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Processo n.º 784/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Notificada do Acórdão n.º 27/2007, do Tribunal Constitucional, que não julgou
inconstitucional a norma dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do
Código de Processo Penal, interpretados no sentido de que não é sempre
necessária menção específica na sentença do conteúdo dos depoimentos da arguida
e das testemunhas de defesa e, consequentemente, negou provimento ao recurso que
havia interposto, A. veio aos autos arguir a sua nulidade, nos seguintes termos:
«I
A recorrente interpôs recurso para este Tribunal, invocando que o mesmo vinha
interposto da interpretação que se extraiu do disposto nos artigos 374.°, n.º 2,
e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, no sentido de que não é
necessária a menção na sentença do teor do depoimento da arguida e das
testemunhas de defesa e, como tal, também não é necessário o exame crítico dessa
mesma prova.
No requerimento de interposição de recurso diz-se, ainda, que tal entendimento,
no ver da recorrente, é inconstitucional por violação do direito ao recurso e
das garantias de defesa (cfr. artigo 32.º, n.º 1, da Constituição), sendo que a
invocação da inconstitucionalidade da interpretação de tais normas consta das
alegações de recurso da sentença e das conclusões 12.ª e 13.ª do recurso
interposto para o Tribunal da Relação do Porto.
A conclusão 12.ª do recurso apresentado está em conexão com a conclusão 10.ª e
11.ª, sendo que em tais conclusões diz-se o seguinte:
10.ª – Mesmo que assim não se entenda certo é que a sentença recorrida não faz
uma exposição completa e concisa dos motivos de facto que fundamentam a decisão
e, como tal, é nula nos termos do art.° 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, al. a), do
Código de Processo Penal.
11.ª – A fundamentação da sentença produzida é insuficiente, porquanto esta
deveria espelhar o teor e o sentido dos depoimentos que a arguida e as
testemunhas de defesa fizeram em audiência, valorando-os, positiva ou
negativamente, mas nunca deixando de os referir e de os examinar, ou de, pelo
menos, afirmar que nenhuma relevância tiveram, sem o que a sentença recorrida
não fez um exame crítico da prova produzida em audiência (art.º 374.º, n.º 2, do
Código de Processo Penal) o que a torna nula nos termos do disposto no art,°
379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal.
12.ª – Aliás, o entendimento que se possa retirar do vertido nos artigos supra
citados no sentido de que o depoimento da arguida e das testemunhas não devem
ser referidos na sentença nem dos mesmos ser feita uma análise crítica é
violador do direito ao recurso e das garantias de defesa do arguido, violando
tal entendimento o vertido no art.º 32.º, n.º 1, da Constituição da República
Portuguesa.
Ora, no seguimento do requerimento de interposição de recurso, veio a ser
proferido despacho pelo Exm.º Relator neste Tribunal, no qual se diz “Para
alegações, ficando o objecto do recurso circunscrito à apreciação da
constitucionalidade dos artigos 374.°, n.° 2, e 379.°, n.° 1, alínea a), do
Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que não é necessária a
menção na sentença do teor do depoimento da arguida e das testemunhas de defesa
“.
Nessa sequência, a recorrente apresentou as suas alegações, tendo terminado as
mesmas dizendo “deve ser dado provimento ao recurso e, em consequência,
julgar‑se inconstitucional as normas dos artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1,
alínea a), do Código de Processo Penal, quando interpretadas no sentido de que
não é necessária a menção na sentença do teor do depoimento da arguida e das
testemunhas de defesa e o seu exame crítico, por violação do dever de
fundamentação das decisões dos tribunais, do direito ao recurso e das garantias
de defesa, insertas nos artigos 32.°, n.° 1, e 205.°, n.° 2, da Constituição “.
Ora, entende a recorrente que, salvo melhor opinião, o exame crítico da prova só
se pode fazer se da sentença constar a menção do teor ou conteúdo dessa mesma
prova, porquanto só dando o Tribunal a conhecer o que as testemunhas disseram,
pode, num momento posterior, analisar essa prova criticamente.
No Acórdão sob análise, começa por dizer-se que “está em causa a conformidade
constitucional das normas extraídas dos artigos 374.°, n.° 2, e 379.°, n.° 1,
alínea a), do Código de Processo Penal, interpretado no sentido de não impor a
menção espec(fica na sentença (não só da existência, mas) do teor ou conteúdo do
depoimento da arguida e das testemunhas de defesa e não a segunda parte do
artigo 374.°, n.° 2, do mesmo Código, norma que versa sobre a valoração da prova
produzida em julgamento com a expressão suficiente do seu exame crítico na
fundamentação da decisão”.
Ora, parece que no presente recurso de constitucionalidade, não se pode
compartimentar a norma do artigo 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal,
porquanto, como se disse, sem uma referência ao depoimento da arguida e das
testemunhas de defesa, não se pode fazer qualquer exame crítico, seja ele
suficiente ou insuficiente.
O facto é que, tal como se alegou no recurso interposto para a Relação, a
sentença da 1.ª instância, coonestada e reafirmada pela 2.ª instância, não fez
menção da existência, nem do teor, nem fez qualquer exame crítico dos
depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa.
Com efeito, não se diz no Acórdão recorrido, tal como não se diz na sentença de
1.ª instância, se a arguida negou ou confessou os factos, ou sequer se prestou
depoimento, nem se diz sequer qual o sentido do depoimento das testemunhas de
defesa.
Por outro lado, e em consequência, não se diz se o seu testemunho foi credível
ou incredível e, tendo-o sido de uma forma ou de outra, em que parte é que foi
julgado dessa forma.
Questiona-se, assim, no recurso, quer a primeira, quer a segunda parte do
disposto no artigo 374.°, n.° 2, do Código de Processo Penal.
Assim, não tendo conhecido o acórdão proferido da conformidade constitucional da
interpretação da segunda parte do art.° 374.°, n.° 2, do Código de Processo
Penal, no sentido de que a falta de exame crítico do depoimento da arguida e das
testemunhas de defesa é violadora do princípio da fundamentação das decisões
judiciais, do direito ao recurso e das garantias de defesa (cfr. os art.°s
205.°, n.° l, e 32.°, n.° l, da Constituição), tal acórdão é nulo, uma vez que
não conheceu de questões de que deveria tomar conhecimento, nos termos do
disposto no art.° 668.°, n.° l, al. d), do Código de Processo Civil.
II
Mas, ainda que assim não fosse de considerar, o douto acórdão proferido começa
por colocar a questão face àquelas normas do Código de Processo Penal, quanto à
existência, por um lado, e por outro quanto a teor ou conteúdo do depoimento da
arguida e das testemunhas de defesa, terminando por analisar apenas a menção
específica na sentença, do conteúdo dos depoimentos da arguida e das testemunhas
de defesa.
Ou seja, salvo o devido respeito, o douto Acórdão proferido não analisou a
questão da conformidade constitucional da norma extraída dos artigos 374.°, n.°
2, e 379.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, interpretada no sentido de não
impor a menção específica na sentença, da mera existência dos depoimentos da
arguida e das testemunhas de defesa.
Aliás, diz-se no douto Acórdão sob análise, a terminar, que se entendeu que na
sentença foram, efectivamente, mencionadas as provas em que o Tribunal se
baseou, com a indicação da respectiva intervenção e teor do depoimento, apenas
não se fazendo menção específica do conteúdo dos depoimentos da arguida e das
testemunhas de defesa, vindo, a final, a não se julgar inconstitucional a norma
dos artigos 374.°, n.° 2, e 379.°, n.° 1, alínea a), do Código de Processo
Penal, interpretada no sentido de que não é sempre necessária a menção
específica na sentença do conteúdo dos depoimentos da arguida e das testemunhas
de defesa.
Assim, ao não analisar a conformidade constitucional da norma extraída dos supra
referidos artigos do Código de Processo Penal interpretada no sentido de que não
é necessária a menção específica na sentença da existência dos depoimentos da
arguida e das testemunhas de defesa, deve-se entender que o douto acórdão
proferido é nulo, porquanto este tribunal não conheceu de tal questão, quando a
devia apreciar, nos termos do disposto no artigo 668.°, n.° 1, alínea d), do
Código de Processo Civil.
Termos em que respeitosamente se requer que seja declarada a nulidade do douto
acórdão proferido nos termos supra referidos.»
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado para se
pronunciar, veio responder nos seguintes termos:
«1.º
A parte da arguição de nulidade é perfeitamente desprovida de fundamento.
2.º
Na verdade a argumentação – aliás, pouco clara do reclamante – traduz-se em
ignorar o teor do despacho, proferido a fls. 819, que delimitou o objecto do
recurso – e que, tendo naturalmente transitado em julgado, não é possível
questionar no momento em que o acórdão proferido dirimiu, na sua integralidade,
a questão de constitucionalidade que integra o objecto do recurso.»
Por sua vez, B., recorrida, notificada para responder ao pedido de arguição de
nulidade, veio dizer:
«1. Os presentes autos iniciaram-se em Novembro de 1994, ou seja, há mais de
doze anos!
2. E a recorrente tudo faz para os perpetuar.
3. Agora arguindo a nulidade do acórdão, quando bem sabe da falta de fundamento
para essa arguição.
4. Tudo com o único e exclusivo objectivo de prosseguir um litígio que, de há
muito, deveria já ter terminado.
Posto isto:
5. Pretende a recorrente que o tribunal não se pronunciou sobre duas questões:
- a de saber se “se a falta de exame crítico do depoimento da arguida e das
testemunhas de defesa” é ou não inconstitucional;
- a de saber se “a falta de menção específica dos depoimentos da arguida e das
testemunhas de defesa” é ou não inconstitucional.
Ora,
6. Salvo o devido respeito, assim não é.
7. Ao contrário do que defende a recorrente este tribunal pronunciou-se
expressamente sobre essas duas questões, bem como sobre as mais colocadas por
aquela.
8. Ao sufragar — e bem! - a tese de que, para respeito do princípio da
fundamentação das decisões judiciais, o que interessa é que o tribunal explique
como formou o seu juízo decisório.
9. Para o que lhe bastará indicar as provas que reputou de decisivas para a
formação desse juízo.
10. E já não — como afinal pretende a recorrente ! — as que não o foram.
11. Ora, este tribunal entendeu que as instâncias haviam já explicitado com toda
a clareza quais as provas que as haviam levado a decidir como decidiram.
12. No que entendeu que o sobredito princípio da fundamentação se mostrava
suficientemente respeitado.
13. Tornando-se, pois, juridicamente inócuas as questões ora colocadas pela
recorrente.
14. Por se ter demonstrado, à saciedade, que não foram os depoimentos, quer da
arguida, quer das testemunhas de defesa que, de alguma forma, levaram as
instâncias a decidir como decidiram.
15. De nada se impondo, pois, fazer um exame crítico expresso de provas que não
levaram à decisão tomada.
16. Até por já feito de forma implícita — as instâncias não se basearem nelas
para a sua decisão.
17. E, muito menos, fazer menção à existência daqueles depoimentos.
18. De si e sempre meramente redundante, dado que essa existência se mostra já
de si demonstrada nos autos, nas actas das sessões de julgamento.
De resto,
19. Ao decidir “Não julgar inconstitucional a norma […] interpretados no sentido
de que não é sempre necessária menção especifica na sentença do conteúdo dos
depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa” (sic) este tribunal apenas
exprimiu, em síntese, a decisão sobre as duas questões ora colocadas.
20. Pois que se não foram relevantes para a decisão do tribunal aqueles
depoimentos — como aconteceu no caso — e não valendo, pois, sequer a pena
mencionar o seu conteúdo, por maioria de razão não se justificará fazer o seu
exame crítico e ainda menos fazer até menção à sua existência (dado que, como
vimos, a sua simples existência não se poderá sequer discutir !).
TERMOS EM QUE deverá ser julgada improcedente a nulidade do acórdão arguida pela
recorrente.»
Cumpre decidir.
II. Fundamentos
2.Entende a reclamante que o acórdão reclamado está ferido de nulidade, nos
termos do artigo 668.°, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, por não
se ter pronunciado sobre questões de que cumpria ao Tribunal Constitucional
tomar conhecimento – por omissão de pronúncia.
Para tal, afirma que a omissão de pronúncia se verificou, primeiramente, quanto
à questão “da conformidade constitucional da interpretação da segunda parte do
art.º 374.º, n.º 2, do Código de Processo Penal no sentido de que a falta de
exame crítico do depoimento da arguida e das testemunhas de defesa é violadora
do princípio da fundamentação das decisões judiciais, do direito ao recurso e
das garantias de defesa (cfr. os art.ºs 205.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da
Constituição)”.
Esta arguição de nulidade é, porém, manifestamente improcedente, como bem
salienta o Ministério Público. Com efeito, a delimitação do objecto do recurso
efectuada nos presentes autos incidiu na norma que efectivamente foi aplicada
pela decisão recorrida, a única de que este Tribunal podia tomar conhecimento.
A dimensão interpretativa da segunda parte do artigo 374.º, n.º 2, do Código de
Processo Penal, no sentido de que a sentença da primeira instância não fez um
exame crítico da prova produzida em audiência, não foi, com efeito, aplicada
como ratio decidendi pelo tribunal recorrido. Este assentou antes, como razão de
decidir – que permaneceria intocada mesmo que o Tribunal Constitucional pudesse
julgar inconstitucional a citada interpretação normativa –, na conclusão de que
a motivação da decisão da primeira instância “não se limita a enunciar e elencar
os meios de prova relevantes e decisivos, antes procedeu a uma análise crítica
dessas provas” (fl. 767 dos autos), e fundamentou essa conclusão que não cabe ao
Tribunal Constitucional apreciar.
3. A reclamante considera, ainda, que “o douto Acórdão proferido não analisou a
questão da conformidade constitucional da norma extraída dos artigos 374.º, n.º
2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal, interpretada no
sentido de não impor a menção específica na sentença, da mera existência dos
depoimentos da arguida e das testemunhas de defesa.”
Porém, como resulta claramente da resposta de fls. 815 e segs. dos autos ao
convite para aperfeiçoamento do requerimento de recurso, do despacho que ordenou
a produção de alegações, e das alegações de recurso apresentadas, o objecto do
recurso de constitucionalidade em questão era a norma extraída dos artigos
374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal,
interpretada no sentido de não impor menção específica na sentença do teor ou
conteúdo do depoimento da arguida e das testemunhas de defesa, questão, esta,
sobre a qual a decisão reclamada se pronunciou com clareza, no sentido da
inexistência de inconstitucionalidade. Era apenas esta a questão que cumpria ao
Tribunal decidir, e ela foi decidida.
O Tribunal Constitucional não podia, pois, tomar conhecimento da
constitucionalidade dos artigos 374.º, n.º 2 e 379.º, n.º 1, alínea a), do
Código de Processo Penal, interpretados no sentido de não impor a menção
específica na sentença da mera existência dos depoimentos da arguida e das
testemunhas de defesa, aspecto que – repete-se – a recorrente não referiu,
aliás, no requerimento de recurso. E é bem sabido que o objecto do recurso fica,
desde logo, delimitado por aquele requerimento.
4. E, se tal não bastasse, haveria ainda que notar, como bem salienta o
magistrado do Ministério Público em funções neste Tribunal, que o despacho
proferido pelo relator a fl. 819 dos autos, que delimitou o objecto do recurso
ao determinar a produção de alegações, transitou em julgado, não tendo a
recorrente dele reclamado, e que claramente tal despacho não determinou a
produção de alegações sobre dimensões normativas que, agora, o recorrente
entende que o Tribunal Constitucional deveria ter apreciado (apesar de as não
ter mencionado no requerimento do recurso ou de não terem sido aplicadas como
ratio decidendi pelo tribunal recorrido).
A presente reclamação tem, pois, de ser indeferida.
III. Decisão
Com estes fundamentos, decide-se indeferir a arguição de nulidade do Acórdão n.º
27/2007, e, em consequência, condenar a reclamante em custas, fixando a taxa de
justiça em 15 (quinze ) unidades de conta.
Lisboa, 8 de Março de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos