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Processo n.º 780/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Em processo crime que corre no Supremo Tribunal de Justiça foi, em
27 de Abril de 2006, proferido acórdão a revogar um despacho do juiz de
instrução na parte em que ordenara a devolução do processo ao Ministério
Público. Contra tal acórdão reagiu o assistente A. pretendendo que se declarasse
nula a decisão. Foi, por isso, em 8 de Junho de 2006, lavrado novo acórdão que
julgou ser 'manifesta' a improcedência dessa pretensão e a indeferiu.
Inconformado, o mesmo assistente recorreu deste acórdão para o Tribunal
Constitucional. Neste último Tribunal o relator decidiu convidar o recorrente a
aperfeiçoar o requerimento de interposição do recurso de inconstitucionalidade,
no sentido de ser enunciado 'o exacto sentido das normas cuja conformidade
constitucional' vinha questionada, convite a que o recorrente entendeu responder
nos termos que constam a fls. 147/150. No entanto, tendo tal requerimento sido
apresentado fora do prazo regular, a Secretaria liquidou ao apresentante, nos
termos e para os efeitos do n.º 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil, a
multa de 89 Euros para ser paga no prazo de 10 dias.
O interessado não pagou a multa, mas requereu o seguinte:
I
O recorrente, A., havendo sido notificado para pagamento da multa a que alude o
n°6 do art.145° do CPC, vem requerer a sua reforma por inconstitucionalidade da
mesma, nos termos e fundamentos seguintes:
II
A)- OS FACTOS
1. O reclamante, havendo sido notificado para o efeito do disposto n.º do art.
75°-A da Lei n°28/82, de 15 de Novembro, veio, em ordem àquela decisão
apresentar a sua resposta, a qual foi remetida por faz no dia 2 de Novembro do
ano em curso, sendo certo que, por lapso, não contou correctamente o referido
prazo, e em vez de praticar o acto no dia 30 de Outubro, no prazo legal, veio a
endereçar a sua resposta no 2° dia após o seu término
2-Em função disso, o Senhor Escrivão notificou o recorrente para o pagamento da
multa correspondente ao 3° dia, nos termos do n°6 do art.145° do CPC, no
montante de 89.00€, o que apesar de legalmente se ter cumprido a lei, todavia,
nem por isso, a multa deixa de ser ilegal, porquanto as normas que suporta
aquela sanção padecem de inconformidade constitucional, como seguidamente melhor
se verá.
III
– INCONSTITUCIONALIDADE DAS NORMAS REFERIDAS
AO 2° TEMPO DO N°5 E TODO O N°6 DO ART.145º DO CPC
3- Como acaba de ver-se, a multa foi aplicada ao abrigo do disposto na 2ª parte
do n°5 e de todo o teor do n°6, ambos do art. 145° do CPC, os quais, salvo
melhor entendimento, enfermam de uma inconstitucionalidade que o Tribunal
Constitucional, em nome do povo, não pode nem deve consentir, uma vez que, tanto
a norma do n°5 como a do n°6, são ofensivas dos princípios da dignidade da
pessoa humana e do Estado de direito democrático, concretizadas na violação dos
termos do art.° da CRP, e na afronta às disposições do n°3 do art.3° da mesma
Lei fundamental, bem como contende ainda com o sufragado no n°4° do art.20° da
CRP.
4-E para uma melhor avaliação das questões que aqueles normativos suscitam no
âmbito do sistema jurídico, valerá a pena levar em linha de conta os termos das
disposições do n°4, 5, 6 e 7, daquele preceituado, de forma a conseguir-se uma
percepção global do regime aplicável à questão sub judice, os quais referem o
seguinte:
“4. O acto poderá ser praticado fora do prato em caso de justo impedimento, nos
termos regulados no artigo seguinte.
5.Independentemente de justo impedimento, pode o acto ser praticado dentro dos
três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade
dependente do pagamento, até ao termo do 1° dia útil posterior ao da prática do
acto, de uma multa de montante igual a um quarto da taxa de Justiça inicial por
cada dia de atraso, não podendo a multa exceder 3 UC.
6.Decorrido o prazo referido no número anterior sem ter sido paga a multa
devida, a secretaria, independentemente de despacho, notifica o interessado para
pagar a multa de montante igual ao dobro da taxa de Justiça inicial, não podendo
a multa exceder 20 UC.
7.O Juiz pode determinar a redução ou dispensa da multa nos casos de manifesta
carência económica ou quando o respectivo montante se revele manifestamente
desproporcionado.”
5-Perante o exposto, a situação em apreço, suscita-nos um juízo de
inconstitucionalidade referida àquelas disposições do art.145° do CPC, que, em
sede do Tribunal Constitucional, deve ser decretada.
6-Com efeito, diz a lei que o acto pode ser praticado dentro dos três primeiros
dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ficando a sua validade dependente do
pagamento, até ao termo do 1° dia útil posterior ao da prática do acto, de uma
multa de montante igual a um quarto da taxa de justiça inicial por cada dia de
atraso. Aqui, o legislador dá como adquirido que quem praticou o acto fora do
prazo, o fez com a consciência desse propósito e, por tanto, a sua validade fica
dependente do pagamento de uma multa no valor ali fixado, até ao final do
primeiro dia útil seguinte.
7-Mas se não o fizer, refere ainda a lei, que a secretaria aguarde até ao 3° dia
e depois, independentemente de despacho, emite as guias com uma multa igual ao
dobro da taxa de justiça inicial e notifica o interessado para proceder ao seu
pagamento. E no caso que nos ocupa, diz o Senhor Escrivão que o acto foi
praticado no 2° dia e sendo assim a multa aplicada devia, corresponder um quarto
da taxa de justiça. Ou seja €22,25, logo um atraso de dois dias corresponderia a
uma multa de €44.50, mas a secretaria, por força da conjugação normativa
daqueles preceitos aplicou uma multa do valor de €89,00 isto significa que o
recorrente é obrigado a pagar duas multas pela omissão do mesmo facto jurídico.
8-Isto é, quando o sujeito processual pratica o acto, a secretaria do tribunal
detecta logo que este o fez com o atraso de um, dois ou três dias, todavia a
própria lei impede que o mesmo o notifique para pagar a multa correspondente a
cada dia em feita. E conforme os casos, obriga-o esperar, designadamente, três,
dois e um dia, até que aquele venha voluntariamente pagar a multa, mas como este
está convencido que praticou o acto em tempo não se desloca ao tribunal para
liquidar o pagamento em débito, porque desconhece a sua existência e aí é
apanhado, como soi dizer-se “a pôr o pé em ramo verde” e, quando mal dá conta
tem em sua casa ou no escritório uma notificação a dizer-lhe que deve pagar uma
multa se quiser que o acto seja validado.
9-Multa essa, que pode atingir milhares de euros, consoante o valor da acção,
para validar um acto que ele pensava estar praticado com o envio da peça
processual que, há quatro ou cinco dias, remeteu ao tribunal.
10-Dito de uma outra forma, a lei não se basta com o pagamento de uma multa
correspondente a cada dia de atraso, os quais apenas são sindicáveis através da
secretaria do tribunal onde corre o processo, e sorrateiramente, deu-se em criar
uma artimanha astuciosa para determinar outrem à prática de actos que lhe causam
prejuízo. A bom dizer, numa linguagem criminalística, o legislador fomenta e
legaliza a prática de burla contra o património dos utentes da justiça.
11-Não haja dúvidas que, por contas certas, estamos perante um crime de burla
que o legislador erigiu como forma legal de extorquir dinheiro, não aos
operadores da justiça, mas a quem dela carece. E isto é assim, porque o mesmo
legislador parte do principio de que o cidadão titular da relação jurídica
controvertida é um ente perverso que, tendo a consciência de ter praticado o
acto fora de prazo, devia imediatamente dirigir-se à secção, a fim de liquidar a
multa. E como não o fez no primeiro dia nem no segundo e tão pouco no terceiro,
logo este será notificado para o pagamento de montante igual ao dobro da taxa de
Justiça inicial.
12- Pois bem, o legislador ao assumir esta postura não (…) por um momento de
querer de pensar que o utente da justiça pode, de boa fé, enganar-se na contagem
dos prazos e tendo esta situação ocorrido, o cidadão praticou o acto convencido
que o fez no tempo certo e por isso, não tem que pedir as guias para pagamento
da multa, o qual naquele espaço temporal não sabe nem pode saber que essa multa
existe, porque se o soubesse era-lhe muito mais vantajoso, quer em termos
materiais, quer em termos de economia processual, solicitar logo no primeiro,
segundo ou terceiro dia, aquelas guias do que esperar que o Senhor Escrivão o
faça oficiosamente.
13-E nem vale dizer-se que o faltoso não se apresa a proceder ao pagamento da
multa logo no primeiro, segundo ou terceiro dia, porque está à espera que a
secretaria se esqueça de o fazer e assim eximir-se ao pagamento da importância
devida.
E isto porque:
1°-A Secretaria nunca se esquece de aplicar a multa pela prática do acto fora de
prazo, pelo menos, desde há 25 anos a esta parte, jamais tivemos conhecimento
disso ter acontecido, quer com o subscritor desta peça processual, quer com
outros colegas do foro, sendo certo que perante a mais pequena vicissitude a
secretaria está atenta e vigilante;
2°-Por outro lado, no domínio dos factos normais, não é razoável que alguém
queira arriscar, como no caso dos autos, entre apresentar-se na secretaria e
pagar €22,25 por dia de atraso se soubesse estar em falta ou esperar que a
secretaria o notifique para pagar o dobro da importância face ao atraso
efectivamente verificado.
14-Assim, teremos de convir que o absurdo perverso destas normas tem os limites
que a fronteira imaginária do legislador quis perpetuar como aquilo que não deve
acontecer no sistema jurídico de um Estado de direito democrático. E contendo
estes incisos resquícios de uma filosofia puramente fascizante, logo os mesmos
são violadores de qualquer Estado de direito de democrático que a Constituição
de Abril não pode consentir no seu ordenamento
15-É que, para além destes normativos visarem exclusivamente extorquir dinheiro
aos utentes da justiça, sem qualquer lógica de razoabilidade, fá-lo ainda da
forma mais mesquinha e pérfida, porquanto atenta frontalmente contra as
disposições do art.1° da CRP, as quais estabelecem que “Portugal é uma República
soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada
na construção de uma sociedade livre e justa e solidária”
16-Ora com textos legislativos deste jaez, onde fica a dignidade da pessoa
humana a vontade popular empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e
solidária, quando uma disposição com força de lei ordena que seja extorquido o
dinheiro dos utentes da justiça sem qualquer principio de razoabilidade ou bom
senso que lhe dê sentido? O que estes preceitos buscam e sintetizam é um
enriquecimento sem causa à custa do património alheio
17-Mas os incisos sobre os quais recai o juízo de inconstitucionalidade
suscitada nos presentes autos afrontam também os termos do n.º 3 da Lei
fundamental, já que este comando constitucional manda que a validade de uma lei
dependa da sua conformidade com a Constituição. E percorrendo o longo do texto
da Lei fundamental, alguém, mesmo o mais impenitente anticonstitucionalista vê
nela alguma norma ou princípio onda aqueles preceitos se alicercem através de
uma simples referência? Nada. Pura e simplesmente nada. Todo o articulado
constitucional e a filosofia que lhe está subjacente abomina e repudia aquele
tipo de embustes normativos e fraudulentos.
18- O certo é que aqueles preceitos para além de contenderem com as normas
constitucionais acima observadas, ofendem também várias disposições do n°4 do
art.20° da CRP, já que este comando constitucional sufragando o principio de que
todos os cidadãos têm direito a que uma causa seja objecto de decisão em prazo
razoável e mediante processo equitativo, joga como será possível que estes
incisos concorram para que uma causa seja decidida num prazo razoável se é o
próprio legislador a dizer que a secretaria aguarda, conforme os casos, três ou
quatro dias, que o interessado venha pagar a multa, acrescida de mais 10 dias
para a efectivar a sua liquidação?
19-Como será possível que a 2ª parte do n°5 e todo o n°6 do art. 145° do CPC,
possam contribuir para um processo equitativo, quando o legislador de forma
burlesca se empenha em cobrar aos utentes processuais montantes de dinheiro
indevido e sem causa que o justifique? Como será possível cumprir-se o desígnio
daquele preceito constitucional se o legislador ordinário se ocupa de um
propósito mercenário para traficar os proventos do cidadão em prole de um Estado
que o esmaga com os tributos mais bizarros e estapafúrdicos que só uma mente em
adiantado estado patológico é capaz de os conceber e de lhe atribuir forma de
lei?
VII
MANIFESTA CARÊNCIA DO RECORRENTE
1- Nos presentes autos, o recorrente litiga com apoio judiciário dada a sua
manifesta carência económica, o qual lhe foi concedido por este viver apenas da
pensão mínima de reforma e não possuir quaisquer outros meios de sobrevivência.
2-Nestes termos, requer a V. Exa. se digne, de harmonia com o disposto no n°7 do
art.145° do CPC, dispensar o requerente do pagamento da multa acima referida,
atento à sua manifesta carência económica e, em consequência considerar validado
o acto praticado, visto o mesmo possuir uma pensão de reforma no valor de
€284,84 e despender parte dela com remédios para a sua doença, não sobrando
qualquer euro extra pare acudir às despesas da Justiça.
VIII
CONCLUSÃO
Posto que, deve declarar-se a inconstitucionalidade do 2° tempo da norma do n° 5
e todo o teor do n°6, ambos do art. 145° do CPC, por ofenderem os princípios da
dignidade da pessoa humana consagrados no Estado de direito democrático,
concretizado na postergação do art.1° da CRP, afrontar as disposições do n°3 do
art.3° da mesma Lei fundamental e contender com o preconizado no n°4° do art.20°
da CRP e, em consequência, ordenar-se à secretaria do tribunal que proceda à
emissão de novas guias de multa no valor de €44,25 e seguidamente o Exmo. Senhor
Relator determinar a dispensa do pagamento da mesma, dada a manifesta
insuficiência económica revelada nos presentes autos.
O representante do Ministério Público neste Tribunal manifestou, sobre a
transcrita pretensão, o seguinte entendimento:
É manifestamente improcedente a arguição de inconstitucionalidade do regime que
– atenuando a rigidez preclusiva dos prazos peremptórios – faculta à parte que
os não respeitou a possibilidade de vir ainda a praticar o acto mediante o
pagamento de multa processual, cujo montante justificadamente é feito depender
da dimensão do atraso verificado e da atitude de espontânea boa fé e cooperação
da parte: na verdade, bem se compreende que seja agravado o valor da multa para
a parte que não revela de imediato ao Tribunal que se apresta a praticar certo
acto para além do prazo peremptório, sendo evidente e inquestionável que tem
seguramente o ónus de controlar tal prazo e saber se age ou não a coberto do
regime consentido por aquele art. 145º. Não parece, por outro lado, que a
aplicação do regime excepcional consentido pelo n.º 7 de tal preceito legal se
baste com a mera invocação de que a parte beneficia de apoio judiciário, sendo
indispensável uma actividade de alegação e prova da concreta “desproporção”
manifesta entre a concreta situação económica e o valor da multa resultante da
aplicação do referido regime legal.
Foi, depois, proferido despacho do seguinte teor:
Tendo sido notificado para pagamento da multa a que alude o n.º 6 do artigo 145°
do Código de Processo Civil, vem o recorrente A. requerer, em suma, que a
secretaria do tribunal proceda à emissão de novas guias de multa no valor de
€44,50, devendo, no entanto, determinar-se a dispensa do pagamento da mesma,
'dada a manifesta insuficiência económica' do requerente.
Foi ouvido o representante do Ministério Público.
Com fundamento no n.º 7 do citado artigo 145º do Código de Processo Civil,
atentas as circunstâncias do caso, e porque não é manifesto que o requerente não
tenha meios económicos para suportar tal despesa, reduzo o valor da multa para
44,50 EURO, devendo a Secretaria proceder à emissão das competentes guias.
2. Mais uma vez inconformado, o recorrente reclama contra este
despacho, nos seguintes termos:
I
O recorrente, A., havendo sido notificado da douta decisão que antecede, vem,
nos termos do n°2 do art. 78-B, da Lei n°28/82, de 15 de Novembro, com as
redacções subsequentemente introduzidas, reclamar para a conferência, da
nulidade da mesma, nos termos e fundamentos seguintes:
II
a)- OS FACTOS
1-O reclamante, havendo sido notificado pelo Senhor Escrivão para o pagamento da
multa correspondente ao 3° dia, nos termos do n°6 do art.145° do CPC, no
montante de 89.00€, veio requerer a sua reforma com fundamentos na
inconformidade constitucional das normas que suportam a referida sanção,
designadamente, o disposto na 2ª parte do n°5 e de todo o teor do n°6, ambos do
art.145° daquele diploma, ao abrigo das quais a multa foi aplicada, devendo
ordenar-se apenas o pagamento relativos aos dias em atraso, no montante de
€44.25.
2-E do mesmo passo, de acordo com o disposto no n°7 do mesmo preceito se
dignasse dispensar o impetrante do pagamento do valor acima referido, atento à
sua manifesta carência económica e, em consequência, considerasse validado o
acto praticado, visto o mesmo possuir uma pensão de reforma no valor de €284,84
e despender parte dela com medicação para a sua doença, não sobrando qualquer
euro extra para acudir às despesas da Justiça.
3- Porém, estamos em crer que, por lapso o Exmo. Senhor Venerando Juiz
Conselheiro Relator, não levou em conta o pedido da inconstitucionalidade dos
incisos referidos, vindo, por isso, a decidir apenas a questão da carência
económica do requerente, reduzindo a multa para o valor de 44,50€, mas jamais se
pronunciou sobre o juízo da inconformidade constitucional das normas aplicadas
ao caso dos presentes autos.
IV
O DIREITO
4-Ora, nos termos da al. d) do n°1 do art. 668° do CPC, aplicável ex vi do
art.69° da Lei do Tribunal Constitucional, é nula a sentença:
“d) Quando o juiz deixe de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou
conheça de questões de que não podia tomar conhecimento” (Sublinhado do
recorrente que de ora em diante transcreverá em itálico o texto de quaisquer
normas com referência aos seus diplomas).
5-No caso sub judice, o Tribunal devia pronunciar-se sobre a situação da
inconstitucionalidade, em tempo suscitada e, em sede de conhecimento oficioso,
tanto mais que os termos do art. 204° da CRP, estabelecem que:
“Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que
infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados.”
6-Não obstante a questão trazida a Juízo, enfermar de inconstitucionalidade que,
a nosso ver, o próprio Tribunal Constitucional, devia ex lege declarar, em
virtude de, tanto a norma do n°5 como a do n°6 serem ofensivas dos princípios da
dignidade da pessoa humana e dos valores do Estado de direito democrático, cuja
violação se concretiza na afronta ao disposto no art.1° da CRP, e nas
disposições do n°3 do art.3° da mesma Lei fundamental, contendendo ainda com o
sufragado no n°4 do art.20° da CRP, conforme se alcanças nas alegações para o
efeito apresentadas.
7-Pois bem, a despeito do Tribunal a quo não ter ex officio decretado a
inconformidade constitucional de tais normas, a verdade é que o próprio
recorrente, em sede de recurso, suscitou a questão da inconstitucionalidade,
esperando obter um juízo de pronúncia sobre a bondade das situações formuladas,
o que efectivamente não aconteceu.
V
CONCLUSÃO
Termos em que, de harmonia com o disposto na al. d) do n°1 do art.668° do CPC,
deve, em conferência, os Exmos. Senhores Juízes Conselheiros, declarar a
nulidade do douto despacho reclamado e, em consequência, decretar a
inconstitucionalidade do 2° tempo da norma do n°5 e todo o conteúdo do n°6,
ambos do art.145° do CPC, por ofenderem os princípios da dignidade da pessoa
humana consagrados no Estado de direito democrático, concretizado na postergação
do art.1° da CRP, afrontar as disposições do n°3 do art.3° da mesma Lei
fundamental e contender com o preconizado no n°4° do art.20° da CRP.
O representante do Ministério Público neste Tribunal respondeu assim à
reclamação:
1 - Como se referiu a fls. 157 - e está obviamente implícito no douto despacho
de fls. 159 - carece manifestamente de fundamento a questão de
constitucionalidade colocada pelo reclamante.
2 - Na verdade, a faculdade de as partes “prorrogarem” um prazo peremptório
praticando certo acto ainda em juízo, mediante o pagamento de multa -
naturalmente justificada pela perturbação que tal comportamento é susceptível de
introduzir no regular andamento da causa - e podendo o juiz graduar ou dispensar
casuisticamente a parte de tal pagamento, quando o considere objectivamente
justificado, constitui concretização dos princípios do acesso ao direito e do
processo equitativo.
3 - Termos em que deverá improceder a pretensão deduzida.
3. Cumpre decidir.
O reclamante põe em causa o despacho proferido unicamente na parte em que não
conheceu da invocada questão de inconstitucionalidade.
Deve começar-se por fazer notar que as partes só podem colocar aos tribunais as
questões de inconstitucionalidade normativa que se liguem, numa relação de
instrumentalidade, com o mérito da concreta pretensão em debate. Isto é: fora
dos casos de fiscalização abstracta de constitucionalidade, não é lícito
peticionar de forma única, ou mesmo principal, a declaração de desconformidade
constitucional de normas jurídicas. Em consequência, tal como fez o despacho
reclamado, a pretensão formulada a fls. 151 deve ser interpretada com este único
sentido: o de pedir que a multa fosse fixada no valor de €44,50, e que o
requerente ficasse dispensado do seu pagamento por motivo de 'manifesta
insuficiência económica'.
Ora, o Tribunal deferiu a pretensão quanto à redução da multa; fê-lo – conforme
lhe é lícito fazer – por um caminho jurídico diverso da argumentação apresentada
pelo recorrente, esta sim, baseada na pretensa desconformidade constitucional de
normas constantes dos n.ºs 5 e 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil.
Todavia, tendo alcançado a solução que era pedida pelo interessado, estava
esgotado o dever de pronúncia do Tribunal sobre aquela matéria: em suma, o
Tribunal não estava obrigado a conhecer a aludida questão de
inconstitucionalidade. O conhecimento da questão ficou, portanto, prejudicado.
Por esta razão não se verifica a invocada nulidade.
4. Mostrando-se prejudicado o restante pedido, decide-se, em
consequência, indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, sem prejuízo do benefício de que goza. Taxa de justiça:
20 UC.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos