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Processo n.º 535/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
RELATÓRIO
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, o
arguido A., condenado pela prática de um crime de abuso de confiança na forma
continuada e no pagamento de uma indemnização ao lesado, interpôs recurso da
decisão condenatória, a qual não foi admitida por intempestividade.
O arguido requereu a aclaração do despacho de não admissão do recurso,
requerendo concomitantemente a sua substituição por outro que o admitisse, ao
abrigo dos artigo 380.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.
Foi então proferido o seguinte despacho:
“Não entrando em consideração com os factos alegados pelo arguido no
requerimento que apresentou nos autos a fls. 512, cumpre referir que em relação
ao despacho que não admitiu o recurso, o arguido apenas poderia recorrer ou
reclamar do mesmo de acordo com o disposto nos art,.º 399.º e ss. E art.º 405.º
do CPP.
A situação em apreço não é susceptível de ser corrigida ou alterada em função da
aplicação do disposto no art.º 380.º do CPP.
Embora tal disposição legal tenha aplicação aos despachos judiciais, a situação
em concreto não configura um mero lapso, erro ou qualquer ambiguidade, sendo de
referir que alterando, no sentido requerido, o despacho que foi proferido nos
autos, tal determinaria sempre uma modificação essencial, o que não é permitido
face ao disposto no art.º 380º, n.º 1, al. b) do CPP.”
O arguido interpôs recurso de tal despacho concluindo o
seguinte:
“A – O ora Recorrente A. foi acusado e julgado pela prática, em concurso
efectivo, de vinte e seis crimes, previstos e punidos pelo Artigo 205.º n.º 1 do
Código Penal (C.P.);
B- Proferido douto Acórdão veio a ser, o Arguido A. e ora Recorrente, absolvidos
dos vinte e seus crimes de abuso de confiança de que havia sido acusado, C- e
condenado, como autor material, de um crime de abuso de confiança, na sua forma
continuada, p.p. pelos Artigos 205.º, n.º 1 e 30.º,n.º 2 ambos do C.P., na pena
de nove meses de prisão, suspensa na sai execução pelo período de dois anos.
D- Do aresto proferido interpôs – tempestivamente – o Arguido recurso para o
Venerando Tribunal da Relação de Coimbra;
E- Contudo, e por manifesto erro na contagem do prazo por parte do Respeitado
Julgador que apreciou o requerimento de recurso, ao não ter levado em
consideração a interrupção daquele prazo, decorrente das férias judiciais da
Páscoa, foi o mesmo recurso não admitido com a justificação – errónea – de que o
mesmo foi apresentado fora do prazo legal;
F- Desse despacho – que não admitiu o recurso – requereu o Arguido a sua
correcção (aclaração) – Cfr. doc junto no presente recurso – com fundamento que
o mesmo foi apresentado tempestivamente não tendo o respeitado Julgador, na sua
Decisão, atentado no período das férias judicias que decorreram entre 20 de
Março de 2005 (dia de Ramos) e o dia 28 de Março (segunda feira de Páscoa) do
mesmo ano e ambos os dias inclusive. (Cfr. artigo 10.º da Lei 38/87 de 31/12 ex
vis nº 1 do Art.º 104 do C.P.P.) e que levaram à interrupção do prazo então em
curso.
G- Período de férias esse que a ser considerado, pelo respeitado Julgador, na
contagem do prazo, determinando a sua suspensão, para a interposição do recurso
levaria que o recurso fosse tempestivamente admitido.
H- Sobre o requerimento de aclaração apresentado pelo Arguido, ora o Recorrente,
veio a recair desafortunado Despacho de indeferimento – do qual se recorre – no
qal se afirma, contraditoriamente, diga-se, que a situação em concreto não é
susceptível de ser corrigida ou alterada em função da aplicação do disposto o
art.º 380º do CPP, pese embora tal disposição legal tenha aplicação aos
despachos judiciais, a situação concreta não configura um mero lapso, erro ou
qualquer ambiguidade.
I- Ora, entende o Recorrente, que precisamente por se tratar de um erro (quase
de palmatória, se não o primitivo certamente a sua não correcção) material – se
não de escrita – ou de um mero lapso caberia no poder do Julgador, alertado para
o facto, proceder à sua correcção, uma vez que atenta a situação em causa (erro
na contagem de um prazo num processo de natureza criminal) não estaria em causa
qualquer modificação essencial, tal qual prevista no Art.º 380º do C.P.P.
J- Ao ter proferido a Douta Decisão de que ora se recorre e com tal entendimento
e alcance, violou o respeitado Tribunal a quo, as normas contidas, nomeadamente,
no Artº 10º da Lei 38/87 de 23 de Dezembro, Artº 104º nº 1 do artigo 380º, nº 1,
alínea b) ambos do C.P.P., bem como máxime e frontalmente, as contidas a Artº
32º da C.R.P.
K- À cautela e por dever de patrocínio, deverá ser reconhecida a
inconstitucionalidade da norma contida na alínea b) do nº 1 do Artº 380º do
C.P.P. quando interpretada, entendida e aplicada no sentido que gera modificação
essencial da decisão a alteração oficiosa, ou a requerimento, do Despacho
proferido em autos de natureza criminal quando está em causa u manifesto lapso
de contagem de prazo.”
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 15 de
Fevereiro de 2006, considerou o seguinte:
“As questões a apreciar traduzem-se apenas em saber se o despacho que não admite
o recurso é susceptível de pedido de aclaração e por essa via obtenção da
correcção ou alteração desse mesmo despacho.
Vejamos.
Estabelece o n° 1 do art° 414º CPP que “Interposto o recurso e junta a motivação
ou expirado o prazo para o efeito, o juiz profere despacho e, em caso de
admissão, fixa o seu efeito e regime de subida.”.
Por sua vez no seu n° 2 consagra-se que “ O recurso não é admitido quando a
decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o
recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou quando faltar a
motivação.”.
Por outro lado, como é sabido nos termos do disposto nos art°s 666.° n.° 3 e
669.° do CPC, aplicáveis por força do art° 4.° CPP, é aplicável aos despachos o
mesmo regime das sentenças no que se refere aos pedidos de rectificação ou de
aclaração.
Sucede porém que no que respeita aos despachos de não admissão ou retenção de
recurso, o legislador previu no art° 405° n° 1 CPP, um mecanismo específico para
reagir contra esse acto, nos seguintes termos:
Do despacho que não admitir ou que retiver o recurso, o recorrente pode reclamar
para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige”.
É pois claro que o único meio processual para impugnar o indeferimento e a
retenção do recurso é apenas a reclamação para o presidente do tribunal a que o
recurso se dirige.
Sendo que, “A decisão do presidente do tribunal superior é definitiva, quando
confirmar o despacho de indeferimento. No caso contrário não vincula o tribunal
de recurso” (art° 405° n° 4 CPP).
E tudo isto sem prejuízo do disposto no art° 414° n° 3 CPP, segundo o qual “A
decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime
de subida não vincula o tribunal superior”.
Do exposto resulta que no caso vertente, tendo o Mm° juiz indeferido o recurso
interposto pelo recorrente, por o considerar intempestivo, o único meio
processual de que este poderia lançar mão para impugnar essa decisão, era a
reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se dirigia.
É ainda o aludido despacho insusceptível de correcção ao abrigo do art° 380°
CPP, não só pelas razões já elencadas, como também porque a referida norma exige
que a correcção “não importe modificação essencial”.
É que, a correcção só é admissível se daí não advier modificação essencial da
decisão, o que não seria evidentemente o caso.
Como escreve Maia Gonçalves “essa modificação essencial afere-se em relação ao
que estava no pensamento do tribunal decidir, e não em relação ao que ficou
escrito; por isso se incluem aqui os erros materiais ou de escrita. Cremos, por
isso, que em relação ao que estava no pensamento do tribunal escrever todas as
modificações são essenciais, pois de outro modo ficaria aberto o caminho para
alterar o decidido quando o poder de jurisdição está esgotado.”.
Finalmente refira-se ainda que não se vislumbra onde é que esta interpretação
possa violar as normas plasmadas no art° 32° da CRP.
Em suma o recurso interposto é inadmissível, justificando por isso a sua
rejeição.”
Em consequência, o Tribunal da Relação de Coimbra negou
provimento ao recurso.
2. O arguido interpôs recurso de constitucionalidade nos
seguintes termos:
“- o recurso para o T.C. é interposto ao abrigo da alínea b) do n° 1 do artigos
70.º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na sua actualizada redacção.
- Pretende-se com o mesmo ver apreciada a inconstitucionalidade das normas
contidas na alínea b) no n° 1 do Artigo 380° e n° 1 do Artigo 405° ambas do
actual Código do Processo Penal (C.P.P.)., com a interpretação com que foram
aplicadas na decisão recorrida, ié a primeira (alínea b) no n° 1 do Artigo 380º
do C.P.P.) com o sentido de que é insusceptível a correcção do despacho
proferido pelo Mmo Juiz que não admitiu o recurso de decisão final, mesmo que se
trate de um despacho notoriamente errado e desconforme com a Lei, por quanto
essa correcção sempre importaria uma modificação essencial o que não é
admissível, e a segunda (no nº 1 do Artigo 405º do C.P.P.) com o único sentido
que o único meio processual para impugnar o indeferimento e a retenção do
recurso (penal) é, apenas a reclamação para o presidente do tribunal a que o
recurso se dirige.
- Pretende-se igualmente ver apreciada a inconstitucionalidade da norma contida
no n° 1 do Artigo 405° C.P.P. com a interpretação com que foi aplicada na
decisão recorrida, de que indeferido pelo Mm° Juiz o recurso penal interposto
pelo recorrente, por o considerar intempestivo, o único meio processual para
impugnar essa decisão era a reclamação para o presidente do tribunal a que o
recurso se dirigia, sem cuidar de aplicar o previsto no n° 5 do Artigo 688° do
Código de Processo Civil (C.P.C.), aplicável ao penal por força do Artigo 4° do
C.P.P.
- Tais normas violam, nomeadamente, os princípios constitucionais consagrados
nos Artigos 29° e 32° da Constituição, tendo a sua inconstitucionalidade sido
suscitada no requerimento de fls (...) que fez o recurso (e motivação) para o
Respeitado Tribunal da Relação de Coimbra.”
Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente alegou,
concluindo o seguinte:
“- Na sequência de interposição de recurso do Douto Despacho no qual foi
considerado, pelo Tribunal Judicial de Leiria, não haver lugar por este à
correcção do erro ou lapso praticado e reconhecido pelo mesmíssimo Tribunal na
contagem do prazo de interposição de recurso de decisão condenatória, resultando
em consequência a rejeição do recurso interposto pelo Arguido A., ora
Recorrente, veio, pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, a ser proferido
douto Acórdão no qual, se afirma – relativamente àquele mesmo Despacho que
contém o erro - ser insusceptível a correcção do despacho proferido pelo Mmo
Juiz que não admitiu o recurso de decisão final, mesmo que se trate de um
despacho notoriamente errado e desconforme com a Lei, porquanto essa correcção
sempre importaria uma modificação essencial o que não é admissível;
- Mais proferiu o Venerando Tribunal a quo que o único meio processual para
impugnar o indeferimento e a retenção do recurso (penal) é apenas a reclamação
para o presidente do tribunal a que o recurso se dirige.
- Na sequência de tal aresto, foi interposto o presente recurso por se reputar
de inconstitucionais as normas que serviram de fundamento a tal Decisão quando
aplicadas com a interpretação e o alcance que lhe foram dadas, nomeadamente as
contidas na alínea b) no n° 1 do Artigo 380º e nº 1 do Artigo 405° ambas do
actual Código do Processo Penal (C.P.P.), por aquele mesmo Tribunal Superior, ié
a primeira (alínea b) no nº 1 do Artigo 380° do C.P.P.) com o sentido de que é
insusceptível a correcção do despacho proferido pelo Mmo Juiz que não admitiu o
recurso de decisão final, mesmo que se trate de um despacho notoriamente errado
e desconforme com a Lei, porquanto essa correcção sempre importaria uma
modificação essencial o que não é admissível, e a segunda (no no i do Artigo
405° do C.P.P.) com o único sentido que o único meio processual para impugnar o
indeferimento e a retenção do recurso (penal) é apenas a reclamação para o
presidente do tribunal a que o recurso se dirige.
“- Pretende-se igualmente ver apreciada a inconstitucionalidade da norma contida
no n° 1 do Artigo 405° C.P.P. com a interpretação e o alcance dados àquele
normativo, de que indeferido pelo Mm° Juiz o recurso penal interposto pelo
recorrente, por o considerar intempestivo, o único meio processual para impugnar
essa decisão era a reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso se
dirigia, sem cuidar de aplicar o previsto no n° 5 do Artigo 688° do Código de
Processo Civil (C.P.C.), aplicável ao penal por força do Artigo 4° do C.P.P.
- Ora, é entendimento do Recorrente que, os Tribunais recorridos (primeiro o
Tribunal Judicial da Comarca de Leiria e depois o Tribunal da Relação de
Coimbra) por que se terão apegado exclusivamente a um entendimento literal dos
supra mencionados normativos – sem cuidarem de uma melhor interpretação dos
mesmos com a abrangência que o universo jurídico lhes permitia e que a situação
impunha, já que se tratava de uma pessoa Arguida em processo crime – terão com
as suas Decisões limitado, ou mesmo coarctado, as garantias de defesa que a
nossa Lei Fundamental assegura a todo o Arguido e posto em causa a própria
confiança na Justiça.
- Na verdade não se pode sufragar que verificada a existência de lapso ou erro
no Despacho proferido por parte do Tribunal de 1ª instancia, na contagem dos
prazos para interposição de recurso este já não mais possa proferir douto
despacho que verifique e ordene a correcção do mesmo, por que assim o imporia –
na interpretação perfilhada pelo mesmo e que se censura - a alínea b) no n° 1 do
Artigo 380° do C.P.P. já que essa correcção – no entendimento que se não
perfilha - sempre importaria uma modificação essencial o que não seria
admissível face a tal normativo;
- Mas, questiona-se, será que no espírito de legislador penal está (ou esteve)
subjacente à criação da alínea b) do n° 1 do Artigo 380° do C.P.P. (este
epigrafado de” sentença”) que a correcção de um lapso ou de um erro proveniente
de uma errónea contagem de prazo por parte do Tribunal seria no mesmo elencável
importando, consequentemente, a sua correcção (oficiosamente ou a requerimento)
uma modificação essencial de tal sorte que não possa ser pelo mesmo corrigida?
A resposta parece ser óbvia e no único sentido que tal correcção - atente-se que
se trata da contagem de um prazo processual e não da alteração por exemplo de um
quantum de uma pena concretamente aplicada - em nada importa uma modificação
essencial a que alude o normativo.
- Igualmente, entende o ora Recorrente A., que a reclamação para o Presidente do
Tribunal a que o recurso se dirige nos casos da não aceitação do recurso por
parte do Tribunal recorrido, por o entender intempestivo, se terá de entender,
máxime, tratar-se de uma mera faculdade naqueles casos em que o próprio Tribunal
reconhece ter errado (no caso dos autos houve o esquecimento, por parte do
Tribunal, de interromper a, contagem do prazo com o aparecimento, de permeio,
das férias judiciais que decorreram entre 20 de Março de 2005 (Dia de Ramos) e o
dia 28 de Março de 2005 (Segunda-feira de Páscoa) – Cfr. Art° 10º da Lei 38/87
de 23/12 ex vis n° 1 do art° 104° do C.P.P.) erro esse facilmente reparável pelo
próprio Tribunal que proferiu tal despacho, tal qual o erro de uma soma
aritmética, o nome de uma pessoa ou qualquer outra da mesma natureza na qual se
incluirá – cremos – a em causa nos presentes autos, sem ter de se “incomodar” o
Presidente de um Tribunal Superior, dando cumprimentos aos princípios da
celeridade e economia processual.
- Por outro lado defende o aqui recorrente A. que mal andaram os mencionados e
respeitados Tribunais (primeiro o de Leiria e depois o de Coimbra) ao não darem
– e mesmo que perfilhassem o sentido de que a alínea h) do n° 1 do Artigo 380°
do C.P.P. não lhes permitia procederem à correcção do Despacho em causa e que o
único meio processual para impugnar o indeferimento e a retenção do recurso
(penal, seria apenas a reclamação para o presidente do tribunal a que o recurso
se dirige – cumprimento, em claro prejuízo das garantias de defesa do Arguido /
ora Recorrente – ao previsto no n° 5 do Artigo 688° do Código de Processo Civil
(C.P.C.), aplicável ao processo penal por força do Artigo 4° do C.P.P.
- Dito de outra forma, mesmo com o entendimento – que se não aceita - perfilhado
por ambos os Tribunais (de Leiria e de Coimbra) de que o único meio processual
para impugnar o indeferimento e a retenção do recurso (penal) do Arguido, ora
Recorrente, seria apenas a reclamação para o presidente do tribunal a que o
recurso se dirige, mesmo assim dizia-se, e no cumprimento dos mais elementares
direitos de defesa do Arguido e de confiança na Justiça Portuguesa e que a novel
e melhor jurisprudência vem ditando, sempre o Tribunal perante a situação,
resultante de requerimento do Arguido tendo em vista a correcção do erro ou
lapso, de entender não poder corrigir um seu Despacho, mesmo que notoriamente
lhe reconheça erro ou lapso, sempre deveria tramitar tal peça processual ( o
mencionado requerimento ) como requerimento dirigido à autoridade competente, in
casu ao Venerando Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, isto por força
do n° 5 do Artigo 688° do Código de Processo Civil (C.P.C.), ex vis Artigo 4° do
C.P.P
- A aplicação de tais normas com o sentido e o alcance, tal qual o foram pelos
Respeitados Tribunais, violam nomeadamente, os princípios constitucionais
consagrados nos Artigos 29° e 32° da Constituição da Republica Portuguesa por
fazerem perigar as mais elementares e constitucionalizadas garantias de defesa
do Arguido, como seja, v.g. o direito a recorrer das decisões que lhe sejam
desfavoráveis.”
O Ministério Público contra-alegou, concluindo o seguinte:
“1 – A lei processual penal assegura a tutela integral e eficaz do interesse do
recorrente em impugnar a decisão que rejeitou o recurso – e que considera
inquinada por erro ou lapso do julgador – através do meio procedimental da
reclamação para o Presidente do tribunal superior, consagrada no artigo 405° do
Código de Processo Penal.
2 – A norma constante da alínea b) do n° 1 do artigo 380° do Código de Processo
Penal, ao restringir o âmbito do incidente de correcção da sentença ou despacho,
com fundamento em invocado erro ou lapso, aos casos em que o suprimento não
determina “modificação essencial” do decidido – não permitindo, deste modo, ao
juiz convolar da sentença ou despacho com certo conteúdo para decisão de
conteúdo oposto – não viola os princípios constitucionais do acesso ao direito e
das garantias de defesa do arguido.
3 – Termos em que deverá improceder o presente recurso.”
O Ministério Público suscitou ainda a questão prévia da não
invocação pelo arguido da inconstitucionalidade da norma do artigo 405.º do
Código de Processo Penal, à qual o recorrente respondeu, propugnando a
improcedência da questão prévia.
3. Cumpre apreciar e decidir.
II
FUNDAMENTAÇÃO
A
QUESTÃO PRÉVIA
4. O recorrente submeteu à apreciação do Tribunal
Constitucional a norma do artigo 405.º, n.º 1, do Código de Processo Civil numa
dada interpretação. No entanto, nas alegações de recurso perante o Tribunal da
Relação de Coimbra não suscitou a inconstitucionalidade de tal norma.
Nessa medida, não se verifica o pressuposto processual do
recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal pelo que,
procedendo a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, não se apreciará
tal questão.
B
Apreciação da norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 380.º do Código de
Processo Penal
5. O recorrente considera que a interpretação segundo a qual
não é possível a correcção da decisão judicial nos termos do artigo 380.º do
Código de Processo Penal quando tal correcção importa alteração substancial do
decidido é inconstitucional por violação do artigo 32.º da Constituição.
Em primeiro lugar, sublinhar-se-á que o recorrente dispunha,
para impugnar a decisão da não admissão do recurso, da reclamação para o
Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, ao abrigo do artigo 405.º do
Código de Processo Penal.
Por outro lado, a alínea b) do n.º 1 do artigo 380.º do Código
de Processo Penal, ao sujeitar à não modificação substancial da sentença a
possibilidade da correcção do erro, lapso, obscuridade ou ambiguidade da
sentença (que não se confunde necessariamente com um lapso material de escrita)
apenas visa facultar um meio expedito da correcção, autónomo do recurso ou de
outro meio de impugnação. Com efeito, a consagração da possibilidade de
correcção da sentença apenas nos casos em que uma correcção não implica
alteração substancial da decisão não consubstancia uma limitação das garantias
de defesa, desde que, concomitantemente, se encontrem previstos outros meios de
impugnação para os casos em que os fundamentos invocados importam alteração
substancial do decidido. O mecanismo processual em causa consubstancia um meio
célere de correcção de determinados aspectos da decisão (as que não implicam
alteração substancial do sentido desta) subsistindo os demais meios processuais.
Existindo, como se demonstrou, outro meio de impugnação
adequado, eficaz e suficiente para fazer apreciar a pretensão da alteração do
decidido (admissão do recurso) não procede a alegada inconstitucionalidade da
norma que permite a mera correcção da decisão apenas nos casos em que não há
alteração substancial do sentido decisório.
6. Improcede, portanto, presente recurso.
III
DECISÃO
7. E face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não tomar conhecimento da questão reportada ao artigo 405.º do Código
de Processo Penal;
b) Negar provimento ao recurso.
Lisboa, 6 de Fevereiro de 2007
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos