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Processo n.º 1093/06
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por acórdão do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Viseu de
12 de Julho de 2002, de fls. 24, A. foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena
única de cinco anos e seis meses de prisão, pela prática de um crime de burla
qualificada, um crime de abuso de confiança e um crime de falsificação de
documento, na forma continuada, e no pagamento de determinada indemnização ao
lesado, B..
Conforme ainda se disse na mesma sentença «Por força do disposto no artº 1.º,
n.ºs 1 e 4, da Lei de Amnistia n.º 29/99, de 12 de Maio, única aplicável (artº
11.º da Lei n.º 15/94, de 11 de Maio), declara-se perdoado um ano da referida
pena de prisão».
Por despacho de 9 de Julho de 2003, de fls. 52, proferido após o
trânsito em julgado do acórdão condenatório, A. foi notificado para, no prazo de
90 dias, pagar ao lesado a referida indemnização, sob pena de revogação do
perdão que lhe fora concedido, nos termos do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo
5.º da Lei n.º 29/99.
A. interpôs recurso, mas o recurso foi rejeitado por despacho de 15 de Setembro
de 2003, de fls. 60, com o fundamento de que «a parte do despacho de que o
arguido pretende recorrer constitui despacho de mero expediente», ou seja, a
parte relativa 'à notificação do arguido para, em 90 dias, pagar ao lesado a
indemnização arbitrada no acórdão, sob pena de revogação do perdão que lhe foi
concedido'. Conforme o mesmo despacho, 'admitirá recurso, sim, a eventual
decisão que possa vir a declarar revogado o perdão de que o arguido beneficiou
por incumprimento da condição de indemnização. A decisão que tome posição sobre
tal questão, porém, ainda não foi proferida nos autos'.
Posteriormente, por despacho de 6 de Outubro de 2004, de fls. 63, foi
decidido o seguinte:
«No acórdão condenatório proferido nos autos beneficiou o arguido, ao
abrigo do disposto no art. 1.º n.º 1 e 4 da Lei n.º 29/99 de 12/5, do perdão de
um ano da pena que lhe foi imposta.
Por força do disposto no art. 5.º da referida Lei, “sempre que o
condenado o tenha sido também em indemnização o perdão é concedido sob condição
resolutiva da reparação do lesado (…)”, devendo essa condição 'ser satisfeita
nos 90 dias imediatos à notificação que para o efeito será feita ao condenado”.
Ora, não obstante a notificação efectuada, o arguido não pagou ao
lesado a indemnização em que foi condenado no prazo que lhe foi fixado.
Assim sendo, revoga-se o perdão de um ano de prisão de que havia
beneficiado nestes autos.»
A. interpôs então recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, que,
por acórdão de 25 de Outubro de 2006, de fls. 93, lhe negou provimento.
Para o que agora releva, afirmou-se no mencionado acórdão o seguinte:
« Com a Lei n.º 29/99 de 12 de Maio, o legislador amnistiou pequenas
infracções – amnistia própria – e concedeu o perdão genérico – amnistia
imprópria.
Dispõe o artº 1º da referida Lei:
- Nas infracções praticadas até 25 de Março de 1999, inclusive, é
perdoado um ano de todas as penas de prisão, ou um sexto das penas de prisão até
oito anos, ou um oitavo ou um ano e seis meses das penas de prisão de oito ou
mais anos, consoante resulte mais favorável ao condenado.
Contudo, o legislador submeteu o perdão genérico concedido à condição
resolutiva, prevista no artº 4º e 5º da mesma Lei, ou seja, de 'o beneficiário
não praticar infracção dolosa nos três anos subsequentes à data de entrada em
vigor da (…) da Lei, caso em que à pena aplicada à infracção superveniente
acrescerá a pena ou parte da pena perdoada'.
E 'sempre que o condenado o tenha sido também em indemnização, o perdão
é concedido sob condição resolutiva de reparação ao lesado ou (…)'.
O perdão é um acto de clemência atribuído por lei. A sua aplicação é
imperativa 'ope legis'. O perdão genérico tem carácter geral é aplicado a todos
os arguidos que tenham praticado uma infracção no período de tempo abrangido
pela amnistia, de forma obrigatória e automática.
Assim, os tribunais não podem, de forma alguma, tecer qualquer juízo
sobre dever ser aplicado o perdão a um arguido individualmente determinado,
decidindo pela não aplicação do perdão no caso concreto.
A sua condição opera de forma obrigatória e automática.
No caso vertente, o acórdão condenatório declarou perdoado um ano da pena de
prisão aplicada ao arguido sem sujeitar expressamente tal perdão a qualquer
condição resolutiva. Tal não significa que o perdão tenha sido
incondicionalmente concedido. A aplicação dessas condições é definida “ope
legis”, sendo uma consequência directa e automática de uma condenação pela
prática de crime doloso praticado nos três anos subsequentes à data da entrada
em vigor da Lei n.º 29/99, ou do não pagamento da indemnização aos lesados
dentro de determinado prazo (artigos 4.º e 5.º).
Portanto, a aplicação do perdão ao abrigo da referida Lei,
implicitamente abarca a condição resolutiva imposta pela mesma lei.
Como bem refere o Ministério Público, “situação idêntica ocorre a
propósito do instituto da suspensão da pena: ao aplicar uma pena de prisão
suspensa na sua execução o juiz não está vinculado a fazer constar da sentença
os pressupostos da suspensão da revogação da pena especificados nas alíneas a) e
b) do artigo 56.º do código Penal, pois que os mesmos constam da lei”.
Não tem, pois, razão o recorrente quando sustenta que a decisão fez
errada interpretação do artigo 666.º, n.º 1, do CPC e artigo 29.º, n.º 5, da
CRP.
(…)
Os tribunais estão impedidos de, verificada a condição resolutiva,
recusar a revogação do perdão, num determinado caso concreto, com base em juízos
sobre a inconveniência (na consideração, designadamente, dos fins das penas) da
revogação (Ac. RE n.º 1334/04-1, em dgsi.pt).
Desta forma, sendo a revogação do perdão obrigatória e automática, não
tem razão o recorrente quando sustenta que devia ter sido ponderada a culpa do
agente na verificação da condição resolutiva.
(…)
O recorrente invoca, ainda, a inconstitucionalidade do art. 5.º da Lei
n.º 29/99, interpretado no sentido de que não é necessária a audição do arguido
previamente à revogação do perdão da pena que lhe fora concedido, por
desrespeito do princípio do contraditório decorrente do disposto nos artigos
61.º, n.º 1, alínea b), do CPP e 32.º, n.ºs 1 e 5, da CRP.
Sendo a revogação do perdão obrigatória e automática não se mostra
fundada a pretensão do recorrente de ser previamente ouvido.»
2. Inconformado, A. veio interpor recurso para o Tribunal
Constitucional, «ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro», pretendendo ver apreciada a inconstitucionalidade das
seguintes normas:
«1ª) As normas do artº 5.º da Lei n.º 29/99 de 12 de Maio e 61.º, n.º 1, alínea
b), do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido de que a revogação da
pena de perdão aí prevista opera de forma automática, ope legis,
independentemente da culpa do agente no preenchimento da condição e sem
obrigatoriedade de audição prévia do arguido antes de ser proferida decisão de
revogação do perdão de pena de que beneficiara, por se entender tal
interpretação como inconstitucional por violação do disposto nos artºs 1.º,
20.º, n.º 4, 25.º e 32.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa.
2ª) As normas do artº 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e do artº 5.º da
Lei n.º 29/99 interpretadas no sentido que não constitui violação do caso
julgado a revogação do perdão de pena com fundamento em condição resolutiva não
expressamente cominada em sede de acórdão condenatório, por se entender tal
interpretação como inconstitucional por violação do disposto no n.º 5 do artº
29.º da Constituição da República Portuguesa.»
3. Notificado para o efeito, o recorrente apresentou alegações, com as
seguintes conclusões:
«Termos em que atento o que supra se expôs deverá ser declarada a
inconstitucionalidade das seguintes normas e ordenada a reformulação em
conformidade do acórdão recorrido:
1ª)
As normas do artº 5.º da Lei n.º 29/99 de 12 de Maio e 61.º, n.º 1, alínea b),
do Código de Processo Penal, interpretadas no sentido que a revogação da pena de
perdão aí prevista opera de forma automática ope legis, independentemente da
culpa do agente no preenchimento da condição e sem obrigatoriedade de audição
prévia do arguido antes de ser proferida decisão de revogação do perdão de pena
de que beneficiara, por se entender tal interpretação como inconstitucional por
violação do disposto nos artºs 1.º, 20.º, n.º 4, 25.º e 32.º, n.ºs 1 e 2, da
Constituição da República Portuguesa.
2ª)
As normas do artº 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil e do artº 5.º da Lei
n.º 29/99 interpretadas no sentido que não constitui violação do caso julgado a
revogação do perdão de pena com fundamento em condição resolutiva não
expressamente cominada em sede de acórdão condenatório, por se entender tal
interpretação como inconstitucional por violação do disposto no n.º 5 do artº
29.º da Constituição da República Portuguesa.»
Quanto Ministério Público, concluiu a alegação desta forma:
«1. É inconstitucional, por violação dos n.ºs 1 e 5 do artigo 32.º da
Lei Fundamental, uma interpretação das normas dos artigos 5.º da Lei n.º 29/99,
de 12 de Maio, e 61.º, n.º 1, alínea s), do Código de Processo Penal, que
entenda não ser obrigatório ouvir previamente o arguido, face à possibilidade
efectiva de lhe ser revogado o perdão concedido e ter que vir a cumprir,
acrescidamente, pena efectiva de prisão.
2. Não configura uma verdadeira questão de constitucionalidade
normativa, imputar ao facto de não constar da decisão condenatória a
possibilidade de ocorrência de uma condição resolutiva da concessão do perdão,
previsto numa lei de clemência, a verificação de uma inconstitucionalidade por
eventual interpretação das normas dos artigos 666.º, n.º 1, do Código de
Processo Civil, e 5.º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, com violação do n.º 5 do
artigo 29.º da Lei Fundamental.»
4. Cumpre começar por determinar o objecto do recurso, e verificar se
estão reunidas as condições para que o Tribunal Constitucional dele possa
conhecer.
Em primeiro lugar, há que observar que só no requerimento de
interposição de recurso é que o recorrente refere a inconstitucionalidade que
nele menciona em primeiro lugar, não só ao artigo 5º da Lei n.º 29/99, mas
também à alínea b) do n.º 1 do artigo 61º do Código de Processo Penal, preceito
que, nas alegações de recurso apresentadas perante o Tribunal da Relação,
apenas afirmou ter sido violado.
O Tribunal Constitucional não vai, pois, tomar em conta esta
referência, por não ter sido oportunamente suscitada a inconstitucionalidade
(artigos 70º, n.º 1, b), e 72º, n.º 2, da Lei nº 28/82). Seja como for, a
questão de inconstitucionalidade suscitada mantém-se, embora apenas referida ao
artigo 5º da Lei n.º 29/99, e traduz-se em saber se viola a Constituição a norma
segundo a qual a revogação do perdão prevista neste artigo 5º opera
automaticamente. O recorrente acusa esta norma de violar o princípio da culpa e
o princípio do contraditório (artigos 1º, 20º, n.º 4, 25º e 32º, n.ºs 1 e 2 da
Constituição).
Em segundo lugar, há que analisar o obstáculo suscitado pelo Ministério
Público quanto à questão que o recorrente coloca relativamente à norma que
retira da conjugação entre o mesmo artigo 5º e o n.º 1 do artigo 666º do Código
de Processo Civil, 'interpretadas no sentido que não constitui violação do caso
julgado a revogação do perdão de pena com fundamento em condição resolutiva não
expressamente cominada em sede de acórdão condenatório', norma que o recorrente
entende violar o n.º 5 do artigo 29º da Constituição.
É certo que não cabe na competência do Tribunal Constitucional analisar
eventuais inconstitucionalidades atribuídas directamente a decisões
jurisdicionais, mas, apenas, a normas nelas aplicadas (quando o recurso é
interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº
28/82, como é o caso), não obstante ter sido suscitada a respectiva
inconstitucionalidade.
Entende-se, todavia, que é ainda possível encontrar uma questão de
constitucionalidade normativa relativa aos dois preceitos legais indicados pelo
recorrente, como se verá.
Não há, pois, obstáculos ao conhecimento do mérito do recurso.
5. É o seguinte o texto dos preceitos que contêm as normas impugnadas:
– Do artigo 5.º da Lei n.º 29/99, de 12 de Maio:
«Artigo 5.º
1 – Sempre que o condenado o tenha sido também em indemnização o perdão é
concedido sob condição resolutiva de reparação ao lesado ou, nos casos de crime
de emissão de cheque sem provisão, ao portador do cheque.
2 – A condição referida no número anterior deve ser satisfeita nos 90 dias
imediatos à notificação que para o efeito será feita ao condenado.
(…)
7 – Nas condições previstas no número anterior ou quando a situação económica do
condenado e a ausência de antecedentes criminais o justifique, o juiz,
oficiosamente ou a requerimento, concede novo prazo de 90 dias para a satisfação
da condição referida no n.º 1».
– Do artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil:
«Artigo 666.º
(Extinção do poder jurisdicional e suas limitações)
1 – Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do
juiz quanto à matéria da causa.
…»
6. Como se viu, o recorrente considera inconstitucional a norma contida
no artigo 5º da Lei n.º 29/99 quando interpretada no sentido de que a revogação
do perdão ali prevista opera automaticamente, por infracção dos princípios da
culpa e do contraditório (artigos 1º, 20º, n.º 4, 25º e 32º, n.ºs 1 e 2 da
Constituição). Em particular, o recorrente entende que o não funcionamento do
contraditório impede qualquer defesa, nomeadamente afasta a possibilidade de
averiguação da culpa no não pagamento da indemnização, condição que, a seu ver,
seria indispensável para a revogação do perdão.
Invoca em abono da inconstitucionalidade o acórdão n.º 298/2005 deste
Tribunal (Diário da República, II série, de 28 de Julho de 2005), no qual se
decidiu 'julgar inconstitucionais, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 5, da
Constituição da República Portuguesa, as normas constantes dos artigos 4.º da
Lei n.º 29/99, de 12 de Maio, e 61.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo
Penal, interpretadas no sentido de não ser obrigatória a audição do arguido
antes de ser proferida decisão de revogação do perdão de pena de que
beneficiara'.
Afirmou-se, com efeito, neste acórdão (no qual se refere que o
condenado não foi ouvido entre a promoção do Ministério Público no sentido da
revogação do perdão e a decisão que o revogou) que «o respeito do princípio do
contraditório, como emanação das garantias de defesa em processo criminal,
impunha que, perante a promoção de revogação do perdão de pena, fosse dada ao
arguido a possibilidade de se pronunciar, possibilidade que não lhe podia ser
negada com base numa pretensa automaticidade ou operatividade ope legis daquela
revogação».
Sucede, porém, que estas considerações, expendidas a propósito da condição
resolutiva do perdão de pena prevista no artigo 4.º da Lei n.º 29/99 não podem,
sem mais, ser transpostas para o caso da condição resolutiva prevista no artigo
5.º do mesmo diploma (não curando agora das particulares questões de
interpretação da lei que, no recurso então julgado, se colocavam).
É que, nos termos desta última norma, o condenado é necessariamente notificado,
como o foi no caso dos autos, para proceder à reparação do lesado podendo, em
resposta a tal notificação, aduzir as suas razões no sentido de não ser revogado
o perdão, não obstante não proceder ao pagamento.
Pode, aliás, como se prevê expressamente no n.º 7 do artigo 5º, atrás também
transcrito, requerer a prorrogação do prazo de pagamento, quando a sua situação
económica e a ausência de antecedentes criminais o justifique.
Tanto basta para que se não considere procedente, neste recurso, a razão que, no
acórdão n.º 298/2005, levou à conclusão de violação do princípio do
contraditório; e, do mesmo passo, da violação do princípio da culpa, já que não
resulta do regime acabado de descrever a impossibilidade apontada pelo
recorrente para a discutir.
Isto não significa, naturalmente, que se ponha em causa a dignidade
constitucional dos princípios do contraditório e da culpa, ambos aliás
desenvolvidamente apresentados no mesmo acórdão n.º 298/2005; apenas se entende
que a automaticidade da consequência da falta de pagamento, entendida como a
interpretou o acórdão recorrido, não infringe tais princípios.
Na verdade, e independentemente de se saber em que medida teria relevância neste
domínio a questão da culpa, o regime acabado de descrever revela que o sistema
comporta um momento em que é possível proceder à respectiva ponderação, antes de
ser revogado o perdão.
7. O recorrente aponta ainda a inconstitucionalidade da norma que
retira da conjugação entre o artigo 5º da Lei n.º 29/99 e o n.º 1 do artigo 666º
do Código de Processo Civil, 'interpretadas no sentido que não constitui
violação do caso julgado a revogação do perdão de pena com fundamento em
condição resolutiva não expressamente cominada em sede de acórdão condenatório',
por violação o n.º 5 do artigo 29º da Constituição.
O n.º 5 do artigo 29º da Constituição consagra o princípio de que
'ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime'.
O recorrente considera que a sentença lhe concedeu o perdão de um ano
na pena de prisão, sob condição, apenas, de não verificação da prática de
infracção dolosa nos termos previstos no artigo 4º da mesma Lei n.º 29/99; e
que, ao revogar o perdão com fundamento no não pagamento da indemnização, o
despacho de fls. 63 interpretou o n.º 1 do artigo 666º do Código de Processo
Civil (aplicável por força do artigo 4º do Código de Processo Penal) no sentido
de que o caso julgado formado pelo acórdão condenatório não impedia que se
acrescentasse uma condição resolutiva do perdão deliberadamente ali não imposta,
o que violaria 'a letra e o espírito da norma contida no n.º 5 do artº 29º da
C.R.P.'.
Cumpre esclarecer que o acórdão recorrido não interpretou o acórdão
condenatório no sentido de não ter considerado expressamente a condição prevista
no n.º 1 do artigo 5º da Lei n.º 29/99 por, deliberadamente, a querer excluir;
e, portanto, não entendeu que o despacho de revogação do perdão tivesse violado
o caso julgado formado pelo referido acórdão condenatório, já que apenas veio
declarar uma consequência automática do não preenchimento de uma condição apenas
não expressamente referida (mas não voluntariamente excluída).
Assim sendo, o Tribunal Constitucional apenas pode avaliar se a
interpretação adoptada pelo acórdão recorrido, nos termos da qual 'a aplicação
do perdão ao abrigo da (…) Lei [n.º29/99], implicitamente abarca a condição
resolutiva imposta pela mesma Lei' viola a proibição constante do n.º 5 do
artigo 29º da Constituição. Não cabe no âmbito deste recurso, repita-se,
discutir o sentido da decisão condenatória, nomeadamente quanto a saber qual o
alcance do caso julgado então formado.
Sempre se observa, todavia, que o Tribunal Constitucional tem sempre
afirmado que a Constituição aceita como um valor próprio o respeito pelo caso
julgado, assente no princípio da segurança jurídica inerente ao Estado de
direito (artigo 2.º da Constituição), na especial força vinculativa das decisões
dos tribunais (n.º 2 do artigo 205.º), no princípio da separação de poderes
(artigos 2.º e 111.º), e ainda no n.º 3 do artigo 282.º da Constituição (ver, a
título de exemplo, o Acórdão n.º 86/04 (Diário da República, II série, de 19 de
Março de 2004).
Ora, o Tribunal entende que estes princípios não seriam afectados por um
entendimento segundo o qual a aplicação do perdão ao abrigo da Lei n.º 29/99
implicitamente inclui a condição resolutiva imposta pela mesma lei, nomeadamente
quando tal condição se verifique após a concessão do perdão e opere de forma
obrigatória e automática, já que a previsão legal de condição resolutiva de
verificação obrigatória mostra-se apta a satisfazer a exigência de
previsibilidade imposta pelo referido princípio da segurança jurídica e
manifestamente não afronta os restantes princípios constitucionais.
E da mesma forma entende não violado o princípio ne bis in idem, já que da
interpretação adoptada pelo acórdão recorrido não decorre qualquer situação de
duplo julgamento, proibida pelo n.º 5 do artigo 29º da Constituição.
8. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 ucs.
Lisboa, 2 de Março de 2007
Maria dos Prazeres Beleza
Vítor Gomes
Gil Galvão
Bravo Serra (Não conheceria da
questão de inconstitucionalidade atinente à conjugação dos preceitos constantes
do art.º 5.º da Lei n.º 29/99 e do n.º 1 do art.º 666 do Código de Processo
Civil, pelo essencial das razões vertidas na alegação produzida neste Tribunal
pelo Ex.mo Representante do Ministério Público)
Artur Maurício