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Processo n.º 335-A/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Nos presentes autos, em que figura como recorrente A., melhor identificado nos
autos, o Tribunal Constitucional proferiu: o Acórdão n.º 386/2006, de 27 de
Junho, que desatendeu a reclamação para a conferência e confirmou a Decisão
Sumária de 24 de Maio de 2006 (que, com fundamento na sua extemporaneidade,
tinha recusado tomar conhecimento de um recurso de constitucionalidade
interposto pelo recorrente), condenando o reclamante em custas, fixadas em 20
(vinte) unidades de conta de taxa de justiça; o Acórdão n.º 479/2006, de 31 de
Julho, pelo qual o Tribunal Constitucional decidiu indeferir a arguição de
nulidade daquele Acórdão n.º 386/2006 e, consequentemente, condenar o reclamante
em custas, fixando a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta; o Acórdão
n.º 569/2006, de 17 de Outubro, pelo qual decidiu desatender o pedido de
aclaração daquele Acórdão n.º 479/2006 e condenar o reclamante em custas,
fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta; e o Acórdão n.º
655/2006, de 28 de Novembro, pelo qual foi indeferida reclamação sobre a
condenação em custas constante daquele Acórdão n.º 569/2006.
Antes de proferido o Acórdão n.º 655/2006, o recorrente veio juntar aos autos um
requerimento que fizera dar entrada no Tribunal da Relação do Porto, afirmando
que existiam factos supervenientes que justificavam a reapreciação da prova. O
relator proferiu sobre esse requerimento despacho no sentido de que seria
apreciado oportunamente, no Tribunal da Relação do Porto.
Em 13 de Dezembro de 2006, já depois de proferido e notificado o citado Acórdão
n.º 655/2006, o reclamante veio com novo requerimento aos autos, dirigido ao
relator no Tribunal Constitucional, dizendo:
«1 – Em 10 de Novembro de 2006 deu entrada neste Tribunal um requerimento em que
se juntou um outro que se fez dar entrada no Tribunal da Relação do Porto em que
se apresentava prova superveniente.
2 – Tal requerimento foi apresentado ao abrigo do art. 4.º do CPP e do art.
712.º, n.º 1, c), do CPC, na pendência do processo.
3 – Até ao momento, nem o Tribunal Constitucional, nem o Tribunal da Relação do
Porto se pronunciou sobre o seu mérito.
4 – Todas as questões colocadas a Tribunal devem ser decididas no âmbito do
próprio processo.
II – Assim, requer, nos termos do art. 4.º do CPP e 712.º, n.º 1, do CPC, que o
Tribunal Constitucional se pronuncie sobre o mérito do requerimento
oportunamente apresentado».
Sobre este requerimento recaiu em 15 de Dezembro de 2006 o seguinte despacho do
relator no Tribunal Constitucional:
“Requerimento de fls. 575, referente ao requerimento de fls. 545: será apreciado
no Tribunal recorrido, se e quando for caso disso, depois do trânsito em julgado
da decisão no recurso de constitucionalidade.
Após trâmites legais, remeta os autos ao Tribunal recorrido.”
Notificado deste despacho, veio o reclamante com um requerimento dizer:
«A., recorrente nos autos supra identificados, face à notificação que lhe foi
feita, vem expor e requerer a V. Exa. o seguinte:
1.º - O exponente, na pendência da apreciação de reclamação apresentada no
presente recurso, comunicou com documento de suporte a apresentação de
requerimento junto do Tribunal da Relação do Porto de factos e documentos
supervenientes que poderão alterar o doutamente decidido nesse processo.
2.º - Fê-lo ao abrigo do disposto no artigo 4.º do C.P.P. conjugado com o
disposto no artigo 712.º do C. P. Civil.
3.º - Pois que, compulsado o C. P. Penal acerca desta matéria, é o mesmo omisso,
uma vez que não contempla o surgimento de factos e documentos supervenientes
posteriores à sentença proferida mas anteriores ao trânsito em julgado da mesma.
4.º - É certo que poder-se-ia entender ter de se deixar transitar em julgado a
decisão em apreciação e posteriormente requerer a revisão do processo, contudo
tal não poderá ser uma vez que nessa altura os factos não são supervenientes ao
trânsito em julgado da sentença.
5.º - O artigo 677.º do C.P.C., por sua vez, estabelece que: “A decisão
considera-se passada ou transitada em julgado, logo que não seja susceptível de
recurso ordinário, ou de reclamação nos termos dos artigos 668.º e 669.º”.
6.º - Acresce que o “Juiz deve especificar os fundamentos de facto e de direito
que justifiquem a decisão”.
7.º - Sucede, porém, que a douta decisão, que determinou “… será apreciado no
Tribunal recorrido, se e quando for caso disso, depois do trânsito em julgado da
decisão do recurso de constitucionalidade”, não especifica os fundamentos de
direito que a ditaram.
8.º - Sendo certo que, com o devido respeito que é muito, afigura-se ao
exponente que tal decisão viola o princípio do trânsito em julgado e os
preceitos supra referidos, apresentando-se inquinada de nulidade nos termos do
disposto no artigo 668.º, n.º 1, b), do C. P. Civil, aplicável ex vi artigo 4.º
do C.P.P. que aqui se invoca expressamente.
9.º - Acresce que, face ao surgimento de factos e documentos novos, se impõe a
imediata suspensão da instância de recurso até que a instância recorrida e com
competência decisória sobre tais questões efectivamente o faça, como mais uma
vez o impõe o artigo 4.º do C.P.P. conjugado com o artigo 97.º do C. P. Civil, o
que se requer.
10.º - Por último, segundo a última notificação desse Tribunal, o processo foi
remetido ao Tribunal da Relação.
11.º - Porém, o douto despacho de 15 de Dezembro refere: “... Após trâmites
legais, remeta os autos ao Tribunal recorrido”.
12.º - Deste modo, deveriam os autos aguardar pelo menos por dez dias, não
contando o período de férias, e posteriormente então, se nada fosse requerido,
serem remetidos ao Tribunal recorrido.
13.º - Não tendo sucedido tal, ocorreu nulidade que se invoca.
14.º - Por último, os factos e os documentos juntos ao Tribunal recorrido
reputa-os o requerente de essenciais para a descoberta da verdade.
15.º - Naturalmente que tal terá também de ser confirmado pelo Tribunal
competente para tal conhecer e que é o Tribunal da Relação.
16.º - Contudo, os procedimentos processuais efectuados não permitiram tal antes
do trânsito em julgado.
17.º - Também aqui ocorre nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, al. d), do
C.P.P., que expressamente se invoca com todas as legais consequências.»
O representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional
pronunciou‑se sobre este requerimento dizendo:
«1 – O requerimento ora apresentado carece obviamente de fundamento sério.
2 – Na verdade, no caso dos autos, não estando obviamente invocados quaisquer
factos ou circunstâncias “supervenientes” com incidência directa na única
questão que compete dirimir a este Tribunal Constitucional, não se vê qual seria
o fundamento para, de forma insólita, “suspender” a instância de recurso, até
que as questões colocadas voltassem a ser apreciadas no tribunal “a quo”.
3 – Tal regime processual, se porventura vigorasse, seria compatível com uma
ampla utilização dilatória – bastando à parte apresentar um qualquer
requerimento, endereçado ao tribunal “a quo”, para privar o Tribunal
Constitucional do exercício do poder/dever de resolver atempadamente a questão
de constitucionalidade que lhe está colocada!
4 – E sendo evidente que a definitiva dirimição de tal questão de
constitucionalidade em nada preclude às partes a possibilidade de endereçarem,
após remessa dos autos ao tribunal “a quo”, ao respectivo juiz os requerimentos
que tiverem por necessários à defesa dos seus interesses. »
Em 23 de Janeiro de 2007, foi proferido o Acórdão n.º 37/2007, pelo qual se
decidiu indeferir a reclamação deduzida pelo reclamante A. e condená-lo em
custas, com 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
2.Notificado do Acórdão n.º 37/2007, o reclamante veio arguir a sua nulidade,
dizendo:
«A., requerente nos autos supra identificados, não lobrigando na notificação
recebida divisar resposta ao requerimento fls. vem arguir nulidade por omissão
de pronúncia, nos termos e pelos fundamentos seguintes:
1 – O arguente deduziu nulidades que constam do seu requerimento de fls. …, que
aqui se dá por inteiramente reproduzido.
2 – Contudo, da leitura do douto despacho de fls. não divisa qualquer resposta
ao seu requerimento, mas antes a um outro que entretanto houvera sido decidido.
3 – Isto apesar de o parecer do Ex.m.º Senhor Procurador ser claro a esse
respeito e dizer efectivamente respeito ao requerido.
4 – O Tribunal deve pronunciar-se sobre todas as questões que lhe são colocadas
sob pena de nulidade.
5 – Ao omitir pronúncia sobre o requerido o douto despacho está inquinado de
nulidade determinando a apreciação e pronúncia do requerido, o que se invoca.»
Cumpre decidir, começando pela arguição de nulidade deduzida contra o Acórdão
n.º 37/2007.
II. Fundamentos
3.Há que reconhecer que no Acórdão n.º 37/2007, pelo qual se decidiu indeferir a
reclamação deduzida pelo recorrente A. (do despacho proferido pelo relator em 15
de Dezembro de 2006), e condená-lo em custas, se incorreu num lapso, que levou a
repetir a fundamentação de outro Acórdão anteriormente proferido nestes autos de
recurso de constitucionalidade (o Acórdão n.º 655/2006). Tal lapso material
levou a que nessa decisão se não contivesse efectivamente pronúncia sobre o
requerimento em que o recorrente reclamava do despacho proferido pelo relator em
15 de Dezembro de 2006.
Por omissão de pronúncia, tem, pois, de declarar-se a nulidade do Acórdão n.º
37/2007, que, por lapso, reproduziu a fundamentação de anterior aresto proferido
nestes autos.
E há, assim, que passar, de seguida, a tomar conhecimento da reclamação do
despacho proferido em 15 de Dezembro de 2006, sobre a qual não recaiu ainda
decisão válida.
4.No referido requerimento, o recorrente veio reclamar do despacho do relator no
Tribunal Constitucional segundo o qual anterior requerimento com alegados factos
supervenientes seria “apreciado no Tribunal recorrido, se e quando for caso
disso, depois do trânsito em julgado da decisão do recurso de
constitucionalidade”, ordenando igualmente a remessa dos autos ao Tribunal
recorrido.
Diz o recorrente que tal despacho não especifica os fundamentos de direito que o
ditaram e “viola o princípio do trânsito em julgado e os preceitos supra
referidos [artigo 677.º e 712.º do Código de Processo Civil, aplicáveis por
força do artigo 4.º do Código de Processo Penal], apresentando‑se inquinad[o] de
nulidade nos termos do disposto no artigo 668.º, n.º 1, b), do C. P. Civil
aplicável ex vi artigo 4.º do C.P.P.”, impondo-se antes “a imediata suspensão da
instância de recurso até que a instância recorrida e com competência decisória
sobre tais questões efectivamente o faça”, que requereu, não se remetendo os
autos ao tribunal recorrido – sem o que teria ocorrido nulidade.
Como bem notou o Ex.m.º representante do Ministério Público no Tribunal
Constitucional, a reclamação apresentada carece obviamente de fundamento sério.
Desde logo, a expressa fundamentação de direito do despacho em questão, de mero
expediente, não era constitucionalmente imposta, embora fosse evidente que ele
se fundava na necessidade de não protelar a pendência do recurso de
constitucionalidade com uma suspensão da instância de recurso, eventualmente
dilatória, não imposta pelo requerimento apresentado, e no facto de este, em que
se invocavam alegados factos supervenientes, apenas poder ser apreciado pelo
tribunal recorrido, sem relevo para a solução da questão de constitucionalidade
normativa, que é a única que compete ao Tribunal Constitucional apreciar.
Como também salienta o Ministério Público, é óbvio, aliás, que não eram
“invocados quaisquer factos ou circunstâncias ‘supervenientes’ com incidência
directa na única questão que compete dirimir a este Tribunal Constitucional”,
pelo que não existiria fundamento para “de forma insólita, ‘suspender’ a
instância de recurso, até que as questões colocadas voltassem a ser apreciadas”,
no tribunal a quo. Tal possibilidade significaria abrir a posta a uma ampla
utilização dilatória (e recordem-se já os vários incidentes e reclamações nos
presentes autos, elencados supra, no n.º 1), bastando que fosse apresentado um
qualquer requerimento dirigido ao tribunal recorrido para que o Tribunal
Constitucional não pudesse resolver atempadamente a questão de
constitucionalidade que lhe fora posta. Isto, sendo claro, por outro lado, que a
decisão dessa questão de constitucionalidade, com trânsito em julgado da
respectiva decisão, em “nada preclude às partes a possibilidade de endereçarem,
após remessa dos autos ao tribunal a quo, ao respectivo juiz os requerimentos
que tiverem por necessários à defesa dos seus interesses” (como também nota
correctamente o Ministério Público).
O despacho reclamado, proferido em 15 de Dezembro de 2006, não só não padece,
pois, de qualquer nulidade, como era mesmo o único compatível com uma tramitação
processual que não abra a porta a utilizações e manobras dilatórias, que visem
entorpecer a realização da justiça.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Declarar nulo o Acórdão n.º 37/2007, que, por lapso, repetiu decisão
anterior e se não pronunciou sobre a questão posta pelo reclamante;
b) Indeferir a reclamação do despacho proferido pelo relator no Tribunal
Constitucional em 15 de Dezembro de 2006;
c) Em consequência do decidido na alínea anterior, e nos termos dos
artigos 84.º, n.º 4, da Lei do Tribunal Constitucional e 7.º do Decreto-Lei n.º
303/98, de 7 de Outubro, condenar o reclamante em custas, fixando a taxa de
justiça em 25 (vinte e cinco) unidades de conta.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos