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Processo n.º 1025/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. A., S.A reclama para a conferência, ao abrigo do disposto no n.º 3
do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro (LTC), nos seguintes termos:
I
A recorrente interpôs o recurso para o Venerando Tribunal Constitucional ao
abrigo das alíneas a) e b), do nº1, do Artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de
Novembro.
1-. O douto despacho fundamenta a decisão de não conhecer do recurso, ao abrigo
da al. a), invocando no essencial,
“Todavia, o que a recorrente põe em causa não é a recusa de aplicação de uma
norma com fundamento em inconstitucionalidade mas, antes, a não aplicação no
caso concreto de uma norma que, ao contrário do seu entendimento, a decisão
recorrida considerou não aplicável.”
2º- É verdade, tal como refere o douto despacho, que não estamos perante norma
que o Tribunal da Relação de Évora, tenha expressamente assumido recusar a sua
aplicação com fundamento em inconstitucionalidade.
Contudo, a recorrente ao arguir nulidades do douto Acórdão invocou a
inconstitucionalidade, nos seguintes termos:
“…II
1º- Por outro lado, no entender da Ré, a al. e), do nº1 do Art. 41º do DL nº
64-A/89 de 27/2, interpretada no sentido de que um contrato de trabalho a termo
celebrado um pouco mais de seis meses depois do início da exploração do
estabelecimento, por já ter decorrido o período necessário para a consolidação e
ajustamento dos recursos humanos mínimos para o funcionamento do
estabelecimento, gera a sua conversão do contrato a termo em definitivo,
2º- É inconstitucional.
3º-Permite-se novamente invocar o já referido no requerimento de pedido de
esclarecimento e posição doutrinária quanto ao entendimento do Prof. Jorge
Leite, “Contrato a termo por lançamento de nova actividade”, in Questões
Laborais, Ano II, nº5, 1995,
“...a lei deveria ter distinguido o período de vigência do contrato celebrado ao
abrigo do Art.41º,1 ,al. e) do período de celebração do contrato, mais curto,
naturalmente, do que aquele. No silêncio da lei, inclino-me, com algumas
dúvidas, a fazer coincidir este último com os primeiros dezoito meses de
actividade, período que deveria ser reduzido, em termos a constituir (seis
meses, por exemplo), e aquele com os primeiros vinte e quatro.”
4º- Em que, apesar da posição doutrinal assumida, sublinha basear-se “...No
silêncio da lei...”
5º- Também inconstitucional, por omissão,
6º- É a não aplicação do n.º 3, do Art. 440º do DL nº 64-A/89 de 27/2, norma que
de forma expressa prevê que a duração do contrato a termo, celebrado ao abrigo
da al.e), do n.º 1, do Art.4 1º do mesmo Decreto Lei não pode exceder dois anos.
7º- A presente arguição é feita para todos os devidos e legais efeitos,
nomeadamente os previstos no n.º 6, do Art.280º da Constituição da República
Portuguesa e, respectivamente, al. b) e a), do n.º 1, do Art.70º da Lei nº28/82
de 15 de Novembro,
8º- Uma vez que, ao decidir da forma referida não se “diz” o Direito antes se
“cria” Direito, violando-se os mais elementares princípios constitucionais,
nomeadamente o disposto no Art.2º (separação de poderes), n.º 3, do Art.3º e n.º
1, do Art. 205º, da Constituição.“
3º Sintetizando, a evolução havida e documentada nos Autos,
A) Dispunha o DL nº 64-A/89, de 27/2 (diploma que regulava a cessação do
contrato de trabalho e contrato a termo), ser admissível a celebração do
contrato a termo no caso de
“Lançamento de uma nova actividade de duração incerta, bem como o início de
laboração de uma empresa ou estabelecimento” (al. e), do n.º 1 do Art. 41º)
Sendo que, com tal fundamento existisse ou não renovação, a respectiva duração
“...não pode exceder dois anos” (n.º 4 do Art. 44º)
B) O Venerando Tribunal da Relação assume:
“…entendeu este Tribunal que o aludido contrato já foi celebrado muito depois do
período necessário para a consolidação e ajustamento dos recursos humanos
mínimos para o funcionamento do estabelecimento.
Nessa linha, concluiu-se que o termo aposto no contrato de trabalho celebrado
entre as partes, não se enquadra na situação prevista no art. 41º, n.º 1. al. e)
do DL nº 64-A/89 de 27/2.
Assim sendo, a invocação da caducidade do contrato de trabalho, no termo do
prazo, configura um despedimento ilícito.”
sem que esclareça os fundamentos sobre a interpretação do Art. 41º, n.º 1 al. e)
do DL nº 64-A/89 de 27/2 no sentido que o decurso de “seis meses” e definição do
designado
“...período necessário para a consolidação e ajustamento dos recursos humanos
mínimos para o funcionamento do estabelecimento” geram a conversão do contrato a
termo em definitivo.
C) Recusou a aplicação do disposto no referido n.º 3, do Art.44º daquele diploma
sendo que, em abono da verdade, não houve aplicação de norma alguma mas a
imputada “criação do direito” através da interpretação que supra se transcreve.
D) Assim, encontrando-se o Tribunal vinculado à aplicação da Lei, a omissão em
causa reflecte juízo de inconstitucionalidade, pelo que , estão reunidos os
requisitos exigidos pela al. a),do n.º 1, do Art.70º da LTC.
II
A)
1º- Sobre a não verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso
também interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do Artigo 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, a propósito do momento processual da invocação da
inconstitucionalidade, refere-se no douto despacho em apreço:
“A recorrente não pode alegar, por outro lado, ter sido surpreendida com a
aplicação da referida norma, de forma a justificar a suscitação da sua
inconstitucionalidade em momento posterior à decisão, uma vez que essa mesma
norma já tinha sido aplicada na decisão de 1ª instância e, aliás, constituía uma
das questões objecto de recurso de apelação”
2º- Discordando deste douto entendimento, permite-se invocar que o Tribunal do
Trabalho de Beja considerou aplicável, à resolução do pleito, o Código do
Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto (vide, entre outras,
fls. 10 da douta sentença).
E, de acordo com as disposições do Código do Trabalho, e não de outras, julgou a
acção procedente.
3º- Por seu turno, o Venerando Tribunal da Relação de Évora decidiu ser
aplicável o regime jurídico do DL no 64-A/89 , de 27 de Fevereiro (vide, entre
outras, fls.8 do douto Acórdão) que foi revogado pelo Código do Trabalho.
4º- Sendo desnecessário referir que não existia possibilidade de recurso para o
Venerando Supremo Tribunal de Justiça, não era previsível tal alteração de
entendimento.
B)
Sobre o douto entendimento que
“... a recorrente não suscitou qualquer questão de inconstitucionalidade de modo
processualmente adequado, uma vez que a reclamação por nulidades não é o meio
idóneo e atempado para o fazer”
permite-se, com o devido respeito, expressar as razões de discordância.
Desadequado seria a recorrente invocar perante V.Exa toda a evolução, quer
doutrinal quer jurisprudencial, sobre o âmbito da noção de “durante o processo
“, para os efeitos da al. b) do Art.70º da LTC.
Contudo, na esteira de Guilherme da Fonseca e Inês Domingos, “Breviário do
Direito Processual Constitucional”, 2ª Edição, Coimbra Editora, sempre referirá
entender-se que aquele conceito
“…deve ser tomado não em sentido puramente ‘formal “, tal que a
inconstitucionalidade possa ser suscitada até à extinção da instância, mas num
sentido puramente “funcional”, tal que essa invocação haverá que ser feita em
momento em que o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão “ (fls.52).
Esta exigência do Tribunal da Relação de Évora se pronunciar foi cumprida pelo
que estão reunidos os requisitos substanciais e formais justificadores da
admissão do recurso.
Termos em que e nos de mais de Direito que doutamente serão supridos, “A., S.A”
, deduz a presente reclamação para a conferência, nos termos e para os efeitos
do nº4 , do Art.78º-A , da Lei nº 2 8/82 , de 15 de Novembro , mais Requerendo a
V.Ex.as, seja ordenado o prosseguimento do recurso.
O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da
reclamação, respondeu nos termos seguintes:
1º
A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2º
Na verdade – e para além do absurdo que representa fundamentar simultaneamente o
recurso nas alíneas a) e b) do nº 1 do artigo 70º da Lei 28/82 — é evidente que,
no caso dos autos, o acórdão recorrido não recusou aplicar qualquer norma, tida
por inconstitucional.
3º
E, quanto ao recurso fundado na alínea b), é evidente que não se mostra
suscitada, durante o processo, qualquer questão de inconstitucionalidade
normativa — sendo evidente que o recorrente teve plena oportunidade processual
para o fazer, já que a argumentação deduzida no recurso de apelação assentava
precisamente na invocação do regime constante do DR nº 64-A/89, não podendo
constituir “decisão surpresa” a que se traduz em concluir que o Código de
Trabalho não era aplicável à forma e admissibilidade de um contrato celebrado
antes da vigência de tal Código.
2. Cumpre decidir.
2.1. A decisão sumária reclamada é do seguinte teor:
Nos presentes autos vindos do Tribunal da Relação de Évora foi interposto
recurso para o Tribunal Constitucional por A., SA, mediante requerimento do
seguinte teor:
“A., S.A”, Pessoa Colectiva nº502604794, Ré no processo à margem identificado,
notificada do indeferimento do pedido de declaração de nulidade e de
inconstitucionalidade, conforme douto Acórdão que decidiu o recurso de Apelação,
e, com o mesmo não podendo concordar, vem interpor recurso para o Venerando
Tribunal Constitucional, o que faz nos seguintes termos:
O recurso é interposto ao abrigo das alíneas a) e b) do nº1 do Artigo 70º da Lei
nº 28/82 de 15 de Novembro, que regula o regime jurídico da organização,
funcionamento e processo do Tribunal Constitucional;
Mais se esclarece que, sempre com o devido respeito por entendimento contrário,
pretende a Ré seja declarada inconstitucional a al. e), do nº1 do Art. 41º, do
DL nº 64-A/89 de 27/2, quando interpretada no sentido que faz o Douto Acórdão em
causa, ou seja, um contrato de trabalho a termo celebrado um pouco mais de seis
meses depois do início da exploração do estabelecimento, por já ter decorrido o
período necessário para a consolidação e ajustamento dos recursos humanos
mínimos para o funcionamento do estabelecimento, gera a sua conversão do
contrato a termo em definitivo.
Também entende a recorrente existir inconstitucionalidade por omissão, dado não
se proceder à aplicação do nº3, do Art. 44º do DL nº 64-A/89 de 27/2, norma que,
de forma expressa, prevê que a duração do contrato a termo, celebrado ao abrigo
da mencionada al. e), do nº1, do Art.41º do mesmo Decreto Lei não pode exceder
dois anos.
Aliás, ao assumir aquele entendimento, o Venerando Tribunal da Relação de Évora,
em vez de “dizer” o Direito, está a “criar” Direito, pelo que também são
violados os mais elementares princípios constitucionais, nomeadamente o disposto
no Art. 2º (separação de poderes), nº 3 do Art.3º e nº1 do Art. 205º, da
Constituição.
As referidas razões de inconstitucionalidade foram invocadas durante o processo
e imediatamente logo que, no entender da recorrente, nele ocorreram – pedido de
nulidade do Acórdão que julgou a Apelação. ”
- O recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo
70º da LTC cabe das decisões jurisdicionais que recusem a aplicação de qualquer
norma, com fundamento em inconstitucionalidade. Trata-se, portanto, de um
recurso cujo objecto é a norma que o Tribunal afastou, com fundamento na sua
inconstitucionalidade.
Todavia, o que a recorrente põe em causa não é a recusa de aplicação de uma
norma com fundamento em inconstitucionalidade mas, antes, a não aplicação no
caso concreto de uma norma que, ao contrário do seu entendimento, a decisão
recorrida considerou não aplicável.
Sendo manifesto que o acórdão recorrido não desaplicou qualquer norma com
fundamento em inconstitucionalidade, é igualmente manifesto que não ocorre o
pressuposto que legitima o recurso previsto naquela disposição legal.
- O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC só
pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão de
inconstitucionalidade durante o processo, de modo processualmente adequado
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer (n.º 2 do artigo 72º da LTC).
Constitui, portanto, pressuposto processual deste recurso que a questão de
inconstitucionalidade reportada à alínea e) do n.º 1 do artigo 41º do
Decreto-Lei 64-A/89, na interpretação que é alegada, haja sido suscitada no
processo de modo adequado.
O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado que esse ónus só se pode
considerar cumprido se a questão de constitucionalidade tiver sido suscitada
antes de ter sido proferida a decisão final, pois com a prolação desta decisão
esgota-se, em princípio, o poder jurisdicional do tribunal. E tem uniformemente
entendido que, salvo casos excepcionais, o requerimento de arguição de nulidades
não é o meio adequado para se suscitar uma questão de constitucionalidade “pois
a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material,
não é causa de nulidade da decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem
envolve «lapso manifesto» do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer
na qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos
constantes do processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão
diversa da proferida.” (cfr. Acórdão n.º 93/2006).
Ora, a verdade é que até ao requerimento de arguição de nulidades – que não
obteve deferimento – não havia sido suscitada qualquer questão atinente à
invocada inconstitucionalidade. A recorrente não pode alegar, por outro lado,
ter sido surpreendida com a aplicação da referida norma, de forma a justificar a
suscitação da sua inconstitucionalidade em momento posterior à decisão, uma vez
que essa mesma norma já tinha sido aplicada na decisão da 1ª instância e, aliás,
constituía uma das questões objecto do recurso de apelação.
Importa concluir que a recorrente não suscitou qualquer questão de
inconstitucionalidade de modo processualmente adequado, uma vez que a reclamação
por nulidades não é o meio idóneo e atempado para o fazer.
Não se mostram, portanto, verificados os pressupostos de admissibilidade do
recurso interposto ao abrigo da alínea b) da citada norma.
- Pelo exposto decide-se, nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da
LTC, não conhecer do objecto do recurso.
2.2. Mostram-se convenientemente explicadas na decisão acabada de
transcrever as razões pelas quais o Tribunal Constitucional não pode conhecer do
recurso interposto por A., S.A., razões que a presente reclamação manifestamente
não infirma.
Em síntese, e quanto ao recurso interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do
artigo 70º da LTC, cumpre recordar que o Tribunal recorrido não recusou aplicar,
com fundamento em inconstitucionalidade, qualquer norma; tal é o suficiente para
que não possa ter seguimento o aludido recurso.
Quanto ao recurso interposto nos termos do alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC, haverá que ter em conta que a reclamante não cumpriu o ónus de suscitação
prévia da questão de inconstitucionalidade perante o Tribunal recorrido: não
suscitou adequadamente perante aquele Tribunal, por forma a que este devesse
dela conhecer, a inconstitucionalidade da norma constante da alínea e) do n.º 1
do artigo 41º do Decreto-lei n.º 64-A/89 de 27 de Fevereiro, que constitui o
objecto do presente recurso, sendo ainda certo que a reclamante teve efectiva
oportunidade de suscitar a questão perante aquele Tribunal.
3. Em consequência do exposto, decide-se indeferir a reclamação,
mantendo a decisão de não conhecimento do recurso.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 UC.
Lisboa, 8 de Março de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos