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Processo n.º 1032/06
1ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Helena Brito
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Notificado do Acórdão n.º 10/2007, proferido pelo Tribunal
Constitucional, em 9 de Janeiro de 2007 (fls. 52 e seguintes) – em que se
decidiu indeferir a reclamação por si deduzida do despacho do Desembargador
Relator do Tribunal da Relação de Lisboa que não admitira o recurso de
constitucionalidade que pretendia interpor –, veio o reclamante A., invocando o
artigo 669º do Código de Processo Civil, requerer a aclaração do mencionado
acórdão.
No requerimento apresentado (fls. 67 e seguintes/72 e
seguintes), diz o reclamante:
“[…]
1. Na decisão notificada pode ler-se no Parecer do Digno representante do
Ministério Público que «o reclamante se limita a questionar a
constitucionalidade de concretas decisões judiciais proferidas, sem ter
suscitado tempestiva e adequadamente qualquer questão de inconstitucionalidade
de normas, ... não conseguindo aliás o reclamante identificar qualquer decisão
deste Tribunal que haja dirimido anteriormente a questão da constitucionalidade
em sentido contraditório».
2. De forma semelhante, a douta decisão da reclamação expressamente refere que
«que o reclamante não suscitou durante o processo qualquer questão da
inconstitucionalidade normativa susceptível de constituir objecto idóneo de um
recurso de fiscalização concreta», acrescentando que se limita a referir a
violação do artigo 13º da CRP.
3. Verificado porém o teor da reclamação concreta, verifica-se que no ponto 20
se indica expressamente, como fundamento de integração da violação do art. 13º
da CRP, o Acórdão n.º 517/93 de 26.09 in BMJ 430/179 no qual se afirma que os
princípios da igualdade das partes e do contraditório, se bem que não estejam
autonomamente consagrados na CRP possuem dignidade constitucional por derivarem,
em última instância, do princípio do estado de direito e constituírem emanações
directas do princípio da igualdade.
4. Aliás o reclamante no ponto 22 da sua reclamação, de novo alega que é esse
fundamento da jurisprudência do Tribunal Constitucional que lhe permite referir
a violação do princípio da igualdade e do contraditório.
5. Esta referência à norma da CRP violada e à jurisprudência do Tribunal
Constitucional fora já feita nas alegações de apelação pelo aqui reclamante,
designadamente, nas conclusões 11 e 12 dessa peça.
6. O que igualmente sucedeu nas conclusões 10. e 11. das alegações de agravo.
7. Aliás a referência genérica à violação de normas constitucionais fora feita
também pelo reclamante na sua primeira intervenção processual ainda enviada à 1ª
Instância em 16.06.2005.
8. Independentemente do teor da decisão poder ser confirmativo ou infirmativo da
decisão proferida, a verdade é que decorre do aqui alegado que o reclamante
invocou decisão jurisprudencial do Tribunal Constitucional e fundamentou a
violação do art. 13º da Constituição.
9. O que está aparentemente em contradição não clarificada na decisão com o
fundamento de que tal não fora liminarmente alegado.
Nestes termos e nos demais de Direito vem requerer a V. Exa que se digne
esclarecer a razão pela qual não foi considerada na parte decisória e como parte
integrante da decisão a jurisprudência do Tribunal Constitucional referida, e a
mesma decisão foi proferida unicamente e aparentemente com o sentido estrito de
não ter sido suscitada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
[…].”.
2. Os reclamados B. e mulher responderam (fls. 77/85):
“[…]
O douto acórdão proferido nos presentes autos é perfeitamente claro, não
padecendo de qualquer ambiguidade ou obscuridade que careça de ser esclarecida.
Para esclarecer o pretendido mais não é preciso do que repetir o que já se
encontra escrito no acórdão cuja aclaração foi requerida.
O esclarecimento requerido constitui, manifestamente, um expediente dilatório
com o fim de protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão, o
que constitui litigância de má-fé (art. 456º, n.º 2, al. d), CPC).
[…].”.
3. A. respondeu ao pedido de condenação como litigante de má-fé nos
seguintes termos (fls. 79/82):
“[…]
1. A litigância de má-fé requerida fundamenta-se na pretensa utilização de meios
reprováveis no processo.
2. Contudo, não se pode nunca confundir, e designadamente em matéria tão
sensível como a má-fé, o uso reprovável do processo, com a utilização dos
direitos substantivos ou processuais que o sistema jurídico confere.
3. E, dentro deles, consta claramente a possibilidade de requerer o
esclarecimento da decisão, caso para o requerente a mesma contenha alguma
obscuridade.
4. Significa isto que a qualificação da má-fé poderá, quando muito,
sustentar-se, não no exercício objectivo do direito, mas antes na falta de
fundamentação do pedido.
5. Ora, quanto à fundamentação foi o requerente extremamente cauteloso e linear
na respectiva dedução, baseando-se no texto da douta decisão notificada para
expressamente transmitir as dúvidas que ela lhe tinha causado.
6. E certo é que, nem sequer, temerariamente, deduziu quaisquer nulidades de
sentença que a douta decisão lhe pudesse suscitar.
Neste termos, porque o pedido de esclarecimento corresponde ao efectivo
exercício de um direito conferido por Lei, dado que tal pedido se encontra
regular e adequadamente fundamentado, atento que a douta decisão notificada
poderia legitimamente suscitar as dúvidas aduzidas, deverá ser totalmente
indeferido o pedido dos requeridos de litigância de má-fé.
Cumpre apreciar e decidir.
4. No processo que deu origem a estes autos de reclamação, o ora
reclamante pretendeu no Tribunal da Relação de Lisboa interpor recurso para o
Tribunal Constitucional, invocando como fundamento as alíneas b) e g) do n.º 1
do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, por considerar ter havido nos
autos “violação dos artigos 3º, 3º-A, 32º, 153º, 668º, n.º 1, c) e d) e 784º,
todos do C.P.C. e ainda do artigo 22º, n.º 2 da Lei 34/200[4], de 29.07”, “tudo
com reflexos nítidos na violação do princípio do contraditório e da igualdade
das partes, ou seja, do artigo 13º da C.R.P.
O Desembargador Relator, no Tribunal da Relação de Lisboa, não
admitiu o recurso por entender que “não se divisa que norma o tribunal haja
aplicado que o recorrente tivesse arguido de inconstitucionalidade ou que já
houvesse sido declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional”, pois que
“o que o recorrente fez foi invocar a violação do artigo 13º da Constituição da
República Portuguesa, que consagra o princípio da igualdade, sempre a propósito
da invocada violação do princípio processual do contraditório e a par da
violação de outras normas legais, mas por parte das decisões judiciais
impugnadas”.
5. No acórdão agora reclamado o Tribunal Constitucional verificou:
a) Quanto ao recurso interposto com fundamento na
alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional
– que na conclusão 12ª da motivação do recurso para o Tribunal
da Relação de Lisboa – a peça processual a ter em conta, atento o disposto no
artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional – o ora reclamante se
limitou a imputar à decisão então recorrida o vício de violação de lei
(concretamente, violação dos artigos 3º, 3º-A, 32º, 153º, 668º, n.º 1, c) e d),
e 784º, todos do Código de Processo Civil, bem como do artigo 22º, n.º 2, da Lei
n.º 34/2004, de 29 de Julho), e ainda a violação do artigo 13º da Constituição
da República Portuguesa;
– que, não tendo o recorrente suscitado qualquer questão de
inconstitucionalidade normativa, não pode dar-se como cumprido o ónus a que se
referem os artigos 70º, n.º 1, alínea b), e 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal
Constitucional.
– que nem no requerimento de interposição do recurso para o
Tribunal Constitucional nem na reclamação do despacho de não admissão de tal
recurso – que, de todo o modo, não poderiam ser considerados momentos adequados
para dar como cumprido o ónus de invocação da questão de inconstitucionalidade
“durante o processo” perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida – o ora
reclamante identificou qual a norma ou normas que pretende submeter ao
julgamento deste Tribunal.
b) Quanto ao recurso interposto com fundamento na
alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional
– que o recorrente não indica qual o acórdão do Tribunal
Constitucional que teria decidido a questão por si suscitada;
– que não se vê que este Tribunal tenha julgado
inconstitucional ou ilegal qualquer norma aplicada nos presentes autos.
Concluiu-se assim que não se encontravam verificados, no caso
dos autos, os pressupostos de admissibilidade dos recursos que o ora reclamante
pretendia interpor com fundamento nas alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70º da
Lei do Tribunal Constitucional.
Nestes termos, o recurso de constitucionalidade não poderia ser
admitido e, consequentemente, a reclamação foi indeferida.
6. O pedido de “aclaração” do acórdão proferido no presente processo
tem manifestamente de improceder.
Nos termos do artigo 669º, n.º 1, alínea a), do Código de
Processo Civil, pode qualquer das partes requerer ao tribunal que proferiu a
decisão “o esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade que ela
contenha”.
Decisão obscura é a que contém algum passo cujo sentido não é
inteligível e decisão ambígua é a que permite a atribuição de mais do que um
sentido ao seu texto.
Ora, no caso dos autos, o reclamante não pretende propriamente
o esclarecimento de um qualquer aspecto obscuro ou ambíguo da decisão reclamada.
Do texto da reclamação decorre tão somente que o reclamante manifesta a sua
discordância em relação à fundamentação da decisão contida no acórdão reclamado,
o que obviamente excede os poderes do Tribunal no âmbito da apreciação de um
pedido de aclaração.
Assim, e porque se entende ser claro e compreensível o acórdão
proferido, há que indeferir o pedido de “aclaração”.
7. Pretendem os reclamados B. e mulher que este Tribunal condene o
reclamante como litigante de má fé, por considerar que é intenção do presente
pedido de aclaração protelar o trânsito em julgado da decisão proferida nos
autos.
Embora possa estar presente uma finalidade dilatória, não pode
até este momento reconhecer-se que exista, por parte do reclamante, “um uso
manifestamente reprovável” de meios, cuja falta de fundamento não ignora, com o
fim de “entorpecer a acção da justiça”.
8. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal
Constitucional decide:
a) indeferir o pedido de aclaração do Acórdão n.º
10/2007, de 9 de Janeiro de 2007;
b) não condenar o reclamante como litigante de má
fé.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15
(quinze) unidades de conta.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2007
Maria Helena Brito
Carlos Pamplona de Oliveira
Rui Manuel Moura Ramos