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Processo n.º 984/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. O relator proferiu a seguinte decisão sumária:
“1. A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea b)
do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 e Novembro (LTC), do acórdão do
Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Outubro de 2006, que rejeitou, por
manifesta improcedência, o recurso interposto de acórdão do Tribunal da Relação
de Lisboa que, concedendo parcial provimento ao recurso por si interposto, o
condenou na pena de três anos de prisão, com execução suspensa, pela prática de
um crime de ofensa à integridade física previsto e punido nos ternos das
disposições combinadas dos artigos 133.º e 134.º, alínea d), do Código Penal. 2.
Convidado a completar o requerimento de interposição do recurso, o recorrente
esclareceu pretender “ ver apreciada a constitucionalidade das normas constantes
dos artigos:
1. Artºs 374º nº 2 e 379º, n.º 1, do CPP, quando interpretadas no sentido da
“exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de
facto e de direito” quenão explana a base que levou à alteração do depoimento do
perito médico, pelo Exmo. Colectivo da 2ª Vara Criminal de Lisboa que considerou
a fls. 7 do douto acórdão “… B. – médico do I.M.L., que referiu terem-se tratado
de tiros disparados a curta distância…”. Quando, na verdade, o Sr. Perito
médico, nunca disse a que distância – curta, média ou longa – foram disparados
os tiros. Como o arguido alegou no recurso para o TRL “Não foram realizados
testes balísticos e de reagentes, para se apurar, em concreto, a que distância
foi disparada a arma”, e conforme depoimento do Sr. perito médico, a fls. 41 da
transcrição da cassete n.º 1, e ofício por si (perito médico) assinado, em 12 de
Maio de 2006, que acompanhou o recurso ao STJ, perante quem, igualmente, o
arguido por falta de fundamentação e alteração de depoimento arguiu a nulidade
do douto acórdão.
2. Artºs. 31.º e 32.º do C.P. quando interpretadas no sentido de (dos quatro
tiros ouvidos no local) os dois disparados pelo arguido A., não serem
considerados em exercício da legítima defesa após o arguido A. ter sofrido
escoriações, equimoses e hematomas “lesões com algum significado médico”. Não
tendo após os disparos existido qualquer outro confronto físico entre os dois
arguidos.
3. Artºs. 119 c), 64.º, n.º 1 alínea b) e 62.º do CPP, quando interpretadas no
sentido de não ser obrigatória a assistência de defensor (advogado), em
audiência de julgamento, quando o arguido está a ser julgado por um crime, como
dos presentes autos, com moldura penal compreendida entre os 2 e 10 anos de
prisão..”
3. Ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, cabe recurso para o
Tribunal Constitucional das decisões dos demais tribunais que apliquem norma
cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada de modo processualmente adequado,
perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar
obrigado a dela conhecer (cfr. tb. n.º 2 do artigo 72.º da LTC). Não cabe ao
Tribunal Constitucional sindicar a decisão recorrida em si mesmo considerada, ou
seja, a avaliação dos factos adquiridos no processo e a sua qualificação
jurídica, bem como a opção pelo direito ordinário aplicável e a sua
interpretação.
Tendo isto presente, não pode conhecer-se do objecto do recurso quanto a
qualquer das “normas” indicadas pelo recorrente, pelo seguinte:
A) Quanto a todas elas, porque o recorrente não suscitou qualquer questão
de inconstitucionalidade normativa perante o Supremo Tribunal de Justiça. A
violação de preceitos constitucionais que refere nas alegações é imputada ao
acórdão da Relação e não a qualquer norma jurídica. Tanto basta para que não
possa conhecer-se do recurso, na totalidade, isto é, relativamente a qualquer
das questões identificadas pelo recorrente no requerimento com que respondeu ao
convite para aperfeiçoar o requerimento de interposição (fls. 949).
B) Quanto ao que o recorrente indica nos n.ºs 1 e 2 do dito requerimento
(fls. 949), porque se trata, em qualquer das hipóteses, de matéria de aplicação
de direito ordinário. O que o recorrente pretende que o Tribunal Constitucional
aprecie é a suficiência da fundamentação da valoração da prova e a qualificação
dos factos quanto à verificação de legítima defesa, o que é matéria em absoluto
excluída da competência deste Tribunal.
C) E, quanto à questão referida no n.º 3 do mesmo requerimento – a única
cuja enunciação tem um mínimo de aparência para ser configurada como questão de
constitucionalidade –, porque o Supremo Tribunal de Justiça não fez aplicação de
tal sentido normativo.
Efectivamente, num primeiro plano, o acórdão recorrido entendeu que não lhe
competia conhecer da invocada nulidade processual com fundamento em que a
questão não fora oportunamente colocada perante o Tribunal da Relação. Esta é
que constitui a ratio decidendi, pelo que tendo afirmado que não cabia conhecer
da alegada nulidade por ser questão nova, nunca pode dizer-se que o acórdão
recorrido fez aplicação das normas da alínea c) do artigo 119.º, alínea b) do
n.º 1 do artigo 64.º e artigo 62.º do Código de Processo Penal.
E, num segundo plano de fundamentação, o Supremo Tribunal de Justiça considerou
que o recorrente esteve sempre assistido por advogado, por considerar que a
sanção aplicada pela respectiva Ordem ao advogado nomeado ou escolhido não
afecta a validade do exercício da função de defensor em que tenha continuado até
ao momento em que o juiz ponha termo a essa intervenção perante o conhecimento
que venha a ter dessa situação profissional. Portanto, nem sequer considerando
este plano subsidiário de fundamentação –aliás, irrelevante para abrir a via de
recurso de constitucionalidade – pode sustentar-se que o acórdão recorrido fez
aplicação das referidas normas com o sentido indicado pelo recorrente.
4. Decisão
Pelo exposto, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, decide-se
não tomar conhecimento do objecto do recurso e condenar o recorrente nas custas,
fixando a taxa de justiça em 8 (oito) unidades de conta.”
2. O recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78.º-A
da LTC, nos seguintes termos:
“1. Contrariamente ao defendido e à argumentação em que se estribou o douto
Despacho, mormente em A), o aqui reclamante alegou, perante o STJ a
inconstitucionalidade das normas:
a) “…119º do CPP, com violação das normas constitucionais constantes dos
arts. 32º, nº 1 e 3 e art. 20º, nº 2…”.In fls. 7 e 8 do Recurso.
b) “…arts. 374º nº 2 e 379º nº 1 alínea a), do CPP (…) 31º e 32º do
CPenal”, logicamente, por violação, no seu entender, e com o devido respeito, os
arts “…20º, 21º, 32º e 205º da CRP”
2. Relativamente ao decidido em C), efectivamente, a questão foi colocada
perante o TRLx. Aliás, o arguido, aqui reclamante, com entrada de 29.06.2004, em
alegações supervenientes (quando teve conhecimento que a advogada que o defendeu
estava suspensa) veio dizer que: “a falta de defensor constitui uma nulidade
insanável conforme art. 119º c) em conjugação com o artº 64º nº 1 alínea b) do
CPP e (…) constitui uma inconstitucionalidade, por violação dos artºs 20º nº 2 e
artº 32º nº 1 e nº 3 da CRP”.
3. A questão foi colocada pelo arguido e apreciada pelo TRLx. Aliás, conforme e
resulta de folhas 10 e 11 do douto Acórdão do TRLx.
4. Não sendo, portanto, questão nova quando invocada pelo arguido, aqui
reclamante, a fls. 6, 7 e 8 das suas alegações, perante o STJ.
5. A questão – falta de defensor – que, para o caso, e dada a moldura penal do
crime, teria necessariamente de ser advogado titulado (não estagiário ou
simplesmente jurista). Assim como, por se encontrar suspensa, o não poderia ser
a advogada suspensa, a menos que, nesta lógica interpretativa, venha o Tribunal
Constitucional permitir (porque não viola a Constituição) que advogados
suspensos (de exercer a profissão) continuem a exercer advocacia!... E, por
conseguinte, certamente, também permita que os médicos, juízes, engenheiros,
arquitectos, etc. muito embora suspensos, possam e continuem a operar, medicar,
julgar, calcular e projectar!...”
O Ministério Público respondeu que a reclamação é manifestamente
infundada, não tendo na devida conta os pressupostos do recurso de
constitucionalidade e os ónus que a lei impõe ao recorrente.
3. A reclamação é manifestamente infundada, mantendo-se a decisão pelo essencial
dos seus fundamentos.
Com efeito – e tanto bastaria - é manifesto não ter sido suscitada perante o
Supremo Tribunal de Justiça a questão de constitucionalidade de qualquer norma.
Basta atentar nas passagens da motivação do recurso para o Supremo Tribunal de
Justiça onde o recorrente alega ter suscitado a questão de constitucionalidade:
“(…)
Do processo resultou a aplicação de pena de prisão. A leitura do acórdão, com o
devido respeito, é o último acto do julgamento. Devendo o arguido estar
acompanhado por defensor (advogado, nomeado ou constituído), tal não aconteceu.
Aliás, como é reconhecido pelo Tribunal “a quo”. Não tendo o arguido sido
assistido por advogado a falta deste (defensor) nos caso em que a lei determina
a sua obrigatoriedade, constitui uma nulidade insanável, conforme artº 119º do
CPP, com violação das normas constitucionais constantes dos arts 32º, nº 1 e 3 e
art. 20º, nº 2 e nº 3 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Conclusões
1ª – O arguido A., não foi assistido por advogado, nas sessões da audiência após
a suspensão, pela Ordem dos Advogados, em 22 de Janeiro de 2003, da Sra. Dra.
C..
2ª – Das sessões em que não foi assistido por advogado, pelo menos uma, o TRLx,
“aceita” que, de facto assim foi;
3ª – A falta de defensor, em audiência e quando do processo possa resultar a
aplicação duma pena de prisão, constitui uma nulidade insanável conforme art.
119º alínea c) em conjugação com a alínea b), nº 1, do art64º do CPP;
3ª – Com violação do pressuposto pelos arts. 20º e artº 32º nº 1 e nº 3 da CRP;
4ª – A Ordem dos Advogados, em 22.01.2003, efectuou todos os averbamentos e
comunicou a suspensão da Dra. C.;
5ª – O Tribunal “a quo” ao condenar o arguido nos temos em que o fez e com base
na prova em que se baseou fê-lo, com o devido respeito, com a deturpação dum
depoimento testemunhal – perito médico, do Instituto de Medicina Legal, sem o
apoio
de qualquer base científica; ou sequer testemunhal;
6ª – Condenou o arguido baseado em provas “deturpadas” – reconhecido pelo
próprio, conforme documento junto, e sem qualquer prova material, o que com o
devido respeito e muito pouco para sustentar o insustentável.
7ª – O arguido – A. apenas utilizou a arma depois e enquanto estava a ser
agredido. Fê-lo no exercício da legítima defesa, perante uma agressão actual e
ilícita, actuando com o único propósito – o de se defender.
Estando impossibilitado de chamar a força pública, não tendo, naquele momento e
local qualquer outro meio ou possibilidade de se defender.
8ª – Não se encontra provado, dada a falta de provas materiais, qual a relação
entre os tiros efectuados pelo arguido A., e as lesões sofridas pelo arguido D..
9ª – O acórdão recorrido viola, entre outras, as seguintes disposições legais:
a) Arts. 374º nº 2 e 379º nº 1 alínea a), do CPP
b) Arts. 31ºe 32º do C. Penal
c) Artsº 20º, 21º, 32º e 205º da CRP.”
Com estas conclusões – e nem a recorrente invoca, nem efectivamente
existe no texto das alegações algo que melhor lhe aproveite – não está posta em
crise a constitucionalidade de qualquer norma por forma a que o Supremo
Tribunal de Justiça devesse saber que tinha uma questão desta natureza para
apreciar. Invocam-se normas e princípios constitucionais, mas a sua violação é
directa e exclusivamente imputada à decisão recorrida.
E também é indiscutível que o acórdão recorrido não aplicou as
normas referidas no n.º 3 do requerimento com que o reclamante respondeu ao
convite a concretizar o objecto do recurso. Basta ver o que diz o Supremo
Tribunal de Justiça a este propósito:
“(…)
Relativamente à invocada nulidade processual impõe-se desde já referir que tal
questão é suscitada pela primeira vez no recurso ora em análise.
Assim, reafirma-se a jurisprudência constante deste Supremo Tribunal de Justiça
no sentido de que os recursos se destinam a reexaminar decisões proferidas por
jurisdição inferior e não para obter decisões sobre questões novas, não
colocadas perante aquelas jurisdições.
(…)
Não pode, assim, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido
colocadas ao Tribunal de que se recorre. No caso, o Supremo Tribunal de Justiça
não pode conhecer de questões que, embora resolvidas pelo Tribunal de 1ª
Instância não foram suscitadas perante a 2ª Instância, de cuja decisão agora se
recorre (neste sentido cfr. os Acs. Do STJ 12.12.2002, proc. N.º 1874/02, de
27-02-03, proc. Nº 255/03 e de 2.2.06, proc. Nº 4409/05).
Sem embargo do exposto e equacionando a mesma questão em abstracto ainda se dirá
que:
(…)
A essencialidade do papel de defensor, como aval dos direitos e liberdades que
constitucionalmente assistem o arguido, e o papel nuclear da sua intervenção nas
fases processuais mais relevantes do processo penal, levou o legislador a
caracterizar a ausência do mesmo defensor como o vício mais contundente –
nulidade insuprível em sede de nulidades (artigo 119 do Código de processo
Penal).
É exactamente o apelo a tal figura a que o recorrente faz apelo explanando o seu
raciocínio em dois momentos distintos: a) A defensora que o assistia foi
suspensa pela respectiva Ordem b) A suspensão impedia de exercer o patrocínio c)
Existiria, assim, uma situação de falta de defensor e sequente nulidade.
O raciocínio está errado e parte de pressupostos incorrectos. Importa, na
verdade considerar que a posição jurídica de defensor no processo não depende da
qualidade de advogado oficioso ou defensor constituído. Estas, são modalidades
de nomeação, de designação, do órgão de defesa, mas não afectam a igualdade da
posição jurídica (confrontar artigo 62 do Código de Processo Penal).
No caso vertente o defensor foi nomeado e manteve o exercício da sua
representação a assistência de forma regular. Uma superveniente crise nas suas
relações com a Ordem que integra, e sequente aplicação de sanção por esta
Instituição, é patologia que só reflexamente poderá ter repercussão no processo
penal e, de forma alguma se poderá afirmar que se trata de uma situação de falta
de advogado relevante como nulidade principal.
(…).”
Não compete ao Tribunal Constitucional, cujos poderes de cognição em
recurso de fiscalização concreta se limitam à apreciação da constitucionalidade
da norma que a decisão recorrida tenha aplicado (ou recusado aplicação),
censurar o acórdão recorrido quando considerou que a questão da nulidade era uma
questão nova, de que não lhe competia conhecer. São, para este fim, inúteis os
protestos do reclamante quando insiste em que a questão da nulidade por falta de
defensor não era uma “questão nova” como o Supremo Tribunal de Justiça entendeu.
4. Decisão
Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação e condenar o recorrente nas
custas, fixando a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 2007
Vítor Gomes
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício