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Processo nº 247/2007.
3ª Secção.
Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Inconformado com a sentença proferida em 15
de Julho de 2002 pelo Juiz do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa que
negou provimento ao recurso contencioso de anulação incidente sobre a
deliberação tomada em 8 de Março de 1995 pela Câmara Municipal de Sesimbra e por
via da qual foi indeferido um pedido de loteamento formulado por A., S.A., veio
esta interpor recurso para a Secção de Contencioso Administrativo do Supremo
Tribunal Administrativo.
Na alegação adrede produzida, a recorrente
formulou as seguintes «conclusões»: –
“1ª O parecer da CCRLVT e a respectiva homologação, por despacho do SEALOT, de
1994.11.04, não integram actos administrativos recorríveis mas, apenas, actos
preparatórios ou instrumentais da decisão final, a proferir no termo do
procedimento pela Câmara Municipal (v. arts. 13º e 40º do DL 448/91, de 29 de
Novembro; cfr. Acs. STA de 2000.04.28, Proc. 37811; de 1998.02.04, Proc. 41806;
de 1996.05.07, Proc. 27573) – cfr. texto n.ºs 1 e 2;
2ª O referido parecer e homologação sempre seriam absolutamente irrelevantes,
pois foram proferidos muito para além do respectivo prazo legal (v. arts. 42º e
43º do DL 448/91, de 29 de Novembro; cfr. Ac. STA (Pleno), de 1991.06.23, BMJ
408/318) – cfr. texto n.º 3;
3ª O alegado parecer desfavorável da CCRLVT e despacho do SEALOT sempre seriam
absolutamente ilegais (v. art. 266º da CRP, art. 3º do CPA e art. 13º do DL
448/91, de 29 de Novembro), pois fundamentaram-se em instrumento de gestão
territorial irrelevante e ineficaz (v. Acs. STA de 2002.10.01, Proc. 696/02; de
2001.11.21, Proc. 44730; de 2001.05.02, Proc. 38632) – cfr. texto n.ºs 4 e 5;
4ª O pedido de licenciamento de operação de loteamento apresentado pela ora
recorrente em 1994.02.21 foi tacitamente deferido, pelo menos, em 1994.07.01,
dado que a entidade recorrida não se pronunciou definitivamente dentro dos
prazos legalmente fixados (v. arts. 13º/4, 44º e 67º do DL 448/91, de 29 de
Dezembro; cfr. art. 108º do CPA) – cfr. texto n.ºs 5 a 8;
5ª Dos termos e circunstâncias em que o acto sub judice foi praticado não
resulta, de qualquer forma, o reconhecimento da existência de diversos actos
constitutivos de direitos anteriores e respectivos efeitos revogatórios,
faltando, desde logo, um dos elementos essenciais do acto em análise, que,
contrariamente ao decidido na aliás douta sentença recorrida, é assim nulo (v.
art.133°/1doCPA) – cfr. texto n.ºs 9 a 13;
6ª A deliberação recorrida sempre teria revogado ilegal e intempestivamente
anteriores actos tácitos e expressos constitutivos de direitos, violando
frontalmente o art. 77º/b) do DL 100/84, de 29 de Março e os arts. 6º-A,
140º/1/b) e 141º do CPA, pois não foi invocada e não se verifica in casu
qualquer ilegalidade dos actos revogados – cfr. texto n.ºs 14 a 17;
7ª A deliberação sub judice violou frontalmente o disposto no art. 266º da CRP,
no art. 3º do CPA e nos arts. 13º e 44º do DL 448/91, de 29 de Novembro, pois os
fundamentos invocados não integram a previsão de qualquer das alíneas do art.
13º deste diploma legal – cfr. texto n.ºs 18 a 21; 8ª O projecto do PDM de
Sesimbra não constituía à época do indeferimento sub judice um instrumento de
planeamento territorial juridicamente existente e eficaz, por ainda não ter sido
aprovado e publicado, pelo que as normas dele constantes são manifestamente
inaplicáveis in casu (v. art. 119º da CRP, art. 5º/1 do Código Civil e arts. 15º
a 18º do DL 69/90, de 2 de Março) – cfr. texto n.ºs 22 a 28;
9ª A deliberação sub judice, ao indeferir a pretensão da ora recorrente, negou e
restringiu direitos e decidiu em contrário da pretensão formulada pela
interessada, tendo revogado anteriores actos constitutivos de direitos, pelo que
tinha necessariamente de ser fundamentada de facto e de direito, ex vi do
disposto nos arts. 268º/3 da CRP, 124º e 125º do CPA e 13º/7 do DL 448/91, de 29
de Novembro – cfr. texto n.º 29;
10ª A deliberação em análise enferma de manifesta falta de fundamentação de
facto, não tendo sequer indicado quaisquer razões relativamente à decisão de
indeferir a pretensão da ora recorrente, em sentido oposto ao de diversas
informações e deliberações favoráveis constantes do respectivo processo
camarário (v. art. 124º/1/c) do CPA; cfr. arts. 1º/1/d) do DL 256-A/77, de 16 de
Junho) – cfr. texto n.ºs 30 e 31;
11ª A deliberação sub judice enferma de manifesta falta de fundamentação de
direito, pois não foram invocadas quaisquer normas jurídicas válidas e eficazes
que permitissem o indeferimento da pretensão da ora recorrente – cfr. texto n.º
32;
12ª A deliberação sub judice não contém também quaisquer razões de facto e de
direito da revogação de anteriores actos constitutivos de direitos, pelo que
enferma de manifesta falta de fundamentação – cfr. texto n.ºs 33 e 34;
13ª A deliberação recorrida ofendeu abertamente o conteúdo essencial do direito
fundamental de propriedade privada da ora recorrente, consagrado nos arts. 61º e
62º da CRP, pois revogou diversos actos constitutivos de direitos e indeferiu a
sua pretensão sem se basear ou invocar normativos válidos e eficazes, criando
assim restrições ao referido direito mediante simples actos administrativos,
pelo que a sua nulidade é inquestionável (v. art. 133º/2/d) do CPA) – cfr. texto
n.ºs 35 a 37;
14ª A deliberação sub judice, ao indeferir a pretensão da ora recorrente, violou
os princípios da igualdade, justiça, boa-fé, confiança e respeito pelos direitos
e interesses legalmente protegidos da ora recorrente, pois, perante os
anteriores actos tácitos e expressos favoráveis ao licenciamento da operação de
loteamento em análise, impunha-se o respectivo deferimento – cfr. texto n.ºs 38
e 39;
15ª A aliás douta sentença recorrida enferma assim de manifestos erros de
julgamento, tendo violado frontalmente, além do mais, o disposto nos artigos 9º,
18º,20º,119º,266º e 268º da CRP, nos arts. 3º, 4º, 6º-A, 8º, 99º,124º,125º e
138º e segs. do CPA, bem como nos arts. 13º, 42º, 43º e 67º do DL 448/91, de 29
de Novembro.”
Porque o Supremo Tribunal Administrativo, por
acórdão de 25 de Janeiro de 2006, negou provimento ao recurso, veio a
impugnante, invocando oposição de julgados, recorrer para o Pleno da Secção de
Contencioso Administrativo daquele Alto Tribunal.
O mencionado Pleno, por acórdão de 9 de
Novembro de 2006, julgou findo o recurso, por isso que se entendeu que o acórdão
impugnado e o acórdão fundamento decidiram questões jurídicas distintas, o que
consequenciava que não se não postasse uma situação tal como a prevista nas
alíneas b) e c) do artº 24º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Releva aqui extractarem-se os seguintes passos
de tal acórdão: –
“(…)
Ora, contrariamente ao alegado, não resulta dos autos a existência de qualquer
oposição de julgados, pela singela razão de que os dois arestos em confronto
trataram de questões jurídicas distintas.
Na verdade, e apesar de uma real identidade das situações de facto subjacentes
(ambos têm por objecto impugnação contenciosa de um acto administrativo
precedido de parecer de natureza vinculativa, com o qual se conformou), são, no
entanto, distintas as questões sobre que incidiu a respectiva pronúncia.
No acórdão recorrido (que confirmou sentença do TAC a manter na ordem jurídica,
porque válida, a deliberação camarária de indeferimento de uma operação de
loteamento precedida de parecer vinculativo desfavorável da CCRLVT), a
recorrente alegou que o referido parecer e respectiva homologação ministerial,
que foram fundamento daquele indeferimento, não são actos administrativos
recorríveis, mas apenas actos preparatórios ou instrumentais da decisão final do
procedimento.
E o acórdão, reportando-se embora à jurisprudência deste STA acolhedora da tese
da impugnabilidade autónoma dos pareceres vinculativos, pela eficácia externa
que produzam e pela lesividade que representem, aborda em concreto a questão da
eficácia vinculativa do parecer que precedeu o acto recorrido, acto que, in
casu, é pois a deliberação camarária que se conformou com o parecer vinculativo
desfavorável, e não este parecer.
E a pronúncia emitida sobre tal questão foi no sentido de não se verificarem
quaisquer obstáculos aos efeitos vinculativos previstos na lei para o parecer
que precedera a deliberação impugnada, uma vez que, não tendo ele sido
autonomamente impugnado, nem ‘questionada a sua legalidade no recurso
contencioso dos autos’, e sendo os vícios alegados no recurso jurisdicional, a
ocorrerem, geradores de mera anulabilidade, que não de inexistência ou nulidade,
sempre haveria que concluir-se que ‘a Câmara recorrida teria que acatar o
parecer desfavorável da CCRLVT, sob pena de incorrer, ela própria, em nulidade
(art. 58º, nº 1 do DL nº 448/91)’.
Ou seja, a referência aqui contida sobre a orientação jurisprudencial do STA
relativa à impugnabilidade autónoma dos pareceres vinculativos é absolutamente
marginal à quaestio juris objecto da pronúncia emitida (que é, repete-se, a da
eficácia vinculativa do parecer que precedeu o acto recorrido), e foi feita
apenas para dar por assente que o aludido parecer, não tendo sido impugnado nem
posta em causa a respectiva legalidade, teria, porque vinculativo, que ser
necessariamente acolhido pela deliberação contenciosamente recorrida.
O acórdão fundamento, por seu lado, antes de anular o acto contenciosamente
recorrido (despacho ministerial que indeferiu pedido de transferência do
recorrente para o quadro docente do ISCAL, na sequência de parecer vinculativo
desfavorável do Conselho Científico) tratou da questão prévia da
irrecorribilidade do acto contenciosamente impugnado, suscitada com fundamento
na natureza interna do parecer que o precedera e que alegadamente seria ‘o acto
verdadeiramente impugnado’.
E, nessa sede, o acórdão julgou improcedente a suscitada questão prévia da
irrecorribilidade do acta, por entender que, in casu, o recurso contencioso foi
– e bem – ‘dirigido contra o acta administrativo emanado do órgão activo’, ou
seja, o acto final do procedimento administrativo, ainda que as ilegalidades de
que eventualmente enferma sejam ‘assacadas ao parecer proferido pelo órgão
consultivo’, cujos fundamentos, porque vinculativo, o acto recorrido
necessariamente acolheu.
É patente que os dois acórdãos apreciaram e decidiram questões jurídicas
distintas: um (o recorrido) a da eficácia vinculativa do parecer que precedeu o
acta recorrido; outro (o fundamento) a da irrecorribilidade do acto com
fundamento na natureza interna do parecer, apontado como ‘o acto verdadeiramente
impugnado’.
Não pode, assim, afirmar-se, contrariamente ao pretendido pela
recorrente, que, ‘relativamente ao mesmo fundamento de direito’, os arestos em
confronto ‘perfilhem solução oposta’, não se verificando, por conseguinte, os
fundamentos do recurso previsto no art. art. 24º, als. b) e c) do ETAF, deste
modo improcedendo as conclusões da alegação.
(…)”
Notificada do acórdão de que parte se encontra
transcrita, fez a recorrente juntar aos autos requerimento com o seguinte teor:
–
“A. S.A., recorrente[ ] no processo à margem referenciado, não se conformando
com o decidido no douto Acórdão de 2006.11.09, vem dele recorrer para o
Venerando Tribunal Constitucional, nos termos dos arts. 69º e segs. da Lei do
Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei 28/82, de 15 de Novembro.
O presente recurso tem como fundamento a questão da inconstitucionalidade do
projecto do PDM de Sesimbra ‘em elaboração’e não publicado, face às normas e
princípios constitucionais consagrados nos arts. 9º, 119º e 266º da CRP (v. art.
70º1/b) da LTC).
As referidas questões de inconstitucionalidade foram suscitadas expressamente,
além do mais, nos textos nº. 23 a 28 e conclusões 8a e 15a das alegações
apresentadas em 2002.11.12 pelos ora recorrentes, neste Venerando Supremo
Tribunal.
O presente recurso deverá ser processado como os de agravo, com subida imediata
e efeito suspensivo (v. arts. 102º e 105º da LPT A e art. 78º da L TC; cfr. art.
5º/1 da Lei 15/2002, de 22 de Fevereiro).”
Por despacho prolatado em 11 de Dezembro de
2006 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, não foi
admitido o recurso intentado interpor por meio do transcrito requerimento, com
base na circunstância de o aresto querido impugnar não ter efectuado convocação
das normas cuja inconstitucionalidade a recorrente pretendia ver submetidas ao
escrutínio do Tribunal Constitucional, e isso independentemente do facto de ter
havido, ou não, no processo, uma cabida suscitação dessa questão de desarmonia
constitucional.
É desse despacho que, pela impugnante, vem
deduzida a vertente reclamação.
Pronunciando-se sobre ela, o Ex.mo
Representante do Ministério Público junto deste órgão de fiscalização
concentrada da constitucionalidade normativa veio dizer que a reclamação era
manifestamente improcedente já que “a decisão expressamente impugnada pel[a] ora
reclamante tem uma dimensão exclusivamente procedimental, tendo-se limitado a
julgar a inexistência de oposição de julgados, nos termos e para os efeitos do
artº 24º do ETAF, decidindo – em conformidade com tal entendimento – que se não
verificavam os pressupostos de admissibilidade do recurso destinado à
uniformização de jurisprudência”, pelo que, “nesta perspectiva, é evidente que
não aplicou – nem tinha que aplicar – quaisquer ‘normas que relevassem para as
precedentes decisões sobre o mérito da causa”.
Cumpre decidir.
2. É por demais clara a improcedência da
reclamação sub specie.
Na verdade, o acórdão que se quis impugnar
perante este Tribunal limitou-se a dar por findo o recurso interposto para o
Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal
Administrativo, já que entendeu que, no caso então em apreciação, se não
surpreendia uma situação cabível nas alíneas b) e c) do artº 24º do Estatuto dos
Tribunais Administrativos e Fiscais, justamente porque o acórdão então recorrido
e o acórdão referido como tendo decidido de forma diversa não se pronunciaram
sobre a mesma questão jurídica.
Não houve, desta sorte, para o juízo decisório
ínsito no acórdão de 9 de Novembro de 2006 – que é aquele sobre o qual incidiu a
vontade de impugnação perante o Tribunal Constitucional –, a aplicação, como
ratio juris, de qualquer normativo constante do Plano Director Municipal de
Sesimbra.
Basta a leitura da fundamentação carreada
àquele acórdão para, de modo fácil, se verificar que o mesmo se não socorreu de
um dos referidos normativos.
Neste contexto, e contrariamente ao defendido
na reclamação em apreço, a ratio decidendi do aludido aresto não fez, directa ou
indirectamente, explícita ou implicitamente, aplicação do ou dos normativos
agora mencionados no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal.
Efectivamente, o acórdão de que se quis
interpor recurso para este órgão de fiscalização concentrada da
constitucionalidade normativa não decidiu ou deixou de decidir que o acto de
indeferimento da pretensão de loteamento era válido, pois, como se disse já, o
que decidiu foi entre o acórdão então recorrido e o acórdão fundamento decidiram
distintas questões distintas que não tinham a ver com a eficácia vinculativa do
parecer que precedeu o acto então impugnado.
Neste contexto, indefere-se a reclamação,
condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça
em vinte unidades de conta.
Lisboa, 7 de Março de 2007
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício