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Processo n.º 306/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
(Conselheira Maria Helena Brito)
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I
1. Nos presentes autos vindos do Tribunal do Trabalho de Lisboa, em que é
recorrente A. e recorrido o Ministério Público, foi interposto recurso para o
Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo
70° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional
(LTC), de despacho proferido naquele tribunal, em 15 de Dezembro de 2005, que
indeferiu reclamação de conta de custas.
A recorrente requerer a apreciação da inconstitucionalidade dos
artigos 31°, 33° e 33°-A do Código das Custas Judiciais (CCJ), aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, na redacção introduzida pelo
Decreto-Lei n.º 324/03, de 27 de Dezembro, quando interpretados em termos de –
no caso de transacção judicialmente homologada, segundo a qual “as custas são
suportadas a meias” – incumbir ao autor que já suportou integralmente a taxa de
justiça inicial a seu cargo garantir ainda o pagamento de metade do remanescente
da taxa de justiça, ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal
quantia do réu, a título de custas de parte, com fundamento em violação dos
artigos 165º, alínea i), 103º, n.º 3, 13º, 20º, n.º 4, e 266º, n.º 2, da
Constituição da República Portuguesa (CRP).
2. No dia 23 de Novembro de 2004 foi proferida, nos autos em que se integra o
presente recurso de constitucionalidade, sentença homologatória da transacção
celebrada entre as então Autora e Ré (respectivamente, a ora recorrente e B. S.
A.) quanto ao objecto do litígio. As partes tinham acordado que as custas em
dívida a juízo seriam suportadas a meias (cláusula quarta do acordo de fls. 81 e
seguinte), pelo que a sentença as condenou “nos termos acordados” (fls. 83).
Elaborada a conta do processo e notificadas as partes para
pagamento das custas da sua responsabilidade, veio o ora recorrente apresentar a
seguinte reclamação (fls. 106 e seguintes):
“1. A Autora propôs nesse Tribunal acção declarativa com processo comum
emergente de contrato individual de trabalho, cujo valor era de 17.235,64 €, ao
qual corresponde uma taxa de justiça global de 8 U.C., isto é, de 712,00 €.
2. À Autora cabia o pagamento de 2 U.C., a título de taxa de justiça inicial,
isto é, de 178,00 €,
3. montante que foi pago previamente, conforme comprovativo de pagamento que foi
junto à petição inicial.
4. Conforme consta da conta de custas notificada à Autora, tendo este processo
terminado por transacção antes da apresentação de oposição e da designação da
audiência final, são-lhe aplicáveis as normas constantes do artigo 14°, n.°s 1 e
2, do Código das Custas Judiciais (CCJ), que estabelecem a redução a metade da
taxa de justiça (no caso, para 4 U. C.), não sendo, portanto, devida taxa de
justiça subsequente, nem pela Autora, nem pela Ré.
5. Acresce que, na transacção celebrada pelas partes e homologada por V. Ex.a,
as partes estabeleceram que as custas judiciais seriam suportadas a meias (cfr.
Cláusula Quarta do acordo junto ao processo).
6. A repartição de custas que foi acordada pelas partes sempre resultaria, na
falta de disposição das partes, do disposto no artigo 451°, n.º 2, do Código de
Processo Civil.
7. Ora, se o total das custas judiciais, 4 U.C., se traduz na quantia de 356,00
€, a Autora é responsável pelo pagamento de metade desse total, isto é, da
quantia de 178,00 €, acrescida do montante que for devido a título de
procuradoria,
8. sendo a Ré responsável pelo pagamento de montante igual, a título de taxa de
justiça inicial, igualmente acrescido do que for devido a título de
procuradoria.
9. E a Autora já pagou ao processo a parte da taxa de justiça que era da sua
responsabilidade, pelo que apenas tem a pagar ao Tribunal o valor devido a
título de procuradoria,
10. devendo a Ré pagar ao processo a quantia de 178,00 €, acrescida de
procuradoria, só assim se dando cumprimento ao acordado entre as partes na
transacção que juntaram ao processo.
11. Pelo que a Autora nada mais tem a pagar ao Tribunal, com excepção do que for
devido a título de procuradoria.
12. Nem se diga que tal não é assim, invocando o artigo 31°, n.º 1, do CCJ, que
estatui que as taxas de justiça pagas por cada parte integram as custas de parte
nos termos do artigo 33° do CCJ, e que as taxas de justiça inicial e subsequente
deixaram de ser automática e incondicionalmente restituídas pelo Cofre Geral dos
Tribunais, incumbindo à parte vencedora diligenciar junto do vencido no sentido
de receber a quantia devida.
13. É que a Autora não pretende qualquer reembolso do Tribunal, mas antes, e
apenas, não ter de pagar algo que não é devido por si, mas sim pela Ré.
14. Nem se diga que a taxa de justiça inicial já paga pela Autora integra o
conceito de custas de parte e que, consequentemente, a Autora deveria pagar
agora mais 89,00 € de taxa de justiça ao Tribunal, para depois ir exigir à Ré a
restituição destes mesmos 89,00 €,
15. ou que a Ré pagaria agora 89,00 € de taxa de justiça ao tribunal e 89,00 €
de taxa de justiça à Autora, em vez de, simplesmente, pagar 178,00 € ao
Tribunal.
16. Não parece que tenha sido intuito do legislador, ao alterar o CCJ, com o
Decreto-Lei 324/2003, o de dotar o sistema desta complexidade, onerando
excessivamente uma parte em claro benefício da outra quando, em termos
processuais, as partes assumiram – porque a lei lhes dá essa liberdade –
responsabilidade em partes iguais pelo pagamento das custas.
17. Não se compreende, pois, que se exija à Autora o pagamento de ¾ da taxa de
justiça global do processo e, à Ré, apenas ¼ dessa taxa de justiça, provocando
um desequilíbrio para que a Autora seja depois obrigada a socorrer-se do
mecanismo estabelecido no artigo 33°-A, n.º 1, do CCJ.
18. O mecanismo das custas de parte aplica-se às custas já pagas e não às que
estão por pagar – e é destas últimas que trata esta reclamação de conta.
19. O que a Autora pretende é que não lhe seja exigido o pagamento de uma taxa
de justiça superior àquela que é seu dever pagar – 2 UC – e que já pagou.
20. Assim, se as partes acordaram em repartir a responsabilidade pelas custas em
partes iguais, se uma das «metades» da taxa de justiça global do processo já foi
paga pela Autora e se nada foi ainda pago pela Ré, a conclusão é que a «metade»
que agora falta pagar é da responsabilidade da Ré.
21. Pelo que não se compreende qual o fundamento da exigência, feita à Autora,
do pagamento de ¾ da taxa de justiça do processo.
22. Tal decisão, a manter-se, consubstanciará, não só violação de lei, como
ainda violação da própria Constituição da República Portuguesa (CRP).
23. A Autora desde já invoca a inconstitucionalidade dos artigos 31°, 33° e
33°-A, introduzidos no CCJ pelo Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, na
medida em que admitam uma interpretação que permita sustentar a elaboração de
uma conta de custas como aquela da qual ora se reclama, por desrespeitar
manifestamente o princípio da igualdade, onerando excessivamente uma parte em
detrimento da outra e, assim, tratando de modo diferente aquilo que deve ser
tratado de modo igual.
24. Com efeito, o artigo 20º, n.º 4, da CRP garante a todos os cidadãos a
realização de um processo equitativo, traduzindo-se este princípio da equidade
na necessidade de observar um conjunto de regras fundamentais ao longo de todo o
processo, sendo a igualdade das partes uma dessas regras fundamentais.
25. Refere o Professor Lebre de Freitas (Introdução ao Processo Civil, Coimbra
Editora, 1996, p. 105), a propósito do princípio da igualdade de armas como
manifestação do princípio mais geral da igualdade das partes, que aquele «impõe
o equilíbrio entre as partes ao longo de todo o processo, na perspectiva dos
meios processuais de que dispõem para apresentar e fazer vingar as respectivas
teses: não implicando uma identidade formal absoluta de todos os meios, que a
diversidade das posições das partes impossibilita, exige, porém, a identidade de
faculdades e meios de defesa processuais das partes e a sua sujeição a ónus e
cominações idênticos, sempre que a sua posição perante o processo é equiparável
[...]. Próximo do princípio constitucional da igualdade e não discriminação
(art. 13º CRP), o princípio da igualdade de armas impõe um «estatuto de
igualdade substancial das partes (artigo 3°-A do CPC) [...]» (sublinhado nosso).
26. Ora, o regime das custas de parte entendido de modo a permitir impor à
Autora um encargo (o pagamento de ¾ da taxa de justiça e, ainda, o ónus de
cobrança à parte contrária) manifestamente superior ao imposto à Ré, quando as
partes puseram termo ao processo por transacção, encontrando-se em posições
equiparáveis no processo, viola o disposto nos artigos 20º, n.º 4, e 13° da CRP.
27. Violando ainda o disposto no artigo 266°, n.º 2, da CRP, uma vez que estamos
perante uma cobrança indevida praticada pela Administração Pública, com violação
dos princípios da legalidade, igualdade e proporcionalidade.
28. É por tudo isto que a única decisão legal e constitucional – porque a única
compatível com um entendimento dos artigos 31º, 33º e 33º-A do CCJ conforme à
Constituição – será a que considerar suficiente o pagamento de 178,00 € já
efectuado pela Autora e não lhe exigir qualquer pagamento adicional (com
excepção do que disser respeito à procuradoria).
29. A quantia de 178,00 € que está em falta para perfazer o total de 4 U.C.
(356,00 €) correspondente à taxa de justiça global do processo deverá ser
cobrada, no seu total, unicamente à Ré
[...]”.
3. Foi prestada pelo contador a seguinte “informação nos termos do disposto no
art.º 61º, n.º 1, do C.C.J.” (fls. 113), que se transcreve integralmente:
“Vem o funcionário contador, nos termos do disposto no art.° 61º, n.º 1 do
Código das Custas Judiciais, pronunciar-se sobre a reclamação apresentada 106 e
seguintes pela Autora e relativa à conta 1542/2005 elaborada a fls. 92/93,
reclamação esta, que versa essencialmente sobre o valor da taxa de justiça já
paga e a abater na conta final, a cada uma das partes.
O valor a que foi abatido na referida conta foi calculado de harmonia com o
disposto no art.° 56°, n.º 3 b) do C.C.J., não tendo sido levada em conta a taxa
de justiça paga na totalidade pela AA., uma vez que nos termos do art.° 33º, n.º
1 b) as taxas de justiça pagas, integram as custas de parte, sendo por isso
objecto de nota discriminativa e justificativa, de harmonia com o do disposto no
art.° 33º, n.º 2 do C.C.J., e o seu pagamento efectuado de acordo com o disposto
no art.° 33º-A do C.C.J.
Mais informo V. Ex.a que o montante de taxa de justiça a abater é calculado
directamente pela «aplicação informática», limitando-se a secção a indicar o
valor da acção, reduções se a elas houver lugar, a totalidade das taxas de
justiça depositadas, e a percentagem da responsabilidade de cada parte.”.
4. O representante do Ministério Público junto do Tribunal do Trabalho de
Lisboa pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação (fls. 114).
5. A reclamação deduzida pela ora recorrente foi indeferida por despacho de 15
de Dezembro de 2005, com o seguinte teor (fls. 116):
“A conta foi elaborada de acordo com o disposto no art° 56º do CCJ. Como a A.
não desconhece, as taxas de justiça já pagas são reclamadas pela parte que tem
direito a receber custas de parte à parte contrária nos termos do art° 33-A/1 do
CCJ (art° 31/1 e 33/1/b do CCJ) para que esta proceda ao seu pagamento.
E bem sabendo a A. desta disposição legal que refere expressamente no seu
articulado e cuja inconstitucionalidade suscita, poderia ter acordado numa
repartição de custas diferente, de modo a que nada mais tivesse que pagar, para
evitar ter que pagar ao Tribunal e reclamar da parte contrária o que adiantou
quando instaurou a acção.
Os artigos 31°, 33° e 33-A do CCJ não violam o princípio da igualdade previsto
na Constituição nem o da equidade. A A. terá apenas que lançar mão do
procedimento previsto neste artigo para ser reembolsad[a] do que adiantou.
Haveria sim violação se a lei não tivesse previsto uma forma [de a] A. ser
ressarcida.
Ao Tribunal não cabe criticar opções do legislador, desde que em conformidade
com a Constituição, estando obrigado a aplicar a lei.
Consequentemente, indefiro o requerido.”.
6. Desta decisão foi então interposto o presente recurso de constitucionalidade
(requerimento de fls. 121 e seguintes).
7. Nas alegações produzidas neste Tribunal, a recorrente concluiu assim:
“1º. As normas legais que suportaram o entendimento sufragado no Despacho
recorrido – os artigos 31°, 33° e 33°-A do CCJ – ao admitirem uma interpretação
conducente a um resultado como o supra descrito, são organicamente
inconstitucionais, por permitirem a criação de um encargo para um particular que
não tem a natureza bilateral característica da taxa, tendo antes a natureza
unilateral característica do imposto. Sendo a criação de impostos matéria
reservada à lei da Assembleia da República, os artigos 31º, 33° e 33°-A do CCJ,
por terem sido decretados pelo Governo, sem autorização legislativa, são
organicamente inconstitucionais, por violação do artigo 165°, alínea i), da CRP.
2°. As normas em apreço violam, assim, o princípio da legalidade tributária, que
se traduz no direito fundamental dos cidadãos plasmado no n.° 3 do artigo 103°
da CRP, segundo o qual «Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam
sido criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroactiva ou cuja
liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei».
3º. Os artigos 31°, 33° e 33°-A do CCJ, ao permitirem uma diferenciação entre a
autora e a ré da acção no que toca aos deveres perante o Estado (sobrecarregando
e onerando a autora, por um lado, e favorecendo a ré, por outro), quando nenhuma
razão havia para um tratamento diferente e não obstante a lei, a vontade das
partes e a sentença judicial determinarem o tratamento igual das partes em
matéria de custas, violam o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13° da
CRP, na vertente da proibição de discriminação, uma vez que esta não é
materialmente fundada em qualquer motivo constitucionalmente legítimo.
4º. As mesmas normas violam, ainda, a garantia do processo equitativo,
consagrada no artigo 20°, n.º 4, da CRP, que se traduz no princípio da igualdade
de armas, uma vez que permitem uma diferenciação intolerável entre os
intervenientes processuais, obrigando injustificadamente uma das partes a
proceder a um pagamento que é da responsabilidade da outra parte, financiando-a
e suportando sozinha o risco do insucesso da cobrança à parte que era
efectivamente devedora.
5º. Os artigos 31°, 33° e 33°-A do CCJ, ao permitirem que o Estado, no exercício
do seu poder de cobrador de custas judicias, abuse desse poder e obrigue uma das
partes ao pagamento de uma quantia que não é da sua responsabilidade,
transferindo assim para um particular (a parte pagadora) o ónus da cobrança e o
risco do não pagamento pela parte devedora, desonerando-se na medida em que vê
satisfeita parte do seu crédito, violam o disposto no artigo 266°, n.º 2, da
CRP. De facto, as normas que permitem obrigar «o justo a pagar pelo pecador»,
tratando as partes de forma manifestamente desigual, impondo sobre uma delas um
sacrifício desnecessário e desproporcionado, consubstanciam uma verdadeira
violação da sujeição da Administração Pública ao respeito pelos princípios da
igualdade, proporcionalidade, justiça, imparcialidade e boa fé.”.
8. O Ministério Público contra-alegou, sustentando a inconstitucionalidade da
interpretação normativa em causa, por violação dos princípios da igualdade das
partes e do processo equitativo, nos seguintes termos (fls. 178 e seguintes):
“O presente recurso vem interposto pela A. A. da decisão, proferida no 5º Juízo
do Tribunal do Trabalho de Lisboa, que aplicou, no âmbito de acção emergente de
contrato individual de trabalho, a norma constante dos artigos 31º, 33º e 33º-A
do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 324/03, de 27 de
Dezembro, interpretada em termos de – no caso de transacção judicialmente
homologada, segundo a qual «as custas em dívida a juízo serão suportadas em
partes iguais» – incumbir ao autor que já suportou integralmente a taxa de
justiça inicial a seu cargo garantir ainda o pagamento de metade do remanescente
da taxa de justiça, ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal
quantia do réu, a título de custas de parte.
O actual Código de Custas Judiciais eliminou – artigo 31° – o normativo que
impunha a restituição, pelo Cofre Geral dos Tribunais, às partes não
responsáveis pelas custas, conforme o vencimento, das taxas de justiça inicial e
subsequente por elas já depositadas nos autos, obrigando-as a reaver tais
quantias através do mecanismo das custas de parte, previsto nos artigos 33° e
33°-A.
Como refere Salvador da Costa (CCJ Anotado e Comentado, pág. 228):
«A referida alteração consistiu na eliminação do normativo que impunha a
restituição, no todo ou em parte, às partes não responsáveis por custas,
conforme o vencimento, das taxas de justiça inicial e subsequente.
Presidiu a esta alteração a ideia de que uma parte dos custos da justiça deve
ser suportada por quem a ela recorre e tira benefícios e não pela generalidade
dos cidadãos, e que o sistema não acautelava esse objectivo, por beneficiar quem
recorria indiscriminadamente e de forma não ponderada aos tribunais e dava causa
às acções.
Entendeu o legislador contribuir decisivamente para essa situação a solução de
restituição antecipada pelo Cofre Geral dos Tribunais da taxa de justiça paga
pelo vencedor no decurso da acção, independentemente de o vencido proceder ao
pagamento das custas da sua responsabilidade. Acentuou-se, por um lado, serem
frequentes os casos em que, no final do processo, não era arrecadada taxa de
justiça, designadamente quando a parte vencida não procedia a qualquer pagamento
no decurso da acção, com a consequência de o custo do processo ser suportado
pela comunidade e não por quem motivou o recurso ao tribunal.
E, por outro que, sem colocar em causa o tendencial princípio da justiça
gratuita para o vencedor, o que se pretendia era que o mesmo não operasse à
custa da comunidade e do Estado, mas sim de quem deu causa lato sensu à acção, e
racionalizar e moralizar o recurso aos tribunais, desincentivando-o em relação a
quem já sabia de antemão que não iria obter benefício real com o processo.
Ressalvando o disposto nos n.ºs 2 e 3, prevê-se no n.º 1 deste artigo sobre as
taxas de justiça pagas por cada parte e estatui-se integrarem as custas de
parte, nos termos do artigo 33º.
Desaparece, por isso, a obrigação de restituição directa ao vencedor, na
proporção em que o for, da taxa de justiça inicial e subsequente, por parte do
órgão que administra o Cofre Geral dos Tribunais, corolário do tendencial
princípio da justiça gratuita para o vencedor, que constava dos n.ºs 1 e 2 do
anterior artigo 31°.
Por força do normativo em análise, o reembolso da taxa de justiça inicial e
subsequente paga pelo vencedor no decurso do processo só operará por via do
sistema de custas de parte, dependendo do pagamento pela parte vencida das
custas da sua responsabilidade, salvo nos casos previstos no artigo 4°, n.º 3
[…] deste Código.
Esta solução corresponde ao que já vigorava anteriormente quanto à restituição
da taxa de justiça paga pelas partes não devedoras de custas nas providências
cautelares, nos incidentes de habilitação e de produção antecipada de prova, a
inserida em contas provisórias, bem como a resultante da conversão do preparo
para despesas não utilizado, a que se reportam os artigos 453°, n.ºs 1 e 2, do
Código de Processo Civil e 51°, n.º 2, alíneas a) e b), e 139°, n.º 3, deste
Código, respectivamente, que operava no quadro das custas de parte».
Tal mecanismo – que implica a transferência do risco de insolvabilidade da parte
devedora de custas para a parte contrária vencedora (que as adiantou), e não
para o Estado – apenas será aplicável relativamente a uma automática e
incondicional restituição ou reembolso pelo Cofre Geral dos Tribunais das taxas
de justiça que cada parte teve de adiantar durante o curso do processo, não
podendo, pelo contrário, impor a uma parte, em detrimento da outra, o pagamento
adicional do valor da taxa de justiça definitivamente devida por quem decaiu, no
todo ou em parte, na causa.
No caso dos autos, tendo o autor satisfeito, através do pagamento da taxa de
justiça inicial, a metade das custas do processo que sobre si definitivamente
recai, face ao teor da transacção homologada, seria efectivamente
desproporcionado onerá-lo com o pagamento adicional de metade do valor que, nos
termos da elaboração a final da conta de custas, recai sobre o réu, onerando-o
com a subsequente dedução do pedido de compensação de custas da parte e
submetendo-o ao risco de eventual impossibilidade prática de obter tal quantia
da parte contrária, nos termos do artigo 33°-A.
Não parece efectivamente conciliável com os princípios da proporcionalidade e do
processo equitativo a imposição a uma das partes do encargo de garantir, em
primeira linha (embora com «direito de regresso», expresso no mecanismo da
exigência das «custas de parte»), o valor da taxa de justiça que,
definitivamente e a final, constitui débito da parte contrária.
Note-se que esta ideia, segundo a qual qualquer das partes – mesmo a vencedora,
não responsável pelas custas – deve, de algum modo, garantir o pagamento da
totalidade do débito de custas (ainda que definitivamente a cargo da parte
contrária) já teve algum aforamento no nosso sistema jurídico, face ao regime
preceituado no artigo 117° do Código das Custas Judiciais aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 49213, estabelecendo que – quando o processo dimanasse do
contrato – a parte vencedora só poderia obter o cumprimento do julgado ou
quaisquer certidões «mediante depósito das custas contadas e em dívida».
Trata-se, porém, de regime há muito justificadamente revogado, já que constituía
efectivamente ónus desproporcionado o que consistia em forçar a parte vencedora
(não responsável pelas custas) a assegurar ou garantir o pagamento da taxa de
justiça devida pela parte vencida, se pretendesse executar o julgado que lhe era
favorável.
E, nesta perspectiva, é seguramente inadmissível a recriação legislativa de um
regime paralelo, tendente – não a condicionar a execução do julgado ao
asseguramento do integral recebimento das custas – mas a forçar a parte
vencedora a suportar o pagamento de uma parcela da taxa de justiça que, em
termos definitivos, recai sobre a parte contrária.”.
Cumpre decidir (após inscrição do processo em tabela, discussão
com base num projecto apresentado pela primitiva relatora e mudança de relator
por vencimento).
II
9. A recorrente sustenta a inconstitucionalidade dos artigos 31°, 33° e 33°-A
do CCJ, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, na redacção
introduzida pelo Decreto-Lei n.º 324/03, de 27 de Dezembro, quando interpretados
em termos de – no caso de transacção judicialmente homologada, segundo a qual
“as custas são suportadas a meias” – incumbir ao autor que já suportou
integralmente a taxa de justiça inicial a seu cargo garantir ainda o pagamento
de metade do remanescente da taxa de justiça, ainda em dívida, com o ónus de
subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte.
De acordo com o entendimento da recorrente, estes preceitos, quando
interpretados no sentido que ficou referido, são organicamente
inconstitucionais, por força do disposto no artigo 165°, alínea i), da CRP e
violadores dos artigos 103°, n.º 3, 13°, 20°, n.º 4, e 266º, n.º 2, da CRP.
Porém, a recorrente sustentou a inconstitucionalidade orgânica
e a violação do artigo 103°, n.º 3, da CRP apenas no requerimento de
interposição do recurso de constitucionalidade e nas alegações que produziu
neste Tribunal, o que equivale a dizer que o Tribunal de Trabalho de Lisboa não
foi chamado a pronunciar-se sobre tais questões.
Sem prejuízo do disposto no artigo 79°-C da LTC, e uma vez que
o Tribunal Constitucional intervém como um tribunal de recurso, que reaprecia a
decisão do tribunal recorrido quanto às questões de constitucionalidade que lhe
foram colocadas, importa, pois, apreciar a questionada interpretação dos artigos
31º, 33° e 33°-A do CCJ, em confronto com os artigos 13°, 20°, n.º 4, e 266°,
n.º 2, da CRP.
10. Deve salientar-se, contudo, que esta questão não é nova, tendo sido
recentemente objecto de pronúncia por parte deste Tribunal. Escreveu-se, com
efeito, apreciando a dimensão normativa aqui em questão, e por referência aos
parâmetros constitucionais referidos, no acórdão nº 643/2006:
“ 8. O recorrente acusa ainda as normas em causa de inconstitucionalidade
material por violação do princípio da igualdade, 'na medida em que dão ao que é
igual – a situação das partes no processo judicial – um tratamento desigual
(onerando uma das partes com a correspondente desoneração da outra)'.
Entende-se, todavia, que não é nesse plano que a conformidade constitucional da
norma deve ser analisada, já que se poderia, justamente, encontrar na
diversidade de posição processual das partes e no momento da homologação da
transacção a justificação para a diferença de solução.
Quanto à alegação de violação da 'garantia do processo equitativo', a
justificação apresentada pelo recorrente não tem autonomia relativamente à que
utiliza para sustentar os outros motivos de inconstitucionalidade que aponta.
E a verdade é que o Tribunal entende que é com o princípio da proporcionalidade
que as normas em apreciação devem ser confrontadas”.
9. Como se explica no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 324/2003, uma das inovações
trazidas com a aprovação do novo Código das Custas Judiciais consistiu em
eliminar 'a restituição antecipada (independentemente de o vencido proceder ao
pagamento das custas de sua responsabilidade), pelo Cofre Geral dos Tribunais,
da taxa de justiça paga pelo vencedor no decurso da acção' (ponto 5.),
transferindo para o vencedor o ónus de reaver do vencido o que adiantou através
do mecanismo de custas de parte.
Este mecanismo, desenhado pelos artigos 31º, n.º 1, 32º, n.ºs 1 e 2, 33º, n.º 1
e 33º-A do Código das Custas Judiciais, e que começa por se traduzir numa
garantia de que a taxa é efectivamente paga, pode levar a que o vencedor, não
obstante ter ganho a lide, suporte o respectivo custo, por não conseguir o
respectivo pagamento pelo vencido, nem voluntariamente, nem em via de execução.
Diz-se no mesmo preâmbulo que com esta inovação no regime da taxa de justiça se
pretende, 'sem colocar em causa o princípio da tendencial gratuitidade da
justiça para o vencedor', que o 'custo efectivo' do processo 'não opere à custa
da comunidade e do Estado, mas sim de quem deu causa (em sentido amplo) à
acção', bem como 'introduzir um factor de racionalização e moralização no
recurso aos tribunais, desincentivando-o por parte de quem já saiba de antemão
que não irá obter quaisquer benefícios reais com o processo'.
10. Sucede, todavia, que o regime acabado de referir só vale – só tem sentido,
aliás, e com esta afirmação não vai implícito qualquer juízo de conformidade ou
desconformidade constitucional das normas que o compõem – quando há reembolsos a
fazer, pois que a garantia de pagamento das custas em dívida consegue-se, nesta
lógica, retendo o que foi pago a mais pela parte vencedora e impondo-lhe o ónus
de, pelo mecanismo das custas de parte, o reaver da parte contrária.
De nenhum preceito do Código das Custas Judiciais resulta que, tendo uma das
partes pago a totalidade da quantia que, a título definitivo, lhe incumbiria
pagar, e não tendo a parte contrária pago ainda nada, se deva cobrar a quantia
que a esta última cabe determinando o pagamento de metade por cada uma.
Tal solução seria, aliás, desde logo, contraditória com as razões que levaram à
definição do novo regime.
Em primeiro lugar, porque, não havendo qualquer quantia paga a mais e, portanto,
a reter, não alcançaria o objectivo da garantia.
Em segundo lugar, porque, contrariando a simplificação proclamada igualmente no
preâmbulo do Decreto-Lei n.º 324/2003, conduziria a uma maior complexidade de
regime: em vez de notificar uma parte para pagar a taxa que (exclusivamente) lhe
competia, notificavam-se as duas, cada uma para pagar metade; se a que já pagou
viesse efectivamente adiantar a parte que cabia à outra, haveria depois que
desencadear o mecanismo conducente ao reembolso das custas de parte; se não
viesse, e para além de se tornar necessário julgar uma eventual reclamação da
parte – como sucedeu no caso presente –, ainda se abriria a eventualidade de uma
execução por falta de pagamento… para depois o executado ir reaver da outra
parte o que foi obrigado a desembolsar.
Basta ver, por exemplo, o regime definido pelo n.º 2 do artigo 25º do mesmo
Código para verificar que o legislador quer evitar pagamentos de taxa de justiça
que previsivelmente depois tenham de ser reembolsados. Com efeito, o referido
n.º 2 do artigo 25º do Código prevê que, em caso de pluralidade activa ou
passiva, se o montante pago pela 'parte' se revelar suficiente para cobrir o
valor correspondente à taxa de justiça subsequente, é dispensado o pagamento
deste última.
11. Está portanto em causa no presente recurso, como se viu e pelas razões já
apontadas, o conjunto normativo resultante dos artigos 31º, n.º 1, 33º, n.º 1,
b) e 33º-A, n.º 1 do Código das Custas Judiciais, quando interpretado no sentido
de que pode ser exigida da parte que já suportou a totalidade da taxa de justiça
pela qual é responsável o adiantamento de parte da taxa de justiça pela qual é
responsável a parte contrária, cabendo-lhe depois exigir a esta a devolução da
quantia correspondente nos termos aplicáveis às custas de parte, quando o
processo terminou por transacção, nos termos da qual as custas em dívida seriam
suportadas a meias, homologada antes de o réu ter procedido ao pagamento da
(sua) taxa de justiça inicial.
Ora, das considerações constantes dos pontos anteriores resulta que, se tal
regime decorre do conjunto das normas que integram o objecto do presente
recurso, quando interpretadas no sentido em apreciação, o Tribunal
Constitucional não pode deixar de as julgar inconstitucionais, por violação do
princípio da proporcionalidade.
Como se sabe, o significado e as exigências decorrentes do princípio da
proporcionalidade, enquanto princípio decorrente do Estado de Direito (artigo 2º
da Constituição) e, assim, imposto, em geral, como limite à liberdade de
conformação do legislador ordinário (e é nesta dimensão que este princípio está
agora em causa, naturalmente), foi já objecto de inúmeras considerações pelo
Tribunal Constitucional.
Recorrendo, a título de exemplo, ao acórdão n.º 187/2001 (Diário da República,
II série, de 26 de Junho de 2001), cabe recordar que
«o princípio da proporcionalidade, em sentido lato, pode (...) desdobrar-se
analiticamente em três exigências da relação entre as medidas e os fins
prosseguidos: a adequação das medidas aos fins; a necessidade ou exigibilidade
das medidas e a proporcionalidade em sentido estrito, ou “justa medida”. Como se
escreveu no (...) Acórdão n.º 634/93, invocando a doutrina:
'o princípio da proporcionalidade desdobra-se em três subprincípios: princípio
da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem
revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de
outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da
exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os
fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos
para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou
proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas,
desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).'»
A interpretação normativa de que nos ocupamos não é compatível com nenhuma
destas exigências, como resulta do que se disse atrás: não é adequada a alcançar
os objectivos de garantia e de celeridade do novo regime, não é necessária para
o mesmo efeito e traduz-se na imposição ao autor que já pagou a totalidade da
taxa de justiça que, definitivamente, lhe competia, de um ónus de desembolsar
parte do que cabe ao réu e de, posteriormente, ter de lançar mão das vias
previstas para obter o reembolso.
É, portanto, inconstitucional, por infracção do princípio da proporcionalidade.
Aqui chegados, e porque a interpretação analisada, bem vistas as coisas, não
decorre dos preceitos de onde foi extraída, os artigos 31º, n.º 1, 33º, n.º1, b)
e 33º-A, n.º 1, do Código das Custas Judiciais, entende o Tribunal recorrer ao
mecanismo previsto no n.º 3 do artigo 80º da Lei nº 28/82.
Com efeito, é o seguinte o texto estes preceitos:
Artigo 31º
(Reembolso e devolução da taxa de justiça)
1. Sem prejuízo do disposto nos números seguintes, as taxas de justiça pagas por
cada parte integram as custas de parte, nos termos do artigo 33º.
(…)
Artigo 33º
(Custas de parte)
1. As custas de parte compreendem o que a parte haja dispendido com o processo a
que se refere a condenação e de que tenha direito a ser compensada em virtude da
mesma, designadamente:
(…)
b) As taxas de justiça pagas;
(…)
Artigo 33º-A
(Pagamento das custas de parte)
1. Sem prejuízo da sua cobrança em execução de sentença, no prazo de 60 dias a
contar do trânsito em julgado da mesma, a parte que tenha direito a ser
compensada das custas de parte remete à parte responsável a respectiva nota
discriminativa e justificativa, para que esta proceda ao seu pagamento.
(…)
Não decorre manifestamente destes preceitos, interpretados isoladamente ou em
conjunto, e conjugados com os demais preceitos do Código das Custas Judiciais
que, quando aplicados a uma acção que termine por transacção, homologada antes
de o réu ter procedido ao pagamento da taxa de justiça inicial, nos termos do
disposto nos artigos 22º, 23º e 24º, n.º 1, b) do Código, ambas as partes devam
ser notificadas, cada uma, para pagar metade da taxa de justiça devida pelo réu.
Segundo o disposto no n.º 2 do artigo 13º do Código das Custas Judiciais, 'a
taxa de justiça do processo corresponde ao somatório das taxas de justiça
inicial e subsequente de cada parte', sendo o respectivo cálculo efectuado de
acordo com o n.º 1 do mesmo preceito.
Resulta ainda do no n.º 1 do artigo 25º que são iguais os valores das taxas de
justiça inicial e subsequente; e da alínea b) do n.º 1 do artigo 14º que, caso a
acção termine'antes de oferecida a oposição', a taxa (do processo) será reduzida
a metade, razão pela qual não é devida a taxa de justiça subsequente.
Assim sendo, em caso de transacção homologada antes de ser oferecida a
contestação e paga a taxa de justiça inicial do réu, mas, naturalmente, depois
de ter sido paga a taxa de justiça inicial do autor, falta para completar a taxa
de justiça do processo um valor igual ao que o autor já pagou; e, tendo sido
convencionado que as custas são suportadas em partes iguais, esse valor em falta
é da total e definitiva responsabilidade do réu, porque é a taxa de justiça (de
parte) que lhe incumbe suportar.
Nestes termos, fixa-se para o conjunto normativo resultante da interpretação
conjugada das normas dos artigos 31º, n.º 1, 33º, n.º 1, b) e 33º-A, n.º 1, do
Código das Custas Judiciais, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º
324/2003, quando aplicadas em caso de transacção homologada antes de o réu ter
procedido ao pagamento da taxa de justiça inicial, a seguinte interpretação:
Em caso de transacção homologada judicialmente antes de o réu ter pago a sua
taxa de justiça inicial, segundo a qual as custas em dívida são suportadas em
partes iguais, tendo o autor suportado integralmente a taxa de justiça que lhe
compete, por ter pago a sua taxa de justiça inicial, deverá o réu ser notificado
para pagar o remanescente da taxa de justiça do processo”.
São estes fundamentos que aqui se reafirmam, e que levam o Tribunal a partilhar
a conclusão a que se chegou neste aresto quer quanto ao juízo de
inconstitucionalidade da dimensão normativa questionada, quer, nos termos do
artigo 80º, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, quanto à interpretação aí
fixada para os artigos 31º, 33º, e 33º-A do Código das Custas Judiciais, na
redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 324/2003, quando conjugadamente
aplicados em caso de transacção homologada antes de o réu ter procedido ao
pagamento da taxa de justiça inicial.
11. Nestes termos, concede-se provimento ao recurso, determinando-se a
reformulação do despacho recorrido de acordo com a interpretação fixada.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2007
Rui Manuel Moura Ramos
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes (vencida, nos
termos da declaração de voto junta)
Maria Helena Brito (vencida, nos termos da declaração de voto junta)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
Não acompanhámos a decisão e pronunciámo-nos no sentido da não
inconstitucionalidade das normas questionadas no presente recurso, pelas razões
constantes do projecto de acórdão que não obteve vencimento:
1. Para a apreciação da questão de inconstitucionalidade
identificada, há que ter presente, por um lado, as alterações relevantes que o
Decreto-Lei n.º 324/2003, de 27 de Dezembro, introduziu ao Código das Custas
Judiciais (doravante, CCJ) e, por outro, toda a sequência processual que deu
origem à situação em causa nos presentes autos.
1.1. O CCJ, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro,
foi objecto de diversas modificações, introduzidas por sucessivos diplomas. No
que respeita ao Decreto-Lei n.º 324/2003 (que altera o Código das Custas
Judiciais, o Código de Processo Civil, o Código de Processo Penal, bem como o
Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, o Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de
Setembro, e o Decreto-Lei n.º 200/2003, de 10 de Setembro), anuncia a Exposição
de motivos do diploma que se pretendeu proceder a uma profunda revisão do
Código.
O CCJ, nesta nova redacção, passou a estatuir, para o que agora
releva, que a compensação das custas de parte é efectuada directamente entre as
partes (artigo 33°-A) e que as custas de parte compreendem, designadamente, as
taxas de justiça pagas (alínea b) do n.º 1 do artigo 33º), mantendo a norma
segundo a qual constitui encargo da parte vencida, na medida em que seja
condenada, o reembolso à parte vencedora das quantias devidas a título de custas
de parte (artigo 32º, n.º 2). Alterou-se, pois, o conteúdo das custas de parte
(voltando-se, nesta matéria, à redacção original do Código, que igualmente
incluía as taxas de justiça inicial e subsequente nas custas de parte, e que
havia sido alterada pelo Decreto-Lei n.º 320-B/2000, de 15 de Dezembro) e a
forma de pagamento das custas de parte (que deixa de ser efectuada através do
processo). São estas duas alterações que importa considerar em toda a sequência
processual que os autos revelam.
1.2. Intentada acção pela ora recorrente, procedeu esta, nos termos do
disposto nos artigos 23°, n.º 1, e 24°, n.º 1, alínea a), do CCJ, ao pagamento
da taxa de justiça inicial, juntando, com a petição inicial, documento
comprovativo de tal pagamento. Tendo sido designada, em seguida, data para
realização de audiência de partes (artigos 54°, n.º 2, e 55º, do Código de
Processo do Trabalho), veio esta audiência a ser desconvocada, face à junção aos
autos de acordo, subscrito pelas partes. A transacção foi homologada por
sentença, que pôs termo ao processo.
O processo findou, assim, antes de ter ocorrido o momento
processual em que seria devido o pagamento, pela Ré, da taxa de justiça inicial
(artigo 24°, n.º 1, alínea b), do CCJ). Por outro lado, tendo em conta o momento
em que o processo conheceu o seu termo, a taxa de justiça foi reduzida para
metade, por não ser devida taxa de justiça subsequente (artigo 14°, n.º 1,
alínea a), do CCJ). Com a seguinte consequência: uma vez que a taxa de justiça
do processo corresponde à soma das taxas de justiça (inicial e subsequente)
pagas por cada uma das partes (artigo 13°, n.º 2, do CCJ), a taxa de justiça
correspondeu, no caso em análise, à soma da taxa de justiça inicial da Autora,
já paga, com a taxa de justiça inicial, ainda não paga pela Ré, uma vez que o
acordo entre Autora e Ré foi alcançado antes da dedução de oposição por parte
desta.
Elaborada a conta de custas, considerou-se o valor em dívida
para atingir a taxa de justiça do processo e dividiu-se por dois, face ao teor
da sentença homologatória quanto a custas. Assim, foi a ora recorrente
notificada para proceder ao pagamento de metade do valor em dívida (para além do
valor da taxa de justiça inicial por si já pago). Tendo sido acordado que as
custas em dívida em juízo seriam suportadas a meias, na reclamação apresentada
veio a recorrente sustentar – uma vez que as custas compreendem a taxa de
justiça e os encargos (artigo 1°, n.º 2, do CCJ) – que “já pagou ao processo a
parte da taxa de justiça que era da sua responsabilidade, pelo que apenas tem a
pagar ao Tribunal o valor devido a título de procuradoria” (no caso, o único
encargo que a recorrente reconhece).
O tribunal recorrido considerou então – utilizando a formulação
adoptada pelo Ministério Público nas suas contra-alegações (cfr. n.º 8. do
acórdão) – que no caso de transacção judicialmente homologada, segundo a qual
“as custas em dívida a juízo serão suportadas em partes iguais”, incumbe ao
autor que já suportou integralmente a taxa de justiça inicial a seu cargo
garantir ainda o pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça, ainda
em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de
custas de parte, por força do disposto nos artigos 31º, 33° e 33°-A do CCJ.
2. Tendo presente que “as taxas de justiça são a «contrapartida» da
prestação de um serviço público vinculado à garantia fundamental do acesso aos
tribunais” (Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 467/91, publicado no Diário
da República, II Série, n.º 78, de 2 de Abril de 1992) – são, portanto, taxas e
não impostos, como repetidamente tem afirmado o Tribunal Constitucional (assim,
Acórdão n.º 461/87, publicado no Diário da República, I Série, n.º 12, de 15 de
Janeiro de 1988, e Acórdãos n.ºs 412/89, 67/90 e 349/02, publicados no Diário da
República, II Série, respectivamente, n.º 213, de 15 de Setembro de 1989, n.º
163, de 17 de Julho de 1990 e n.º 264, de 15 de Novembro de 2002) – importa
começar por pôr em evidência que, ao contrário do que, por vezes, sustenta a
recorrente, não recai sobre o autor qualquer obrigação de pagamento superior ao
suportado pela contraparte.
Com efeito, a responsabilidade da Autora mantém-se definida nos
termos do artigo 451°, n.º 2, do Código de Processo Civil e do acordado entre si
e a Ré, ou seja, as custas são pagas a meias, o que afasta o argumento da
violação dos artigos 13° e 20°, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa –
este último, na medida em que estabelece o princípio da igualdade de armas,
entendido como uma exigência do direito a um processo equitativo e como uma
consequência, ao nível do processo, do princípio da igualdade, consagrado em
geral no artigo 13° da CRP.
Da interpretação normativa questionada não decorre qualquer
diferença quanto ao valor pelo qual cada uma das partes é responsável em matéria
de custas, não onerando, em termos de valor a pagar a final, uma das partes em
desfavor da outra. Assim se afasta, aliás, esta interpretação da solução
legislativa outrora consagrada nos artigos 117° e 118° do CCJ aprovado pelo
Decreto-Lei n.º 44329, de 8 de Maio de 1962, em que se previa a possibilidade de
o depósito efectuado pela parte não responsável pelo pagamento das custas,
designadamente para obter o cumprimento do julgado, vir a ser efectivamente
aplicado nos pagamentos devidos.
3. A interpretação que o tribunal recorrido fez do disposto nos
artigos 31º, 33º e 33°-A do CCJ traduz-se em o autor ter de garantir o pagamento
de metade do remanescente da taxa de justiça, ainda em dívida, com o ónus de
subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte, já que
a metade em causa não deixa de ser da responsabilidade do segundo.
Do que se trata, por conseguinte, é de avaliar a conformidade
constitucional de um regime que permite, em caso de transacção judicialmente
homologada, que o autor, que já suportou integralmente a taxa de justiça inicial
a seu cargo, tenha de garantir o pagamento de metade do remanescente da taxa de
justiça ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do
réu, a título de custas de parte.
Nessa medida, a apreciação da questão de saber se aquela
interpretação viola o artigo 20°, n.º 4, não pode deixar de considerar o
estatuído no n.º 1 do artigo 20° da Constituição – a todos é assegurado o acesso
ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios
económicos.
Ora, esta norma constitucional não consagra um direito de
acesso ao direito e aos tribunais gratuito ou tendencialmente gratuito, mas
apenas assegura que a ninguém pode ser negado tal acesso por insuficiência de
meios económicos (neste sentido, entre outros, vejam-se o Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 467/91, já citado, os Acórdãos n.ºs 147/92, 248/94,
publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, n.º 169, de 24 de
Julho de 1992, e n.º 171, de 26 de Julho de 1994, e o Acórdão n.º 260/94,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt; na doutrina, Gomes Canotilho/Vital
Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª edição
revista, Coimbra Editora, 2007, anotação ao artigo 20°, n.º VI, e Jorge
Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, tomo I, Coimbra Editora,
2005, anotação ao artigo 20°, n.º VI).
Com relevo para o caso em apreciação escreveu-se no Acórdão do
Tribunal Constitucional n.º 467/91, antes referido, a propósito do artigo 20°,
n.º 1, da Constituição:
“A garantia fundamental do acesso aos tribunais é uma concretização do princípio
do Estado de direito, apresentando, conforme refere Gomes Canotilho, uma
dimensão de defesa ou garantística (defesa dos direitos através dos tribunais) e
uma dimensão «prestacional», significando o dever de o Estado assegurar meios
(como o apoio judiciário) tendentes a evitar a denegação de justiça por
insuficiência de meios económicos.
[...]
A compreensão do sentido e alcance da norma do artigo 20º, n.º 1, da
Constituição, haverá de ter em conta esta dupla dimensão da garantia do acesso à
justiça – a dimensão de defesa e a dimensão de prestação – e ainda a necessária
articulação de tal garantia com o princípio fundamental da igualdade (CRP,
artigo 13º).
[...].
A inexistência de um princípio geral de gratuitidade da justiça vai precisamente
ligada aos limites objectivos da dimensão prestacional da garantia consagrada no
artigo 20°, n.º 1, da Constituição, e à ideia de equivalência de encargos que
proscreve a transferência da responsabilidade individual dos sujeitos
processuais para a comunidade.” [itálico aditado].
No caso em apreço, quando se exige ao autor que garanta o
pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça ainda em dívida, com o
ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte,
do que se trata é de evitar que haja transferência da responsabilidade
individual dos sujeitos processuais para a comunidade, o que não é censurável do
ponto de vista jurídico-constitucional, precisamente por força da inexistência
de um princípio geral de gratuitidade da justiça.
De resto, foi este objectivo de evitar a transferência da
responsabilidade individual dos sujeitos processuais para a comunidade que
norteou, nesta parte, as alterações legislativas introduzidas pelo Decreto-Lei
n.º 324/2003. Lê-se na Exposição de motivos do diploma que:
“[...] com o actual sistema de restituição de taxa de justiça são frequentes os
casos em que, no final do processo, não é arrecadada qualquer quantia a título
de taxa de justiça, bastando, para esse efeito, que a parte vencida não proceda
a qualquer pagamento no decurso da acção e que não possua bens penhoráveis. Ora,
sendo certo que o processo existiu, correu os seus termos e teve um custo
efectivo, tal significa que foi a comunidade, globalmente considerada, quem o
suportou, em detrimento de quem motivou o recurso ao tribunal.
Desta forma, e sem colocar em causa o princípio da tendencial gratuitidade da
justiça para o vencedor, o que se pretende é que o mesmo não opere à custa da
comunidade e do Estado, mas sim de quem deu causa (em sentido amplo) à acção.”.
Resulta do exposto, ao contrário do sustentado pela recorrente
(cfr. alegações produzidas no Tribunal Constitucional, n.º 7. do acórdão), que
há razões, constitucionalmente suportadas, para diferenciar o autor e o réu da
acção no que toca aos deveres perante o Estado, quando tal eventual
“diferenciação” tem a ver, exclusivamente, com a opção no sentido de o primeiro
ter que garantir o pagamento de metade do remanescente da taxa de justiça, ainda
que, no limite, possa vir a suportar o pagamento de uma parcela da taxa de
justiça que é afinal da responsabilidade do réu. Ou seja, há razões que
justificam a opção no sentido de ser o autor, que deu causa (em sentido amplo) à
acção, a suportar a contrapartida do serviço público prestado e não a
comunidade.
Deve também salientar-se, em abono da interpretação normativa
em causa neste recurso de constitucionalidade, que ao ónus que o autor tem de
subsequentemente reaver do réu a quantia paga, a título de custas de parte – um
encargo que é conatural ao dever que o autor tem de garantir o pagamento de
metade do remanescente da taxa de justiça – correspondem três formas de obter a
compensação respectiva: envio à parte responsável da respectiva nota
discriminativa e justificativa para que esta proceda ao pagamento (segunda parte
do n.º 1 do artigo 33°-A do CCJ); cobrança em execução de sentença (primeira
parte do n.º 1 do artigo 33°-A do CCJ); e execução por custas, instaurada pelo
Ministério Público, nos termos do n.º 3 do artigo 116° do mesmo Código (n.º 6 do
artigo 33°-A do CCJ). Na medida em que se prevêem diversas formas de obtenção da
compensação, ainda incluídas no âmbito do processo (não em acção autónoma), é de
concluir, por conseguinte, que a interpretação normativa questionada pela
recorrente não onera excessivamente aquele que tem de garantir o pagamento de
metade do remanescente da taxa de justiça, ainda em dívida.
Por outro lado, não pode deixar de se ter em conta que a
interpretação questionada no presente recurso assentou na existência de um
acordo entre as partes quanto à repartição das custas em dívida. Como salienta a
própria decisão recorrida (cfr. n.º 5. do acórdão), conhecendo a Autora, ora
recorrente, as disposições legais aplicáveis, que referiu expressamente na
reclamação deduzida a propósito da conta de custas e cuja inconstitucionalidade
então suscitou, “poderia ter acordado numa repartição de custas diferente, de
modo a que nada mais tivesse que pagar, para evitar ter que pagar ao Tribunal e
reclamar da parte contrária o que adiantou quando instaurou a acção”.
Finalmente, sublinhe-se que a interpretação que a decisão
recorrida fez dos artigos 31°, 33° e 33°-A do CCJ não abrangeria o autor em caso
de insuficiência económica do réu a quem tivesse sido concedido apoio
judiciário, por si requerido ou pelo Ministério Público em sua representação. O
legislador estabeleceu no n.º 3 do artigo 4° do mesmo Código que “se a parte
vencida gozar do benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa total
ou parcial do pagamento de custas, o reembolso das taxas de justiça pagas pelo
vencedor é […] suportado pelo Cofre Geral dos Tribunais” (tal como quando a
parte vencida for o Ministério Público, segundo o n.º 2 do mesmo preceito).
Conclui-se, assim, pelas razões expostas, que a interpretação
que o Tribunal de Trabalho de Lisboa fez dos artigos 31º, 33º e 33°-A do CCJ não
viola os artigos 20°, n.º 4, e 13º da CRP.
4. Atendendo ao teor do artigo 266°, n.º 2, da CRP – os
órgãos e agentes administrativos estão subordinados à Constituição e à lei e
devem actuar, no exercício das suas funções, com respeito pelos princípios da
igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé –,
resulta, ainda, que a questionada interpretação dos artigos 31º, 33º e 33°-A do
CCJ não contende, de todo em todo, com esta norma constitucional.
Maria Helena Brito
Maria João Antunes