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Processo n.º 602/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.O representante do Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de Coimbra
interpôs, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, recurso para este Tribunal
da decisão proferida em 20 de Dezembro de 2005 pelo Tribunal do Trabalho de
Coimbra, nos autos de processo especial por acidente de trabalho em que figura
como sinistrado A., que recusou a aplicação, com fundamento em
inconstitucionalidade material, da norma decorrente do preceituado nos artigos
8.º, alínea d), e 2.º, n.º 1, alínea e), do Código das Custas Judicias, enquanto
neles se prevê a condenação nas custas do incidente de revisão de incapacidade
parcial permanente do requerente, vítima de acidente de trabalho, desde que não
patrocinado no processo pelo Ministério Público. Pode ler-se nessa decisão, no
que ora importa:
“(…)
Sem custas, por se considerar, nos termos do artigo 204.° da Constituição da
República Portuguesa, ser materialmente inconstitucional a norma do artigo 8.°,
alínea d), do CCJ conjugada com a eliminação da isenção subjectiva das vítimas
de acidentes de trabalho e com o artigo 2.°, n.º 1, alínea e), do CCJ, que
mantém essa isenção para as mesmas, na condição de representadas pelo Ministério
Público. Com efeito, o actual CCJ veio eliminar a isenção subjectiva das vítimas
de acidente de trabalho, mas não a tendo eliminado por completo, manteve essa
isenção para os casos em que a mesma se mostre representada ou patrocinada pelo
Ministério Público. Esta eliminação e manutenção é atenuada, chegando mesmo a
não produzir efeitos na generalidade dos casos – e ressalvando o problema dos
preparos – porque quase sempre o valor da causa, mesmo para efeitos de custas,
se traduz no valor da condenação: tem de pagar a reparação, tem de pagar as
custas. Ao não suceder assim no incidente de remição – como efectivamente
decorre da definição do valor constante do artigo 8.°, alínea d), do CCJ – o
sinistrado passa a ser responsável pelo pagamento das custas. Porém, só o é
quando litigue sozinho (o que sucede e é permitido pelo artigo 32.°, n.º 2, do
CPC) ou quando seja acompanhado por mandatário. Nestes dois casos – e não quando
é representado ou patrocinado pelo Ministério Público – o sinistrado torna-se
responsável pelas custas, ainda que o seu direito seja indisponível e o processo
de acidentes de trabalho deva correr oficiosamente.
A distinção operada pelo novo CCJ, baseada apenas na representação do titular do
direito e não corrigida (neste incidente) pela ponderação do valor da causa
enquanto valor da condenação vem a constituir uma desigualdade incompreensível
perante a imposição constitucional da igualdade de tratamento (artigo 13.°, n.º
2, da CRP), além da violação do direito à assistência das vítimas de acidente de
trabalho (artigo 59.°, n.º 1, alínea f), da CRP) e da igualdade de exercício do
patrocínio forense enquanto essencial à administração da justiça (artigo 208.°
da CRP).”
Lê-se no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade:
“A Procuradora da República junto deste Tribunal, notificada da decisão
proferida nos autos supra identificados, a fls. 100/101, que não aplicou a norma
contida no art.º 8.°, alínea d), do Código das Custas Judiciais, no incidente de
exame de revisão da incapacidade parcial permanente (IPP) de que é portador o
sinistrado requerente, vítima de acidente de trabalho, por entender que tal
norma, nos termos do art.º 204.° da Constituição da República Portuguesa, é
materialmente inconstitucional, na medida em que esta norma, conjugada com a
eliminação da isenção subjectiva das vítimas de acidentes de trabalho de custas
e com o art.º 2.°, n.º 1, alínea e), do mesmo Código, que mantém essa isenção
para as mesmas vítimas, desde que representadas pelo Ministério Público, se
traduz em manifesta violação dos princípios e imposições constitucionais de
igualdade de tratamento – art.º 13.°, n.º 2, da CRP – de assistência das vítimas
de acidente de trabalho – art.º 59.°, n.º 1, alínea f), da CRP – e da igualdade
de exercício do patrocínio forense enquanto essencial à administração da justiça
– art.º 208.° da CRP – dela vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
nos termos do art.º 70.°, n.º 1, alínea a), 71.°, n.º 1, 72.°, n.º 1, alínea a),
e 3, todos da Lei n.º 28/82, de 15/11, com as alterações introduzidas pelas Leis
n.ºs 143/85, de 26/11, 85/89, de 07/09, 88/95, de 01/09 e 13-A/98, de 26/02.”
2.Admitido o recurso, foi determinada a produção de alegações, em que o
representante do Ministério Público junto do Tribunal Constitucional disse a
certo passo:
«[…]
A circunstância de certa parte ser ou não representada ou patrocinada no
processo por um órgão de Estado – que, além de prosseguir directamente o
interesse público, deve zelar pelos interesses das pessoas a que o Estado deve
(até constitucionalmente) protecção – não pode considerar-se um factor
irrelevante no que toca à eventual dispensa de tributação em custas –
afigurando-se-nos, nesta perspectiva, perfeitamente conforme aos princípios
constitucionais o regime que dispensa o trabalhador/sinistrado do pagamento de
custas quando seja o Ministério Público a actuar processualmente no seu
interesse (e sendo certo que, a nosso ver, tal actuação processual visa
realizar, não apenas o interesse subjectivo do trabalhador sinistrado, mas o
próprio interesse – objectivo e público – na tutela e assistência adequada às
vítimas de acidentes laborais).
Mais duvidosa é a questão de constitucionalidade consubstanciada na eliminação
legal da isenção subjectiva que, desde sempre, vigorava para os trabalhadores –
vítimas de acidentes laborais.
É certo que – vendo as coisas apenas na óptica do direito de acesso à justiça –
nada obstaria a que os sinistrados – que, em regra, estarão em situação de
manifesta carência económica, como consequência da privação da capacidade
laboral – pudessem requerer o apoio judiciário, nos termos gerais, obtendo por
essa via a dispensa do pagamento das custas que fossem devidas: afigura-se,
porém, que a oficiosidade e informalidade que sempre caracterizaram o processo
por acidente laboral são dificilmente conciliáveis com o ónus de (sem qualquer
prévia advertência) o trabalhador/sinistrado ter de requerer atempadamente à
Segurança Social o reconhecimento da situação de carência económica que o
afecta, como condição para alcançar a dispensa do pagamento das custas
originadas por um possível decaimento no processo. Por outro lado – e na
situação específica do incidente de revisão da incapacidade a solução legalmente
estabelecida na parte final do artigo 8.º, alínea d), conduz a uma
desproporcionada valoração da utilidade económica do pedido, nos casos em que o
requerente o não haja quantificado: na verdade – e como ocorreu no caso dos
autos — essa não quantificação do agravamento das lesões sofridas (que, em
muitos casos, o sinistrado não estará em condições de realizar liminarmente, com
um mínimo de fundamento e segurança) determina que o valor tributário do
incidente seja o da pensão anteriormente estabelecida (cujo montante pode, em
muitos casos, exceder manifestamente a utilidade económica que decorreria das
consequências do agravamento hipoteticamente verificado quanto à capacidade
aquisitiva do sinistrado).
Tal solução legal faz recair – como paradigmaticamente se verificou no caso “sub
juditio” – sobre o trabalhador sinistrado que, não estando em condições de
quantificar o valor do agravamento e não tendo solicitado o patrocínio do
Ministério Público, se confronte com o indeferimento do incidente por ele
requerido, o risco de ter de pagar custas estabelecidas automaticamente com base
no valor da pensão anteriormente fixado (sem que a lei consinta ao juiz, em
termos de equidade, o estabelecimento de um valor inferior, quando tenha por
manifestamente desproporcionado o valor tributário do incidente, decorrente do
montante da pensão anterior).
Não nos parece que tal solução legal – assente simultaneamente na eliminação da
isenção subjectiva de que justificadamente beneficiava o trabalhador/sinistrado
e no novo critério de cálculo do valor do incidente de revisão da pensão, no
caso de não quantificação do pedido pelo requerente – seja compatível com o
direito fundamental de assistência e justa reparação que o artigo 59.º, n.º 1,
alínea f), da Constituição da República Portuguesa concede aos trabalhadores que
sejam vítimas de acidente laboral.
Na verdade, tal direito à assistência e justa reparação – para além do eventual
patrocínio oficioso pelo Ministério Público – deve conduzir a que se não faça
recair desproporcionadamente sobre o sinistrado o risco de decaimento,
decorrente da improcedência do pedido formulado – levando o Estado a cobrar
custas, com base no valor da pensão anterior, quando está em causa o interesse
do sinistrado, a quem é devida uma especial e particular protecção e, por essa
via, inibindo-o de exercitar o seu direito à justa reparação.
Tal norma constitucional impõe ao Estado a criação – e manutenção – de
instrumentos que assegurem uma adequada assistência e justa indemnização aos
trabalhadores vítimas de acidente de trabalho – tendo a jurisprudência
constitucional extraído consequências relevantes de tal princípio, nomeadamente
em sede de admissibilidade ou inadmissibilidade de remição de pensões.
Desde logo, será instrumento relevante deste “direito à assistência” a
possibilidade de ser requerida a actuação processual pertinente ao órgão do
Estado encarregado de zelar pelos direitos e interesses das pessoas a que o
Estado deve protecção.
Não podendo, porém, impor-se aos trabalhadores sinistrados o “monopólio” ou
exclusividade da sua representação judiciária através do Ministério Público
(cfr., acórdão n.º 190/92), será incompatível com tal direito fundamental à
assistência e justa reparação a pretensão de passar a tributar os incidentes de
revisão da pensão, quando o trabalhador opte por exercitar pessoalmente o que
supõe ser o seu direito prescindindo do patrocínio ou representação através do
Ministério Público – colocando-o no risco de ter de suportar as custas,
calculadas automaticamente com base no valor da pensão anterior, sempre que a
pretensão deduzida não venha a obter provimento.»
E concluiu:
«1 – É materialmente inconstitucional, por violação do direito à assistência e
justa reparação devida aos trabalhadores, vítimas de acidente laboral, o regime
normativo, constante dos artigos 2.°, n.º 1, alínea e), e 8.°, alínea d), do
Código das Custas Judiciais em vigor, segundo o qual não goza da isenção
subjectiva o trabalhador sinistrado, não representado ou patrocinado pelo
Ministério Público, que – não tendo requerido oportunamente apoio judiciário –
venha a decair no incidente de revisão da incapacidade parcial permanente –
sendo tais custas calculadas automaticamente em função do valor da pensão
anterior, sempre que o requerente não haja quantificado a sua pretensão.
2 – Termos em que deverá, embora por diferente fundamento
jurídico‑constitucional, confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade formulado
pela decisão recorrida.»
O recorrido não contra-alegou.
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Na decisão recorrida foi recusada a aplicação da “norma do artigo 8.°, alínea
d), do CCJ [Código das Custas Judiciais] conjugada com a eliminação da isenção
subjectiva das vítimas de acidentes de trabalho e com o artigo 2.°, n.º 1,
alínea e), do CCJ”. Dispõem estes preceitos:
“Artigo 2.º
Isenções subjectivas
1 – Sem prejuízo do disposto em lei especial, são unicamente isentos de custas:
(…)
e) Os sinistrados em acidente de trabalho e os portadores de doença profissional
nas causas emergentes do acidente ou da doença, quando representados ou
patrocinados pelo Ministério Público;
(…)”
“Artigo 8.º
Valor das causas do foro laboral
Nas causas do foro laboral considera-se como valor, para efeito de custas:
(…)
d) Nos processos de revisão de incapacidade ou de pensão, o da diferença entre o
anterior e o que venha a ser fixado elevado ao quíntuplo da anuidade; quando não
seja alterada a incapacidade ou a pensão, o da diferença entre o anterior e o do
pedido, ou, se este não for formulado, o anterior;
(…)”
Não está em causa apenas a eliminação da isenção subjectiva das vítimas de
acidentes de trabalho nos termos do artigo 2.°, n.º 1, alínea e), do CCJ, que
resulta da condição “quando representados ou patrocinados pelo Ministério
Público”. Trata-se, antes, pela conjugação das duas disposições, da norma
resultante destas, interpretadas no sentido de preverem a condenação nas custas
do incidente de revisão de incapacidade parcial permanente do trabalhador,
vítima de acidente de trabalho, que não esteja patrocinado no processo pelo
Ministério Público e não haja formulado um pedido de valor certo e determinado
para o pretendido agravamento da incapacidade (o que acontecia no caso dos
autos, em que a aplicação da norma foi recusada), mandando, neste caso, atender
ao valor da pensão anterior.
Como logo resulta da enunciação desta dimensão normativa, e se nota também nas
alegações do Ministério Público, a norma referida é susceptível de ter
relevâncias constitucionais diversas, consoante esteja em causa: a condenação
nas custas do incidente de revisão de incapacidade parcial permanente do
trabalhador, vítima de acidente de trabalho, que não esteja patrocinado no
processo pelo Ministério Público, isto é, a distinção entre trabalhadores
patrocinados e não patrocinados pelo Ministério Público, relevante no confronto
com o princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da Constituição); ou a própria
previsão da condenação em custas do mesmo incidente do trabalhador que não haja
formulado um pedido de valor certo e determinado para o pretendido agravamento
da incapacidade, com base, neste caso, no valor da pensão anterior, relevante,
designadamente, à luz do direito à assistência e justa reparação devida aos
trabalhadores vítimas de acidente laboral, e do direito de acesso aos tribunais
(artigo 20.º, n.º 1, da Constituição), conjugado com o princípio da
proporcionalidade (especialmente consagrado para os direitos, liberdades e
garantias no artigo 18.º, n.ºs 2 e 3, e ínsito, como princípio geral a que devem
obediência os poderes públicos, no princípio do Estado de Direito consagrado no
artigo 2.º da Constituição).
Não está, pois, apenas em causa a norma do artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do
mesmo Código, em si mesma considerada, norma que versa sobre a isenção de custas
do trabalhador sinistrado quando patrocinado pelo Ministério Público, e que
introduz uma distinção em relação aos trabalhadores não patrocinados por aquele,
mas antes, igualmente, o critério para apuramento das custas devidas, quanto aos
trabalhadores não patrocinados pelo Ministério Público que não hajam formulado
no incidente de revisão da pensão um pedido de valor certo e determinado para o
pretendido agravamento da incapacidade, critério, esse, que é, nos termos do
artigo 8.º, alínea d), o valor da pensão anteriormente fixada. Nem se diga,
aliás, que na decisão recorrida se não refere autonomamente o critério para
fixação do valor da causa, quando o demandante não quantifique logo o valor do
incidente, mas apenas a distinção em relação a trabalhadores patrocinados pelo
Ministério Público. Com efeito, a decisão recorrida recusou a aplicação da
“norma do artigo 8.°, alínea d), do CCJ conjugada com a eliminação da isenção
subjectiva das vítimas de acidentes de trabalho e com o artigo 2.°, n.º 1,
alínea e), do CCJ, que mantém essa isenção para as mesmas, na condição de
representadas pelo Ministério Público”, e a primeira questão resulta do critério
estabelecido no referido artigo 8.º, alínea d). Além disso, a distinção em
relação aos trabalhadores patrocinados pelo Ministério Público não releva no
plano da delimitação da dimensão normativa a apreciar por este Tribunal, mas no
dos fundamentos (o princípio da igualdade) do juízo de inconstitucionalidade
emitido pelo tribunal a quo (e cf., para os poderes do Tribunal Constitucional
em recurso de constitucionalidade, o disposto no artigo 79.º-C da Lei do
Tribunal Constitucional).
As diversas questões de constitucionalidade, suscitadas pela norma cuja
aplicação foi recusada, afloraram, aliás, no juízo de inconstitucionalidade
constante da decisão recorrida, quando nesta se afirma que a “distinção operada
pelo novo CCJ, baseada apenas na representação do titular do direito e não
corrigida (neste incidente) pela ponderação do valor da causa enquanto valor da
condenação” (itálicos aditados) é que daria lugar a violação da Constituição.
O objecto do presente recurso é, pois, a apreciação da constitucionalidade da
norma extraída das disposições conjugadas dos artigos 8.°, alínea d), e 2.°, n.º
1, alínea e), a contrario, ambos do Código das Custas Judiciais, na medida em
que prevêem a condenação em custas do trabalhador não patrocinado no processo
pelo Ministério Público no incidente de revisão de incapacidade e que não haja
formulado um pedido de valor certo e determinado para o pretendido agravamento
da incapacidade, considerando então como valor do incidente o valor da pensão
anteriormente fixada.
4.Centremo-nos, para já, no confronto da norma referida com o princípio da
igualdade, que constitui um dos fundamentos do juízo de inconstitucionalidade
constante da decisão recorrida – assente, recorde-se, na violação da “imposição
constitucional da igualdade de tratamento (artigo 13.°, n.º 2, da CRP), além da
violação do direito à assistência das vítimas de acidente de trabalho (artigo
59.°, n.º 1, alínea f), da CRP) e da igualdade de exercício do patrocínio
forense enquanto essencial à administração da justiça (artigo 208.° da CRP)”.
Entende-se, porém, que a isenção de custas do trabalhador sinistrado, nos casos
em que o mesmo seja representado pelo Ministério Público (não sendo esta,
advirta-se, a situação dos autos) não viola o princípio da igualdade, consagrado
no artigo 13.º da Lei Fundamental, na comparação entre os trabalhadores que
beneficiam do patrocínio do Ministério Público em contraste com os que dele não
beneficiam.
Como este Tribunal tem repetidamente afirmado, “o princípio da igualdade, como
parâmetro de apreciação da legitimidade constitucional do direito
infra-constitucional, impõe que situações materialmente semelhantes sejam
objecto de tratamento semelhante e que situações substancialmente diferentes
tenham, por sua vez, tratamento diferenciado”; mas “tal não significa (...) que
não exista uma certa margem de liberdade na conformação legislativa das várias
soluções concretamente consagradas, e até que não se reconheça a possibilidade
de o legislador consagrar, em face de uma dada categoria de situações, uma
solução que se afaste da solução prevista para outras constelações de casos
semelhantes”, desde que seja “identificável um outro valor, também ele com
ressonância constitucional, que imponha ou, pelo menos, justifique e torne
razoável a diferenciação” (cf. Acórdão n.º 113/2001, publicado no Diário da
República, II Série, de 24 de Abril de 2001).
Ora – pode dizer-se –, o patrocínio do Ministério Público tem características
que o distinguem do patrocínio por advogado ou da não constituição de advogado,
uma vez que o Ministério Público exerce um papel legalmente vinculado, por um
lado, à defesa das pessoas a que o Estado deve, por imperativo constitucional,
especial protecção e, por outro, aos critérios de legalidade e objectividade que
são suporte de toda a sua actividade, nos termos do artigo 2.º, n.º 2, do
Estatuto do Ministério Público.
Onde, a propósito do regime de custas nos tribunais, deverão relevar situações
diferenciadas, objectiva ou subjectivamente, hão-de ser estabelecidas, por opção
do legislador, no exercício da sua liberdade de conformação (e com respeito pelo
princípio da igualdade), as excepções ao princípio geral de que os sujeitos
processuais estão sujeitos ao pagamento de custas. Correspondendo ou não à
melhor solução – aspecto que não cabe ao Tribunal Constitucional avaliar –, a
distinção de tratamento do trabalhador, consoante se apresente ou não
representado pelo Ministério Público, é, assim, susceptível de encontrar um
fundamento razoável, justamente, nos parâmetros que devem guiar a actuação deste
último.
5.Suscita-se, também, a questão da conformidade com outras normas e princípios
constitucionais da eliminação da isenção do pagamento de custas por parte do
trabalhador sinistrado que, pessoalmente ou através de mandatário, requer
incidente de revisão da sua incapacidade, não o fazendo, portanto, representado
pelo Ministério Público. Atente-se que, no presente caso, não está em causa tal
eliminação, em geral, nas causas emergentes de acidente de trabalho, mas tão só
a tributação nas custas originadas pelo decaimento no incidente de revisão da
incapacidade requerido pelo trabalhador sinistrado, não representado pelo
Ministério Público.
O Ministério Público sustentou, neste Tribunal, que a norma questionada é
inconstitucional, na medida em que o trabalhador não patrocinado pelo Ministério
Público no incidente de revisão de incapacidade, e que não haja formulado um
pedido de valor certo e determinado para o pretendido agravamento da
incapacidade, é condenado em custas tendo sempre por base, enquanto valor do
incidente, o valor da pensão anteriormente fixada, já que esta norma violaria o
direito dos trabalhadores, vítimas de acidente laboral, a “assistência e justa
reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença profissional”,
consagrado na alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição.
Entende-se, porém, que tal imputação de inconstitucionalidade é improcedente
quanto à questão da eliminação da isenção de custas em si mesma, e mesmo não
tendo esta questão de ser decidida com base no facto de os representados pelo
Ministério Público se encontrarem, ou não, via de regra, em situação de carência
económica (para o que, aliás, o instituto mais adequado é o do apoio
judiciário).
Na verdade, de entre as características do patrocínio do Ministério Público num
processo como aquele que está em causa ressalta a circunstância de esse
patrocínio ser subsidiário, significando isso que só é exercido se e enquanto o
trabalhador sinistrado não constituir advogado, seja através de mandato, seja
através do recurso à nomeação de patrono oficioso através do mecanismo do apoio
judiciário (cfr. Acórdão n.º 190/92, publicado no Diário da República, II Série,
de 18 de Agosto de 1992, que julgou inconstitucional a norma do artigo 8.º do
Código de Processo do Trabalho, interpretada no sentido de não ser legalmente
possível a nomeação de advogado oficioso em processo de trabalho).
Em casos como o dos presentes autos, em que estamos perante um incidente de
revisão de incapacidade porque o estado clínico do trabalhador vítima do
acidente de trabalho se alterou para pior, a legitimidade activa cabe ao
trabalhador sinistrado (neste sentido, v. Cecília Meireles, «Processo de
acidentes de trabalho – os incidentes – ideias para debate», Centro de Estudos
Judiciários, Prontuário de Direito do Trabalho, Coimbra Editora,
Setembro-Dezembro de 2004, p. 92), pelo que o Ministério Público assume o
patrocínio caso este lho solicite.
Ora, tendo o trabalhador, ainda que por omissão, (voluntariamente) escolhido não
solicitar ao Ministério Público que assuma o patrocínio, a aplicação da regra
geral de que as custas devem ser suportadas pela parte que a elas houver dado
causa, consagrada no artigo 446.º do Código de Processo Civil, não pode logo, só
por si, considerar-se violadora do direito dos trabalhadores, vítimas de
acidente laboral, a “assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente
de trabalho ou de doença profissional”.
A respeito deste direito fundamental, afirmou-se no Acórdão n.º 599/04
(disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
“[…]
A norma da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, prevendo um
direito (com a configuração dos direitos económicos, sociais e culturais), não
contém uma garantia de um direito a uma prestação por parte do Estado, em todos
os casos de acidentes de trabalho ou doença profissional. Aquele está vinculado
a prever, por via legislativa, a obrigação de reparação e a assistência, nestes
casos, por parte da entidade patronal (ou de outra entidade que se lhe
substitua), podendo, mesmo, admitir-se que a introdução de um sistema de
garantia estatal do pagamento das referidas indemnizações por acidentes de
trabalho resulta, ainda, da satisfação deste dever de protecção.
Mas o âmbito deste sistema de garantia podia ser determinado pelo Estado, em
consonância com a avaliação das respectivas possibilidades e das necessidades
[…]. Isto, em consonância com a subordinação da concretização dos direitos
sociais em questão a uma apreciação, de natureza fundamentalmente política, dos
meios disponíveis e das necessidades existentes (como se exprime na fórmula da
sujeição desses direitos a uma “reserva do possível”).”
Neste sentido, também a não isenção de custas do trabalhador, vítima de acidente
de trabalho, que optou por dar origem ao incidente de revisão de incapacidade
sem estar representado pelo Ministério Público estaria ainda dentro do âmbito da
liberdade de conformação do legislador.
É certo que o preceito da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição
impõe ao Estado a criação de instrumentos que assegurem uma adequada assistência
e uma justa reparação aos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho – cfr. o
Acórdão n.º 150/2000, disponível em www.tribunalconstitucional.pt, em que se
ponderou que a existência de um regime excepcional de responsabilidade civil no
que aos acidentes de trabalho diz respeito aparece como plenamente justificada,
tendo em consideração a dimensão social de que se reveste a regulação jurídica
das matérias laborais, à luz da necessidade de estabelecer regimes que assegurem
uma adequada protecção dos trabalhadores, designadamente perante as respectivas
entidades patronais, e, entre outros, o Acórdão n.º 578/2006, igualmente
disponível em www.tribunalconstitucional.pt, que julgou inconstitucional, por
violação do artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma do artigo
56.º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, interpretada
no sentido de impor a remição obrigatória total, isto é, independentemente da
vontade do titular, de pensões atribuídas por incapacidades parciais permanentes
superiores a 30% ou por morte. Mas, devendo tal direito ser perspectivado à luz
do direito à segurança social (neste sentido, Jorge Miranda/Rui Medeiros,
Constituição Portuguesa anotada, tomo I, anotação VIII ao artigo 59.º, p. 611),
não se concebe como inconciliável com tal preceito constitucional fazer recair
sobre o trabalhador sinistrado, na situação específica do incidente de revisão
da incapacidade, o pagamento das custas em caso de indeferimento do incidente
por ele requerido.
A imposição do pagamento de custas não viola, pois, só por si, o direito dos
trabalhadores vítimas de acidente de trabalho a assistência e a uma justa
reparação.
Acresce que, no aspecto da não isenção de custas, não se vê também como possa
tal norma violar autonomamente o direito de acesso ao direito e aos tribunais,
previsto no n.º 1 do artigo 20.º da Lei Fundamental, considerando, por um lado,
o que este Tribunal afirmou já no (anteriormente citado) Acórdão n.º 190/92 –
concretamente, que a existência, em abstracto, de um regime de patrocínio pelo
Ministério Publico não impede que os trabalhadores possam socorrer‑se do
patrocínio oficioso assegurado por advogado, no âmbito do regime geral de apoio
judiciário, se reunirem as condições legais para beneficiarem desse regime –, e,
por outro lado, as notas que caracterizam o incidente de revisão de incapacidade
e que o diferenciam do processo principal por acidente de trabalho.
6.Resta a apreciação da norma extraída dos artigos 8.°, alínea d), e 2.°, n.º 1,
alínea e), a contrario, ambos do Código das Custas Judiciais, enquanto
estabelece sempre o valor da pensão anteriormente fixada como critério de
determinação do valor das custas do incidente de revisão de incapacidade, nos
casos em que o trabalhador sinistrado, não patrocinado pelo Ministério Público,
não haja formulado um pedido de valor certo e determinado para o pretendido
agravamento da incapacidade, em confronto, desde logo, com o direito de acesso
aos tribunais (para revisão da incapacidade), conjugado com o princípio da
proporcionalidade.
Ora, numa certa perspectiva, pode entender-se que a imposição, em termos
rígidos, do ónus de indicação do valor do pedido de revisão, sob pena de fixação
das custas tendo em atenção o valor da pensão anterior, acarreta efeitos
limitativos excessivos e desproporcionados sobre o direito fundamental de acesso
ao direito e aos tribunais, consagrado no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição,
de que é titular o trabalhador sinistrado que pretende obter a revisão da sua
incapacidade.
Sobre o direito fundamental referido, pode ler-se no Acórdão n.º 247/99
(igualmente disponível em www.tribunalconstitucional.pt):
“Este Tribunal já teve a oportunidade de se pronunciar sobre a caracterização
deste direito na sua dupla dimensão de garantia (de defesa dos direitos) e de
imposição ao Estado do dever de assegurar que ninguém fica impedido de aceder à
justiça, para essa defesa, por insuficiência de meios económicos (ver, a título
de exemplo, o acórdão n.º 467/91, publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, vol. 20.º, pág. 289 e segs., e J. J. GOMES CANOTILHO, Direito
Constitucional e Teoria da Constituição, 5.ª ed., pág. 451 e segs. maxime
456-457), em termos que respeitem o princípio fundamental da igualdade. E já por
diversas vezes afirmou que não implica a gratuitidade da justiça, cabendo ao
legislador o poder de, na observância deste e de outros princípios (como o da
proporcionalidade), definir os custos correspondentes à utilização da máquina da
justiça (ver, nomeadamente, os acórdãos n.ºs 433/87 e 352/91, publicados em
Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 10.º, pág. 479 e segs., e 19.º, pág.
549 e segs., respectivamente, e 495/96, in Diário da República, II Série, de 17
de Julho).
É através do instituto do apoio judiciário, hoje regulado pelo Decreto‑Lei n.º
387-B/87, de 29 de Dezembro), que o legislador se propôs cumprir esta obrigação
de garantir o acesso aos tribunais a quem não disponha de meios económicos que
lhe permitam suportar as despesas inerentes.
Como justamente se salienta no acórdão n.º 495/96 já citado, não sendo
necessariamente gratuito o recurso à justiça, não tem o apoio judiciário,
naturalmente, de ser prestado a todos os cidadãos; é como que um remédio para a
insuficiência económica referida, apenas. Mas se é essa a função deste
instituto, então a liberdade do legislador de fixar os custos do acesso à
justiça está limitada pela razoabilidade e proporcionalidade – ou seja, neste
contexto, pela acessibilidade ao cidadão médio, do ponto de vista das suas
disponibilidades económicas, sem ter que recorrer ao apoio judiciário. A
definição de custos não acessíveis a essa generalidade tornaria ilegítima –
inconstitucional –, justamente por violação do direito de acesso à justiça e aos
tribunais, a lei que assim procedesse (ver, nomeadamente, os acórdãos n.ºs
467/91 e 495/96, já citados).”
Ainda na perspectiva referida, dir-se-ia, pois, que a norma em apreciação,
embora subsidiária, não só contraria a regra geral de que o valor de uma causa
deve reflectir a sua utilidade económica (artigo 305.º, n.º 1 do Código de
Processo Civil), como, ao prever que o valor da pensão anteriormente fixada é o
valor da causa, para efeitos de custas do incidente de revisão de incapacidade,
nos casos em que o trabalhador sinistrado, não patrocinado pelo Ministério
Público, não haja formulado um pedido de valor certo e determinado para o
pretendido agravamento da incapacidade – e sem sequer impor um convite ao
trabalhador sinistrado para indicar o valor do incidente de revisão ou lhe
permitir que o venha fazer mais tarde, nem permitir ao juiz a fixação do valor
de incidente em montante inferior, quando o da pensão anterior se revele
desproporcionado – teria um efeito restritivo (dissuasor) desproporcionado sobre
o direito fundamental consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da Constituição,
violando, assim, o artigo 18.º, n.º 2, da Constituição. É esta a perspectiva do
Ministério Público, nas alegações de recurso no Tribunal Constitucional (embora
por referência ao parâmetro da alínea f) do n.º 1 do artigo 59.º da
Constituição).
É certo que o trabalhador sinistrado se encontra, por força da dimensão
normativa em apreço, face a uma “imposição” processual que, muitas vezes, não
está em condições de satisfazer cabalmente logo nesta primeira fase do
incidente. Do que decorre uma situação que, avaliada do ponto de vista dos
custos que o recurso aos tribunais (não patrocinado pelo Ministério Público)
terá, se diria coarctar-lhe o direito fundamental do acesso à justiça e aos
tribunais. Como salienta o Ministério Público, a solução em apreço faz recair
sobre o trabalhador “sinistrado que, não estando em condições de quantificar o
valor do agravamento e não tendo solicitado o patrocínio do Ministério Público,
se confronte com o indeferimento do incidente por ele requerido, o risco de ter
de pagar custas estabelecidas automaticamente com base no valor da pensão
anteriormente fixado (sem que a lei consinta ao juiz, em termos de equidade, o
estabelecimento de um valor inferior, quando tenha por manifestamente
desproporcionado o valor tributário do incidente, decorrente do montante da
pensão anterior)”.
A seguir-se esta perspectiva, poderia assim duvidar-se de que fosse
constitucionalmente aceitável que o direito infra-constitucional viesse impor um
ónus de imediata quantificação do agravamento das lesões sofridas ao trabalhador
sinistrado não patrocinado pelo Ministério Público, sob cominação de se passar
sempre a atender ao valor da pensão anteriormente fixada para o estabelecimento
das custas do incidente, que pode ser muito superior ao agravamento em causa e
constituir uma “barreira” significativa a que o incidente seja deduzido logo que
o poderia e deveria ser.
Seja como for, no entanto, na concreta situação dos autos – e tal afigura-se
decisivo no presente recurso, em que está em causa uma fiscalização concreta e
incidental da constitucionalidade, com origem, portanto, num caso concreto –,
não pode detectar-se qualquer efeito dissuasor ou restritivo do direito de
acesso ao direito e aos tribunais (ou dos direitos de adequada assistência e
justa reparação dos trabalhadores vítimas de acidente de trabalho), pela simples
razão de que a relevância do valor da causa, fixado atendendo ao montante da
pensão anteriormente estabelecida, para a determinação das custas do incidente,
não poderia conduzir a um agravamento das custas. Com efeito, o valor fixado
para o incidente foi de € 317,70, nos termos do artigo 8.º, alínea d), parte
final, do Código das Custas Judiciais (como resulta da decisão recorrida, de 20
de Dezembro de 2005, a fls. 99 dos autos). Ora, tal valor contém-se ainda dentro
do primeiro “escalão” da tabela constante do anexo I ao Código das Custas
Judiciais, dentro do qual a taxa de justiça é igual até a um valor da causa de €
500. Não resultava, pois, qualquer agravamento, com efeitos dissuasores ou
restritivos, do facto de, no caso concreto, o valor da causa ser fixado em
atenção ao montante da pensão anterior, que era inferior a € 500.
Quando aplicada a um incidente de revisão da incapacidade em que a pensão
anteriormente fixada é inferior a € 500, a norma cuja aplicação foi recusada não
pode, pois, considerar-se inconstitucional, nem por violação da garantia de
acesso ao direito e aos tribunais, prevista no n.º 1 do artigo 20.º e do artigo
18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa, nem por violação do
direito do trabalhador sinistrado à justa reparação, previsto na alínea f) do
n.º 1 do artigo 59.º da Constituição.
E há, assim, que conceder provimento ao presente recurso.
III. Decisão
Com estes fundamentos, o Tribunal Constitucional decide conceder provimento ao
presente recurso e determinar a reformulação da decisão recorrida, em
conformidade com o presente juízo sobre as questões de constitucionalidade.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma (vencida nos
ternos de
declaração de voto junta)
Rui Manuel Moura Ramos
DECLARAÇÃO DE VOTO
Votei vencida o presente Acórdão por entender, tal como o tribunal recorrido,
que há uma essencial igualdade, para efeitos de condenação em custas, entre a
situação do requerente, em incidente de revisão de incapacidade parcial
permanente, vítima de acidente de trabalho, representado pelo Ministério Público
– o qual está isento – e o requerente que litigue sozinho ou seja representado
por mandatário. Em ambas as situações está em causa uma questão da mesma
natureza e a possibilidade de satisfação do direito à assistência das vítimas de
acidente de trabalho. Actuando, nestes casos, o Ministério Público
fundamentalmente no interesse do sinistrado (pois o interesse público
prosseguido é a própria tutela e assistência às vítimas de acidentes laborais)
não há razão suficientemente significativa para justificar uma diferenciação de
tratamento tão acentuada.
Há, deste modo, uma diferenciação desproporcionada entre as duas situações.
Maria Fernanda Palma