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Processo n.º 1057/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. Por decisão sumária de fls. 4180 e seguintes, não se tomou
conhecimento dos recursos interpostos para este Tribunal por A. e B., pelos
seguintes fundamentos:
“[…]
9. Analisemos, em primeiro lugar, o recurso interposto por A. (supra, 7.).
Tendo este recurso sido interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º
da Lei do Tribunal Constitucional, constitui seu pressuposto processual a
aplicação, na decisão recorrida, da norma ou interpretação normativa cuja
conformidade constitucional se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie.
Verifica-se, porém, que o recorrente pretende a apreciação de uma interpretação
normativa que não corresponde àquela que foi aplicada pelo tribunal recorrido.
A interpretação que o recorrente submete à apreciação do Tribunal Constitucional
é a de que o artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal se
aplicaria «excluindo o recurso nas situações em que o recorrente for condenado
nas instâncias por crime a que corresponde pena de prisão superior a 8 anos
(concretamente de 1 a 10 anos) quando o Supremo Tribunal de Justiça entende que
deveria ter sido condenado por outro crime (a que corresponderia pena de 2 a 8
anos)».
Ora, como é evidente, no acórdão recorrido não se considerou que o arguido
«deveria ter sido condenado por outro crime (a que corresponderia pena de 2 a 8
anos)», pois que não se apreciou a questão de saber qual a lei penal aplicável
ao facto praticado pelo arguido (se a lei antiga, se a lei nova); apenas se
apreciou a questão de saber se, para efeitos do disposto no artigo 400º, n.º 1,
alínea f), do Código de Processo Penal (isto é, para efeitos de recurso para o
Supremo Tribunal de Justiça), a pena máxima aplicável a considerar deve ser a
prevista na lei que cominar a moldura com o limite máximo mais baixo, ainda que
essa lei não tenha sido aplicada ao facto praticado pelo arguido, por não ser
aquela que concretamente lhe é mais favorável (supra, 5. e 6.).
Não tendo a interpretação normativa que constitui o objecto do recurso
interposto por A. sido aplicada na decisão recorrida, não pode dele conhecer-se,
por falta de preenchimento de um dos seus pressupostos processuais.
10. Vejamos agora o recurso de constitucionalidade interposto – também ao abrigo
da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – por B.
(supra, 8.).
Não obstante o recorrente não identificar claramente o objecto do recurso, pois
que refere, no requerimento de interposição do recurso, a existência de dois
entendimentos normativos a apreciar pelo Tribunal Constitucional (cfr. o ponto
13º) e, ao mesmo tempo, conclui tal requerimento com a indicação de apenas um
entendimento, a verdade é que aqueles dois entendimentos referidos correspondem
substancialmente ao entendimento identificado na conclusão do requerimento de
interposição do recurso, pelo que a este nos ateremos.
Assim, e considerando que o objecto do presente recurso é constituído pela norma
do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, interpretada «no
sentido de que a pena máxima aplicável referida naquele segmento legal é, no
caso de sucessão de leis penais no tempo, a prevista na lei que cominar a
moldura com o limite máximo mais baixo – com exclusão do recurso nos casos em
que o crime foi cometido na vigência de uma lei com uma moldura penal mais
ampla, que, se aplicada, seria em concreto mais favorável e viabilizaria o
recurso –, mesmo nos casos em que o arguido foi condenado nas instâncias por lei
que pune o crime com pena de prisão superior a [8] anos», cabe perguntar se os
respectivos pressupostos processuais se encontram preenchidos.
A resposta é, adiante-se já, negativa.
Na verdade, e contrariamente ao afirmado no requerimento de interposição do
recurso, o recorrente não suscitou tal questão de inconstitucionalidade durante
o processo (o que é exigido, tanto pela alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei
do Tribunal Constitucional, como pelo artigo 72º, n.º 2, da mesma Lei).
Na peça processual em que alegadamente tal questão de inconstitucionalidade
teria sido suscitada – ou seja, na resposta à questão prévia deduzida pelo
Ministério Público (supra, 4.) – limitou-se o recorrente a suscitar:
a) A inconstitucionalidade do entendimento do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do
Código de Processo Penal, segundo o qual «tal norma se aplica, excluindo o
direito ao recurso, nas situações em que o Recorrente foi condenado nas
instâncias por crime a que corresponde pena de prisão superior a 8 anos, quando
o Supremo Tribunal entende que deveria ter sido condenado por outro crime» (cfr.
artigo 14º dessa resposta à questão prévia);
b) A inconstitucionalidade do entendimento do artigo 2º, n.º 4, do Código Penal
segundo o qual «tal regime não é aferido em concreto em função da amplitude das
molduras penais aplicáveis, seja por referência ao mínimo da pena, seja quando a
largueza da moldura confira ao arguido prerrogativas processuais mais
favoráveis».
Ora, como está bem de ver, nenhum destes entendimentos coincide com aquele que o
recorrente agora submete à apreciação do Tribunal Constitucional.
E da circunstância de, na decisão recorrida (supra, 5.), o Supremo Tribunal de
Justiça se ter pronunciado sobre a conformidade constitucional do artigo 400º,
n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal – remetendo aliás para a
jurisprudência do Tribunal Constitucional –, não pode retirar-se qualquer
argumento no sentido de que o recorrente suscitou a inconstitucionalidade da
interpretação que constitui o objecto do recurso, pois que também os outros
recorrentes haviam colocado uma questão de inconstitucionalidade reportada ao
mesmo artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal (supra, 3.).
Não tendo a questão de inconstitucionalidade que o recorrente B. agora submete à
apreciação do Tribunal Constitucional sido por si suscitada durante o processo,
conclui-se que não se mostra preenchido um dos pressupostos processuais do
presente recurso, pelo que dele não é possível tomar conhecimento.
[…].”.
2. Notificado da mencionada decisão sumária, veio B. reclamar para a
conferência, nos termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal
Constitucional, sustentando o seguinte (fls. 4200 e seguintes):
“[…]
II – As questões de inconstitucionalidade suscitadas
8. Perante a questão prévia suscitada pelo Ministério Público – que entendia
que, em face do disposto no art. 2º n.º 4 do C.P., a norma legal aplicável para
a incriminação do crime dos autos seria a do C.P.95 e não do C.P.82, por
estabelecer um limite máximo da prisão mais baixo, o que implicaria a
irrecorribilidade do acórdão nos termos do art. 400º n.º-f) do C.PP. –, o
Recorrente suscitou as seguintes questões de inconstitucionalidade:
14º - Em qualquer caso, sempre seria inconstitucional, por violação do direito
ao recurso, previsto no art. 32° n.º 1 do C.R.P., bem como do direito à
aplicação da lei penal mais favorável, previsto no art. 29° n.º 4 da C.R.P., o
entendimento normativo dado ao art. 400° n.º 1-f) do C.P.P., no sentido de que
tal norma se aplica, excluindo o direito ao recurso, nas situações em que o
Recorrente foi condenado nas instâncias por crime a que corresponde pena de
prisão superior a 8 anos, quando o Supremo Tribunal entende que deveria ter sido
condenado por outro crime, o que se deixa arguido.
15° - De resto, mesmo que se quisesse verificar, qual é, para os efeitos do art.
2° n.º 4 do C.P., o regime que concretamente se mostra mais favorável ao
Recorrente, é manifesto, no caso concreto, que tal regime é o do Código Penal de
1982, não só pela razão aduzida nas instâncias – o mínimo da moldura penal é
mais baixo na lei já aplicada –, mas também por causa da decorrência processual
de a moldura penal mais ampla do Código Penal de 1982 – 1 a 10 anos de prisão –
se mostrar mais favorável ao arguido, porque lhe viabiliza um grau de recurso a
que de outro modo não teria acesso.
16° - E ofenderia igualmente o princípio constitucional da aplicação da lei
penal mais favorável, a interpretação normativa dada ao art. 2° n.º 4 do C. P.
no sentido de que tal regime não é aferido em concreto em função da amplitude
das molduras penais aplicáveis, seja por referência ao mínimo da pena, seja
quando a largueza da moldura confira ao arguido prerrogativas processuais mais
favoráveis, o que também vai arguido.
9. Como é bom de ver, são duas questões distintas:
- Uma tem a ver com a interpretação relativa à alínea f) n.º 1 do art. 400º do
C.P.P., no caso de haver sucessão de leis penais no tempo (isto é, no caso de
uma situação enquadrável no âmbito do art. 2º n.º 4 do C.P.), em que se entende
que é inconstitucional o critério normativo extraído desses preceitos legais, no
sentido de que para a escolha da lei aplicável apenas releva o limite superior
da moldura penal, desconsiderando outros aspectos que, em concreto, deveriam
determinar a aplicação de outra lei mais favorável ao arguido;
- Outra tem a ver com o critério normativo atribuído a tais preceitos legais no
sentido de que se exclui o recurso para o STJ nas situações em que o Recorrente
foi condenado nas instâncias por crime a que corresponde determinada pena de
prisão, quando o Supremo Tribunal entende que a norma incriminadora é a de outra
lei, com uma moldura pena que não permitiria o recurso.
10. Estamos perante a articulação do art. 400º n.º 1-f) do C.P.P. e do art. 2º
n.º 4 do C.P., conjugadamente considerados, com os princípios constitucionais,
sendo manifesto que ao primeiro caso é sobretudo a questão do princípio
constitucional da aplicação da lei penal mais favorável (densificado no art. 2º
n.º 4 do C.P.) que está em causa, enquanto no segundo caso é sobretudo a questão
do princípio constitucional do direito ao recurso, que é desproporcionalmente
afectado quando se admite a interpretação do art. 400º n.º 1-f) do C.P.P. no
sentido de que não há recurso apenas pelo facto do STJ entender que a norma
incriminadora é outra que não a que foi aplicada nas instâncias, a qual
admitiria o recurso.
11. O STJ apercebeu-se dos dois sentidos normativos em causa.
12. Para resolver a primeira questão, o STJ fez a seguinte interpretação do art.
400º n.º 1-f) do C.P.P., no caso de sucessão de leis penais no tempo, isto é, em
conjugação com o art. 2º n.º 4 do C.P., julgando expressamente a mesma
compatível com os princípios constitucionais em apreço:
Esta interpretação – no sentido de que a pena máxima aplicável referida na
alínea f) do n.º 1 do art. 400º do CPP, é, no caso de sucessão de leis penais no
tempo, a prevista na lei que cominar a moldura com o limite máximo mais baixo –
mantém-se, cremos bem, a coberto da corrente jurisprudencial deste Tribunal,
claramente maioritária que, para aquele efeito, atende à pena máxima (e só à
pena máxima se reporta o preceito: a pena mínima não assume qualquer relevância
para o efeito) abstractamente aplicável e não qualquer pena concreta aplicada
transformada em aplicável (Ac. deste Tribunal, de 27.01.05. Pº n.º 4316/04-5º).
(cfr. pág. 7 do Acórdão de 6/09/06).
13. Quanto à segunda questão, o mesmo STJ – quando indeferiu a nulidade arguida
(cfr. acórdão de 8/11/06) – reconheceu que não a tinha apreciado porque não
tinha que o fazer, porque tudo estaria consumido e prejudicado pela
interpretação acima referida, que, no caso de sucessão de leis penais no tempo,
em caso algum admitiria regime diferente, mesmo nos casos em que o arguido foi
condenado nas instâncias por lei que pune o crime com pena de prisão superior a
8 anos, quando o Supremo Tribunal entende que a lei aplicável seria a que tem
moldura penal inferior.
14. Foi neste contexto que foi apresentado o recurso para o Tribunal
Constitucional, onde foram suscitadas as duas questões de inconstitucionalidade
em causa (cfr. arts. 5º e 11º do requerimento de interposição do recurso), as
quais, todavia, podem ser tratadas numa única fórmula de síntese, tal como
consta da parte final desse requerimento, uma vez que, segundo o STJ, a segunda
questão acima referida estaria consumida pela solução dada à primeira questão,
pelo que, no caso de sucessão de leis penais no tempo, o critério normativo
adoptado vai no sentido de que se considera a lei que tem a moldura com o limite
máximo mais baixo, com exclusão do recurso em todas as outras situações, quer
quando o crime é cometido na vigência de uma lei que em concreto seria mais
favorável e viabilizaria o recurso, quer nos casos em que o arguido foi
condenado nas instâncias por lei que pune o crime com pena de prisão superior a
8 anos.
III - A DECISÃO SUMÁRIA RECLAMADA
15. A decisão sumária não toma conhecimento do recurso por entender que as
questões em apreço não teriam sido suscitadas durante o processo.
16. Mas isso não é verdade, como decorre de uma interpretação racional do que
foi alegado durante a pendência do recurso, sendo certo que o STJ não teve
qualquer dúvida na identificação das questões em causa, proferindo decisão
acerca das mesmas, o que toma inusitada a decisão sumária no sentido de que o
STJ afinal não teria decidido aquilo que efectivamente decidiu!...
17. Quando à primeira questão, a decisão sumária estriba-se – é o que se
depreende da escassíssima fundamentação da pág. 15 da decisão em apreço – no
facto de o Recorrente ter reportado tal inconstitucionalidade, quando suscitada
a questão prévia pelo Ministério Público, à interpretação feita do art. 2º n.º 4
do C.P., quando o entendimento do STJ se referiria ao art. 400º n.º 1-f do
C.P.P..
Mas fá-lo sem qualquer espécie de razão, uma vez que a interpretação do STJ em
análise reporta-se às situações de sucessão de leis penais no tempo – isto é, ao
domínio do art. 2º n.º 4 do C.P., devidamente conjugado com o art. 400º n.º 1-
f) do C.P.P. –, o que materialmente é exactamente aquilo que tem sido discutido
pelo Recorrente desde que respondeu àquela questão prévia, tal como ela tinha
sido suscitada pelo Ministério Público.
Foi por isso que o STJ não teve qualquer dificuldade era apreciar a questão de
inconstitucionalidade suscitada pelos Recorrentes – por todos eles –,
colocando-a na esfera do critério normativo da alínea f) do n.º 1 do art. 400º
do C.P.P. no caso de sucessão de leis penais no tempo.
18. Quanto à segunda questão, a decisão sumária pura e simplesmente ignora-a!
Mas tal questão – a do critério normativo que determina a exclusão do recurso
mesmo nos casos em que o arguido foi condenado por lei que pune o crime com pena
de prisão superior a 8 anos – fora efectivamente suscitada, aquando da resposta
à questão prévia do Ministério Público.
E o STJ não a atendeu por entender que a solução adoptada quanto ao art. 400º
n.º 1-f) do C.P.P., nos casos de sucessão de leis penais no tempo,
implicitamente determinaria essa exclusão do recurso, mesmo que o arguido
tivesse sido condenado nas instâncias por lei que pune o crime com pena de
prisão superior a 8 anos.
19. Em suma, os entendimentos normativos sub judice – que têm a ver com o
critério normativo dado ao art. 400º n.º 1-f) do C.P.P., no caso de sucessão de
leis penais no tempo, no sentido da exclusão do recurso e da aplicação da lei
que tem um limite máximo da moldura penal mais baixo (não superior a 8 anos),
quer quando o crime é cometido na vigência de uma lei que em concreto seria mais
favorável e viabilizaria o recurso, quer nas situações em que o arguido foi
condenado nas instâncias por lei que pune o crime com pena de prisão superior a
8 anos – foram efectivamente suscitados na pendência do recurso e, mais do que
isso, foram efectivamente objecto de apreciação pelo STJ.
20. Falece, assim, por inteiro a tese da decisão sumária, fundada, de resto, em
escassíssima fundamentação, que, ao arrepio da jurisprudência do TC, ignora que
o critério para aferir se a questão foi suscitada durante o processo tem
exclusivamente a ver com o sentido normativo invocado pelo Recorrente e objecto
de apreciação pela decisão recorrida.
Ora, no caso dos autos, o sentido normativo objecto do recurso para o Tribunal
Constitucional foi efectivamente invocado pelo Recorrente e objecto de
apreciação pelo STJ.
[…].”.
3. A. também reclamou para a conferência da referida decisão sumária,
pelos seguintes fundamentos (fls. 4209 e seguinte):
“[…]
A decisão sub judice não tomou conhecimento do objecto do recurso do ora
reclamante com o fundamento de que a interpretação normativa que constituía
objecto do recurso para este Tribunal Constitucional não tinha sido aplicada na
decisão recorrida.
Mas salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Com efeito,
Logo no seu requerimento inicial de interposição do recurso para este Tribunal
Constitucional o recorrente adiantava:
- que pretendia ver apreciada a constitucionalidade da norma, com a
interpretação que lhe foi dada e aplicada pelo acórdão recorrido, do artigo
400º, n.º 1, al. f) do Código Penal, no sentido de que tal norma se aplica
excluindo o recurso nas situações em que o recorrente for condenado nas
instâncias por crime a que corresponde pena de prisão superior a 8 anos
(concretamente de 1 a 10 anos) quando o Supremo Tribunal de Justiça entende que
deveria ter sido condenado por outro crime (a que corresponderia pena de 2 a 8
anos);
- aquela norma, assim interpretada, viola e ou restringe o direito ao recurso
dos arguidos a ver apreciada a sua conduta pelo STJ, bem como o direito à
aplicação da norma mais favorável, previsto no artº 29º da CRP, e, daí, os
direitos e garantias constitucionais ao recurso consignadas no artigo 32º da
C.R.P.
- a questão dessa inconstitucionalidade foi suscitada nos autos, concretamente
na resposta à questão prévia suscitada, já em sede do STJ, pela Procuradora
Geral Adjunta.
A questão dessa interpretação também já tinha sido o tema central:
- das alegações do recorrente para o STJ;
- da decisão recorrida - a decisão do STJ.
Salvo o devido respeito, improcede, assim, por inteiro a tese da decisão
sumária, fundada, de resto, em escassíssima fundamentação, que, ao arrepio da
jurisprudência do TC, ignora que o critério para aferir se a questão foi
suscitada durante o processo tem exclusivamente a ver com o sentido normativo
invocado pelo Recorrente e objecto de apreciação pela decisão recorrida.
Isto porque,
repete-se, o sentido normativo objecto do recurso para o Tribunal Constitucional
foi efectivamente invocado pelo Recorrente perante o STJ e objecto de apreciação
e decisão pelo STJ.
[…].”.
4. Notificado das reclamações deduzidas, o representante do
Ministério Público junto do Tribunal Constitucional veio responder-lhes, nos
seguintes termos (fls. 4224 e seguinte):
“1 – As reclamações deduzidas são, a nosso ver, claramente insubsistentes, em
nada abalando os fundamentos da decisão reclamada.
2 – O equívoco dos reclamantes radica no facto de pretenderem abordar
conjuntamente – como se se tratasse de uma única matéria – duas questões
perfeitamente diferenciadas: uma de carácter material ou substantivo,
consubstanciada na definição do regime penal mais favorável, face a uma sucessão
de leis no tempo; e outra, de natureza adjectiva, consubstanciada na apreciação
da norma que limita o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, em função da
gravidade do crime, aferida pela moldura legal tida por aplicável.
3 – No caso dos autos, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que a lei penal
concretamente mais favorável – sendo embora a que decorria da versão original do
Código Penal – teria de ser «temperada», em benefício dos arguidos, com a
aplicação do limite máximo da pena, emergente da versão do Código Penal de 1995:
daí que o Supremo Tribunal de Justiça considerasse que o máximo da moldura penal
aplicável ao crime cometido fosse de 8 anos de prisão.
4 – Carecendo os arguidos de interesse em agir para pugnar pelo «agravamento» de
tal limite máximo, sustentando que o crime em causa deveria ser punido com o
limite máximo, não de 8 anos, mas de 10 anos de prisão.
5 – Ora, não competindo a este Tribunal Constitucional determinar qual deva ser
o regime concretamente mais favorável ao arguido – questão obviamente desprovida
de natureza «normativa» – e carecendo os arguidos de legitimação para pugnarem
pelo agravamento da medida da sua possível responsabilidade penal, é manifesto
que a solução alcançada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no plano do direito
material, não pode deixar de se reflectir na questão adjectiva da
recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação.”.
Cumpre apreciar e decidir.
II
5. Respeitando, por razões de clareza da exposição subsequente, a
ordem da fundamentação da decisão sumária reclamada (supra, 1.), comecemos pela
reclamação de A. (supra, 3.).
Recorde-se que, relativamente a este recorrente, a decisão
sumária considerou que não era possível conhecer do objecto do correspondente
recurso, atendendo a que a interpretação normativa que o recorrente submetia à
apreciação do Tribunal Constitucional não havia sido aplicada na decisão
recorrida.
Por outras palavras: a decisão recorrida não aplicou a
interpretação normativa que o recorrente submeteu à apreciação do Tribunal
Constitucional e, como tal aplicação constitui um dos pressupostos processuais
do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do
Tribunal Constitucional, não é possível conhecer do respectivo objecto.
Explicou-se também, na decisão sumária, por que razão essa
interpretação normativa não foi aplicada na decisão recorrida. A explicação que
se deu foi a seguinte (supra, 1.):
“[…] no acórdão recorrido não se considerou que o arguido «deveria ter sido
condenado por outro crime (a que corresponderia pena de 2 a 8 anos)», pois que
não se apreciou a questão de saber qual a lei penal aplicável ao facto praticado
pelo arguido (se a lei antiga, se a lei nova); apenas se apreciou a questão de
saber se, para efeitos do disposto no artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código
de Processo Penal (isto é, para efeitos de recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça), a pena máxima aplicável a considerar deve ser a prevista na lei que
cominar a moldura com o limite máximo mais baixo, ainda que essa lei não tenha
sido aplicada ao facto praticado pelo arguido, por não ser aquela que
concretamente lhe é mais favorável […].”.
Verifica-se, todavia, que, não obstante o reclamante considerar
que esta fundamentação da decisão sumária é escassíssima, nenhuma alusão lhe faz
na correspondente reclamação.
Na verdade, o reclamante não se pronuncia sobre as razões que
levaram a que se concluísse, na decisão sumária, que a interpretação normativa
que o recorrente submeteu à apreciação do Tribunal Constitucional não foi
aplicada na decisão recorrida.
O reclamante não explica por que motivo, em seu entender, a
decisão recorrida aplicou a interpretação normativa que submeteu à apreciação do
Tribunal Constitucional: limita-se a alegar que suscitou a inconstitucionalidade
durante o processo. Ora, a invocação da questão de inconstitucionalidade durante
o processo constitui um pressuposto processual diverso e autónomo do da
aplicação, na decisão recorrida, como razão de decidir, da norma ou
interpretação normativa cuja inconstitucionalidade se pretende submeter ao
julgamento do Tribunal Constitucional.
Não tendo o reclamante aduzido qualquer argumento tendente a
contrariar a fundamentação da decisão sumária reclamada, naturalmente que nenhum
motivo há para a alterar.
6. Vejamos agora a reclamação de B. (supra, 2.).
6.1. Recorde-se que, na decisão sumária reclamada (supra, 1.), se
considerou que não era possível conhecer do correspondente recurso de
constitucionalidade, pois que a questão da inconstitucionalidade da
interpretação normativa que, nessa decisão sumária, se considerou constituir o
objecto do recurso (a norma do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de
Processo Penal, interpretada “no sentido de que a pena máxima aplicável referida
naquele segmento legal é, no caso de sucessão de leis penais no tempo, a
prevista na lei que cominar a moldura com o limite máximo mais baixo – com
exclusão do recurso nos casos em que o crime foi cometido na vigência de uma lei
com uma moldura penal mais ampla, que, se aplicada, seria em concreto mais
favorável e viabilizaria o recurso –, mesmo nos casos em que o arguido foi
condenado nas instâncias por lei que pune o crime com pena de prisão superior a
8 anos”) não havia sido suscitada, pelo recorrente, durante o processo.
E explicou-se por que motivo se atingiu esta conclusão: porque,
percorrendo a peça processual em que alegadamente tal questão de
inconstitucionalidade havia sido suscitada, se verificou que o recorrente
suscitara a inconstitucionalidade de dois outros, e diversos, entendimentos
normativos.
O que vem o reclamante dizer a este propósito?
Em primeiro lugar (cfr. fls. 4202 a 4203), que suscitou duas
questões de inconstitucionalidade distintas durante o processo: uma, reportada
ao artigo 400º, n.º 1, alínea f), do CPP, em conjugação com o artigo 2º, n.º 4,
do CP, na interpretação segundo a qual para a escolha da lei aplicável apenas
releva o limite superior da moldura penal; outra, reportada ao critério
normativo atribuído aos artigos 400º, n.º 1, alínea f), do CPP, e 2º, n.º 4, do
CP, no sentido de que se exclui o recurso para o STJ nas situações em que o
recorrente foi condenado nas instâncias por crime a que corresponde determinada
pena de prisão, quando o Supremo entende que a norma incriminadora é a de outra
lei, com uma moldura penal que não permitiria o recurso.
Em segundo lugar (cfr. fls. 4203 a 4204), que o Supremo
Tribunal de Justiça se apercebeu dos dois sentidos normativos em causa.
Em terceiro lugar (cfr. fls. 4204 a 4205), que, ao interpor o
presente recurso de constitucionalidade, pretendeu a apreciação de duas questões
de constitucionalidade, que podem todavia ser tratadas numa única fórmula de
síntese.
Em quarto lugar (cfr. fls. 4205 a 4206), que, contrariamente ao
sustentado na decisão sumária, as duas questões de inconstitucionalidade foram
suscitadas durante o processo e identificadas e decididas pelo Supremo Tribunal
de Justiça.
Em quinto lugar (cfr. fls. 4206), que a decisão sumária ignora
a segunda questão de inconstitucionalidade suscitada pelo recorrente durante o
processo.
Verifica-se, portanto, da leitura da reclamação, que o
recorrente, ora reclamante, pretende o tratamento, com autonomia, apesar de
aceitar a sua identificação com uma única fórmula de síntese – o que não deixa
obviamente de contribuir para a pouca clareza dessa autonomização –, de duas
questões de constitucionalidade distintas:
a) A primeira, reportada ao artigo 400º, n.º 1,
alínea f), do CPP, em conjugação com o artigo 2º, n.º 4, do CP, na interpretação
segundo a qual para a escolha da lei aplicável apenas releva o limite superior
da moldura penal;
b) A segunda, reportada ao critério normativo
atribuído aos artigos 400º, n.º 1, alínea f), do CPP, e 2º, n.º 4, do CP, no
sentido de que se exclui o recurso para o STJ nas situações em que o recorrente
foi condenado nas instâncias por crime a que corresponde determinada pena de
prisão, quando o Supremo entende que a norma incriminadora é a de outra lei, com
uma moldura penal que não permitiria o recurso.
Ora – independentemente de saber se na reclamação em análise o
ora reclamante vem afinal alterar o objecto do recurso de constitucionalidade
que havia definido no requerimento de interposição do recurso –, a verdade é
que, se apreciarmos com autonomia, como pretende o reclamante, as duas questões
enunciadas na reclamação, concluímos igualmente que não estão verificados os
pressupostos do recurso interposto.
6.2. Relativamente à primeira questão de constitucionalidade – reportada
ao artigo 400º, n.º 1, alínea f), do CPP, em conjugação com o artigo 2º, n.º 4,
do CP, na interpretação segundo a qual para a escolha da lei aplicável apenas
releva o limite superior da moldura penal (supra, 6.1., a)).
Como se disse na decisão sumária reclamada (supra, 1.), o
recorrente suscitou, durante o processo, duas questões:
a) A da inconstitucionalidade do entendimento do
artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, segundo o qual “tal
norma se aplica, excluindo o direito ao recurso, nas situações em que o
Recorrente foi condenado nas instâncias por crime a que corresponde pena de
prisão superior a 8 anos, quando o Supremo Tribunal entende que deveria ter sido
condenado por outro crime” (cfr. artigo 14º da resposta à questão prévia);
b) A da inconstitucionalidade do entendimento do
artigo 2º, n.º 4, do Código Penal segundo o qual “tal regime não é aferido em
concreto em função da amplitude das molduras penais aplicáveis, seja por
referência ao mínimo da pena, seja quando a largueza da moldura confira ao
arguido prerrogativas processuais mais favoráveis”.
Ora, como facilmente se verifica, nenhuma destas duas questões
corresponde àquela que o reclamante identifica na reclamação e que é, repete-se,
a do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do CPP, em conjugação com o artigo 2º, n.º
4, do CP, na interpretação segundo a qual para a escolha da lei aplicável apenas
releva o limite superior da moldura penal.
Não tendo o recorrente suscitado durante o processo a questão
de inconstitucionalidade cuja apreciação agora pretende, não pode dela
conhecer-se (cfr. artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do
Tribunal Constitucional).
6.3. Relativamente à segunda questão de constitucionalidade – reportada
ao critério normativo atribuído aos artigos 400º, n.º 1, alínea f), do CPP, e
2º, n.º 4, do CP, no sentido de que se exclui o recurso para o STJ nas situações
em que o recorrente foi condenado nas instâncias por crime a que corresponde
determinada pena de prisão, quando o Supremo entende que a norma incriminadora é
a de outra lei, com uma moldura penal que não permitiria o recurso (supra, 6.1.,
b)).
Como se disse na decisão sumária reclamada (supra, 1.), e já
antes se recordou (supra, 6.2.), o recorrente suscitou, durante o processo, duas
questões de inconstitucionalidade.
Ora, facilmente se observa que nenhuma dessas duas questões
corresponde àquela que o reclamante ora identifica e que é, recorda-se, a do
critério normativo atribuído aos artigos 400º, n.º 1, alínea f), do CPP, e 2º,
n.º 4, do CP, no sentido de que se exclui o recurso para o STJ nas situações em
que o recorrente foi condenado nas instâncias por crime a que corresponde
determinada pena de prisão, quando o Supremo entende que a norma incriminadora é
a de outra lei, com uma moldura penal que não permitiria o recurso.
Não tendo o recorrente suscitado durante o processo a questão
de inconstitucionalidade cuja apreciação agora pretende, não pode dela
conhecer-se (cfr. os citados artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei
do Tribunal Constitucional).
7. Sublinha-se, a terminar, na sequência do parecer do Ministério
Público, que a argumentação dos reclamantes tem subjacente um equívoco que se
traduz em “pretenderem abordar conjuntamente – como se se tratasse de uma única
matéria – duas questões perfeitamente diferenciadas: uma de carácter material ou
substantivo, consubstanciada na definição do regime penal mais favorável, face a
uma sucessão de leis no tempo; e outra, de natureza adjectiva, consubstanciada
na apreciação da norma que limita o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, em
função da gravidade do crime, aferida pela moldura legal tida por aplicável”.
Na decisão que proferiu nestes autos, o Supremo Tribunal de
Justiça entendeu que a lei penal concretamente mais favorável – a que decorria
da versão original do Código Penal – teria de ser combinada, em benefício dos
arguidos, com a aplicação do limite máximo da pena, emergente da versão do
Código Penal de 1995. Por isso o Supremo Tribunal de Justiça considerou que o
máximo da moldura penal aplicável ao crime cometido era de 8 anos de prisão. A
solução adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no plano do direito material,
quanto à determinação da lei penal concretamente mais favorável, teve
naturalmente reflexo na questão adjectiva da recorribilidade para o Supremo
Tribunal de Justiça do acórdão da Relação
Ora, se o raciocínio dos ora reclamantes se fundamenta na ideia
de que o crime em causa deveria ser punido com o limite máximo, não de 8 anos,
mas de 10 anos de prisão, então duas consequências se impõem:
– primeira, a de que os arguidos, ora reclamantes, não têm
interesse em agir para sustentar o “agravamento” de tal limite máximo;
– segunda, a de que não compete ao Tribunal Constitucional
determinar qual deva ser o regime concretamente mais favorável ao arguido, pois
tal questão não tem obviamente natureza normativa.
Estas consequências levam por sua vez a concluir que é
manifesto que o Tribunal Constitucional não pode conhecer do objecto dos
recursos interpostos.
III
8. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, indeferem-se as
presentes reclamações, mantendo-se a decisão de não conhecimento dos recursos.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 20
(vinte) unidades de conta, por cada um.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2007
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos