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Processo n.º 116/04
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. A. impugnou, no Tribunal Central Administrativo, o despacho do Ministro
Adjunto do Primeiro Ministro, de 25-5-98, que homologou a lista de classificação
final do concurso interno condicionado de acesso, para preenchimento de uma vaga
de assessor principal da Carreira Técnica Superior, do Quadro de Pessoal do
Gabinete de Planeamento e de Coordenação do Combate à Droga (GPCCD), em que foi
graduado em 2.º lugar, cabendo o 1º lugar a B..
O Tribunal Central Administrativo concedeu provimento ao
recurso contencioso e anulou o acto recorrido com fundamento na violação do
artigo 5.º, n.º 1, alínea c) do Decreto-Lei n.º 498/88, de 30 de Dezembro.
Outros fundamentos da impugnação do acto recorrido foram julgados improcedentes.
Desta decisão interpuseram recurso para o Supremo Tribunal
Administrativo:
- a título principal, a contra-interessada e a autoridade
recorrida (o Ministro da Saúde, que sucedera na competência do autor do acto,
nos termos do artigo 22.º, n.º 3, da Lei Orgânica do XV Governo Constitucional);
- a título subordinado, o recorrente contencioso (e ora
recorrente).
Por acórdão de 26 de Novembro de 2003, o Supremo Tribunal Administrativo
concedeu provimento ao recurso principal e negou provimento ao recurso
subordinado.
Deste acórdão vem o presente recurso para o Tribunal
Constitucional, interposto pelo recorrente A. mediante requerimento do seguinte
teor:
“a) O recurso é interposto ao abrigo do disposto nas alíneas b), do n.º 1, do
artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º
85/89, de 7 de Setembro;
b) Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do
artigo 148.º, n.º 1, do Estatuto dos Magistrados Judiciais – na redacção
emergente da Lei n.º 81/98, de 3 de Dezembro – (aplicada por remissão do artigo
77.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais), quando interpretada
no sentido segundo o qual admite que jurista que integre o CSTAF pode exercer o
patrocínio judiciário no âmbito dos tribunais administrativos e,
consequentemente, no âmbito do presente recurso;
c) Tal norma viola o disposto nos artigos 203.º, 13.º e 20.º, n.º 4 da CRP e o
artigo 10.º da DUDH;
d) O recurso é ainda interposto ao abrigo da alínea i) do n.º 1, do artigo 70.º,
da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção dada pela Lei n.º 85/89, de 7
de Setembro;
e) Pretendendo-se ver apreciada a ilegalidade da norma a que se refere a alínea
b) deste requerimento, interpretada nos termos consignados na mesma alínea;
f) Tal norma viola o artigo 6.º, n.º 1 da CEDH;
g) Finalmente, o presente recurso é interposto ao abrigo do disposto na alínea
b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção
dada pela Lei n.º 85/89, de 7 de Setembro;
h) Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas constantes do
regulamento do concurso interno condicionado de acesso para preenchimento de uma
vaga de assessor Principal da Carreira Técnica Superior do Quadro de Pessoal do
GPCCD, consubstanciado na Ordem de Serviço n.º 6/98, que, numa escala de zero a
vinte valores atribuíram à posse de Doutoramento a pontuação de vinte e à posse
de licenciatura a pontuação de dezoito valores;
i) Tais normas ofendem o princípio da proporcionalidade, constante do artigo
266.º, n.º 2 da CRP;
j) As questões da inconstitucionalidade e de ilegalidade vertidas nas alíneas a)
a f) foram suscitadas nas contra-alegações de recurso jurisdicional, enquanto a
questão de inconstitucionalidade vertidas nas alíneas h) e i) foi suscitada na
petição de recurso.”
Notificadas as partes para alegações, o recorrente alegou e
conclui nos seguintes termos:
“1. No douto aresto recorrido, entendeu-se que o facto um jurista que integrava
o CSTAF exercer o patrocínio judiciário no âmbito dos tribunais administrativos
e, designadamente, no âmbito do presente recurso, era admissível à luz do
disposto no artigo 148.º, n.º 1, do EMJ (na redacção emergente da Lei n.º 81/98,
de 3 de Dezembro), já que se entendeu que tal preceito não violava o disposto
nos artigos 203.º, 13.º, 20.º, n.º 4 da CRP, 10.º da DUDH e 6º, n.º 1, da CEDH.
2. Porém, tal preceito viola frontalmente esses normas, na medida em que, o
princípio da independência dos tribunais zela implicitamente pelo princípio da
imparcialidade, que a independência visa garantir.
3. O princípio da independência dos tribunais garante-se pela proibição de
quaisquer situações que possam, em abstracto, levar a que esses Juízes possam
sentir-se ameaçados na sua independência.
4. O facto de um dos membros do CSTAF órgão que, nos termos da lei, nomeia,
coloca, transfere, promove e exerce a acção disciplinar sobre juízes dos
tribunais administrativos e fiscais, exercer o patrocínio forense no âmbito da
jurisdição administrativa e fiscal é, em abstracto, susceptível de diminuir a
isenção e a independência dos magistrados chamados a julgar os litígios em que o
mesmo intervenha.
5. Entender o contrário leva, ademais, a que se permita a criação de uma
aparência de falta de independência e, consequentemente, de imparcialidade, do
tribunal chamado a pronunciar-se nessas circunstâncias, já que o direito a um
processo justo e equitativo apenas se garante quando o tribunal é independente e
imparcial e parece ser independente e imparcial.
6. Ao mesmo tempo e porque um processo equitativo exige, como elemento
co‑natural, que cada uma das partes tenha possibilidades razoáveis de defender
os seus interesses numa posição não inferior à parte contrária; ou, de outro
modo, deve ter a garantia de apresentar o seu caso perante o tribunal em
condições que não a coloquem em substancial desvantagem face aos eu oponente, e
porque os princípios do contraditório e da igualdade de armas são elementos
incindíveis de um processo equitativo, a interpretação preconizada pelo Tribunal
a quo contraria este princípio e coloca em causa a igualdade das partes perante
a lei, na medida em que uma delas aparece na lide em posição de poder
influenciar a carreira de quem vai decidir.
7. Pelo exposto, a interpretação e aplicação do artigo 148.º, n.º 1, do EMJ nos
termos expostos, contrariou o disposto nos artigos 203.º, 13.º, 20.º, n.º 4 da
CRP e 10.º da DUDH.
8. Bem como o artigo 6.º, n.º 1, da CEDH.
9. Pelo que o preceito interpretado nesses termos é inconstitucional e ilegal.
10. E nem se diga que esta solução é desproporcionada por impedir juristas
ilustres, professores de direito e advogados de fazerem parte do CSTAF já que,
os preceitos constitucionais em apreço interpretados e aplicados como se
defendem, só impedem que esses juristas actuem no âmbito da jurisdição
administrativa e fiscal, não impedindo que continuem a exercer o seu labor
noutras jurisdições.
11. A norma constante do Regulamento do Concurso Interno Condicionado de Acesso
para Preenchimento de Uma vaga de Assessor Principal da Carreira Técnica
Superior do Quadro de Pessoal do GPCCD, consubstanciado na Ordem de Serviço n.º
6/98, que, numa escala de zero a vinte valores atribuíram à posse de
Doutoramento a pontuação de vinte e à posse de Licenciatura a pontuação de
dezoito valores ofende o princípio constitucional da proporcionalidade, vertido
no artigo 266.º, n.º 2, da CRP.
12. De facto, a atribuição de uma diferença relativa de apenas dois pontos, na
escala de 0 a 20 valores, entre a posse do grau de Doutor e a posse do grau de
licenciado, anula a diferença relativa intrinsecamente existente entre estes
dois graus académicos.
13. Diferença relativa essa que é espelhada na lei vigente (cfr. Decreto-Lei n.º
216/92, de 13 de Outubro) que regula o quadro jurídico de obtenção dos graus de
Mestre e de Doutor e que condiciona, mas não esgota, a obtenção destes graus à
posse de licenciatura.
14. Exigindo ainda, para a obtenção do grau de Mestre uma classificação final de
licenciatura mínima de 14 valores, a submissão a um curso de Mestrado e a
aprovação de uma dissertação e ser discutida em público.
15. E que exige, para a obtenção do grau de Doutor a posse do grau de Mestre ou
de uma licenciatura com classificação final mínima de 16 valores, ao que acresce
a apreciação de um currículo e a apresentação e discussão pública de uma prova
que terá que ter um carácter inovatório.
16. Estes requisitos implicam que a obtenção do grau de Doutor pressuponha para
além do mérito intrínseco do próprio candidato em grau superior ao do mero
licenciado, investigações aprofundadas de vários anos, a serem submetidas ao
escrutínio público de um júri.
17. Pelo que, ao estabelecer-se uma diferença relativa de apenas dois valores,
numa escala de 0 a 20 num item em que apenas está em causa a posse de
habilitações literárias e não qualquer outro factor, atribuiu-se um valor
excessivo ao grau de Licenciado por referência ao grau de Doutor.
18. Pelo que a norma regulamentar em causa foi interpretada e aplicada em
violação do disposto no artigo 266.º, n.º 2, da CRP.
Nestes termos, deve a norma constante do artigo 148.º, n.º 1, do EMJ ser julgada
inconstitucional quando interpretada e aplicada nos termos segundo os quais um
Jurista membro do CSTAF pode exercer o patrocínio judiciário na jurisdição
administrativa e fiscal.
Mais deve a norma constante do Regulamento de Concurso Interno Condicionado de
Acesso para Preenchimento de Uma vaga de Assessor Principal da Carreira Técnica
Superior do Quadro de Pessoal do GPCCD, consubstanciado na Ordem de Serviço n.º
6/98, que, numa escala de zero a vinte valores atribuiu à posse de Doutoramento
a pontuação de vinte e à posse de Licenciatura a pontuação de dezoito valores
ser julgada inconstitucional quando interpretada e aplicada nos termos segundo
os quais não viola o princípio constitucionalidade da proporcionalidade.”
Além disso, o recorrente juntou dois pareceres técnicos que diz
reportados às questões tratadas nos números 11. a 18. das conclusões do recurso.
O Ministro da Saúde alegou no sentido do não provimento do
recurso, concluindo nos termos seguintes:
“I. A imputação de inconstitucionalidade e ilegalidade à interpretação do n.º 1
do artigo 148.º do Estatuto dos Magistrados Judiciais que fez vencimento no
acórdão recorrido tem por pretexto a situação pessoal do subscritor das
presentes alegações. Efectivamente, é pelo facto de o consultor designado ser
membro do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais e exercer a
advocacia e a consultoria que a interpretação em causa vem apelidada de
inconstitucional.
II. Quer a Constituição quer a lei evoluíram em sentido concordante para a
determinação de que aos membros não Juízes do Conselho Superior da Magistratura
(e do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais) se aplicam as
garantias dos magistrados mas não as incompatibilidades. Assim o n.º 2 do artigo
218.º da Constituição e o n.º 1 do artigo 148.º do Estatuto dos Magistrados
Judiciais. Questionar a constitucionalidade de um é questionar a
constitucionalidade do outro, o que sempre colocaria a questão das normas
constitucionais inconstitucionais.
III. As directivas constitucionais quanto à composição do Conselho Superior da
Magistratura (e ao Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais)
asseguram a manutenção de um pluralismo de pontos de vista por via das
diferentes fontes e legitimidades de indicação dos membros. Esse pluralismo
reflecte-se também numa lógica de funcionamento interna que contém em si os
freios e contra-pesos necessários a garantir a adequada ponderação de todos os
pontos de vista relevantes. Este modelo projecta-se, naturalmente, na
imparcialidade da gestão (administrativa) das magistraturas.
IV. A Constituição não pretende afastar da pertença aos órgãos superiores das
magistraturas os profissionais não magistrados (professores, advogados,
juristas), que trabalham nas áreas em causa e que têm ideias sobre essas
questões. Pelo contrário, ao afastar a aplicabilidade das incompatibilidades dos
magistrados pretendeu precisamente assegurar o contributo das pessoas que
efectivamente trabalham nas áreas em causa e se preocupam com os problemas com
elas conexos. Pretender que um advogado que exerce nos tribunais comuns não pode
pertencer ao Conselho Superior da Magistratura só pode querer significar que a
Constituição não pretende a presença de advogados naquele órgão, já que os
advogados que só exercem nos tribunais administrativos não têm uma reflexão
específica nem interesse qualificado sobre as questões em causa. Não é esse,
seguramente, o sentido da Constituição.
V. No caso concreto do processo que deu origem aos presentes autos nunca foi
invocada qualquer quebra de deveres concretos imparcialidade, nomeadamente, que
o sentido da decisão judicial se tenha ficado a dever à consideração de
elementos que não devessem ter sido considerados (como seria o caso da pertença
ao CSTAF do subscritor das presentes alegações).
VI. Tendo em conta o escasso peso do item Habilitações Literárias (1/10) no
âmbito da fórmula da Avaliação Curricular, a que acresce também escassa
relevância da alteração propugnada pelo recorrente como adequada às exigências
da proporcionalidade no interior do próprio item Habilitações Literárias (4/20
na relação entre doutoramento e licenciatura), é de considerar que tal
discrepância, se existisse, sempre seria irrelevante do ponto de vista do
princípio da proporcionalidade.
VII. Considerando a conclusão anterior, deve ter-se em conta que mesmo que a
fórmula classificatória relativa à avaliação curricular fosse alterada de acordo
com os desejos do recorrente, supostamente para a ajustar aos comandos do
princípio da proporcionalidade, tal não implicaria qualquer alteração no
posicionamento relativo dos candidatos ao concurso. Não se descortina, portanto,
a existência de um interesse efectivo e tutelável na prossecução do presente
recurso de constitucionalidade. Assim, não subsistindo qualquer utilidade no
juízo de inconstitucionalidade requerido, deve o recurso ser rejeitado.
VIII. As exigências de proporcionalidade na configuração da fórmula
classificatória estão necessariamente funcionalizadas à natureza do lugar a
prover. No caso, é manifesto que o cargo em causa pressupõe a licenciatura mas
não valoriza de um modo particularmente acentuado, face às funções que integram
o seu núcleo essencial, a existência de outros graus académicos, como o mestrado
ou o doutoramento. Verifica-se aliás, que a licenciatura deve ser bastante
valorizada no interior do item Habilitações Literárias (por ser um pressuposto
necessário), mas o próprio item em si, não assume grande relevância tendo em
conta o conteúdo funcional concursado. Deste modo, não se vê como possa ter sido
violado o princípio da proporcionalidade.
IX. O escalonamento entre licenciatura, mestrado e doutoramento utilizado na
fórmula classificatória censurada corresponde ao escalonamento usual neste tipo
de concursos da função pública. Resulta do conhecimento prático da relevância da
diferenciação para efeito das funções a prover, e aplica uma orientação informal
de autovinculação administrativa que contribui para o respeito pelo princípio da
igualdade.
X. Não é possível estabelecer um escalonamento abstracto entre doutoramento,
mestrado e licenciatura. Consoante as áreas do saber em causa, as exigências e o
valor do doutoramento variam de uma forma ampla. Nuns casos, o doutoramento está
muito próximo da licenciatura, sendo entendido como o termo da aprendizagem.
Noutros casos, o doutoramento está muito distante da licenciatura, sendo
entendido como o culminar de uma longa carreira académica. Os escalonamentos têm
de ser estabelecidos em concreto tendo em conta a sua finalidade. No caso em
apreciação, o escalonamento era adequado aos objectivos e, portanto, rejeitou as
exigências constitucionais de proporcionalidade.”
A contra-interessada B. alegou no sentido do não provimento do
recurso de constitucionalidade.
2. Após as alegações (fls. 616) o relator proferiu o seguinte
despacho:
“Pode razoavelmente sustentar-se que não deve conhecer-se do recurso na parte em
que o seu objecto é o indicado na alínea i) [h)] do requerimento de
interposição, quer porque se considere que a questão não foi adequadamente
suscitada pelo recorrente, como questão de constitucionalidade normativa,
perante o Supremo Tribunal Administrativo, como exigem as disposições conjugadas
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º e do n.º 2 do artigo 72.º da LTC (o
recorrente invoca, como lugar onde colocou o problema, a petição de recurso
contencioso), quer porque se recuse à “Ordem de Serviço” ou ao “aviso” a ela
anexo que define os termos do concurso a natureza de acto normativo, para
efeitos do sistema de fiscalização pelo Tribunal Constitucional.
Por outro lado, não se vê como pode a previsão da alínea i) do n.º 1 do artigo
70.º da LTC servir, no caso, para abrir o acesso ao Tribunal Constitucional,
visto que não se vislumbra no acórdão recorrido recusa de aplicação de qualquer
norma constante de acto legislativo com fundamento em contrariedade com uma
convenção internacional ou a sua aplicação em desconformidade com anterior
decisão do Tribunal Constitucional sobre a questão.
Assim, sendo plausível que, nesta parte, venha a decidir-se não conhecer do
recurso, notifique as partes para dizerem o que tiverem por conveniente sobre a
matéria desta exposição. “
Apenas o recorrente se pronunciou sobre esta questão,
sustentando que a questão de constitucionalidade das normas do regulamento do
concurso foi colocada atempadamente, de forma clara e perceptível, dando
cumprimento às exigências contidas nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) e 72.º,
n.º 2 da LTC e que a disposição impugnada do Aviso de abertura do concurso tem
natureza normativa.
Cumpre conhecer destas questões prévias.
3. Alega o recorrente que suscitou a questão da oposição entre
as normas constantes do Aviso de abertura do concurso e o princípio da
proporcionalidade vertido no artigo 266.º, n.º 2 da Constituição na petição do
recurso contencioso e no recurso subordinado do acórdão do TCA para o STA,
designadamente na alínea B) das respectivas conclusões, não deixando este último
Tribunal de conhecer dela, embora para concluir que tal desconformidade não
existia. Refere-se à alegação de que “a determinação dos factores de apreciação
e respectivas fórmulas violaram os princípios da igualdade, da
proporcionalidade, da justiça e da imparcialidade, constantes dos artigos 266.º
n.º 2 da CRP, 5.º e 6.º do CPA e 5.º n.º 1, alíneas b) e d) do Decreto-Lei n.º
498/88, de 30 de Dezembro”. Quer sujeitar ao Tribunal Constitucional, em
processo de fiscalização concreta de constitucionalidade, o que diz ser a “norma
constante do Regulamento de Concurso Interno Condicionado de Acesso para
Preenchimento de uma Vaga de Assessor Principal da Carreira Técnica Superior,
consubstanciada na Ordem de Serviço n.º 6/98 que, numa escala de zero a vinte
valores, atribuíram [atribuiu] à posse de Doutoramento a pontuação de vinte e à
posse de Licenciatura a pontuação de dezoito valores”, por ofender o princípio
da proporcionalidade vertido no n.º 2 do artigo 266.º da Constituição.
O Tribunal lembra que o controlo de constitucionalidade que lhe
é atribuído pela Constituição e pela LTC em recursos de fiscalização concreta é
um controlo normativo, no sentido de que apenas pode incidir sobre a
conformidade à Constituição de actos do poder normativo e não de actos do poder
público de outra natureza, ainda que susceptíveis de operar a definição
unilateral da situação jurídica dos destinatários ou de lhes serem impostos
coactivamente, designadamente decisões judiciais ou administrativas (cf. artigo
280.º da Constituição e artigo 70.º, n.º 1 da LTC).
Sucede que, sem contestar esta caracterização do recurso, o
recorrente propõe ao controlo de constitucionalidade uma disposição contida num
aviso de abertura de um concurso a que atribui caracter normativo. É o acerto
desta qualificação que importa começar por apreciar.
4. O Tribunal tem adoptado, desde o acórdão n.º 26/85 (Acórdãos
do Tribunal Constitucional, 5.º Vol. pág.19) e na sequência da jurisprudência da
Comissão Constitucional, um conceito funcional de norma que considera o mais
adequado aos fins prosseguidos pelo sistema de garantia jurisdicional instituído
da Constituição. De um modo geral, consideram-se normas, para este efeito, os
actos do poder público que contiverem uma regra de conduta para os particulares
ou para a Administração, um critério de decisão para esta última ou para o juiz
ou, em geral, um padrão de valoração de comportamentos. Mas não se exige a
natureza necessariamente geral e abstracta dos preceitos a sindicar, desde que
contidos em acto formalmente normativo (Cf., por último, Carlos Lopes do Rego,
“O objecto idóneo dos recursos de fiscalização concreta da constitucionalidade:
as interpretações normativas sindicáveis pelo Tribunal Constitucional”,
Jurisprudência Constitucional, 3, págs. 4 e segs., com elucidativo elenco
jurisprudencial).
Posto isto, para saber se a apreciação da constitucionalidade
da disposição em causa pode ser deferida ao Tribunal Constitucional, a primeira
tarefa a empreender consiste em determinar a natureza do acto em que ela se
contém. Efectivamente, da Administração Pública tanto emanam actos que
seguramente escapam à sindicação do Tribunal Constitucional (actos
administrativos), como actos que seguramente lhe estão sujeitos (regulamentos).
Entre estes dois extremos, o do acto que define uma situação jurídica individual
e concreta e o do acto que enuncia uma regra de conduta de modo geral e
abstracto, há candidatos menos nítidos.
É o que sucede, para só nos ocuparmos do que vem ao caso, com
os avisos ou anúncios de abertura dos concursos de selecção e recrutamento de
pessoal, que se integram na categoria dos actos administrativos gerais, que se
distinguem dos actos administrativos (individuais e concretos) por um lado e dos
regulamentos por outro, mas a que não se reconhece natureza normativa.
Efectivamente, como diz o Prof. A. Queiró, “Teoria dos
Regulamentos”, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano XXVII, n.ºs 1, 2, 3
e 4, pág. 2, não basta estarmos perante um acto geral para dizer que esse acto
tem materialmente caracter normativo, porque generalidade e normatividade não
constituem uma equação. Os actos administrativos gerais limitam-se a dispor de
acordo com uma norma, sobre uma situação concreta sobre que incide a acção da
Administração. Tais actos, não obstante se dirigirem a um círculo aberto de
pessoas, a uma pluralidade de destinatários não determinados nem determináveis,
esgotam os seus efeitos com uma única aplicação e perdem toda a sua razão de ser
para o futuro. Para uma nova aplicação a uma outra situação haverá que editar um
novo acto (no caso, um novo aviso de concurso). Diferentemente, acerca do acto
normativo pode dizer-se que a execução não o esgota, não o consome, antes o
afirma.
Em suma, não tem carácter de acto normativo tanto o acto
individual (aquele que se aplica a pessoa ou pessoas determinadas), como o acto
singular (aquele cuja aplicação se esgota numa situação concreta e determinada).
Embora com isto se não eliminem todas as dificuldades de
qualificação (de que o plano urbanístico é o exemplo mais frequentemente citado
e em que o problema se reveste de mais interesse prático, a ponto de o
legislador sentir necessidade de intervir na qualificação para efeitos
contenciosos, eliminando a insegurança jurídica decorrente da controvérsia –
cfr. Fernando Alves Correia, Manual do Direito do Urbanismo, Vol. I, pág. 372 e
segs.), existe um consenso generalizado acerca da qualificação de certo tipo de
actos como actos administrativos gerais, sendo um desses a que é geralmente
negado carácter normativo, precisamente, o dos avisos de abertura de concurso
(Prof. A. Queiró, além do estudo citado, Lições de Direito Administrativo, Vol.
I, pág. 410; Rogério E. Soares, Direito Administrativo, 1978, pag. 80 e segs.;
Aldo Sandulli, “Sugli atti amministrattivi generali a contenuto non normativo”,
Scritti Giuridici, pág. 41 e segs.; A. Romano Tassone, in Diritto
Amministrativo, a cura de L. Mazzarolli et alli, Vol I, págs. 192 e segs.; René
Chapus, Droit Administratif Général, I, pág. 700 e segs ; E. Garcia de Enterria
e Tomás-Ramon Fernandez, Derecho Administrativo, pág. 173 e segs).
Com efeito, ainda que por vezes se afirme de actos deste tipo
que eles constituem a “lei especial” do concurso, no sentido de que concretizam
a disciplina em que os termos posteriores do procedimento concursal há-de
desenvolver-se, a enunciação dos critérios de classificação e graduação dos
candidatos interessa apenas ao singular e concreto procedimento administrativo a
que se referem, esgotando o seu escopo com o respectivo acto final. Constituem o
acto propulsivo inicial de um procedimento de iniciativa pública (cf. artigo
54.º do Código de Procedimento Administrativo), sem qualquer “pretensão imanente
de duração” e sem outro valor ordenador senão o relativo a essa concreta série
ordenada de actos e formalidades tendentes à formação da vontade da
Administração Pública. São, na perspectiva procedimental, um acto preparatório –
o que não significa necessariamente que não possam comportar lesividade própria
para efeitos contenciosos, o que não está agora em causa – de uma decisão
administrativa que visa produzir efeitos numa situação individual e concreta.
Nascem para que essa decisão se tome e o seu efeito ordenador morre com ela.
São, portanto, actos que não emanam do poder normativo da Administração, mas do
poder administrativo de prover, de que constituem, no tipo de procedimento em
causa, o primeiro acto da série. O que determina que os actos seguintes tenham
de se lhes subordinar não é terem eles produzido uma alteração no ordenamento
jurídico – externamente, portanto, a cada concreto procedimento –, mas a mera
relação de condicionamento ou vinculação progressiva entre os sucessivos actos
do procedimento. O controlo da sua conformidade, inclusivamente constitucional –
na medida em que seja metodicamente aceitável (ou necessário) o confronto
directo, para determinação da sua (in)validade, dos actos administrativos com a
Constituição, face à maior proximidade e densificação oferecida pelos princípios
gerais da actividade administrativa, designadamente os enunciados nos artigos
3.º e segs. do Código de Procedimento Administrativo –, compete ao tribunais a
que esteja cometido o controle da decisão administrativa de cujo processo de
formação tais avisos constituem o primeiro passo.
Em conclusão, não pode conhecer-se do recurso na parte que tem por objecto a
disposição do aviso de abertura do concurso a que se refere a alínea h) do
requerimento interposição, disposição essa que não tem carácter de norma para
efeito do artigo 280.º da Constituição e do n.º 1 do artigo 70.º da LTC (Cf., no
sentido de que as disposições deste género não são normas, para este efeito, o
voto de vencido do Conselheiro Presidente Cardoso da Costa no acórdão n.º
421/98, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Julho de 1998).
5. Aliás, essa disposição nem sequer tem, no aviso de abertura
do concurso, o conteúdo que o recorrente enuncia. O ponto 11 do aviso limita-se
a estabelecer o método de selecção e os factores da avaliação curricular,
estabelecendo a ponderação da habilitação académica na fórmula respectiva, e
dizendo que nesse factor se ponderará “a titularidade de um grau académico ou a
equiparação legalmente reconhecida”, sem proceder à pontuação por grau
académico. A valoração de que o recorrente se queixa é já produto de um outro
acto, com diversa autoria: a posterior deliberação do júri do concurso que fixa
os critérios de ponderação nos diversos factores de avaliação (cfr. alínea D) da
matéria de facto fixada pelo acórdão do Tribunal Central Administrativo a fls.
298 e segs. e Acta de fls. 515). Trata-se, seguramente, de uma decisão
administrativa, embora intercalar ou instrumental da decisão final que ao júri
compete.
Também esta seria – ainda que se não aceitasse a fundamentação
primeiramente exposta quanto à natureza não normativa das disposições insertas
nos anúncios ou avisos de abertura dos concursos de recrutamento e selecção de
pessoal – razão suficiente para, nesta parte, não conhecer do objecto do
recurso.
6. Passando à norma constante do artigo 148.º, n.º 1, do
Estatuto dos Magistrados Judiciais – na redacção emergente da Lei n.º 81/98, de
3 de Dezembro – (aplicada por remissão do artigo 77.º do Estatuto dos Tribunais
Administrativos e Fiscais), quando interpretada no sentido segundo o qual admite
que jurista que integre o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e
Fiscais pode exercer o patrocínio judiciário no âmbito dos tribunais
administrativo, verifica-se que estão reunidos os pressupostos para conhecimento
do objecto do recurso, mas apenas ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º
da LTC, enquanto questão constitucionalidade e não ao abrigo da alínea i) do
mesmo preceito, enquanto questão de conformidade ao direito internacional
pactício.
Com efeito, não estamos perante um caso de desaplicação da
norma – bem ao contrário, é a sua aplicação que o recorrente lastima – e não foi
invocado que essa aplicação contrarie o anteriormente decidido pelo Tribunal
Constitucional sobre a questão (da conformidade ou desconformidade da norma com
a Convenção).
7. O n.º 1 do artigo 148.º do Estatuto dos Magistrados
Judiciais, que o acórdão recorrido considerou aplicável ao Conselho Superior dos
Tribunais Administrativos e Fiscais por força do artigo 77.º do Estatuto dos
Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27
de Abril (diploma este alterado, mas não quanto a este preceito remissivo,
sucessivamente pela Lei n.º 4/86, de 21 de Março e pelo Decreto-Lei n.º 229/96,
de 22 de Novembro, no uso da autorização legislativa concedida pela Lei n.º
49/96, de 4 de Setembro), passou a dispor, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 91/98, de 3 de Dezembro, o seguinte:
“1 - Aos vogais do Conselho Superior da Magistratura que não sejam juízes é
aplicável o regime de garantias dos magistrados judiciais.”
O ora recorrente opôs-se a que, na fase de recurso para o
Supremo Tribunal Administrativo, a autoridade administrativa recorrida fosse
representada por um consultor jurídico (artigo 26.º da LTTA, aprovada pelo
Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho) que tinha, também, a qualidade de membro
do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, sustentando que o
n.º 1 do art.º 148.º do EMJ, na interpretação que permite tal patrocínio,
infringe os artigos 203.º (princípio da independência dos tribunais), 13.º
(princípio da igualdade) e 20.º, n.º 4 (direito a um processo equitativo) da
Constituição, princípios que diz também vertidos no artigo 10.º da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem.
Decorrendo a alegada violação do princípio da independência dos
juízes e dos tribunais de uma norma referente ao estatuto dos membros não juízes
dos órgãos de governo das magistraturas – a norma que resulta das disposições
conjugadas do n.º 1 do artigo 148.º do EMJ e do artigo 77º do ETAF, quando
interpretados no sentido de que um jurista que integre o Conselho Superior dos
Tribunais Administrativos e Fiscais pode exercer o patrocínio judiciário no
âmbito dos tribunais da respectiva jurisdição – impõe-se começar por atender ao
que a Constituição estabelece quanto a esse estatuto.
O Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais é
um órgão de existência constitucionalmente pressuposta, embora a respectiva
composição e o estatuto dos respectivos membros não sejam directamente regulados
na Constituição, contrariamente ao que sucede com o Conselho Superior da
Magistratura (Cf. n.º 2 do artigo 218.º e n.º 2 do artigo 217.º da
Constituição). Porém, para o que neste processo se discute – as
incompatibilidades a impor aos seus membros, para preservar a independência dos
juízes da respectiva ordem jurisdicional – os dados a considerar são os mesmos e
as soluções não podem deixar de ser idênticas. Com efeito, independentemente de
saber em que extensão o que a Constituição preceitua quanto ao Conselho Superior
da Magistratura se impõe como paradigma constitucional dos outros conselhos
superiores das magistraturas (Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e
Fiscais e Conselho Superior do Ministério Público), não se vislumbram razões
para que o estatuto dos membros não juízes do órgão de gestão dos juízes dos
tribunais administrativos e fiscais seja mais ou menos exigente do que o dos
membros daquele outro órgão.
8. Na versão da Constituição resultante da revisão de 1982, aos
membros do Conselho Superior da Magistratura aplicavam-se as regras sobre
garantias e incompatibilidades dos juízes (n.º 2 do artigo 223.º da CP82). Na
revisão constitucional de 1989 considerou-se esta extensão excessiva (Gomes
Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed.,
pág. 828) e a Constituição passou a determinar que aos membros do Conselho
Superior da Magistratura eram aplicáveis as regras relativas a garantias dos
juízes e já não as regras relativas a incompatibilidades (n.º 2 do artigo 222.º
da CRP89). Efectivamente, ao impor aos membros não juízes a proibição extrema do
exercício de outras funções que é cominada para os juízes (cf. n.º 3 e 5 do
actual artigo 216.º), essa regra era susceptível de dissuadir o pluralismo na
composição do órgão tal como constitucionalmente pretendido, afastando
precisamente aquelas personalidades estranhas à magistratura de que mais útil
contributo seria de esperar pelo conhecimento dos problemas da jurisdição
inerente à sua actividade científica e prática, mas que compreensivelmente não
estariam dispostas a sacrificar toda a actividade profissional para integrar o
CSM (e, por extensão, o CSTAF).
O propósito do legislador constituinte é claramente assumido
nas seguintes passagens das actas da Comissão Especial da Revisão Constitucional
(CERC) quando no seu seio se discutiu a proposta de revisão de que emergiu
(Diário da Assembleia da República, II Série, n.º 49-RC, de 22 de Outubro de
1988) e de que veio a resultar a aprovação do texto que actualmente constitui o
n.º 2 do artigo 218.º:
“O Sr. José Magalhães (PCP):- Sr. Presidente, esta proposta é relevante, e é-o
para resolver um problema que está pendente desde há longos meses e que foi
suscitado por todos nós ao aprovarmos o Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Se a Constituição estabelece que são aplicáveis a todos os vogais, incluindo os
eleitos pela Assembleia da República, as regras sobre as incompatibilidades,
então está suscitada uma questão melindrosíssima. A lei actual não tem isso em
conta, a lei actual «liberta» dessa incompatibilidade alguns dos membros do
Conselho. E nós, ponderando a situação criada, entendemos que pode ter
justificação uma certa diferenciação. De facto, pode justificar-se que vigore um
regime diferente de incompatibilidades para os elementos eleitos pela Assembleia
da República. Mais franca e directamente, está aqui em causa a
constitucionalização do actual Estatuto dos Magistrados Judiciais, sob pena de
se abrir uma melindrosa questão, que pode passar, um dia destes, por algum
accionamento do sistema adequado e pela correspondente jurisprudência. Cremos
que, numa matéria deste melindre, a solução deveria ser expedita e certeira,
para podermos tirar todas as ilações, sob pena de alguma hipocrisia na
manutenção de um status contrário à Constituição, por debilidade ou má confecção
da correspondente norma constitucional.
Creio que hoje, após alguns anos de vigência do Conselho Superior da
Magistratura e de um juízo já possível sobre a importância dos elementos eleitos
pela Assembleia da República, estabelecer uma diferenciação é já só uma questão
de bom senso. Espero, portanto, que seja também uma questão de consenso.
O Sr. Vera Jardim (PS)
[…]
É evidente que sobre as incompatibilidades – há pouco o Sr. Deputado José
Magalhães interveio nesse sentido – o estatuto não contém uma regra deste teor.
Teremos de estar atentos a esse aspecto, visto que, se não retirarmos isto,
corremos o risco de não poder dignificar o Conselho Superior da Magistratura com
várias categorias (professores de Direito, advogados, etc.), que, evidentemente,
não aceitarão ser eleitos ou designados pelo Presidente da República. Foi por
isso mesmo que há pouco tentei interromper o Sr. Deputado José Magalhães, para
ver se ele não estaria também de acordo que os dois não magistrados designados
pelo Presidente da República (na nossa versão), ou um (na versão actual da
Constituição), fossem também isentos dessas incompatibilidades, que ficariam
apenas para os magistrados, pois, em matéria de vencimentos, sabemos que o
magistrado continua com o seu vencimento, ao passo que exigir a um advogado, a
um professor de Direito ou a um jurisconsulto que vá para o Conselho Superior da
Magistratura em condições deste tipo não terá, evidentemente, acolhimento por
parte daqueles.
[…]
O Sr. Presidente:
[…]
A terceira questão respeita ao problema de estender aos membros do Conselho
Superior da Magistratura os direitos e garantias e também as incompatibilidades
de que gozam os magistrados enquanto vogais do órgão citado.
Admitimos que a redacção dada ao artigo 223.º pelo PSD possa ir demasiado longe
no sentido de que poderá haver alguns aspectos, designadamente em matéria de
incompatibilidades, que, eventualmente, possam ser um pouco mais restringidos,
desde que não seja funcionalmente exigível para a garantia da sua
imparcialidade, àqueles que não forem membros do conselho permanente, Daí que
esta matéria, que foi, aliás focada pelo PS, pudesse justificar uma redacção
mais restritiva, porque reconhecemos que pode ser difícil a um professor de
Direito ou a um advogado ser membro do Conselho Superior da Magistratura, em
termos de satisfazer plenamente todas as regras relativas às incompatibilidades
que vigoram para os juízes. Porém, com esta ressalva parece-nos que é importante
que o cargo de membro do Conselho Superior da Magistratura seja suficientemente
salvaguardado para garantir a sua independência.
[…].”
Todavia, a evolução constitucional não teve imediata
correspondência no n° 1 do artigo l48° do Estatuto dos Magistrados Judiciais,
aprovado pela Lei n.º 21/85, de 30 de Julho, alterada ao abrigo da autorização
concedida pela Lei n.º 80/88, de 7 de Julho, pelo Decreto-Lei n.º 342/88, de 28
de Setembro, e pelas Leis n.ºs 2/90, de 20 de Janeiro, 10/94, de 5 de Maio,
44/96, de 3 de Setembro, 81/87, de 3 de Dezembro, e 143/99, de 31 de Agosto, que
continuou a determinar aplicabilidade aos membros não juízes do Conselho
Superior da Magistratura (e, por remissão, aos membros não juízes do Conselho
Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais) das incompatibilidades dos
magistrados judiciais. Suscitado o problema em recurso de fiscalização concreta,
num processo oriundo da jurisdição administrativa, a fórmula do n° 1 do artigo
148.° da Constituição veio a ser declarada conforme com a Constituição pelo
Acórdão do Tribunal Constitucional n° 627/98 (Diário da República, II Série, de
19 de Março). Entendeu o Tribunal que, não obstante a restrição da fórmula
constitucional à aplicabilidade, apenas e tão só, das garantias dos magistrados
judiciais aos membros não juízes dos conselhos superiores e não já das
incompatibilidades como anteriormente, a manutenção da aplicação destas mesmas
incompatibilidades por via legal não viola os princípios da necessidade,
adequação ou proporcionalidade, não sendo uma medida excessiva para assegurar a
imparcialidade e isenção do próprio Conselho.
Face a este juízo de não inconstitucionalidade e à reacção dos
vogais não juízes do CSM, designadamente aqueles que eram advogados, a uma
“releitura” do n.º 1 do artigo 148.º do EMJ que os impedisse, na prática, de
exercer a sua profissão, a Assembleia da República aprovou a Lei n° 81/98, de 3
de Dezembro, que emulou o texto constitucional, introduzindo a seguinte redacção
no n.° 1 do artigo 148.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais: «Aos vogais do
Conselho Superior da Magistratura que não sejam juízes é aplicável o regime de
garantias dos magistrados judiciais». É essa a redacção que está actualmente em
vigor. Ou seja, o n.° 1 do artigo 148.° do Estatuto dos Magistrados Judiciais
acompanha quase ipsis verbis a fórmula do n.° 2 do artigo 218.° da Constituição,
com o qual o legislador quis fazer coincidir o direito ordinário (cf. a
exposição de motivos do Projecto de Lei n.º 585/VII, Diário da Assembleia da
República, II Série A, de 19 de Novembro de 1998).
Há, portanto, identidade de conteúdo dispositivo entre a norma
questionada e a norma constitucional. Os preceitos têm redacção substancialmente
idêntica e foram editados para resolver o mesmo problema. Deste modo, sendo
indiscutível que, ao dispor sobre o estatuto dos membros não juízes do CSM e por
extensão do CSTAF, a Constituição não quis sujeitá-los às incompatibilidades dos
juízes, não pode atribuir-se ao preceito constitucional que consagra o princípio
da independência dos tribunais um sentido contraditório com aquela outra regra
constitucional. Dito de outro modo, não pode a este princípio atribuir-se o
alcance de tornar inconstitucionais preceitos de direito ordinário pelo simples
facto de não imporem a esses membros incompatibilidades de que o n.º 2 do artigo
218.º da Constituição os quis libertar.
9. É certo que aquilo que o recorrente entende que decorre do
princípio da independência dos tribunais é uma incompatibilidade mais restrita
ou de alcance mais limitado. O recorrente não propõe que a esses membros do
Conselho seja vedado o desempenho de qualquer outra função pública ou privada.
Nem sequer que lhes seja proibido o exercício do mandato judicial, de um modo
geral ou absoluto. O que tem como desconforme ao referido princípio
constitucional é que a lei permita aos membros não juízes dos órgãos de governo
das magistraturas o exercício do patrocínio judiciário nos processos que correm
termos nos tribunais da respectiva ordem jurisdicional: aos vogais do CSM nos
tribunais judiciais e aos vogais do CSTAF nos tribunais administrativos e
fiscais.
Todavia, mesmo com este alcance mais restrito, se iria ao
arrepio da intenção que levou o legislador constituinte a retirar do estatuto
constitucional dos membros dos órgãos de gestão das magistraturas a regra da
incompatibilidade que dele constava, sem estrita necessidade quanto à garantia
da independência dos juízes.
Na verdade, o pluralismo da composição dos órgãos que gerem as magistraturas
judicial e administrativa pressupõe que os membros não juízes que neles tomam
assento conheçam e se interessem pelos problemas da jurisdição em causa. Se os
membros não juízes do CSTAF – e mutatis mutandis os membros do CSM – não puderem
exercer a sua actividade profissional na área compromete-se o objectivo de obter
a colaboração nessas relevantíssimas funções, melhor, corre-se o risco de
afastar, as personalidades cujo exercício profissional e actividade científica
mais as habilitará com o conhecimento dos problemas da jurisdição e reflexão
sobre os modos de resolvê-los que são necessários para um exercício esclarecido
do cargo.
Ora, não é indispensável levar os mecanismos de realização do princípio da
independência dos tribunais, na vertente dita de independência interna dos
juízes, ao ponto de inconstitucionalizar a possibilidade do exercício de mandato
forense, nos tribunais da jurisdição, pelos vogais não magistrados do respectivo
Conselho.
É certo que um dos corolários do princípio da independência dos tribunais
(artigo 203.º da Constituição) é a independência pessoal dos juízes.
Independência esta que se traduz em o juiz, no exercício da sua função
jurisdicional, apenas estar submetido à lei, ou melhor, às fontes de direito
constitucionalmente reconhecidas, sem obediência a ordens ou a instruções
(independência funcional). Independência dos juízes que se analisa numa dimensão
externa e numa dimensão interna. A independência interna – que é o que para o
caso releva – traduz-se na independência perante os órgãos ou entidades
pertencentes ao poder jurisdicional (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e
Teoria da Constituição, 5.ª ed., pág. 658).
Mas para que o juiz seja independente não basta que não esteja
sujeito a ordens ou instruções. Para que a independência seja substancial é
necessário que a decisão do caso não provenha de um juiz condicionado na
condução do processo ou no sentido da decisão pelo receio de um desfavor ou pela
esperança de um prémio (sine spe nec metu).
Neste sentido, a independência do juiz é antes de mais uma
responsabilidade ético-social, só podendo ser juiz quem tenha a fortaleza de
ânimo necessária para responder a essa exigência primordial do cargo, o que deve
ser assegurado, antes de mais, pelos mecanismos de recrutamento, selecção e
disciplina. Mas é também uma questão de mecanismos institucionais e estruturas
organizatórias, incluindo na relação com os conselhos superiores de
administração e gestão das magistraturas, que constituem o modelo organizacional
de defesa da independência externa dos magistrados relativamente a outros
poderes estranhos à organização judiciária, mas de que podem emergir
constrangimentos para a actuação imparcial do juiz ( ou como tal serem temidos,
de acordo com a teoria das aparências ), por acção directa ou pela expectativa
de agradar ou receio de desagradar aos membros de um órgão de que depende a
respectiva carreira.
Todavia, não pode levar-se a preocupação com as aparências a
extremos esterilizantes. Ora, a independência e imparcialidade do juiz são
assegurados por meios institucionais e organizatórios que esbatem a relação
individualizada entre o juiz e os membros que integram os órgãos de gestão e
disciplina das magistraturas, designadamente com aqueles que representem
interesses das partes em processos em que tenham de intervir.
Em primeiro lugar, pela natureza colegial e pela composição do órgão que é
presidido pelo presidente do respectivo Supremo Tribunal e inclui vogais que são
juízes e outros que o não são ou não tem necessariamente de o ser. Centrando-nos
no CSTAF, este órgão era então composto por personalidades de diversa
proveniência e processo de designação, a saber (artigo 99.º do ETAF84):
“(…)
a) O presidente do Supremo Tribunal Administrativo, que preside;
b) Um juiz eleito de entre e pelos juízes da Secção de Contencioso
Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo;
c) Um juiz eleito de entre e pelos juízes da Secção de Contencioso
Tributário do Supremo Tribunal Administrativo;
d) O presidente do Tribunal Tributário de 2ª Instância;
e) Um juiz dos tribunais administrativos de círculo eleito pelos seus
pares;
f) Um juiz dos tribunais tributários de 1ª instância ou dos
tribunais fiscais aduaneiros eleito pelos seus pares;
g) Um jurista de reconhecida competência em matérias administrativas
e com experiência na administração activa, designado pela Assembleia da
República;
h) Um jurista de reconhecida competência em matérias fiscais e com
experiência na administração activa, designado pela Assembleia da República;
i) Um docente das faculdades de Direito que tenha regido
disciplinas de direito administrativo, designado pela Assembleia da República;
j) Um docente das faculdades de Direito que tenha regido
disciplinas de direito fiscal, designado pela Assembleia da República;
l) Um jurista de reconhecido mérito, designado pela Assembleia da
República
(…).”
Por outro lado, a própria actuação dos conselhos superiores, enquanto órgãos
administrativos, está sujeita aos parâmetros constitucionais da justiça, da
imparcialidade, da proporcionalidade e da igualdade (artigo 266.º da CRP) e a
controlo judicial, então perante o Pleno do Supremo Tribunal Administrativo
(artigo 24.º, alínea d) do ETAF84) e actualmente perante a Secção do Contencioso
Administrativo do mesmo Supremo Tribunal (cfr. artigo 24.º, n.º 1, alínea vii)
do ETAF, aprovado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro).
Finalmente, convém recordar que no caso concreto do processo
que deu origem aos presentes autos nunca foi invocada qualquer suspeita de
quebra de deveres de imparcialidade, nomeadamente, de que o sentido da decisão
ou a condução do processo tenha sido influenciado por elementos que não deviam
ser considerados, nunca tendo o recorrente levantado a questão da intervenção do
consultor jurídico designado para patrocinar a autoridade recorrida senão na
fase de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo. E, além disso, quando
particulares circunstâncias puderem pôr em dúvida a imparcialidade de algum juiz
que deva intervir, o sistema jurídico põe à disposição do interessado os meios
necessários e adequados para reacção concreta que são as garantias processuais
de imparcialidade (cfr. artigos 122.º e segs. do CPC).
11. O que acaba de dizer-se quanto à não violação do princípio
da independência dos tribunais vale para afastar também a violação dos
princípios da igualdade (artigo 13.º da CRP) e da garantia do processo
equitativo (n.º 4 do artigo 20.º da CRP), porque não está em causa senão o
efeito que na igualdade das partes no processo poderia resultar da violação
daquele princípio.
E também não há que ponderar especificadamente as alegadas
violações ao artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem e ao n.º
1 do artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direito do Homem que, nesta matéria,
não consagram direitos ou princípios que a Constituição não garanta, nem o
recorrente deduziu argumentação que obrigue a ponderação suplementar.
Tanto basta para concluir que a norma do n.º 1 do artigo 148.º
do Estatuto dos Magistrados Judiciais (na redacção emergente da Lei n.º 81/98,
de 3 de Dezembro), aplicada por remissão do artigo 77.º do Estatuto dos
Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 7
de Abril, interpretada no sentido de que um jurista que integre o Conselho
Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais pode exercer o patrocínio
judiciário, no âmbito de processos pendentes naqueles tribunais, não viola
qualquer das disposições indicadas pelo recorrente.
12. Decisão
Pelo exposto decide-se:
a) Não tomar conhecimento do recurso na parte em que tem por objecto a
disposição relativa à avaliação da habilitação académica, nos métodos de
selecção constantes do Aviso de abertura do concurso para provimento de um lugar
de assessor principal, anexo à ordem de serviço n.º 6/98 do Gabinete de
Coordenação e Combate à Droga;
b) Negar provimento ao recurso, na parte em que dele se conhece.
c) Condenar em custas o recorrente, com 20 (vinte) UCs de taxa de
justiça.
Lisboa, 2 de Março de 2007
Vítor Gomes
Bravo Serra
Gil Galvão
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício