a aprovação de
medidas provisórias não precedidas desta participação.
Segundo Fernando Alves Correia, são múltiplas as formas de
participação e existem diversos graus de intensidade ou de profundidade da
participação (cfr. Manual de direito do urbanismo, Vol. I, 3ª ed., Almedina,
2006, p. 380 ss).
No caso em apreço, é certo que não se encontra prevista – como
pretendia o recorrente – a modalidade de participação mais rigorosa traduzida no
inquérito público, regulado no artigo 14º do Decreto-Lei n.º 69/90. Mas não
seria desadequado considerar que as exigências estabelecidas no diploma quanto
ao procedimento a seguir para a aprovação das normas provisórias permitem, de
algum modo, acautelar o direito de participação dos interessados, através da
intervenção da assembleia municipal.
Conclui-se, assim, tal como no acórdão recorrido, que a
circunstância de não estar legalmente prevista no processo de elaboração das
normas provisórias a participação dos interessados, através de inquérito
público, é justificada pela natureza urgente da adopção das referidas medidas.
Tais normas provisórias visam neutralizar os perigos e inconvenientes que para o
interesse público poderiam decorrer da demora na aprovação final dos planos. A
omissão da previsão legal de participação dos interessados no processo de
elaboração das normas provisórias, através de inquérito público, não traduz uma
solução arbitrária, encontrando o seu fundamento na natureza urgente e cautelar
das referidas medidas.
III
11. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide negar provimento ao presente recurso, confirmando a
decisão recorrida no que se refere à questão de constitucionalidade.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (
vinte ) unidades de conta.
Lisboa, 6 de Março de 2007
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes
Artur Maurício