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Processo n.º 948/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Notificada do acórdão n.º 707/2006, de 21 de Novembro de 2006, pelo qual se
decidiu indeferir a reclamação apresentada por Administração do Condomínio “A.”,
do despacho do Relator no Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Julho de 2006
(fls. 545) que não lhe admitira recurso para o Tribunal Constitucional
interposto ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea a), da Lei de Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, por não estarem verificados
os pressupostos indispensáveis ao conhecimento de tal recurso, consequentemente,
condenando a reclamante no pagamento de 20 (vinte) unidades de conta de taxa de
justiça, veio aquela apresentar um requerimento a “recorrer da condenação em 20
unidades de conta de taxas de justiça, constantes do Acórdão n.º 707/2006”
(sic), dizendo:
«I. Primo, a recorrente não se conforma, salvo o devido respeito por este
Tribunal e que é muito, com a aplicação de 20 unidades de conta de taxa de
justiça.
II. Consideramos que se encontram materialmente violados os princípios da
proporcionalidade e da justiça que decorrem do princípio do Estado de direito
democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.
III. Ratio?
IV. Partindo do sentido técnico-jurídico de Custas estas podem ser definidas,
segundo Salvador da Costa in Código das Custas Judiciais Anotado e Comentado,
4.ª edição, comentário ao artigo 1.º, como: “o dispêndio necessário à obtenção
em juízo de declaração de um direito ou da verificação de determinada situação
jurídico-fáctica”.
V. O Mui Ilustre Conselheiro afirma ainda que: Trata-se de uma relação jurídica
de tipo obrigacional encabeçada pelo Estado – sujeito activo –, e pelos utentes
do serviço de justiça – sujeitos passivos – cujo objecto imediato se
consubstancia na vinculação dos sujeitos, e o objecto mediato na prestação
pecuniária correspondente à dívida de custas, a qual resulta da lei e da
actividade judicial desenvolvida”.
VI. Auxiliando-se o reclamante da Vossa douta Jurisprudência, o Acórdão n.º
414/99, de 29 de Junho de 1999, considerou o seguinte:
VII. “O princípio da proporcionalidade impõe que exista uma adequação não só
entre o fim da lei e o fim do acto como entre o fim da lei e os meios escolhidos
para alcançar tal fim. A adequação terá ainda de manter-se entre as
circunstâncias de facto que ocasionam o acto (no caso concreto, o labor
jurisprudencial exigido, os custos administrativos com o processo e a
necessidade de “civilizar” o recurso ao Tribunal Constitucional) e as medidas
que vierem a ser efectivamente tomadas”.
VIII. No domínio específico da fixação de valores, o Acórdão n.º 421/2001, de 3
de Outubro de 2001, apresenta-se de modo plenamente extensível à fixação das
custas judiciais.
IX. Os artigos 6.º e 7.º do Regime de Custas do Tribunal Constitucional não
prevêem qualquer taxa fixa, mas sim um mínimo e um máximo de unidades de conta
dentro dos quais é fixada a taxa de justiça em função da concreta actividade
processual desenvolvida.
X. Consequentemente, façamos a seguinte equação.
XI. A unidade de conta que é aplicada tem como limite máximo o fixado pelo
legislador no Regime de Custas no Tribunal Constitucional.
XII. Para que esse valor seja aplicado, é necessário que a actividade processual
do Tribunal Constitucional, no caso que esteja a ser apreciado, a justifique.
XIII. Assim, a aplicação de unidades de conta sob a égide repressiva, não
devendo constituir, do ponto de vista material, sanções pecuniárias.
XIV. Isto é,
XV. Que seja um valor proporcional – na sua vertente da adequação – e justo –
razoável e plausível.
XVI. No caso sub judice, é convicção do Recorrente que a actividade processual
desenvolvida por V. Ex.ªs não justifica a aplicação de 20 unidades de conta em
taxas de justiça.
XVII. Citando o Venerando Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional Armindo
Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Lex, pág. 337, «não haverá
condenação em custas do recorrente quando o Tribunal não conhecer do objecto do
recurso, por não verificação de qualquer pressuposto da sua admissibilidade ou
quando julgar improcedente, nos casos do art.º 78.º-A, n.º 1 e n.º 3, ou ainda a
condenação do reclamante, quando, tratando-se de reclamações nos termos do art.º
76.º, n.º 4, sejam indeferidas (art.º 84.º, n.ºs 2 e 3, LTC; art.ºs 17.º e 18.º
do Decreto-Lei n.º 149-A/83, 5 de Abril, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º
72-A /90, de 3 de Março».
XVIII. No seguimento doutrinal do Venerando Conselheiro encontra‑‑se
precisamente o princípio da Proporcionalidade.
XIX. E a vertente da Adequação, que esse princípio purga, impõe que o labor
jurisprudencial seja consentâneo com a aplicação das unidades de conta.
XX. A razão atinente à nossa discordância da vossa interpretação, salvo o devido
respeito e que é muito, respeita à circunstância de o vosso Acórdão ter assente
a sua fundamentação na falta do preenchimento dos pressupostos de recurso para o
Tribunal Constitucional.
DO INDEFERIMENTO DA RECLAMAÇÃO
XXI. Segundo o Acórdão 98-271-1, processo 97-0403 do Tribunal Constitucional, a
reclamação é um meio processual admissível para apreciar a legalidade (de uma
situação como a dos autos), já que tem de ser o Tribunal Constitucional a
sindicar de forma completa a ilegalidade de quaisquer decisões proferidas na
instância recorrida...
XXII. Para além disto, o douto acórdão olvida a verdade material dos factos e
desconsidera o artigo 60.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa,
quando refere que: «Os consumidores têm direito à qualidade dos bens... à
protecção da saúde, segurança e dos seus interesses económicos, bem como à
reparação de danos».
XXIII. A não aplicação ao caso concreto do artigo constitucional supra citado
denega às ora reclamantes um dos mais básicos direitos económicos e sociais.
XXIV. Por conseguinte, há que adicionar a respeitante à ‘gritante DENEGAÇÃO DE
JUSTIÇA encetadas pelo Supremo Tribunal de Justiça.
XXV. Esta denegação de Justiça assenta na circunstância de a fundamentação das
decisões proferidas daquele Venerando Tribunal de Recurso não ser compatível nem
respeitar os mais elementares pilares de uma República que assenta primeiramente
e primacialmente na dignidade da Pessoa Humana, nos termos do artigo 1.º da
Constituição da República Portuguesa.
ASSIM E EM CONCLUSÃO:
a) A Reclamante espera que a condenação por custas seja reformada,
especificando-se qual foi a intensidade da actividade jurisdicional que pode ser
medida pelo mínimo de custas, na medida em que o caso foi simples. Assim, se as
custas se graduam entre um máximo e um mínimo, tem de haver parâmetros referidos
à qualidade do esforço dos juízes e da máquina do Tribunal, postos ao serviço da
decisão da causa.
b) Consideramos que se encontram materialmente violados os princípios da
proporcionalidade e da justiça que decorrem do princípio do Estado de direito
democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição.
c) Os artigos 6.º e 7.º do Regime de Custas do Tribunal Constitucional não
prevêem qualquer taxa fixa, mas sim um mínimo e um máximo de unidades de conta
dentro dos quais é fixada a taxa de justiça em função da concreta actividade
processual desenvolvida e do seu grau de dificuldade.
d) No caso sub judice, é convicção da Recorrente que a actividade processual
desenvolvida por V. Ex.ªs não justifica a aplicação de 20 unidades de conta em
taxas de justiça.
e) Por conseguinte, entendemos, segundo Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em
Processo Civil, Lex, pág. 337, «não haverá condenação em custas do recorrente
quando o Tribunal não conhecer do objecto do recurso, por não verificação de
qualquer pressuposto da sua admissibilidade ou quando julgar improcedente, nos
casos do art.º 78.º‑A, n.ºs 1 e n.º 3, ou ainda a condenação do reclamante,
quando, tratando-se de reclamações nos termos do art.º 76.º, n.º 4, sejam
indeferidas (art.º 84.º, n.ºs 2 e 3, da LTC; arts. 17.º e 18.º do Decreto-Lei
n.º 149-A/83, 5 de Abril, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 72-A /90, de 3
de Março».
f) A razão atinente à nossa discordância da vossa interpretação, salvo o devido
respeito e que é muito, respeita à circunstância de o vosso Acórdão ter assente
a sua fundamentação na falta do preenchimento dos pressupostos de recurso para o
Tribunal Constitucional.
g) Entendemos que o acórdão do STJ que indeferiu a reclamação n.º 948/06,
referente ao Processo 3309/05, 6.ª secção, padece de ilegalidade por falta de
fundamentação e de inconstitucionalidade por violação do artigo 60.º, n.º 1, da
CRP.
h) A violação constitucional é demonstrada pela sobreposição de regras
processuais referentes a prazos em detrimento da verdade material, verdade essa
que plasma o direito das ora reclamantes “na reparação dos danos” (parte final
do n.º 1 do art. 60.º da CRP) no imóvel.
i) Salienta o Recorrente que o artigo 20.º da Constituição IMPÕE que todas
decisões proferidas por qualquer órgão jurisdicional devem ser fundamentadas e
basear-se na nossa Lei Fundamental, a Constituição da República Portuguesa.
j) Assim, e porque a única forma da reclamante obter a JUSTIÇA que lhe é devida
é a interposição de reclamação para o órgão incumbido de:
“administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional” – o
Tribunal Constitucional – nos termos do artigo 221.º da Constituição.
k) Nestes termos e nos demais de direito, deverá a reclamante ser dispensado do
pagamento de 20 unidades de conta de taxas de justiça, devendo também o presente
recurso de queixa ser considerado procedente, sendo feita assim, por V. Ex.ªs, a
costumada Justiça!»
Em resposta, o representante do Ministério Público, junto do Tribunal
Constitucional, disse:
«1 – Como é evidente e incontroverso – e a entidade reclamante e respectivo
mandatário não podem seguramente ignorar – o acórdão que dirime a reclamação é
uma decisão definitiva e, por natureza, insusceptível de impugnação por via de
recurso.
2 – É, pois, ostensivamente inadmissível o “recurso” interposto pelo insólito
requerimento de fls. 675 e segs.
3 – Relativamente à questão da condenação em custas – e convolando do “recurso”
para o pedido de reforma de tal decisão – é a pretensão deduzida manifestamente
infundada: na verdade, o valor da condenação proferida situa‑se inteiramente
dentro dos parâmetros legais e está em estrita consonância com a jurisprudência
uniforme e reiterada deste Tribunal, no que toca à concretização do regime
estabelecido no diploma referente ao Regime de Custas no Tribunal
Constitucional.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
2.Como correctamente nota o Ministério Público, e resulta do artigo 77.º, n.º 4,
da Lei do Tribunal Constitucional, a decisão da reclamação do despacho que
indefira a admissão do recurso “não pode ser impugnada”. Não poderia, pois,
tomar-se conhecimento de qualquer recurso do Acórdão n.º 707/2006, por
inadmissível. Admite-se, porém, que com a referência a “recorrer” da condenação
em custas, constante desse Acórdão, a requerente pretenda deduzir um pedido de
reforma de tal condenação (como resulta, aliás, do início das suas conclusões),
convolando-se o recurso para tal pedido de reforma.
Ora, como tem sido afirmado na jurisprudência deste Tribunal, “a reforma quanto
a custas – sublinhou-se no Acórdão n.º 27/94 (publicado no Diário da República,
II série, de 31 de Março de 1994, e no Boletim do Ministério da Justiça, n.º
433, página 141) – representa uma abertura à modificação do julgado (e, assim,
uma excepção à regra enunciada no n.º 1 do artigo 666.º do Código de Processo
Civil). Tal reforma só pode ter lugar, quando tiver havido uma condenação ilegal
em custas” (v. ainda, além do citado Acórdão n.º 27/94, por exemplo, os Acórdãos
n.ºs 27/96, 1173/96 e 652/98, todos disponíveis em
www.tribunalconstitucional.pt).
É, porém, evidente que a condenação do ora reclamante nas custas do processo não
foi desconforme com os critérios legais (artigo 84.º, n.º 4, da Lei do Tribunal
Constitucional, e artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro) que
prevêem a condenação em custas quando o Tribunal Constitucional indeferir
reclamações de despachos que não tenham admitido recurso de constitucionalidade.
A invocação, que a requerente faz, da afirmação que se contém em “Armindo
Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil [2.ª ed., Lisboa], Lex, [1994] pág.
337”, no sentido de que “não haverá condenação em custas do recorrente quando o
Tribunal não conhecer do objecto do recurso, por não verificação de qualquer
pressuposto da sua admissibilidade ou quando julgar improcedente, nos casos do
art.º 78.º A, n.ºs 1 e n.º 3, ou ainda a condenação do reclamante, quando,
tratando-se de reclamações nos termos do art.º 76.º, n.º 4, sejam indeferidas”,
é, evidentemente (apesar de a requerente não indicar a que edição se refere, e
qual a sua data), de obra ainda anterior à alteração da Lei do Tribunal
Constitucional efectuada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, que justamente
modificou a matéria das custas.
Ora, mesmo considerando apenas a “moldura” de custas prevista no artigo 7.º do
Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro, para os casos em que o Tribunal
indefira reclamações, verifica-se que o montante em que o reclamante foi
condenado se fixou, no acórdão n.º 707/2006, abaixo mesmo da sua média – foi
fixado em 20 unidades de conta, quando o mínimo é de 5 e o máximo de 50 unidades
de conta.
Não tem, aliás, razão a requerente, quando afirma que a actividade processual
desenvolvida não justifica a condenação em custas no montante em causa. A
condenação em taxa de justiça, em conformidade com os critérios legais, assentou
no facto de a reclamante, que decaiu, ter dado causa à actividade do Tribunal
Constitucional, e não em qualquer finalidade sancionatória. O concreto montante
fixado correspondeu ao resultado de uma ponderação dos factores referidos no
artigo 9.º do citado Decreto-Lei n.º 303/98 – “a complexidade e a natureza do
processo, a relevância dos interesses em causa e a actividade contumaz do
vencido” –, conduzindo a um valor abaixo da média da moldura legal, sendo que
não se verificava presente no caso vertente qualquer factor específico que
apontasse no sentido de uma particular redução da condenação em custas ao mínimo
legal. Ao que acresce que, em casos como o presente, a fixação de custas num
montante de 20 unidades de conta corresponde à jurisprudência reiterada deste
Tribunal.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se indeferir o presente pedido de reforma da
condenação quanto a custas, e, em consequência, nos termos dos artigos 84.º, n.º
4, da Lei do Tribunal Constitucional e 7.º do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de
Outubro, condenar a reclamante nas custas do incidente, fixando em 15 ( quinze
) unidades de conta a taxa de justiça.
Lisboa,8 de Março de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos