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Processo n.º 1105/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. A., L.da, apresentou reclamação para a
conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º‑A da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), contra a decisão sumária do relator, de 15 de Janeiro de
2007, que decidiu, no uso da faculdade conferida pelo n.º 1 desse preceito,
não conhecer do objecto do recurso.
1.1. A decisão sumária reclamada tem o seguinte
teor:
“1. A., L.da, por requerimento apresentado em 12 de Julho de
2006 (fls. 1437 a 1450), veio interpor recurso para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26
de Fevereiro (LTC), contra o acórdão do Tribunal Central Administrativo (TCA),
de 30 de Março de 2004 (fls. 243 a 251), pretendendo ver apreciada a questão da
inconstitucionalidade da «aplicação da Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro,
da Direcção‑Geral dos Impostos, que cria uma norma de incidência fiscal
distinta daquela que está prevista na alínea f), in fine, do n.º 3 do artigo 3.º
do Código do IVA, violando, assim, o princípio da legalidade em matéria de
incidência fiscal, previsto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2,
da CRP», questão de inconstitucionalidade que teria sido suscitada, pela
recorrente, na petição inicial do processo de impugnação judicial, nas
contra‑alegações do recurso interposto pela Fazenda Pública para o TCA e em sede
de «reclamação para a conferência do TCA, a qual tinha por objecto o acórdão
recorrido», e ainda a questão da inconstitucionalidade material do conteúdo da
referida Circular, «por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo
13.º da CRP», questão que teria sido «sobejamente suscitada durante o processo»,
e, por último, a questão da violação, pelo acórdão recorrido, do princípio do
acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.º
da CRP, por ter omitido o fundamento de direito que justifica a afirmação que
«segundo a lei do POC (…), as ofertas constituídas por bens adquiridos a
terceiros, (…) serão tidas como custo fiscal desde que devidamente documentadas
e não excedam os limites considerados razoáveis pela DGCI».
O recurso foi admitido pelo Desembargador Relator do TCA Sul
(fls. 1473), decisão que, como é sabido, não vincula o Tribunal Constitucional
(artigo 76.º, n.º 3, da LTC) e, de facto, entende‑se que o recurso em causa é
inadmissível, o que possibilita a prolação de decisão sumária de não
conhecimento, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º‑A da LTC.
2. No sistema português de fiscalização de constitucionalidade,
a competência atribuída ao Tribunal Constitucional cinge‑se ao controlo da
inconstitucionalidade normativa, ou seja, das questões de desconformidade
constitucional imputada a normas jurídicas (ou a interpretações normativas,
hipótese em que o recorrente deve indicar, com clareza e precisão, qual o
sentido da interpretação que reputa inconstitucional), e já não das questões de
inconstitucionalidade imputadas directamente a decisões judiciais, em si
mesmas consideradas.
Tratando‑se de recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º
1 do artigo 70.º da LTC – como ocorre no presente caso –, a sua admissibilidade
depende ainda da verificação cumulativa dos requisitos de a questão de
inconstitucionalidade haver sido suscitada «durante o processo», «de modo
processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida,
em termos de este estar obrigado a dela conhecer» (n.º 2 do artigo 72.º da LTC),
e de a decisão recorrida ter feito aplicação, como sua ratio decidendi, das
dimensões normativas arguidas de inconstitucionais pelo recorrente.
Face ao disposto no n.º 2 do artigo 72.º da LTC, não são de
considerar, para se dar como verificado o cumprimento do apontado requisito, nem
suscitações de questões de constitucionalidade perante instâncias distintas do
tribunal que proferiu a decisão recorrida, nem questões suscitadas depois de
proferida a decisão final (com a qual se esgotou o poder jurisdicional do
tribunal recorrido), designadamente através de pedidos de aclaração ou de
arguições de nulidade dessa decisão. Por estas razões, não são atendíveis, para
este efeito, nem a petição inicial da impugnação judicial, apresentada no
Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, nem o pedido de aclaração do
acórdão recorrido.
Resta, assim, a contra‑alegação relativa ao recurso interposto
pela Fazenda Pública, endereçada ao TCA. Mas, lida essa peça (fls. 172 a 204),
nela não se vislumbra a suscitação de qualquer questão de inconstitucionalidade
tendo por objecto as normas da referida Circular, à qual são apenas
endereçadas acusações explicitamente qualificadas pela recorrente como
integrando ilegalidades, quer por «falta de habilitação legal para interpretar
extensivamente normas de incidência tributária», quer «por violar o princípio da
igualdade ao pretender tratar da mesma forma situações objectivamente desiguais,
tais como os usos comerciais», quer «pela abusiva desvirtuação de norma
comunitária e respectiva transposição legal». Isto é: a recorrente não
suscitou, em termos processualmente adequados, perante o tribunal que proferiu a
decisão recorrida, qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, em
termos de colocar esse tribunal na obrigação de dela conhecer.
Tanto basta para reconhecer a inadmissibilidade do recurso no
que tange às duas questões reportadas, no requerimento de interposição do
presente recurso, à aludida Circular.
E quanto à terceira questão (violação, pelo acórdão recorrido,
do princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva, previsto
no artigo 20.º da CRP), é óbvio que não se trata de qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, sendo a pretensa violação da Constituição
imputada directamente à decisão judicial, em si mesma considerada, o que, como
se viu, não constitui objecto idóneo de recurso de constitucionalidade.
3. Em face do exposto, decide‑se, ao abrigo do n.º 1 do artigo
78.º‑A da LTC, não conhecer do presente recurso.”
1.2. A reclamação da recorrente apresenta a
seguinte fundamentação:
“1.º – A recorrente interpôs recurso de fiscalização concreta da
constitucionalidade do douto acórdão proferido pelo Tribunal Central
Administrativo Sul em 30 de Março de 2004.
2.º – Considera a recorrente, em resumo, no recurso de fiscalização concreta
interposto, que se verificam diversas questões que reclamam a fiscalização por
parte deste Venerando Tribunal Constitucional:
a) A inconstitucionalidade das normas contidas na Circular n.º 19/89, de 18 de
Dezembro, da Direcção‑Geral dos Impostos, que, criando uma norma de incidência
fiscal, violam o princípio da legalidade em matéria de incidência fiscal,
previsto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da CRP, e que o
douto acórdão recorrido vem aplicar, remetendo para «a lei do POC» a respectiva
autorização legal e, em consequência, adoptando, também aqui, uma interpretação
do Plano Oficial de Contabilidade (aprovado por Decreto‑Lei não autorizado por
lei da Assembleia da República) violadora do referido princípio constitucional
da legalidade em matéria tributária e, também, do artigo 112.º, n.º 6, da CRP
que refere que «Nenhuma lei pode (...) conferir a actos de outra natureza o
poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou
revogar qualquer dos seus preceitos»; e,
b) A inconstitucionalidade das normas contidas na Circular n.º 19/89, de 18 de
Dezembro, da Direcção‑Geral dos Impostos, que, estabelecendo um critério único
para diversos sectores de actividade, numa tentativa de «interpretar» o
conceito legal de usos comerciais, violam o princípio da igualdade.
3.º – Ora, a douta Decisão Sumária, de que se reclama, vem concluir pela
«inadmissibilidade do recurso» relativamente a estas questões, por considerar
que «a recorrente não suscitou, em termos processualmente adequados, perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, em termos de colocar esse tribunal na
obrigação de dela conhecer».
4.º – Isto porque, por um lado, «não são atendíveis [para efeito de suscitação
de questões de inconstitucionalidade] nem a petição inicial (...), nem o pedido
de aclaração do acórdão recorrido».
5.º – E, por outro lado, que «não se vislumbra [na
contra‑alegação de recurso] a suscitação de qualquer inconstitucionalidade tendo
por objecto das normas da referida Circular».
6.º – Ora, salvo o devido respeito, que é muito, a recorrente
não pode conformar‑se com estas conclusões.
7.º – Efectivamente, a recorrente suscitou, também, nas suas
contra‑alegações de recurso as questões cuja inconstitucionalidade se pretende
submeter à apreciação deste Venerando Tribunal Constitucional. Vejamos as
passagens concretas dessas contra‑alegações:
«29.º – De acordo com o princípio da legalidade tributária, a
incidência, bem como as taxas de imposto, carecem da forma de lei ou de
decreto‑lei autorizado.
79.º – Esquecendo‑se que o princípio da igualdade consiste,
precisamente, em tratar igual o que é igual e diferenciadamente o que é
desigual.
93.º – Não o fazendo, a Administração Fiscal viola o princípio
da igualdade por não tratar de forma desigual situações que não são, de facto,
iguais.»
8.º – Ora, salvo o devido respeito, a recorrente expressamente
considerou que o princípio da legalidade tributária e o princípio da igualdade
seriam violados pela circular em questão.
9.º – Isto é, suscitou, em tempo e de modo adequado, a violação
dos referidos princípios constitucionais.
10.º – De resto, ao afirmar que «De acordo com o princípio da
legalidade tributária, a incidência, bem como as taxas de imposto, carecem da
forma de lei ou de decreto‑lei autorizado», não está mais do que a parafrasear o
disposto no artigo 103.º, n.º 2, da CRP: «Os impostos são criados por lei, que
determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos
contribuintes».
11.º – E, ao afirmar que «o princípio da igualdade consiste,
precisamente em tratar igual o que é igual e diferenciadamente o que é
desigual» também não está mais do que a enunciar o brocado jurídico que
caracteriza este mesmo princípio constitucional.
12.º – De resto, pelo facto de a recorrente ter suscitado as
questões da inconstitucionalidade das normas da referida Circular, por violação
do princípio da legalidade em matéria tributária e do princípio da igualdade, o
acórdão recorrido pronunciou‑se sobre estas questões.
13.º – Pelo que não é verdade que a recorrente não tenha
suscitado as questões de inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido «em
termos de colocar esse tribunal na obrigação de dela[s] conhecer».
14.º – Na verdade, o acórdão recorrido aborda a questão do
princípio da legalidade em matéria tributária e da sua (não) violação pelas
normas da Circular em crise, nos seguintes termos: «se é certo que os tribunais
estão apenas sujeitos à 1ei, pelo que não os vincula qualquer orientação
administrativa de que decorra uma certa interpretação da mesma, qual é o caso
das instruções dimanadas do referido ofício circular, poderia o M.mo Juiz
afastar a aplicação do critério dado pela Administração Tributária».
15.º – «É que, face à lei, os procedimentos definidos, maxime o “direito
circulado” da Administração Tributária não podem derrogar o principio da
legalidade tributária pelo que, a essa luz, é possível afirmar a
desconformidade do conteúdo do acto recorrido com as normas legais referidas e,
deste modo, que os pressupostos realmente existentes impunham a decisão
administrativa de sinal contrário, sendo certo que o Sr. Juiz recorrido não
estava vinculado àquela decisão administrativa cuja aplicabilidade ao caso
concreto afastou ao afirmar que era ilegal a tributação por considerar que, ao
excepcionar as ofertas da tributação em IVA, a lei, quer a comunitária quer a
interna, não quantificou o valor dessas ofertas; em detrimento de um critério
quantificativo objectivo, optou deliberadamente por critérios valorativos –
pequeno valor, para os fins da própria empresa, em conformidade com os usos
comerciais – pela sua própria natureza de conteúdo mais indeterminado».
16.º – «E para o M.mo Juiz, tal opção inculca desde logo a
intenção legislativa de dar um cunho de maleabilidade à situação em causa, de
modo a ela poder adaptar‑se às específicas e concretas condições de mercado e da
economia».
17.º – «A nosso ver a casuística defendida pelo M.mo Juiz não é
aceitável e o critério fixado pela Administração Tributária no ajuizado ofício
circular é o mais objectivo e funda‑se na lei por apelo às normas constantes do
POC».
18.º – E, por outro lado, considera que «Resulta do exposto que
o critério consagrado no ofício circular em causa não viola o princípio de
igualdade previsto no artigo 13.º da Constituição da República porque
demonstrado ficou que o mesmo não é arbitrário, isto é, tem uma justificação
razoável».
19.º – Considerando que «Por todas estas razões, não se violou
o princípio da igualdade nos termos configurados pelo recorrente».
20.º – O que a recorrente admite é que não suscitou a questão
da violação do princípio constitucional da legalidade tributária na perspectiva
que o douto acórdão recorrido também o faz.
21.º – Isto é, ao interpretar que o Plano Oficial de
Contabilidade (aprovado por decreto‑lei não autorizado por Lei da Assembleia da
República) pode conter normas de incidência fiscal ou autorizar uma circular a
fazê‑lo.
22.º – O que, de resto, se explica de forma que a recorrente considera singela:
23.º – O douto acórdão recorrido, ao considerar que, de acordo com «a lei do
POC», as ofertas «serão tidas como custo fiscal desde que devidamente
documentadas e não excedam os limites considerados razoáveis pela DGCI»,
interpreta este diploma de forma também ela inconstitucional, isto é, admitindo
que um decreto‑lei não precedido de autorização legislativa pode determinar
normas de incidência fiscal (violando, assim, o disposto nos artigos 165.º, n.º
1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da CRP),
24.º – Mas também, reconhecendo a possibilidade de este diploma remeter para uma
circular essa delimitação de incidência fiscal, viola o disposto no artigo
112.º, n.º 6, da CRP.
25.º – E esta é, de resto, a base fundamental para toda a decisão do acórdão
recorrido, cujas inconstitucionalidades a recorrente reconhece que não suscitou,
excepto em sede de pedido de aclaração e de reclamação para a conferência;
26.º – Mas a razão para não o ter feito nas suas contra‑alegações de recurso é
manifesta:
27.º – A douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de 1.ª Instância de
Lisboa julgou procedente a impugnação judicial apresentada pela ora recorrente,
aderindo, assim, às questões suscitadas e nunca abordando a tese sustentada no
acórdão recorrido,
28.º – Também a Fazenda Pública, no procedimento administrativo, na sua
contestação ou nas suas alegações de recurso, não sustenta, de forma alguma, a
tese original de que, de acordo com «a lei do POC», as ofertas «serão tidas como
custo fiscal desde que devidamente documentadas e não excedam os limites
considerados razoáveis pela DGCI».
29.º – Assim, o primeiro momento em que a ora recorrente se confrontou com tal
doutrina foi com a prolação do acórdão recorrido.
30.º – O que, de resto, se explica, uma vez que o Plano Oficial de
Contabilidade não tem ínsita a norma que o acórdão recorrido aí pretendeu
encontrar, nem o poderia fazer, sob pena das inconstitucionalidades arguidas.
31.º – Assim, verifica‑se, quanto a esta questão, uma situação clara de dispensa
do ónus de suscitar esta inconstitucionalidade em momento anterior à prolação do
acórdão.
32.º – O que parece óbvio, já que a recorrente não poderia antecipar ou imaginar
aquela que foi uma verdadeira «decisão surpresa»,
33.º – E que se funda na esteira da jurisprudência deste Venerando Tribunal.
34.º – Isto é, a, recorrente «não teve oportunidade processual de suscitar a
inconstitucionalidade deste normativo, antes da prolação do aresto recorrido»
(cf. Acórdão n.º 153/99, proferido em 9 de Março de 1999, por este Venerando
Tribunal. Constitucional, no âmbito do processo n.º 1/99).
35.º – Por este facto, «o Tribunal Constitucional também tem reconhecido
poderem ocorrer situações em que não é exigível o cumprimento desse ónus, como
sucederá quando o recorrente, ou não dispôs de oportunidade para invocar a
inconstitucionalidade, ou foi – objectivamente – surpreendido com a aplicação de
uma norma, ou de uma sua interpretação, com a qual não podia razoavelmente
contar» (cf. Acórdão n.º 113/2003, proferido em 21 de Fevereiro de 2003 por
este Venerando Tribunal Constitucional, no âmbito do processo n.º 34/2003).
36.º – Razão pela qual considera a recorrente que, em resumo, suscitou, em
tempo, as questões de inconstitucionalidade normativa que poderia ter
suscitado, não tendo suscitado aquelas que vieram a constituir uma verdadeira
«decisão surpresa» com o acórdão recorrido.
37.º – Termos em que deverão considerar‑se verificados os pressupostos legais
de admissão do presente recurso.
38.º – Pelo que a presente reclamação deverá ser deferida e, em consequência,
deverá conhecer‑se do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade
interposto.”
1.3. Notificada da apresentação desta
reclamação, a recorrida (Fazenda Pública) respondeu, propugnando a improcedência
da pretensão da recorrente.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Conforme resulta do respectivo requerimento
de interposição de recurso, a recorrente pretendia que o Tribunal Constitucional
apreciasse três “questões de inconstitucionalidade”, a saber:
1.ª – a questão da inconstitucionalidade da
“aplicação da Circular n.º 19/89, de 18 de Dezembro, da Direcção‑Geral dos
Impostos, que cria uma norma de incidência fiscal distinta daquela que está
prevista na alínea f), in fine, do n.º 3 do artigo 3.º do Código do IVA,
violando, assim, o princípio da legalidade em matéria de incidência fiscal,
previsto nos artigos 165.º, n.º 1, alínea i), e 103.º, n.º 2, da CRP”;
2.ª – a questão da inconstitucionalidade
material do conteúdo da referida Circular, “por violação do princípio da
igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP”; e
3.ª – a questão da violação, pelo acórdão
recorrido, do princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional
efectiva, previsto no artigo 20.º da CRP, por ter omitido o fundamento de
direito que justifica a afirmação que “segundo a lei do POC (…), as ofertas
constituídas por bens adquiridos a terceiros, (…) serão tidas como custo fiscal
desde que devidamente documentadas e não excedam os limites considerados
razoáveis pela DGCI”.
Na decisão ora reclamada entendeu‑se não se
conhecer do objecto do recurso:
– relativamente às duas primeiras “questões de
inconstitucionalidade”, por, na contra‑alegação da recorrente relativa ao
recurso interposto pela Fazenda Pública – única peça da recorrente apresentada
perante o tribunal recorrido – não se vislumbrar a suscitação de qualquer
questão de inconstitucionalidade tendo por objecto as normas da referida
Circular; e
– relativamente à terceira questão, por ser
óbvio não se tratar de qualquer questão de inconstitucionalidade normativa,
sendo a pretensa violação da Constituição imputada directamente à decisão
judicial, em si mesma considerada, o que não constitui objecto idóneo de recurso
de constitucionalidade.
Na presente reclamação, a recorrente não
impugna esta última decisão, limitando‑se a contestar a decisão de não
conhecimento das duas primeiras “questões de inconstitucionalidade”, decisão
que se baseou na constatação de a recorrente não ter suscitado, perante o
tribunal que proferiu a decisão recorrida, qualquer questão de
inconstitucionalidade. Para contrariar esta parte da decisão sumária reclamada,
a ora reclamante cita três artigos da sua contra‑alegação: o 29.º (“De acordo
com o princípio da legalidade tributária, a incidência, bem como as taxas de
imposto, carecem da forma de lei ou de decreto‑lei autorizado”), o 79.º
(“Esquecendo‑se que o princípio da igualdade consiste, precisamente, em tratar
igual o que é igual e diferenciadamente o que é desigual”) e o 93.º (“Não o
fazendo, a Administração Fiscal viola o princípio da igualdade por não tratar de
forma desigual situações que não são, de facto, iguais”). Mas estas afirmações
genéricas, esparsas por aquela peça processual, não constituem, manifestamente,
forma adequada de suscitação das duas questões de inconstitucionalidade que, no
requerimento de interposição de recurso, são reportadas à Circular n.º 19/89, de
18 de Dezembro, da Direcção‑Geral dos Impostos.
As interpretações normativas acolhidas, a este
respeito, no acórdão recorrido nada têm de insólito ou de imprevisto,
correspondendo, aliás, na sua essência, às teses defendidas na alegação da
então recorrente Fazenda Pública, pelo que a ora reclamante teve oportunidade
processual para, na contra-alegação por si apresentada, suscitar apropriadamente
as questões de inconstitucionalidade que agora pretende ver apreciadas.
Por último, a surpresa que a reclamante imputa
à invocação, pelo acórdão recorrido, da “lei do POC” – para além de ser
questionável, pois este diploma fora expressamente invocado na alegação da
Fazenda Pública (cf. 3-I, a fls. 162) – surge como irrelevante, por não integrar
o objecto das referidas duas “questões de inconstitucionalidade”, identificadas
no requerimento de interposição de recurso.
Reitera‑se, assim, o entendimento de que, nessa
parte, a reclamante não suscitou adequadamente, perante o tribunal que proferiu
a decisão recorrida, as questões de inconstitucionalidade que pretendia ver
apreciadas, o que torna o recurso inadmissível e determina o não conhecimento do
seu objecto.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a
presente reclamação.
Custas pela reclamante, fixando‑se a taxa de
justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2007.
Mário José de Araújo Torres
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos