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Processo n.º 790/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.A., Ld.ª vem reclamar para a conferência da decisão sumária de 19 de Dezembro
de 2006, que decidiu negar provimento, por manifesta improcedência, ao recurso
por si interposto e condenar a recorrente em custas, com 7 (sete) unidades de
conta de taxa de justiça. Tal decisão teve o seguinte teor:
«I. Relatório
1. A., Ld.ª intentou acção declarativa de condenação, sob a forma ordinária,
contra B., Ld.ª, actualmente C., S.A., todas melhor identificadas nos autos,
pedindo a condenação desta última a pagar-lhe determinada quantia em dinheiro,
acrescida de juros de mora, desde a data da citação até pagamento.
A acção foi contestada pela ré culminando, na 1.ª instância, com sentença que
julgou a acção improcedente e, em consequência, absolveu a ré do pedido.
A autora recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual julgou
improcedente a apelação, confirmando a decisão da 1.ª instância.
Mantendo-se inconformada, a autora recorreu, agora de revista, para o Supremo
Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão de 25 de Maio de 2006, a negou,
confirmando a decisão recorrida.
Veio, então, a autora e recorrente arguir nulidade do aresto, nos termos da
primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo
Civil, ou seja, por omissão de pronúncia.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 11 de Julho de 2006, indeferiu a
arguição de nulidade deduzida.
2. Do assim decidido interpôs A., Ld.ª recurso para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional
(LTC), pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma da alínea d) do
n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, “com a interpretação com que
foi aplicada na decisão recorrida”, a qual, segundo a recorrente, “viola e está
em desconformidade com as garantias constitucionais consagradas na norma do n.º
1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa”.
Proferido no Tribunal Constitucional despacho a convidar a recorrente, nos
termos do artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6, da LTC, “a, no prazo de 10 (dez) dias,
enunciar com precisão as normas ou interpretações normativas que entende terem
sido aplicadas na decisão recorrida e cuja constitucionalidade impugna no
presente recurso”, A., Ld.ª veio dizer o seguinte:
“1.º
A ora recorrente em sede de alegações do recurso de revista, arguiu a
inconstitucionalidade da interpretação às normas dos artigos 515.º, 659.º, n.º 2
e n.º 3, do Código de Processo Civil, e às normas dos artigos 364.º, n.º 1,
371.º, n.º 1, 374.º, n.º 2, 376.º e 410.º, n.º 2, do Código Civil.
2.º
Contudo, a 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça no acórdão que proferiu,
apenas se pronunciou quanto à interpretação das normas do n.º 2 e n.º 3 do
artigo 659.º do C. P. Civil.
3.º
Sequentemente a recorrente arguiu a nulidade do acórdão por omissão de pronúncia
sobre as inconstitucionalidades por si suscitadas nas alegações do recurso de
revista, nos termos do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), por força da remissão
sucessiva dos artigos 732.º e 716.º, todos do Código de Processo Civil, nessa
reclamação à cautela foi também arguida a inconstitucionalidade da eventual
diversa interpretação aí exposta à norma do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do
C. P. Civil.
4.º
Apesar disso, a 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho,
recusou-se a apreciar as referidas inconstitucionalidades, dizendo, para o
efeito, que a reclamante apenas invocou as sete inconstitucionalidades por causa
da deficiente fundamentação da decisão, o que é completamente falso, até porque
o direito material ou substantivo invocado não tem relação com a fundamentação,
esta diz respeito ao direito adjectivo.
5.º
O que obrigou a recorrente a ter de interpor o recurso de constitucionalidade
sobre a interpretação da norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código
de Processo Civil, aplicada por aquela 7.ª Secção do Supremo Tribunal de
Justiça, no despacho proferido quanto à arguição das nulidades, por omissão de
pronúncia quanto às inconstitucionalidades suscitadas.
6.º
Conforme é jurisprudência unânime do Tribunal Constitucional, as questões de
constitucionalidade têm de ser submetidas ao tribunal recorrido antes da decisão
que virá a constituir o objecto imediato do recurso para aquele Venerando
Tribunal, porque precisamente o objecto deste último recurso tem por medida as
normas ou a sua interpretação, cuja constitucionalidade foi atempadamente
arguida pelo aqui recorrente.
7.º
Na sequência da referida jurisprudência do Tribunal Constitucional, todos os
Tribunais são obrigados a pronunciar-se sobre as inconstitucionalidades arguidas
pelas partes, porque àquele Tribunal apenas compete apreciar a conformidade à
Constituição da dimensão normativa que subjaz à decisão recorrida.
8.º
O recurso de revista interposto pelo recorrente para o Supremo Tribunal de
Justiça teve por objecto o acórdão proferido pela também 7.ª Secção do Tribunal
da Relação de Lisboa, nesse acórdão foi aplicado a norma do artigo 410.º, n.º 2,
do Código Civil, que consta na sua folha 21.
9.º
O recorrente no recurso de revista arguiu a inconstitucionalidade da
interpretação dessa norma efectuada pelo Tribunal da Relação, pelo que a também
7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça estava constitucionalmente obrigada a
apreciar tal invocação.
10.ª
Todavia, a 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça recusou-se a apreciar a
inconstitucionalidade da interpretação dada à norma do artigo 410.º, n.º 2, do
Código Civil, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, porque, por um lado, tal nos
termos legais implicava uma decisão favorável ao recorrente, por outro lado,
impedia que o recurso constitucional tivesse por objecto normas materiais e
consequentemente viesse a proceder o pedido.
11.º
Com efeito, a norma do artigo 410.º, n.º 2, do Código Civil jamais poderia ser
aplicada ao caso em apreço nos autos, porquanto o contrato definitivo já tinha
sido anteriormente celebrado entre as partes, por escritura pública, em
cumprimento do exigido quanto à forma pelo artigo 80.º, n.º 1, alínea m), do
Código de Notariado, que esteve em vigor até 30 de Abril do ano de 2000.
12.º
O que, por sua vez, obrigava que a 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça
fizesse a aplicação no acórdão das normas dos artigos 364.º, n.º 1, 371.º, n.º
1, 374.º, n.º 2, e 376.º do Código Civil, e consequentemente teriam de proferir
uma decisão favorável ao recorrente.
13.º
Ou seja, com esse comportamento inadmissível num Estado de Direito como o nosso,
a 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, quis claramente impedir ou
restringir de forma inaceitável, a garantia plena de acesso do recorrente ao
Tribunal Constitucional, violando, por essa via, o consagrado no n.º 1 do artigo
20° da Constituição.
14.º
Assim, das duas uma, ou esse Venerando Tribunal aprecia a inconstitucionalidade
da interpretação e aplicação feita no despacho, por aquela Secção do Supremo à
norma do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, arguida
pelo recorrente na reclamação à nulidade por omissão de pronúncia quanto às
inconstitucionalidades suscitadas no recurso de revista, e posteriormente ordena
que os autos baixem ao Supremo para se pronunciar sobre as mesmas.
15.º
Ou então, ordena a baixa imediata dos autos, à 7.ª Secção do Supremo Tribunal de
Justiça, para esta apreciar e se pronunciar, conforme estava constitucionalmente
obrigada, sobre as inconstitucionalidades invocadas à interpretação das normas
dos artigos 364.º, n.º 1, 371.º, n.º 1, 374.º, n.º 2, 376.º e 410.º, n.º 2,
todos do Código Civil.
16.º
Tendo em conta o supra exposto, que está documentado nos autos, a interpretação
normativa cuja constitucionalidade o recorrente impugnou e que pretende que o
Tribunal Constitucional em última instância aprecie, na hipótese referida no
ponto 14.º, é a norma do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo
Civil, na hipótese do ponto antecedente, as normas dos artigos 364.º, n.º 1,
371.º, n.º 1, 374.º, n.º 2, 376.º e 410.º, n.º 2, do Código Civil, bem como a
norma do artigo 659.º, n.º 2 e n.º 3, do Código de Processo Civil».
Cumpre decidir.
II. Fundamentos
3. Entende-se que é caso de proferir decisão sumária, nos termos do artigo
78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), por se não poder tomar
conhecimento do recurso.
Na verdade, nos termos do artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC, incumbe às partes o
ónus de indicar a norma que pretendem submeter à apreciação do Tribunal
Constitucional, já que, como é sabido, no recurso de fiscalização concreta da
constitucionalidade vigora o princípio do pedido (artigo 79.º-C da LTC). Assim,
cabe ao recorrente, no requerimento de interposição do recurso, a definição
precisa do seu objecto. Se apenas pretender questionar uma dada dimensão ou
interpretação de uma norma, o recorrente deve precisar o sentido que quer ver
submetido à apreciação do Tribunal Constitucional, de modo a que, se tal norma
vier a ser julgada inconstitucional, o Tribunal Constitucional a possa enunciar
na decisão e que o tribunal recorrido saiba qual o sentido da norma que não pode
ser aplicado, por desconforme com a Constituição. Tal necessidade de
individualização do segmento, ou de enunciação do sentido ou interpretação
normativos que a recorrente reputa inconstitucional, é particularmente evidente
quando o preceito ao qual se imputa a inconstitucionalidade, logo pela sua
redacção, contém vários segmentos normativos, ou se reveste de várias dimensões
ou sentidos interpretativos, susceptíveis de suscitar questões de
constitucionalidade diversas. Isto não representa, aliás, qualquer exigência não
legalmente prevista, antes resulta simplesmente do sentido e da função das
exigências contidas no artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC, como tem sido
esclarecido por uma jurisprudência firmemente estabelecida, e amplamente
conhecida, deste Tribunal – cf., por exemplo, os arestos indicados no acórdão
n.º 116/2002 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt), como, por ex., o
acórdão n.º 199/88 (in Diário da República, II Série, de 28 de Março de 1989),
onde se escreveu:
“[...] este Tribunal tem decidido de forma reiterada e uniforme que só lhe
cumpre proceder ao controle da constitucionalidade de ‘normas’ e não de
‘decisões’ – o que exige que, ao suscitar-se uma questão de
inconstitucionalidade, se deixe claro qual o preceito legal cuja legitimidade
constitucional se questiona, ou, no caso de se questionar certa interpretação de
uma dada norma, qual o sentido ou a dimensão normativa do preceito que se tem
por violador da lei fundamental.” (Ver também, por exemplo, os Acórdãos n.ºs
178/95 – publicado no Diário da República, II Série, de 21 de Junho de 1995 –,
521/95 e 1026/96, inéditos).”
Ora, a recorrente, no requerimento de interposição do recurso para este
Tribunal, pediu a apreciação da conformidade constitucional da norma da alínea
d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil, sem especificar desde
logo, e sem mesmo o ter vindo a fazer posteriormente, na resposta ao convite
para aperfeiçoamento desse requerimento que para o efeito lhe foi efectuado,
qual o sentido interpretativo, ou dimensão normativa, do referido artigo, cuja
constitucionalidade pretendia ver apreciada no recurso de constitucionalidade.
Logo, a única questão sobre a qual este Tribunal se podia pronunciar diria
respeito à constitucionalidade da norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do
Código de Processo Civil, num seu sentido ou interpretação literal, ou
enunciativa.
Acontece, porém, que no nosso sistema de fiscalização concentrada e incidental
da constitucionalidade, não cabe ao Tribunal Constitucional, nem controlar o
modo como a matéria de facto foi apurada pelos tribunais recorridos, nem sequer
controlar o mérito da decisão recorrida, em si mesma, mas apenas fiscalizar a
constitucionalidade de normas.
A recorrente, porém, apenas aduziu perante o tribunal a quo, no requerimento de
arguição de nulidade de fls. 994 e segs. dos autos, para o que ora releva, que
“o acórdão ao não indicar nem se pronunciar sobre a interpretação que perfilha
quanto às seis supra referidas normas, cujas inconstitucionalidades foram
arguidas em sede de alegações pelo recorrente, não só incorre em omissão de
pronúncia, como impede ou restringe a garantia de acesso ao direito e neste caso
ao Tribunal Constitucional, para tutela dos seus interesses legalmente
protegidos, consagrada no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição” (artigo 7.º),
acrescentando, “por mera cautela”, que “no caso de V. Exas. entenderem que as
referidas inconstitucionalidades arguidas pelo recorrente e a litigância de má
fé invocada não são questões, mas meros argumentos ou razões, não ocorrendo, por
essa via, a causa da nulidade do acórdão, prevista na alínea d) do n.º 1 do
artigo 668.º, do C. P. Civil, argui-se desde já a inconstitucionalidade dessa
interpretação à mencionada norma, porque está em desconformidade com as
garantias constitucionais, designadamente o consagrado no n.º 1 do artigo 20.º,
da Constituição” (artigo 11.º).
É, aliás, elucidativo que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recorrido (a
fls. 116 e segs. dos autos) afirme, quanto à inconstitucionalidade do artigo
668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, que não se impõe ao
Tribunal “o conhecimento teórico e em abstracto das inconstitucionalidades
alegadas [inconstitucionalidades que têm que ser aferidas em face da
interpretação de normas infraconstitucionais aplicadas e não da análise teórica
das normas constitucionais]”.
Durante o processo – e, aliás, no próprio requerimento de recurso de
constitucionalidade, bem como na resposta ao despacho-convite de aperfeiçoamento
do mesmo –, a recorrente limitou-se a impugnar a constitucionalidade da decisão
e, sem precisar qualquer sua interpretação, da norma do artigo 668.º, n.º 1,
alínea d), do Código de Processo Civil.
Tal modo de invocação de desconformidade constitucional, sem se individualizar
de forma clara a interpretação normativa que agora pretende ver apreciada, não
configura uma forma adequada, por perceptível, de suscitação da questão de
inconstitucionalidade durante o processo. Não se verificando o pressuposto do
recurso da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC que consiste na suscitação
durante o processo, de forma processualmente adequada, da inconstitucionalidade
normativa que se pretende ver apreciada pelo Tribunal, não pode tomar-se
conhecimento do presente recurso, quanto à constitucionalidade da decisão.
E quanto à arguição da inconstitucionalidade da norma do artigo 668.º, n.º 1,
alínea d), do Código de Processo Civil, numa sua interpretação literal ou
enunciativa, ela é de considerar manifestamente improcedente, por ser evidente
que não existe qualquer inconstitucionalidade na previsão de uma nulidade da
decisão “[q]uando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse
apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
III. Decisão
Com estes fundamentos, e ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei
do Tribunal Constitucional, decido negar provimento ao presente recurso, [por]
manifesta improcedência, e condenar a recorrente em custas, com 7 (sete)
unidades de conta de taxa de justiça.»
2.Diz-se na reclamação apresentada:
«[…]
A recorrente foi notificada por esse Venerando Tribunal de um despacho convite
proferido pelo Exm.º Juiz Conselheiro Relator, onde solicitava que fossem
indicadas com precisão as normas que entendia terem sido aplicadas na decisão
recorrida e cuja constitucionalidade impugnou no recurso.
O que, pressupõe necessariamente que o recurso interposto pelo recorrente tem
por objecto normas jurídicas e não o mérito da decisão recorrida.
Pois, se assim não fosse, teria sido inicialmente proferida decisão sumária e
não um despacho convite, como sucedeu, sob pena de não fazer qualquer sentido
lógico.
No cumprimento do despacho convite, o recorrente depois de narrar o ocorrido
cronologicamente que se encontra documentado nos autos, a fim de fazer o devido
enquadramento e dar conhecimento do sucedido a esse Venerando Tribunal, indicou
com precisão quais as normas cuja constitucionalidade pretendia ver apreciadas.
Porém e surpreendentemente, o Exm.º Conselheiro Relator acabou por proferir uma
decisão sumária, com base no artigo 78.º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal
Constitucional, por entender não se poder tomar conhecimento do recurso.
Afirmando para o efeito, que nos termos do artigo 75.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC,
incumbe às partes o ónus de indicar a norma que pretendem submeter à apreciação
do Tribunal Constitucional, porque no recurso de fiscalização concreta da
constitucionalidade vigora o principio do pedido – artigo 79.º-C, da LTC.
Acrescentando que cabe ao recorrente, no requerimento de interposição do
recurso, a definição precisa do seu objecto. Se apenas pretender questionar uma
dada dimensão ou interpretação de uma norma, o recorrente deve precisar o
sentido que quer ver submetido à apreciação do Tribunal Constitucional, de modo
a que, se tal norma vier a ser julgada inconstitucional, o Tribunal
Constitucional a possa enunciar na decisão e que o tribunal recorrido saiba qual
o sentido da norma que não pode ser aplicado, por desconforme com a
Constituição.
Concluindo que a norma do artigo 668.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo
Civil, numa sua interpretação literal, não existe qualquer inconstitucionalidade
relativamente à sua previsão.
Ora, o recorrente em momento algum disse ou sequer sugeriu que a referida norma
era em si inconstitucional, nem tal faria qualquer sentido.
O que o recorrente previamente alegou foi que a eventual diferente interpretação
do tribunal recorrido à norma do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC, já
sucintamente explanada e com o sentido normativo por si indicado no requerimento
de arguição de nulidade do acórdão, seria inconstitucional por violar o artigo
20.º da Constituição.
No requerimento de arguição da nulidade do acórdão proferido pelo tribunal
recorrido, o recorrente concretizou de forma clara o sentido da interpretação
normativa do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que pretende ver apreciada.
Conforme resulta do exposto nos seus artigos 7.º e 8.º, onde o recorrente indica
qual o sentido em que a interpretação da mencionada norma é inconstitucional,
dizendo para esse efeito, o seguinte:
O acórdão ao não indicar nem se pronunciar sobre a interpretação que perfilha
quanto às seis supra referidas normas, cujas inconstitucionalidades foram
arguidas em sede de alegações pelo recorrente, não só incorre em omissão de
pronúncia como impede ou restringe a garantia de acesso ao direito e neste caso
ao Tribunal Constitucional, para tutela dos seus interesses legalmente
protegidos, consagrada no n.º 1 do artigo 20.º da Constituição.
O regime relativo à nulidade do acórdão, no caso em apreço, projecta-se no plano
da constitucionalidade, na medida em que o mesmo, ao não se pronunciar sobre as
seis inconstitucionalidades arguidas pelo recorrente quanto ao segmento
interpretativo das supra referidas normas (expostas sucintamente nas alegações
do recurso de revista), viola e põe em causa a dimensão garantística que o texto
constitucional reserva à função jurisdicional e ao modo como a justiça se
administra.
Assim, o recorrente precisou o sentido da interpretação da norma do artigo
668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, dando dessa forma,
cumprimento aos requisitos exigidos pelo artigo 75.º-A da LTC.
Porquanto, de forma antecipada, deu a possibilidade, quer ao tribunal recorrido
quer ao Tribunal Constitucional, de conhecerem o sentido questionado da
interpretação da norma e para que este Venerando Tribunal o possa enunciar na
decisão.
Ou seja, o recorrente justificou, ainda que de forma sucinta, qual o sentido em
que a interpretação da norma do artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC é
inconstitucional por violar a dimensão garantística consagrada no artigo 20.º da
Constituição que se traduz numa garantia plena de acesso aos tribunais.
Isto porque o direito à tutela jurisdicional efectiva, consagrada no artigo 20.º
da Constituição, implica o direito de acesso aos tribunais, no sentido do
direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão
jurisdicional, conforme consta designadamente no acórdão número 363/04, desse
Venerando Tribunal.
A garantia de acesso aos tribunais é uma garantia plena. Desse modo, sempre que
sejam postergados instrumentos da defesa dos direitos e interesses legalmente
protegidos dos particulares e, nomeadamente, o direito de acção, que se
materializa através de um processo, é violado o direito fundamental de acesso
aos tribunais, conforme acórdão número 238/97, também proferido por esse
Venerando Tribunal.
Assim sendo, o recorrente deu cumprimento aos requisitos exigidos pelo artigo
75.º-A, n.ºs 1 e 2, da LTC, não havendo, por isso, qualquer fundamento legal
para ter sido proferida uma decisão sumária ao abrigo do disposto no artigo
78°-A, n.º 1, do mesmo diploma legal.
Nestes termos, deve ser atendida a presente reclamação e, em consequência, o
recorrente ser notificado para apresentar as alegações de recurso nos termos do
artigo 79.º da Lei do Tribunal Constitucional.»
Por sua vez, a recorrida respondeu à reclamação dizendo:
«O Exm.º Conselheiro Relator decidiu a fls. destes autos que se estava perante
um caso merecedor de decisão sumária tal como prevê o art.° 78.°-A, n.º 1, da
LTC, por ser incumbência da parte o ónus:
a) de indicar a norma que pretende ver submetida à apreciação do TC ou
b) de precisar o sentido interpretativo que pretende ver consagrado quando
apenas se discute a interpretação da norma e não a norma propriamente dita.
Ora, recorrente A. limitou-se a pedir a apreciação da conformidade da alínea d)
do n.º 1 do art.º 668.º do CPCv. sem indicar de imediato, nem posteriormente –
quando convidada para o fazer – qual o sentido interpretativo que pretendia ver
apreciado face ao normativo constitucional.
Restava, pois, apreciar a inconstitucionalidade da norma indicada. E
apreciando-a o Exm.º Conselheiro Relator concluiu e bem que a recurso interposto
só merecia ser liminarmente julgado improcedente, como foi.
Espera-se de V. Ex.ªs., Senhores Conselheiros, que em conferência ratifiquem
essa decisão.
Assim se fará Justiça.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Pode adiantar-se desde já que a presente reclamação é improcedente, já que a
argumentação aduzida pela recorrente não abala os fundamentos da decisão
reclamada.
Com efeito, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional do
acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 116 e segs. dos autos, ao abrigo
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional,
pretendendo ver apreciada a constitucionalidade da norma da alínea d) do n.º 1
do artigo 668.º do Código de Processo Civil, “com a interpretação com que foi
aplicada na decisão recorrida”, a qual – disse – “viola e está em
desconformidade com as garantias constitucionais consagradas na norma do n.º 1
do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa”.
Perante o insuficiente teor do requerimento de recurso, a recorrente foi
convidada, por despacho proferido a fl. 131 dos autos no Tribunal
Constitucional, com expressa invocação do disposto no artigo 75.º-A, n.ºs 5 e 6,
da Lei do Tribunal Constitucional, “a, no prazo de 10 (dez) dias, enunciar com
precisão as normas ou interpretações normativas que entende terem sido aplicadas
na decisão recorrida e cuja constitucionalidade impugna no presente recurso”,
convite que a recorrente pretendeu satisfazer através do requerimento de fls.
133 e segs. dos autos.
Em face da resposta apresentada, foi proferida a decisão ora reclamada a negar
provimento ao aludido recurso, por manifesta improcedência.
A reclamante invoca essencialmente que, sob pena de não fazer qualquer sentido
lógico, deveria ter sido inicialmente proferida decisão sumária, e não um
despacho de convite para aperfeiçoar o requerimento de recurso (como sucedeu);
que, no cumprimento deste despacho-convite, indicou com precisão quais as normas
cuja constitucionalidade pretendia ver apreciadas; e que, no requerimento de
arguição da nulidade do acórdão proferido pelo tribunal recorrido, concretizara
de forma clara o sentido da interpretação normativa do artigo 668.º, n.º 1,
alínea d), do Código de Processo Civil, que pretendia ver apreciada.
Ora, por força do artigo 75.º‑A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, no
requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional deve ser
indicada, além da alínea do n.º 1 do artigo 70.º daquela Lei ao abrigo da qual o
recurso é interposto, a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se
pretende que o Tribunal aprecie. Na falta de tais elementos, compete ao juiz
convidar a requerente a aperfeiçoar o seu requerimento (n.º 5 do cit. artigo
75.º-A).
No caso em apreço, como se deixou relatado, a tramitação processual obedeceu a
estes comandos legais, tendo a decisão sumária reclamada sido proferida na
sequência da resposta ao convite apresentado, e em conformidade com o teor da
resposta. Deve, aliás, notar-se que o referido artigo 75.º-A não impõe ao
recorrente um mero dever de colaboração com o Tribunal, antes estabelecendo
requisitos do requerimento de recurso, indispensáveis para a sua apreciação pelo
Tribunal Constitucional.
4.Segundo o requerimento de recurso, a recorrente pretendia ver apreciada a
inconstitucionalidade da norma da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código
de Processo Civil, com o argumento de que “a interpretação dada à referida norma
viola e está em desconformidade com as garantias constitucionais consagradas na
norma do n.º 1 do artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa”. Não
concretizou, porém, qualquer interpretação deste preceito que impugnava. Na
resposta ao convite para aperfeiçoamento desse requerimento que para o efeito
lhe foi efectuado, a recorrente veio tecer várias considerações de índole
fáctico-jurídica, que, porém, nada relevam do ponto de vista da concretização
delimitadora do objecto do recurso de constitucionalidade – de enunciar ou
indicar com precisão a interpretação impugnada –, e antes orientadas no sentido
de marcar a sua oposição ao “comportamento inadmissível num Estado de Direito
como o nosso” do Tribunal a quo.
A identificação do sentido da disposição aplicável que entendia inconstitucional
era, porém, ónus da recorrente, e um ónus cujo cumprimento era essencial para se
poder apreciar a constitucionalidade de uma qualquer particular interpretação da
disposição em causa, só esse cumprimento permitindo, por exemplo, averiguar se o
sentido normativo impugnado fora ou não efectivamente aplicado pela decisão
recorrida, e sendo certo que o preceito ao qual foi imputada a
inconstitucionalidade, logo pela sua redacção, se pode revestir de várias
dimensões ou sentidos interpretativos, susceptíveis de suscitar questões de
constitucionalidade diversas, eventualmente passíveis, também, de respostas
distintas.
Concluiu-se na decisão reclamada que nem no requerimento de interposição do
recurso nem na resposta ao convite para o seu aperfeiçoamento a recorrente
identificou com um mínimo de precisão indispensável a dimensão ou interpretação
normativa da alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil cuja
inconstitucionalidade pretende ver apreciada, limitando-se a referir que tal
preceito é inconstitucional, na “interpretação e aplicação feita no despacho”.
Efectivamente, dizer que se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade de um
preceito na interpretação normativa que lhe é dada por uma decisão judicial
recorrida não é identificar essa interpretação normativa. Antes, ao limitar-se a
remeter para a interpretação que ao preceito é dada pelo Supremo Tribunal de
Justiça, o recorrente mais não está do que a transferir para o Tribunal
Constitucional o ónus, que sobre ele impende, de identificar o objecto do
recurso.
E não se efectua também a enunciação de uma dimensão interpretativa de uma norma
– que deve abstrair das circunstâncias fácticas concretas que determinam a
subsunção ao critério normativo – com considerações, como as que a reclamante
invoca, reportadas à alegada não aplicação de uma norma pela decisão recorrida,
isto é, dizendo que “o acórdão ao não indicar nem se pronunciar sobre a
interpretação que perfilha quanto às seis supra referidas normas, cujas
inconstitucionalidades foram arguidas em sede de alegações pelo recorrente, não
só incorre em omissão de pronúncia como impede ou restringe a garantia de acesso
ao direito e neste caso ao Tribunal Constitucional, para tutela dos seus
interesses legalmente protegidos, consagrada no n.º 1 do artigo 20.º da
Constituição”; ou que “o regime relativo à nulidade do acórdão, no caso em
apreço, projecta-se no plano da constitucionalidade, na medida em que o mesmo,
ao não se pronunciar sobre as seis inconstitucionalidades arguidas pelo
recorrente quanto ao segmento interpretativo das supra referidas normas
(expostas sucintamente nas alegações do recurso de revista), viola e põe em
causa a dimensão garantística que o texto constitucional reserva à função
jurisdicional e ao modo como a justiça se administra” (itálicos aditados).
5.Na decisão reclamada disse-se, pois, correctamente, que era imprescindível que
a recorrente tivesse identificado, durante o processo, de forma clara e
inequívoca, a interpretação normativa que considera inconstitucional,
relacionando a oportunidade da suscitação prévia da questão de
constitucionalidade com a definição ou indicação da norma impugnada de modo
claro e preciso. E concluiu-se que, por os termos do recurso de
constitucionalidade serem, estritamente, os que resultavam do requerimento, sem
possibilidade de voltarem a ser corrigidos, apenas poderia estar em causa, no
recurso, a referida alínea d) do n.º 1 do artigo 668.º Código de Processo Civil,
no seu sentido ou interpretação literal ou enunciativa, já que nenhum outro fora
enunciado ou, sequer, descrito pela recorrente, no requerimento de recurso ou na
resposta ao respectivo despacho de aperfeiçoamento. Apreciada esta norma, não
podia o Tribunal Constitucional deixar de julgar o recurso manifestamente
improcedente.
Razão pela qual é de confirmar a decisão reclamada, indeferindo-se a presente
reclamação.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir a presente reclamação, confirmar
a decisão reclamada e condenar a reclamante em custas, com 20 (vinte)
unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos