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Processo nº 506/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Rui Moura Ramos
Acordam na 1ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório.
Instaurou A. contra a Caixa Geral de Aposentações acção declarativa sob a forma
do processo ordinário, pedindo lhe fosse declarada a titularidade das prestações
por morte, no âmbito dos regimes de Segurança Social, previstos no Decreto-Lei
n.º322/90, de 18 de Outubro e do n.º3 ex vi art.6º da Lei n.º7/2001, de 11 de
Maio, decorrentes do óbito do seu companheiro.
Para além da circunstância de haver vivido com o beneficiário da demandada em
condições análogas às dos cônjuges desde os finais de 1992 até ao momento do
respectivo óbito, ocorrido aos 13.05.2003, alegou ainda a autora, para
fundamentar tal pretensão, não dispor de ascendentes, descendentes ou irmãos em
condições de lhe prestar os alimentos de que se afirmou carecida, nem ter a
herança aberta por óbito do companheiro falecido forças para suportar o
pagamento da correspondente prestação.
A ré contestou, pugnando pela improcedência da acção, o que fez sob invocação,
entre outros, do argumento segundo o qual as disposições dos arts.6º do
Decreto-Lei n.º135/99, de 28 de Agosto, e 41º do Estatuto das Pensões de
Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º142/73, de 31 de Março, e alterado
pelo Decreto-Lei n.º191-B/79, de 25 de Junho, ao remeterem para o preceituado no
art.2020º do Código Civil, sujeitam o direito que a autora pretende ver
declarado à demonstração, entre o mais, da impossibilidade de obtenção dos
alimentos pretendidos do cônjuge, ex-cônjuge, descendentes, ascendentes ou
irmãos, bem como da inexistência ou insuficiência de bens da herança do
companheiro falecido para realizar tal prestação.
A autora replicou, arguindo a revogação do invocado Decreto-Lei n.º135/99, de 28
de Agosto, e, louvando-se na decisão contida no Acórdão n.º88/04, proferido pela
3ª Secção deste Tribunal aos 14 de Fevereiro de 2004, sustentou ainda a
inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade resultante
da conjugação dos arts.2º, 18º, n.º2, 36º, n.º1, e 63º, n.ºs1 e 3, todos da
Constituição, do art.41º do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo
Decreto-Lei n.º142/73, de 31 de Março, e alterado pelo Decreto-Lei n.º191-B/79,
de 25 de Junho, «quando interpretado no sentido de que a atribuição da pensão de
sobrevivência por morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações, a quem
com ele convivia em união de facto, depende também da prova do direito do
companheiro sobrevivo a receber alimentos da herança do companheiro falecido,
direito esse a ser invocado e reclamado na herança do falecido, com o prévio
reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos termos das alíneas a) a d)
do art. 2009.°, do Código Civil (…)».
Saneados os autos e realizada a audiência de discussão e julgamento, foi
proferida sentença, julgando a acção improcedente por não provada a
impossibilidade de exigência da prestação de alimentos à herança do companheiro
falecido, absolvendo-se a ré do pedido.
Demonstrado pelo julgamento havia sido considerado, todavia, o facto de a
autora, viúva, não ter familiares com rendimentos suficientes para que pudessem
contribuir para a sua subsistência, o que se consignou na sentença.
Inconformada com a decisão proferida em primeira instância, a autora apelou para
o Tribunal da Relação de Lisboa que, por Acórdão proferido aos 15 de Dezembro de
2005, negou provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.
Uma vez mais inconformada, a autora recorreu do Acórdão
proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça.
Por Acórdão datado de 04 de Maio de 2006, o Supremo Tribunal de
Justiça negou a revista, confirmando o Acórdão recorrido.
Para fundamentar o assim decidido, aí se escreveu,
designadamente, o seguinte:
«1º Delimitando-se o âmbito do recurso pelas conclusões das alegações
(arts.684º, n.º3, e 690º, n.º1, do Código de Processo Civil), vemos ter a autora
suscitado as questões de saber:
a) Se para a atribuição da pensão de sobrevivência prevista nos arts.40º,
n.º1, e 41º, n.º2, do Decreto-Lei n.º142/73, é exigível ou não a prova da
carência de alimentos e da impossibilidade de os obter da herança do falecido
companheiro, beneficiário, ou das pessoas previstas no art.2009º, nos termos do
art.2020º, ambos do Cód. Civil.
b) Se a interpretação dada no acórdão recorrido aos citados arts.40º, n.º1,
e 41º, n.º2, do Decreto-Lei n.º142/73, de que a atribuição da pensão de
sobrevivência por morte do beneficiário da ré, Caixa Geral de Aposentações, à
autora que com ele conviva em união de facto, depende também da prova do direito
dela, companheira sobreviva, a receber alimentos da herança do falecido, em
acção contra a dita herança, com reconhecimento da impossibilidade da sua
obtenção, quer da mesma, quer das pessoas a quem legalmente podem ser exigidos,
viola os princípios da igualdade e da proporcionalidade previstos,
respectivamente, nos arts.13º e 36º, n.º1 e nos arts.2º, 18º, n.º2, 36º, n.º1 e
63º, n.ºs1 e 3, todos da C.R.P.
2º Apreciemos a primeira questão:
[...]
3º Considera o acórdão recorrido, e tal como resulta do art.2020º do
Código Civil, que o direito a exigir alimentos da herança do falecido, nas
uniões de facto, depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) Que o parceiro falecido não seja casado à data da sua morte ou, sendo
casado, se encontre, então, separado judicialmente de pessoas e bens;
b) Que o parceiro sobrevivo tivesse vivido, em união de facto, com o
falecido há mais de dois anos à data da morte do companheiro;
c) Que a convivência o fosse em condições análogas às dos cônjuges;
d) Que o requerente não tenha possibilidade de obter os alimentos de que
carece do cônjuge ou ex-cônjuge, dos descendentes, dos ascendentes ou dos
irmãos.
Para além do direito a alimentos a que se reporta o art.2020º do Cód.
Civil é conferido, como vimos, pelos Dec.s-Lei n.º142/73 e 322/90, dec-Reg.
n.º1/94 e Leis n.º135/99 e 7/2001, o direito a pensões de sobrevivência ou
subsídios por morte e por assistência de terceira pessoa por falecimento dos
agentes da administração pública, subscritores da Caixa Geral de Aposentações, e
dos beneficiários do regime geral da Segurança Social, que se encontrem na
situação prevista no citado art.2020º, n.º1.
4º Da conjugação dos normativos referidos concluiu a Relação, e bem,
diga-se desde já, que os pressupostos necessários para a concessão ao membro
sobrevivo da união de facto do direito à pensão de sobrevivência (ou de outras
prestações do regime da segurança social) são os seguintes:
a) a prova da união de facto, por mais de dois
anos, entre o sobrevivo interessado e o falecido beneficiário;
b) a prova de que o sobrevivo interessado
carece de alimentos e de que estes não podem ser prestados nem pela herança, nem
pelas pessoas a quem legalmente podem ser exigidos.
A comprovação de tais requisitos cabe ao companheiro sobrevivo por
respeitarem a factos constitutivos do seu direito (art.342º, n.º1, do Cód.
Civil).
Lembre-se que nos termos do apontado art.6º, n.º2, da Lei n.º7/2001,
basta uma única acção e contra a instituição competente, para a atribuição das
prestações reclamadas, não sendo, pois, necessário já propor outra acção contra
a herança para demonstrar essa insuficiência de bens, como salienta o acórdão
recorrido.
5º Entendeu a 1ª instância, com a concordância da Relação, que não
assistia à autora recorrente, em função da matéria de facto assente, o direito
às pretendidas prestações por morte do seu companheiro Carlos Rodrigues, porque
não logrou provar a insuficiência da herança deste para suportar o pagamento de
uma pensão alimentar.
Os factos materiais da causa fixados pelas instâncias são insindicáveis
por este tribunal uma vez que não se verifica o quadro de excepção previsto no
art.722º, n.º2, do C.P.Civil.
Por outro lado, não se justifica a ampliação da decisão de facto a que
alude o art.730º desse Código, sendo certo que era na presente acção que a
recorrente teria de demonstrar a impossibilidade de obter alimentos da herança
do falecido.
Refere ainda a recorrente que houve incorrecta interpretação e aplicação
da lei ao caso concreto, visto que a remissão feita nos arts.40º, n.º1, al.a), e
41º, n.º2, do Decreto-Lei n.º142/73, 8º, n.º1, do Decreto-Lei n.º322/90, 3º,
n.º1, do Decreto-Regulamentar n.º1/94, e 6º, n.º1, da Lei n.º7/2001, às
condições constantes do art.2020º do Cód. Civil, não significa qualquer
exigência adicional, devendo tais normas ser interpretadas restritivamente no
sentido de que apenas se reportam à prova dos requisitos da união de facto.
Sem razão, porém.
Como melhor se dirá adiante, o legislador não pretendeu proceder à
equiparação ou conferir igual relevância ao vínculo conjugal e à união de facto.
[...]
Assim […] não podemos deixar de considerar que a atribuição da pensão de
sobrevivência por morte de beneficiário da Caixa Geral de Aposentações a quem
com ele, como a requerente, convivia em união de facto, depende da prova de
estar ela nas condições do art.2020º do Código Civil, isto é, de ter direito a
obter alimentos da herança do falecido por não os poder obter das pessoas
referidas no art.2009º do mesmo diploma […].
Insubsistentes se mostram, por conseguinte, as conclusões em que a
recorrente alicerça a primeira questão.
6º Na segunda questão, entende a recorrente que a interpretação dada pela
Relação de que os arts.40º, n.º1, e 41º, n.º2, do Decreto-Lei n.º142/73, e 6º da
Lei n.º7/2001 exigem a comprovação da impossibilidade da herança do falecido
companheiro em suportar a prestação de alimentos, é materialmente
inconstitucional por violação do princípio da igualdade e do princípio da
proporcionalidade, consagrados, respectivamente, nos arts.13º e 36º e nos
arts.2º, 18º, n.º2, 36º, n.º1 e 63º, n.ºs1 e 3, todos da C.R.P, apoiando-se a
recorrente, para tanto, no ac. do Tribunal Constitucional n.º88/04, de
10.02.2004.
Sobre a questão em análise pronunciou-se recentemente o Tribunal
Constitucional no ac. n.º159/2005, de 29.03.2005, in DR de 28.12.2005, de que,
com a devida vénia, iremos transcrever os pontos mais importantes, o que
dispensará outras considerações.
7º Aí se refere, a propósito da invocada violação do princípio da
igualdade, que o regime jurídico das pessoas unidas pelo matrimónio, confrontado
com a união de facto, não permite sustentar que estamos perante situações
idênticas, a requerer tratamento igual.
[...]
Relativamente ao invocado princípio da proporcionalidade, escreveu-se no
Acórdão que se vem citando:
“… o que está em causa no confronto de uma solução normativa com o
princípio da proporcionalidade não é simplesmente a gravidade ou a dimensão das
desvantagens ou inconvenientes que pode acarretar para os visados (com, por
exemplo, a necessidade da prova da carência de alimentos, ou, mesmo a exclusão
total de certos direitos). O recorte de um regime jurídico – como o da
destruição do vínculo matrimonial ou o dos seus efeitos sucessórios – pela
hipótese do casamento, deixando de fora situações que as partes não pretenderam
intencionalmente submeter a ele, tem necessariamente como consequência a
exclusão dos respectivos efeitos jurídicos. O que importa apurar é se tal
recorte é aceitável – se segue um critério constitucionalmente aceitável – tendo
em conta o fim prosseguido e as alternativas disponíveis...
… Ora, como revela o paralelo da solução normativa em causa com a posição
sucessória do cônjuge sobrevivo e da união de facto – não equiparada, aliás,
pelas Leis n.ºs 135/99 e 7/2001 –, o tratamento post mortem do cônjuge é,
justamente, um daqueles pontos do regime jurídico em que o legislador optou por
disciplinar mais favoravelmente o casamento.
Esta distinção entre a posição post mortem do cônjuge e a do companheiro
em união de facto – que, aliás, podem concorrer entre si depois da morte do
beneficiário – é adequada à prossecução do fim de incentivo à família fundada no
casamento, que não é constitucionalmente censurável – e antes recebe até
particular acolhimento no texto constitucional. A conveniência de tal distinção
de tratamento post mortem, com os concomitantes reflexos patrimoniais, pode ser,
e será com certeza, diversamente apreciada a partir de diversas perspectivas, no
debate político-legislativo … Mas a Constituição não proscreve essa distinção,
ainda quando ela tem como consequência deixar de fora do regime estabelecido
para a posição sucessória do cônjuge o companheiro em união de facto”.
Entende-se ser justamente isto o que se passa com a interpretação em
causa, segundo a qual os requisitos para o direito à pensão de sobrevivência são
diversos, dependendo, no caso de união de facto, e tal como em geral para o
direito a alimentos nos termos do artigo 2020º do Código Civil, de aquele ter
direito a obter alimentos da herança, por não os poder obter das pessoas
referidas no artigo 2009º do mesmo Código.
…O sentido da remissão para o artigo 2020º do Código Civil, com a
exigência de provar os requisitos exigidos neste normativo, como
“condicionamento da pensão à impossibilidade de obter alimentos”, mais não é do
que “a prova, justamente, da necessidade de protecção da pessoa em causa, por
não a poder obter dos seus familiares directos”, sendo, portanto, coerente com o
objectivo visado pela prestação social em causa: para o cônjuge, considerando os
deveres de solidariedade patrimonial e a obrigação de alimentos em caso de
ruptura, presume-se essa situação; para o caso da união de facto, é necessário
fazer prova da necessidade de protecção, tal como quando se pretende obter
alimentos.
Da exigência daqueles requisitos … não resulta, pois, qualquer violação
do princípio da proporcionalidade …“.
8º Em conformidade com a doutrina do ac. do TC n.º159/2005, e de acordo
com o entendimento da Relação, é de concluir, assim, ser consonante com os
princípios da igualdade, previsto no art.13º, e 36º, n.º1, e da
proporcionalidade, ínsito nas disposições dos arts.2º, 18º, n.º2, 36º, n.º1, e
63º, n.ºs1 e 3, todos da C.R.P., a interpretação dos arts.40º, n.º1, e 41º,
n.º2, do Decreto-Lei n.º142/73 e do art.6º, n.º1, da Lei n.º7/2001, segundo a
qual a titularidade da pensão de sobrevivência, em caso de união de facto,
depende de o companheiro do falecido estar nas condições do art.2020º do Cód.
Civil, isto é, de carecer de alimentos e de estes não poderem ser prestados, nem
pela herança do falecido beneficiário, nem pelas pessoas referidas no art.2009º,
n.º1, als.a) a d), do mesmo diploma.
Improcedem, portanto, também as conclusões formuladas pela recorrente
sobre a segunda questão, devendo manter-se o acórdão recorrido».
Deste Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça recorreu a autora para
o Tribunal Constitucional, o que fez sob invocação das alíneas b) e g) do
art.70º da LTC e nos termos seguidamente transcritos:
« […]
a) A ora recorrente interpõe o presente Recurso de Fiscalização
Concreta da Constitucionalidade, nos termos do disposto no art. 70.°, alíneas b)
e g), da Lei do Tribunal Constitucional.
b) Nos termos do art. 75.°-A, n.° 2 e do art. 70.°, n.° 1, alínea b),
ambos da Lei do Tribunal Constitucional, as normas consideradas violadas e pela
Recorrente consideradas Inconstitucionais são as normas constantes dos artigos
40.°, n.° 1, e 41.°, n° 2, do Decreto-Lei n.° 142/73, de 31 de Março.
c) Os Princípios e normas Constitucionais violados são, o Principio da
Proporcionalidade; Principio do Estado de Direito Democrático, art. 2° da CRP;
Principio do Direito a Constituir Família em Plena Igualdade, art. 36.°, n.° 1
da CRP e Principio do Direito à Segurança Social, art. 63.°, n.° 1 e n.° 3 da
CRP.
d) Nos termos do n.° 2 do art. 75.°-A da Lei do Tribunal Constitucional,
as peças processuais onde se suscitou a Inconstitucionalidade das normas
constantes dos artigos 40.°, n.° 1, e 41.°, n.° 2, do Decreto-Lei n.° 142/73, de
31 de Março, foram a Réplica, apresentada em 23 de Junho de 2004, nas Alegações
de Apelação, apresentadas em 27 de Setembro de 2005 e ainda nas Alegações de
Revista, apresentadas em 16 de Fevereiro de 2006.
e) Sendo o presente Recurso interposto nos termos da alínea g) do art.
70.° da Lei do Tribunal Constitucional, a decisão que anteriormente julgou
Inconstitucional as normas constantes dos artigos 40.°, n.° 1, e 41.°, n.° 2, do
Decreto-Lei n.° 142/ 73, de 31 de Março, e que agora se requer, novamente, a sua
declaração de Inconstitucionalidade, é o Acórdão n.° 88/04, proferido ao abrigo
do Processo n.° 411/03, da 3 Secção do Tribunal Constitucional».
Convidada a aperfeiçoar o requerimento de interposição de recurso através da
enunciação da dimensão normativa a sindicar para efeitos da fiscalização
requerida ao abrigo da alínea b) do art.70º da LTC, a recorrente respondeu nos
seguintes termos:
«[…]
1.
O presente Recurso de Constitucionalidade recai
sobre as normas constantes dos arts. 40.°, n.° 1, e 41.°, n.° 2, ambos do
Decreto-Lei n.° 142/ 73, de 31 de Março (Estatuto das Pensões de Sobrevivência
no Funcionalismo Público).
2.
Pretende a ora Recorrente ver apreciada a
Constitucionalidade da interpretação da norma constante do art. 40.°, n.° 1 do
Decreto-Lei n.° 142/73, de 31 de Março, a qual estabelece que:
“1 - Têm direito à pensão de sobrevivência como herdeiros hábeis dos
contribuintes, verificados os requisitos que se estabelecem nos artigos
seguintes:
a) Os cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados judicialmente de pessoas
e bens e as pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020.° do Código
Civil”.
3.
Do mesmo modo, pretende a Recorrente ver apreciada
a Constitucionalidade da interpretação da norma constante do art. 41.°, n.° 2 do
Decreto-Lei n.° 142/73, de 31 de Março, o qual estabelece que:
“Aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições previstas
no artigo 2020.° do Código Civil, só será considerado herdeiro hábil para
efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe o
direito a alimentos e a pensão de sobrevivência seja devida a partir do dia 1 do
mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido direito”.
4.
As normas em questão, foram interpretadas pelas
Instâncias, no sentido de fazer depender o direito à pensão, entre o mais, de o
companheiro sobrevivo provar a impossibilidade de obtenção de alimentos da
herança do companheiro falecido ou dos herdeiros do próprio companheiro vivo.
5. Esta interpretação, da norma constante do art. 40.°,
n.° 1 e da norma constante do art. 41.°, n.° 2, ambas do Decreto-Lei n.° 142/
73, de 31 de Março, ofende por Inconstitucionalidade, o art. 13°, o art. 36° e o
art. 67.° da Constituição da República Portuguesa que consagra o direito de
igualdade de tratamento não díspar dos casados e dos unidos de facto e
convivência como se de casados se tratasse, tratamento este a conceder em pé de
igualdade decorrente dos Princípios Constitucionais da Igualdade, do Direito de
Constituir Família e do Direito à Protecção pela Comunidade e pelo Estado, dos
elementos que integram a família que é considerado esteio fundamental da
sociedade e presentes nestes dispositivos da nossa Lei Fundamental.
6.
É entendimento da ora Recorrente que em acção
instaurada apenas contra a Instituição de Segurança social, não tem de alegar e
provar a necessidade de alimentos, sendo o reconhecimento de tal direito, o
direito às prestações por morte, independente de a herança do falecido
companheiro ter ou não ter bens suficientes que suportem o encargo com alimentos
nas condições previstas no n.° 1 do art. 2020.° do Código Civil,
7.
É entendimento da ora Recorrente que em acção
instaurada apenas contra a Instituição de Segurança social, terá somente de
fazer prova da situação da união de facto, ou seja, que no momento da morte de
pessoa não casada ou separada judicialmente de pessoas e bens vivia com ela há
mais de dois anos em condições análogas às dos cônjuges, e não se entendendo
assim, as normas constantes do art. 40.°, n.° 1 e do art. 41.°, n.° 2, ambas do
Decreto-Lei n.° 142/73, de 31 de Março são materialmente Inconstitucionais, por
violação do Princípio da Proporcionalidade.
8. É entendimento da ora Recorrente, que é
Inconstitucional, por violação do Princípio da Proporcionalidade, tal como
resulta das disposições conjugadas dos artigos 2°, 18°, n,° 2, 36°, n.° 1, e
63°, n.°s 1 e 3, todos da Constituição da República Portuguesa, a norma que se
extrai dos artigos 40°, n.° 1, e 41°, n.° 2, do Estatuto das Pensões de
Sobrevivência no Funcionalismo Público, quando interpretada no sentido de que a
atribuição da Pensão de Sobrevivência por morte de beneficiário da Caixa Geral
de Aposentações, a quem com ele convivia em união de facto, depende também da
prova do direito do companheiro sobrevivo a receber alimentos da herança do
companheiro falecido, direito esse a ser invocado e reclamado na herança do
falecido, com o prévio reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos
termos das alíneas a) a d) do art. 2009° do Código Civil, aliás, como se decidiu
no Acórdão n° 88/04 do Tribunal Constitucional, datado de 10 de Fevereiro de
2004.
Na sequência da resposta apresentada pela recorrente, foi proferido pelo ora
relator o seguinte despacho intercalar:
«Da delimitação do objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º1
do art.70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC).
O recurso previsto na alínea b) do n.º1 do art.70º da LTC cabe das decisões que
apliquem norma cuja constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Sabido que o controlo exercido no âmbito da fiscalização concreta, assumindo
embora natureza estritamente normativa, tanto pode incidir sobre o sentido
plasmado no preceito que contém a norma a sindicar, como visar apenas o
particular sentido em que a mesma houver sido interpretada no âmbito de uma
determinada actividade subsuntiva, vincula-se o recorrente, quando questionada
apenas é a conformidade constitucional de uma determinada interpretação
normativa, à definição da dimensão ou do sentido normativo contraditado, com o
que se cumpre o ónus de delimitação do objecto do recurso.
Nesta última hipótese – que é, de resto, a presente -, para além de se supor,
como condição de admissibilidade do recurso, que a decisão recorrida haja feito
aplicação, como sua ratio decidendi, da dimensão normativa acusada de ser
inconstitucional, exige-se, em consequência do carácter instrumental do recurso,
que um eventual juízo de inconstitucionalidade nos termos reivindicados pelo
recorrente possa “influir utilmente na decisão da questão de fundo” (Acórdão do
Tribunal Constitucional nº 169/92, Diário da República, II Série, de 18 de
Setembro de 1992).
Isto porque, não visando os recursos, sequer também, dirimir questões
meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade, ainda que
parcial, do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito, torna-o,
ao menos nessa parte, processualmente inócuo, o que é vedado pela sua natureza
funcional (neste sentido, vide Acórdão do Tribunal Constitucional nº 366/96,
Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996).
Pois bem.
Respondendo ao convite que, já neste Tribunal, lhe foi dirigido para
delimitar o objecto do recurso interposto ao abrigo da alínea b) do n.º1 do
art.70 da LTC através da enunciação da dimensão normativa de que considerou
haverem sido objecto os preceitos de direito infraconstitucional correspondentes
aos arts. 40.°, n.° 1, e 41.°, n.° 2, ambos do Decreto-Lei n.° 142/ 73, de 31 de
Março (Estatuto das Pensões de Sobrevivência no Funcionalismo Público) e
pretendida sindicar, a recorrente respondeu da seguinte forma:
«As normas em questão, foram interpretadas pelas Instâncias, no sentido de
fazer depender o direito à pensão, entre o mais, de o companheiro sobrevivo
provar a impossibilidade de obtenção de alimentos da herança do companheiro
falecido ou dos herdeiros do próprio companheiro vivo».
Ora, sendo justamente na formulação proporcionada pela resposta ao convite ao
aperfeiçoamento do requerimento de interposição de recurso que, conforme feito
já notar, haverá de reconhecer-se a dimensão normativa objecto da sindicância a
que intenta o accionamento da jurisdição constitucional, a questão que
intercalarmente cumpre resolver é precisamente a de saber se, no contexto da
decisão recorrida, um eventual juízo de inconstitucionalidade formulado com a
amplitude preconizada pela recorrente seria susceptível de repercutir-se, in
totum, sobre o sentido em que foi julgada a pretensão formulada nos autos.
Confirmando integralmente o critério interpretativo sufragado pelo Tribunal da
Relação de Lisboa quanto às exigências colocadas pelos artigos 40º, n.º1, e 41º,
n.º2, do Decreto-Lei n.º142/73, considerou o Supremo Tribunal de Justiça, no
Acórdão recorrido, que “os pressupostos necessários para a concessão ao membro
sobrevivo da união de facto do direito à pensão de sobrevivência (ou de outras
prestações do regime da segurança social) são os seguintes:
a) a prova da união de facto, por mais de dois anos,
entre o sobrevivo interessado e o falecido beneficiário;
b) a prova de que o sobrevivo interessado carece de
alimentos e de que estes não podem ser prestados nem pela herança, nem pelas
pessoas a quem legalmente podem ser exigidos.
A comprovação de tais requisitos cabe ao companheiro sobrevivo por respeitarem a
factos constitutivos do seu direito (art-342º, n.º1, do Cód. Civil).»
Afastando, mais à frente, as objecções que à solução de direito
infraconstitucional assim preconizada entendeu haverem sido dirigidas pela
recorrente, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu a decisão recorrida
considerando ser “consonante com os princípios da igualdade, previsto no
art.13º, e 36º, n.º1, e da proporcionalidade, insito nas disposições dos
arts.2º, 18º, n.º2, 36º, n.º1, e 63º, n.ºs1 e 3, todos da C.R.P., a
interpretação dos arts.40º, n.º1, e 41º, n.º2, do Decreto-Lei n.º142/73 e do
art.6º, n.º1, da Lei n.º7/2001, segundo a qual a titularidade da pensão de
sobrevivência, em caso de união de facto, depende de o companheiro do falecido
estar nas condições do art.2020º do Cód. Civil, isto é, de carecer de alimentos
e de estes não poderem ser prestados, nem pela herança do falecido beneficiário,
nem pelas pessoas referidas no art.2009º, n.º1, als.a) a d), do mesmo diploma”.
Antes, porém, de assim haver concluído, o acórdão recorrido sujeitou o acervo
factual fixado nos autos à verificação da dupla exigência colocada pela solução
de direito infraconstitucional acabada de enunciar, validando consequentemente a
ilação extraída pela primeira instância e confirmada pelo Tribunal da Relação de
Lisboa segundo a qual “não assistia à autora recorrente, em função da matéria de
facto assente, o direito às pretendidas prestações por morte do seu companheiro
Carlos Rodrigues, porque não logrou provar a insuficiência da herança deste para
suportar o pagamento de uma pensão alimentar”, conforme – poderia acrescentar-se
– havia, de resto, alegado na petição inicial.
Com efeito, segundo revelado pela leitura dos autos, não obstante as reservas
de constitucionalidade ulteriormente suscitadas quanto às incrementadas
exigências de prova colocadas pela dimensão normativa sucessivamente aplicada
pelas instâncias, a autora, ora recorrente, invocou, como factos integrantes da
causa de pedir, quer não dispor de familiares com rendimentos suficientes para
que pudessem contribuir para a respectiva subsistência (artigo 28º da petição
inicial), quer não possuir o companheiro beneficiário quaisquer bens à data do
respectivo óbito (artigo 18º da petição inicial).
A mesma leitura revela ainda que ambos os referidos factos, depois de
quesitados (artigos 14º e 9º da base instrutória, respectivamente), foram
sujeitos a demonstração pelo julgamento, sendo certo que apenas o primeiro se
provou (cfr. pg.152-153 dos autos).
Justamente porque, tal como sucedera já nas instâncias anteriormente
percorridas, também no Supremo Tribunal de Justiça os preceitos dos arts. 40º,
n.º1, e 41º, n.º2, do Decreto-Lei n.º142/73, foram interpretados no sentido que
sujeita o reconhecimento do direito às pensões de sobrevivência, no caso dos
unidos de facto, à demonstração pelo companheiro sobrevivo, não apenas da
impossibilidade de reclamar os alimentos de que haverá de encontrar-se carecido
das pessoas a quem legalmente podem ser exigidos nos termos previstos nas
alíneas a) a d) do art. 2009°, do Código Civil, mas ainda, cumulativa e
sucessivamente, da impossibilidade de obter tais alimentos através da herança do
falecido companheiro beneficiário, o discurso fundamentador do acórdão recorrido
revela, perante o resultado probatório alcançado nos autos, um raciocínio
subsuntivo uma vez mais coincidente com o seguido precedentemente e que consiste
em considerar insuficiente, do ponto de vista da procedência da acção, a
satisfação, essa reconhecidamente conseguida, daquela primeira exigência, com
consequente conversão da indemonstrada exclusão da possibilidade de recurso aos
bens da herança no único e verdadeiro fundamento da negação do pedido.
Com efeito, se, em função do critério interpretativo perfilhado, a decisão
recorrida considerou serem fundamentos constitutivos do direito à pensão de
sobrevivência, quer a impossibilidade de recurso pela candidata pensionista às
pessoas legalmente obrigadas à prestação de alimentos nos termos previstos nas
alíneas a) a d) do art. 2009°, do Código Civil, quer a inexistência ou
insuficiência dos bens da herança do beneficiário falecido para garantir tal
prestação, e, não obstante ter por verificado aquele primeiro pressuposto,
desatendeu a pretensão da autora com fundamento na falta de comprovação do
segundo, parece evidente que, no contexto do caso concreto, só a colocação da
atribuição do direito à pensão por sobrevivência na adicional dependência desta
última exigência conduziu verdadeiramente a acção ao desfecho pretendido
reverter através do recurso à jurisdição constitucional.
E, se assim é, facilmente se conclui que, embora pretenda a recorrente ver
declarada a inconstitucionalidade da dimensão normativa aplicada, tanto na
acepção em que faz depender o direito à pensão de sobrevivência da prova da
impossibilidade de obtenção dos alimentos através dos herdeiros do companheiro
vivo, como na vertente em que sujeita o reconhecimento de tal direito à
demonstração da exiguidade da herança do unido falecido para garantir a
prestação alimentar, uma reforma da decisão recorrida no sentido pretendido
alcançar através da interposição do presente recurso não requer um juízo de
inconstitucionalidade formulado com a amplitude que vem enunciada.
Isto porque, ainda que porventura viesse a ser considerada
constitucionalmente desconforme a colocação, como facto constitutivo do direito
à pensão por sobrevivência, da frustração da possibilidade de obtenção pelo
unido sobrevivo de uma prestação alimentar através das pessoas a tanto
legalmente obrigadas, o juízo assim hipoteticamente formulado nenhum efeito em
si mesmo produziria sobre a questão de fundo debatida nos autos, já que, nessa
parte, versaria sempre sobre uma exigência que, conforme visto já, as instâncias
consideraram plenamente satisfeita no caso concreto.
Porque, do ponto de vista da sua possível repercussão sobre o sentido da
decisão recorrida, um eventual juízo de inconstitucionalidade com a extensão
preconizada pela recorrente não apresentaria, em suma, utilidade superior a um
outro que se limitasse a recusar validade constitucional à colocação do direito
à pensão por sobrevivência na dependência do pressuposto de cuja inverificação
se fez derivar a negação do direito pretendido reconhecer pela autora, o recurso
em presença apenas respeitará integralmente o pressuposto processual a que vimos
fazendo referência se, por efeito do estreitamento da dimensão normativa
impugnada, vir o seu objecto cingido à acepção interpretativa que, partindo do
preceituado nos arts. 40º, n.º1, e 41º, n.º2, do Decreto-Lei n.º142/73, faz
«depender o direito à pensão, entre o mais, de o companheiro sobrevivo provar a
impossibilidade de obtenção de alimentos da herança do companheiro falecido».
É, portanto, com o objecto assim definido que, relativamente ao recurso
interposto ao abrigo da alínea b) do n.º1 do art.70º da LTC, os autos
prosseguirão os seus ulteriores termos, devendo as partes ser notificadas, com
cópia do presente despacho, nos termos e para os efeitos previstos no art. 79º
do referido diploma legal.
Assim notificada para produzir alegações, a recorrente concluiu nos seguintes
termos:
«1. A pensão de sobrevivência prevista no decreto-lei n.º142/73 filia-se no
aforro que foi efectuado pelo pensionista, ao longo de toda a vida do desempenho
de funções públicas.
2. Aforro que teve a contribuição da ora Recorrente enquanto companheira de
muitos anos, pois apesar de não serem um casal fundado no laço do matrimónio
legitimamente contraído, eram um casal de facto, constituindo uma verdadeira
unidade económica.
3. Por outro lado, a Pensão de Alimentos, que se funda em relações familiares ou
parafamiliares, constitui uma “soma pecuniária destinada a prover ao sustento,
alimentação e vestuário do alimentado, estabelecida em proporção das
disponibilidades económicas de quem a paga e de quem a recebe”.
4. Não há por isso dúvidas quanto ao facto de estas duas pensões, a Pensão de
Sobrevivência que constitui uma verdadeira contraprestação por parte do Estado
do aforro feito por via da contribuição directa do pensionista, e a Pensão de
Alimentos serem distintas, autónomas e independentes, bem como cumuláveis entre
si, pelo que para obter a Pensão de Sobrevivência terá necessariamente de ser
irrelevante existirem bens ou não na herança do falecido companheiro da ora
Recorrente.
5. O direito à Pensão de Sobrevivência depende, unicamente, da prova em juízo da
existência dos pressupostos que permitiriam à ora recorrente reclamar alimentos
da herança, independentemente de os bens da herança serem ou não suficientes
para tal.
6. A Recorrente só tem de provar que vivia em união de facto com o seu
companheiro, o que fez plenamente.
7. A exigência feita à ora recorrente, de apesar de provar o seu “estatuto de
união de facto”, ter ainda de provar a impossibilidade de obtenção de alimentos
da herança do companheiro falecido é manifestamente inconstitucional, por
violação dos arts.13º, 36º e 67º, devidamente conjugados, da Constituição.
8. A interpretação pelas instâncias que o preceituado nos arts.40º, n.º1, e 41º,
n.º2, do Decreto-Lei n.º142/73, faz depender o direito à pensão de
sobrevivência, entre o mais, de a recorrente provar a impossibilidade de
obtenção de alimentos da herança do companheiro falecido é inconstitucional».
A recorrida, por seu turno, apresentou as seguintes alegações:
«1. O Tribunal Constitucional já teve ocasião de se pronunciar sobre a
interpretação normativa recusada na alínea a) da decisão de primeira instância
para a qual remete a decisão recorrida – a de que a atribuição da pensão de
sobrevivência e subsídio por morte de beneficiário da Caixa Geral de
Aposentações a quem com ele conviva em união de facto, depende também da prova
de o companheiro sobrevivo a receber alimentos da herança do companheiro
falecido por não os poder obter das pessoas referidas nas alíneas a) a d) do
n.º1 do art.2009º do Código Civil.
2. Fê-lo, muito recentemente, através do Acórdão n.º614/05, de 9 de Novembro, em
que foi decidido, em Plenário do Tribunal Constitucional, negar provimento a um
recurso interposto, ao abrigo do disposto no art.79º-D da Lei do Tribunal
Constitucional, do Acórdão n.º159/2005, no qual se decidiu “não julgar
inconstitucional a norma do art.41º, n.º2, 1ª parte, do Estatuto das Pensões de
Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º142/73, de 31 de Março, na redacção
que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º191-B/79, de 25 de Junho, na interpretação
segundo a qual a titularidade de pensão de sobrevivência em caso de união de
facto depende de o companheiro do falecido estar nas condições do art.2020º do
Código Civil, isto é, de ter direito a obter alimentos da herança, por não os
poder obter das pessoas referidas no art.2009º, n.º1, alíneas a) a d), do mesmo
Código”.
3. Esta jurisprudência não merece reparo, devendo ser confirmada e, em
consequência, julgado improcedente o recurso».
II. Fundamentação.
O presente recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo das alíneas
b) e g) do n.º1 do art.70º da LTC.
De acordo com a previsão contida nas referidas alíneas, cabe recurso para o
Tribunal Constitucional de decisões que apliquem norma cuja
inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo [alínea b)] ou já
anteriormente julgada inconstitucional ou ilegal pelo próprio Tribunal
Constitucional [alínea g)].
1. Do recurso interposto ao abrigo da alínea b).
1.1. Por efeito da delimitação judicialmente operada na sequência do
aperfeiçoamento introduzido pela recorrente, o recurso que vem interposto ao
abrigo da alínea b) do n.º1 do art.70º da LTC tem por objecto a acepção
interpretativa que, dando resposta ao problema do estabelecimento dos
pressupostos necessários para a concessão ao membro sobrevivo de uma união de
facto do direito à pensão de sobrevivência a partir do preceituado nos arts.
40º, n.º1, e 41º, n.º2, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência (aprovado pelo
Decreto-Lei n.º142/73, de 31 de Março, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei
n.º 191-B/79, de 25 de Junho), faz «depender o direito à pensão, entre o mais,
de o companheiro sobrevivo provar a impossibilidade de obtenção de alimentos da
herança do companheiro falecido».
Os preceitos de que deriva a dimensão normativa impugnada apresentam a seguinte
redacção:
“Artigo 40º
(Herdeiros hábeis)
1 – Têm direito à pensão de sobrevivência como herdeiros hábeis dos
contribuintes, verificados os requisitos que se estabelecem nos artigos
seguintes:
a) Os cônjuges sobrevivos, os divorciados ou separados judicialmente de pessoas
e bens e as pessoas que estiverem nas condições do artigo 2020.º do Código
Civil;
[...]
Artigo 41.º
(Ex-cônjuge e pessoa em união de facto)
1- (...)
2 – Aquele que no momento da morte do contribuinte estiver nas condições
previstas no artigo 2020.º do Código Civil só será considerado herdeiro hábil
para efeitos de pensão de sobrevivência depois de sentença judicial que lhe fixe
o direito a alimentos e a pensão de sobrevivência será devida a partir do dia 1
do mês seguinte àquele em que a requeira, enquanto se mantiver o referido
direito.”
Dispõe, por seu turno, o n.º 1 do artigo 2020º do Código Civil, na redacção
aprovada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro:
“1. Aquele que, no momento da morte de pessoa não casada ou separada
judicialmente de pessoas e bens, vivia com ela há mais de dois anos em condições
análogas às dos cônjuges, tem direito a exigir alimentos da herança do falecido,
se os não puder obter nos termos das alíneas a) a d) do artigo 2009º.
(...)”
Por força do estatuído nas alíneas a) a d) do n.º1 do art.2009º do Código Civil,
encontram-se vinculados à prestação de alimentos, pela ordem indicada, o cônjuge
ou o ex-cônjuge, os descendentes, os ascendentes e os irmãos.
Para melhor enquadramento da questão a decidir, o Acórdão recorrido não deixou
de referir o sistema de protecção na eventualidade da morte dos beneficiários do
regime geral de segurança social consagrado pelo Decreto Lei n.º322/90, de 18 de
Outubro, diploma este em que se incluem os seguintes preceitos cujo teor importa
aqui relembrar:
Artigo 4.º
(Objectivo das prestações)
1 - As pensões de sobrevivência são prestações pecuniárias que têm por objectivo
compensar os familiares do beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho
determinadas pela morte deste.
2- (…)
Sob a epígrafe “situação de facto análoga à dos cônjuges”, dispõe, por seu
turno, o artigo 8º:
“1 – O direito às prestações previstas neste diploma e o respectivo regime
jurídico são tornados extensivos às pessoas que se encontrem na situação
prevista no n.º 1 do artigo 2020.º do Código Civil.
2 – O processo de prova das situações a que se refere o n.º 1, bem como a
definição das condições de atribuição das prestações, consta de decreto
regulamentar.”
O diploma mencionado neste n.º 2 é o Decreto Regulamentar n.º 1/94, de
18 de Janeiro (veio regular o acesso às prestações por morte por parte das
pessoas que se encontram na situação de união de facto), cujos artigos 2º e 3º
preceituam:
“Artigo 2.º
Âmbito pessoal
Tem direito às prestações a que se refere o número anterior a pessoa que, no
momento da morte de beneficiário não casado ou separado judicialmente de pessoas
e bens, vivia com ele há mais de dois anos em condições análogas às dos
cônjuges.
Artigo 3.º
Condições de atribuição
1 – A atribuição das prestações às pessoas referidas no artigo 2.º fica
dependente de sentença judicial que lhes reconheça o direito a alimentos da
herança do falecido nos termos do disposto no artigo 2020.º do Código Civil.
2 – No caso de não ser reconhecido tal direito, com fundamento na inexistência
ou insuficiência de bens da herança, o direito às prestações depende do
reconhecimento judicial da qualidade de titular daquelas, obtido mediante acção
declarativa interposta, com essa finalidade, contra a instituição de segurança
social competente para a atribuição das mesmas prestações.”
Por último, importa atentar no estatuído no artigo 3º, alínea f), da Lei n.º
135/99, de 28 de Agosto, que atribui a quem vive em união de facto direito a
“protecção na eventualidade de morte do beneficiário, pela aplicação do regime
geral da segurança social e da lei”.
A este diploma sucedeu a Lei n.º7/2001, de 11 de Maio, cujo art.3º, alínea e),
reconhece às pessoas que vivem em união de facto nas condições concomitantemente
previstas o mesmo direito à “protecção na eventualidade de morte do
beneficiário, pela aplicação do regime geral da segurança social e da lei”.
1.2. Da consideração dos regimes em que se inserem os preceitos que vimos de
percorrer retirou o Acórdão recorrido fundamento normativo bastante para a
confirmação da solução sufragada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, reiterando
assim o entendimento segundo o qual “os pressupostos necessários para a
concessão ao membro sobrevivo da união de facto do direito à pensão de
sobrevivência (ou de outras prestações do regime da segurança social) são os
seguintes:
c) a prova da união de facto, por mais de dois anos, entre o sobrevivo
interessado e o falecido beneficiário;
d) a prova de que o sobrevivo interessado carece de alimentos e de que
estes não podem ser prestados nem pela herança, nem pelas pessoas a quem
legalmente podem ser exigidos.
A comprovação de tais requisitos – afirmou-se ainda - cabe ao companheiro
sobrevivo por respeitarem a factos constitutivos do seu direito (art.342º, n.º1,
do Cód. Civil).»
Confrontando seguidamente a solução de direito ordinário assim preconizada com o
texto constitucional, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu a decisão recorrida
considerando ser «consonante com os princípios da igualdade, previsto no
art.13º, e 36º, n.º1, e da proporcionalidade, insito nas disposições dos
arts.2º, 18º, n.º2, 36º, n.º1, e 63º, n.ºs1 e 3, todos da C.R.P., a
interpretação dos arts.40º, n.º1, e 41º, n.º2, do Decreto-Lei n.º142/73 e do
art.6º, n.º1, da Lei n.º7/2001, segundo a qual a titularidade da pensão de
sobrevivência, em caso de união de facto, depende de o companheiro do falecido
estar nas condições do art.2020º do Cód. Civil, isto é, de carecer de alimentos
e de estes não poderem ser prestados, nem pela herança do falecido beneficiário,
nem pelas pessoas referidas no art.2009º, n.º1, als.a) a d), do mesmo diploma».
Pois bem.
Embora certo seja que o critério interpretativo seguido pela decisão recorrida
converte em facto constitutivo do direito à pensão de sobrevivência, no caso dos
unidos de facto, a exclusão da possibilidade de recurso pelo companheiro
sobrevivo carecido de alimentos, quer aos respectivos familiares referidos nas
alíneas a) a d) do art. 2009°, do Código Civil (cônjuge, ex-cônjuge,
descendentes, ascendentes ou irmãos), quer às forças da herança aberta por óbito
do unido beneficiário, importará, contudo, não perder de vista que, sem prejuízo
da relação de derivação ou unilateral dependência que se verá interceder entre
os pressupostos assim cumulativamente enunciados, a sindicância que vem
requerida incidirá sobre o juízo contido no Acórdão recorrido somente na acepção
em que sujeita o reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência à adicional
demonstração da exiguidade da herança do unido falecido para garantir a
prestação alimentar. E isto porque, pelas razões enunciadas já no despacho
intercalarmente proferido, só assim sairá integralmente respeitado o pressuposto
processual da utilidade do recurso.
Em benefício ainda de uma melhor compreensão da exposição que se seguirá, é
igualmente útil ter presente que a intervenção deste Tribunal se circunscreve,
pela sua própria natureza, à apreciação da questão de constitucionalidade já
identificada e delimitada nos autos, o que significa que o recurso em apreciação
não poderá conduzir, sequer também, a uma qualquer reedição da controvérsia
reconhecidamente instalada na jurisprudência dos tribunais judiciais quanto ao
estabelecimento dos requisitos exigíveis ao membro sobrevivo de uma união de
facto para aceder às prestações sociais por morte do seu companheiro,
beneficiário de um regime da segurança social (para um síntese enunciativa das
três correntes seguidas na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, vide
João Pires da Rosa, Ainda a União de Facto e a Pensão de Sobrevivência, Lex
Familiae, Revista Portuguesa de Direito da Família, ano 3, n.º5, 2006), em
termos de eleger a melhor interpretação das normas de direito ordinário de que
deriva a dimensão impugnada.
Não se tratará, portanto, de averiguar se o critério interpretativo seguido no
acórdão recorrido corresponde ao melhor entendimento de direito
infraconstitucional quanto à definição, em presença das normas que se contêm nos
preceitos acima percorridos, do regime de atribuição de pensão de sobrevivência
ao membro sobrevivo de uma união de facto, mas apenas e tão só de avaliar se a
solução que consiste em fazer depender o reconhecimento de tal direito da
adicional demonstração da impossibilidade de obtenção pelo unido sobrevivo de
uma prestação alimentar através da herança aberta por óbito do companheiro
beneficiário, designadamente por se distanciar do regime previsto para a
habilitação do cônjuge sobrevivo, viola qualquer norma ou princípio
constitucional, em particular os que vêm expressamente invocados pela
recorrente.
1.3. A questão que assim se configura – importa começar por fazer notá-lo -,
apesar de se inscrever na temática, recorrentemente abordada na jurisprudência
deste Tribunal, da viabilidade constitucional do estabelecimento por via
ordinária de um tratamento diferenciado, para certos fins ou efeitos, entre
pessoas casadas e pessoas unidas de facto, de modo algum se inclui, do ponto de
vista do respectivo enquadramento possível, na constelação dos casos que, por
aplicação da proibição constitucional de discriminação dos filhos nascidos fora
do casamento (art.36º, n.º4), conduziram a decisões de inconstitucionalidade.
Com efeito, trata-se aqui de decisões que, pronunciando-se sobre a legitimidade
constitucional de normas que restringiam aos sujeitos unidos pelo casamento a
possibilidade de acesso ao direito ou regime concomitantemente previsto, ou
desde logo consideraram presente no conjunto dos princípios informadores do
instituto normativo sob sindicância o da protecção do interesse dos filhos
menores, ou entenderam que sobre este interesse se projectava ainda a solução
legal recusada aos unidos de facto, constituindo ele um segundo objectivo,
reflexa ou indirectamente prosseguido pelo legislador.
Em ambos os referidos casos – objecto de tratamento nos Acórdãos n.º359/91 e
286/99, respectivamente – o discurso fundamentador do juízo de
inconstitucionalidade alicerçou-se na violação da proibição da discriminação
entre filhos nascidos dentro do casamento e filhos nascidos fora do casamento
consagrada no art.36º, n.º4, da Constituição.
Considerando o regime de atribuição da pensão de sobrevivência instituído pelo
Decreto-Lei n.º142/73, de 31 de Março, e revisto pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79,
de 25 de Junho, mormente quanto à nomeação dos herdeiros hábeis do contribuinte
falecido (art.40º) e regras de repartição estabelecidas para as possíveis
hipóteses de concorrência (art.45º), sem dificuldade se conclui que tal juízo é
claramente intransponível para a hipótese presente.
Com efeito, pela sua própria razão de ser, o parâmetro constitucional conducente
às decisões de inconstitucionalidade que vimos rememorando apenas seria
convocável no caso em discussão nos autos se, por académica suposição, o regime
legalmente previsto não colocasse os filhos do contribuinte falecido, por
direito próprio, entre os respectivos herdeiros hábeis e, por consequência, em
situação de uniões de facto férteis, os filhos menores ou dependentes somente
pudessem ver custeada a sua sobrevivência através da mobilização dos fundos
provenientes dos descontos feitos em vida pelo progenitor falecido se e apenas
na medida em que ao unido sobrevivo de que se encontrassem dependentes fosse
reconhecido o direito à pensão de sobrevivência.
Simplesmente, atentando no sistema de distribuição legalmente estabelecido para
solucionar as conjecturadas hipóteses de concorrência entre herdeiros hábeis,
designadamente na regra a observar no caso de concurso entre herdeiros inseridos
na categoria prevista na alínea a) do n.º1 do art.40º e herdeiros contemplados
pela previsão da respectiva alínea b), o que vimos suceder é exactamente o
inverso: sufragada que seja a solução normativa preconizada pela recorrente,
eventuais filhos nascidos de uma união de facto apenas poderão participar, por
efeito do estatuído na alínea d) do n.º1 do art.45º, de metade do valor
resultante do cálculo a efectuar nos termos previstos no art.28º, ficando a
outra metade ao dispor do unido sobrevivo, que dela beneficiará por inteiro
sempre que não houver lugar ao respectivo sub-fraccionamento por efeito da
consideração positiva de possíveis anteriores relações do contribuinte falecido
(cfr. arts.41º, n.º2 e 45º, n.º2).
A tutela do interesse dos filhos não reclama, pois, o confronto da solução
normativa questionada com o princípio da discriminação dos filhos nascidos fora
do casamento, não obstante consagrado em um dos preceitos constitucionais
expressamente invocados pela recorrente.
1.4. Não sendo inédita na jurisprudência deste Tribunal a discussão em torno do
acesso às prestações previstas pelos regimes da segurança social para a
eventualidade da morte dos beneficiários por parte das pessoas que com eles
hajam vivido em condições análogas às dos cônjuges, mais concretamente das
condições da atribuição de uma pensão de sobrevivência ao membro sobrevivo de
uma união de facto, a questão que nos ocupa deve, contudo, ser distinguida ainda
daquelas que foram objecto de tratamento nos Acórdãos 195/2003 e 159/05, arestos
cuja orientação foi reiterada no Acórdão 614/2005, este último proferido pelo
Plenário deste Tribunal.
No Acórdão de 2003, tratava-se da interpretação de normas relativas à
habilitação a pensão de sobrevivência no caso de contribuinte falecido que, como
trabalhador da função privada, dependente ou liberal, se encontrava abrangido
pelo regime geral da segurança social.
Tal Acórdão não julgou inconstitucional a norma do artigo 8º, n.º 1, do
Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, na parte em que faz depender a
atribuição da pensão de sobrevivência por morte do beneficiário da segurança
social, a quem com ele convivia em união de facto, de todos os requisitos
previstos no n.º 1 do artigo 2020º do Código Civil.
Em causa estava então saber se poderia considerar-se violadora de alguma norma
ou princípio constitucional, em especial dos princípios da igualdade e da
proporcionalidade, a solução normativa que, partindo do preceituado no artigo
8º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 322/90, de 18 de Outubro, e interpretando a
remissão aí operada para os requisitos previstos no n.º 1 do artigo 2020º do
Código Civil, colocava a atribuição da pensão de sobrevivência ao companheiro
sobrevivo na dependência, não apenas da convivência há mais de dois anos e em
condições análogas às dos cônjuges com o contribuinte falecido, mas também da
impossibilidade de obtenção de alimentos das pessoas referidas nas alíneas a) a
d) do n.º 1 do artigo 2009º desse Código.
Respondendo à questão assim enunciada, considerou-se que a distinção entre
cônjuges (contemplados como titulares do direito às prestações em questão no
artigo 7º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 322/90) e pessoas em situação de
união de facto, para efeitos de fixação das condições de atribuição da pensão de
sobrevivência, consistente em requerer para estas que não possam exigir
alimentos aos seus familiares mais próximos, não é violadora do princípio da
igualdade pelo facto de não encerrar em si mesma uma diferenciação de tratamento
destituída de fundamento razoável ou arbitrária, ou baseada em critério que
tenha de ser irrelevante, considerando o efeito jurídico visado. E considerou-se
também que esse pressuposto adicionalmente colocado ao membro sobrevivo de uma
união de facto, por representar a prova da necessidade de protecção do
requerente da pensão de sobrevivência, não é contrário ao princípio da
proporcionalidade.
O Acórdão de 2005 versou, por seu turno, sobre a interpretação de normas que
regulam o acesso à pensão de sobrevivência pelo membro sobrevivo de uma união de
facto extinta pelo óbito de um trabalhador, agente ou funcionário da
Administração Pública.
Através de tal aresto, decidiu este Tribunal não julgar inconstitucional a norma
do artigo 41º, n.º 2, 1ª parte, do Estatuto das Pensões de Sobrevivência,
aprovado pelo Decreto-Lei n.º142/73, de 31 de Março, na redacção que lhe foi
dada pelo Decreto-Lei n.º 191-B/79, de 25 de Junho, na interpretação segundo a
qual a titularidade de pensão de sobrevivência em caso de união de facto depende
de o companheiro do falecido estar nas condições do artigo 2020º do Código
Civil, isto é, de ter direito a obter alimentos da herança, por não os poder
obter das pessoas referidas no artigo 2009º, n.º 1, alíneas a) a d), do mesmo
Código;
Estando novamente em causa verificar a legitimidade constitucional da vinculação
do companheiro sobrevivo à demonstração da impossibilidade de obtenção de uma
prestação alimentar através das pessoas a tanto legalmente obrigadas, o
Tribunal, retomando o discurso argumentativo seguido já no Acórdão 195/2003,
recusou uma vez mais que a diferenciação de tratamento resultante da colocação
de tal suplementar requisito pudesse ser considerada destituída de fundamento
razoável, ao mesmo tempo que, na óptica já do princípio da proporcionalidade,
considerou coerente com o objectivo visado pela prestação social em causa o
condicionamento da pensão à impossibilidade de obtenção de alimentos, entendida
esta como a prova de uma necessidade de protecção que, considerados os deveres
conjugais de solidariedade patrimonial e a obrigação de alimentos em caso de
ruptura, só em relação ao cônjuge se pode presumir.
1.5. A dimensão normativa sob sindicância no âmbito do presente recurso, para
além de emergir também do preceituado nos arts. 40º, n.º1, e 41º, n.º2, do
Decreto-Lei n.º142/73, apresenta, relativamente àquelas discutidas já na
jurisprudência deste Tribunal, um evidente denominador comum: em todos os casos
se trata da sindicância de critérios interpretativos que, incluindo o membro
sobrevivo de uma união de facto extinta pelo falecimento do beneficiário no
conjunto das pessoas com direito à pensão de sobrevivência, sujeitam o
reconhecimento desse direito à verificação de determinadas condições que não são
impostas quando se trata da habilitação do cônjuge sobrevivo.
Não obstante essa comum procedência, a solução normativa sob actual controlo não
se contém, todavia, no âmbito daquelas que, conforme acabado de ver, conduziram
a decisões de não inconstitucionalidade. Quer no plano da construção jurídica,
quer do ponto de vista das consequências a que intenta, situa-se obviamente mais
além.
E isto desde logo porque especificamente em causa está agora o acrescentamento à
condição analisada já nos Acórdãos de 2003 e 2005 – consistente, como se viu, na
prova da impossibilidade de obtenção pelo unido sobrevivo dos alimentos de que
haverá de encontrar-se carecido das pessoas legalmente obrigadas à respectiva
prestação – de uma outra, cumulativa e suplementar: a exclusão da possibilidade
de tais alimentos virem ainda a ser obtidos a partir da herança aberta por óbito
do falecido beneficiário nos termos permitidos pelo art.2020º do Código Civil.
Quer isto significar que, de acordo com o critério normativo sob sindicância, o
unido sobrevivo apenas alcançará o reconhecimento do direito às prestações por
morte do falecido companheiro se não puder obter alimentos das pessoas
mencionadas nas alíneas a) a d) do art.2009º do Código Civil e, tendo por isso o
direito a exigir alimentos da herança do falecido conforme previsto no
art.2020º, n.º1, do mesmo diploma legal, também este não puder exercer por
inexistência ou insuficiência de bens.
Analisada sob a perspectiva de que a lei é o produto de um previsível conflito
de interesses contrastantes perante o qual o legislador histórico tomou posição
dentro de um certo quadro de ponderações ou valorações que ao aplicador caberá
decifrar e reproduzir, a dimensão normativa acusada de ser inconstitucional
atribui, assim, à intervenção assistencial da previdência no domínio da
atribuição de pensões de sobrevivência ao membro sobrevivo de uma união de facto
um incrementado grau de subsidiariedade, reservando-a para os casos em que
inviável se mostre a superação do estado de desprotecção ou carência em que
haverá de encontrar-se o requerente da pensão, quer através do recurso às
pessoas de quem os alimentos podem ser legalmente exigidos, quer através dos
bens que integram a herança do falecido companheiro.
É, assim, no plano da aplicação prática que o elemento diferenciador da solução
normativa que vem questionada relativamente às demais analisadas já na
jurisprudência constitucional se torna particularmente evidente.
E isto porque, enquanto a mera colocação do reconhecimento do direito às
prestações por morte na dependência da prova da impossibilidade de obtenção pelo
unido sobrevivo de alimentos a partir das pessoas a tanto legalmente obrigadas
não exclui que possam exercer-se cumulativamente o direito à pensão de
sobrevivência e o direito a alimentos a partir da herança do unido falecido, já
a afirmação de que tal direito apenas será reconhecido quando inviável se
mostrar também o custeamento da existência do companheiro sobrevivo através do
recurso a tal acervo hereditário obsta a que o mesmo possa vir a beneficiar
simultânea ou conjuntamente de ambas aquelas prestações.
Quer isto significar que, ao passo que as soluções normativas objecto de
anterior sindicância não conduzem, nos seus próprios termos, à recusa de que o
direito à pensão de sobrevivência e o direito a alimentos a partir da herança
possam desenvolver-se em paralelo, numa relação de autonomia ou independência
recíproca (apenas implicam a rejeição da possibilidade de qualquer um deles ser
cumulado com uma prestação alimentar efectivada pelos familiares enumerados nas
alíneas a) a d) do art.2009º do Código Civil), já a dimensão normativa aqui
questionada coloca tais direitos numa relação de evidente subsidiariedade,
apenas aceitando o reconhecimento daquele primeiro quando, por inexistência ou
insuficiência de bens, o segundo não puder ser eficazmente exercitado.
E se assim é, parece que a resposta às acusações de inconstitucionalidade
sucessivamente formuladas pela recorrente perante as instâncias se não poderá
bastar com a invocação pura e simples dos precedentes jurisprudenciais acima
rememorados.
Ao invés, haverá que averiguar se o juízo então formulado manterá validade neste
novo contexto.
Façamo-lo então.
1.6. Sempre que contestada é a validade constitucional de uma qualquer solução
normativa que encerre uma diferenciação de tratamento entre pessoas casadas e
pessoas que vivem em união de facto, é comum que a crítica que lhe é dirigida
comece por filiar-se num parâmetro de controlo integrado pelo princípio da
igualdade, consagrado no art.13º da Lei Fundamental.
Também assim sucede no presente caso.
Segundo se extrai das afirmações produzidas ao longo do processo, sustenta a
recorrente o entendimento segundo o qual decorrerá da conjugação do princípio
constitucional da igualdade com os princípios do Direito de Constituir Família e
do Direito à Protecção pela Comunidade e pelo Estado, a consagração de um
“direito de igualdade de tratamento não díspar dos casados e dos unidos de facto
e conviventes entre si como se de casados se tratasse”.
A confrontação que assim vem requerida impõe, portanto, a averiguação sobre se,
em si mesmo, o estabelecimento por via ordinária de uma diferenciação de
tratamento entre pessoas casadas e pessoas unidas de facto é constitucionalmente
vedado por incidência do princípio da igualdade, conjugado com as normas dos
arts.36º e 67º do texto fundamental, ou, colocada a interrogação a jusante, se
deverá considerar-se destituída de fundamento razoável e, como tal,
constitucionalmente ilegítima, a adopção de medidas que estabeleçam distinções
baseadas na existência de um vínculo contratual como aquele que é pressuposto
pelo casamento.
Ora, independentemente de saber qual o conceito de família contido nos arts.36º
e 67º da Constituição ou mesmo que sufragada a tese segundo a qual a tutela
constitucional dispensada à família “enquanto elemento fundamental da sociedade”
não se esgota nas famílias juridicamente constituídas a partir do
estabelecimento de uma relação conjugal, antes incluindo também as famílias não
fundadas no casamento, parece seguro que daí não se segue, nem tão pouco é
imposto pelo princípio da igualdade, que o legislador ordinário se encontre
constitucionalmente obrigado a dispensar àquelas duas realidades um tratamento
unitário e indiferenciado, excluindo do universo dos critérios empregáveis na
modelação do sistema infra-constitucional, à partida, a atendibilidade do
vínculo matrimonial.
Neste mesmo sentido se conclui no Acórdão 195/2003 (disponível em
www.tribunalconstitucional.pt), em cuja fundamentação se salientou o seguinte:
«Ora, como este Tribunal tem reconhecido, existem diferenças importantes, que o
legislador pode considerar relevantes, entre a situação de duas pessoas casadas,
e que, portanto, voluntariamente optaram por alterar o estatuto jurídico da
relação entre elas – mediante um “contrato celebrado entre duas pessoas de sexo
diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida,
nos termos das disposições deste Código”, como se lê no artigo 1577º do Código
Civil –, e a situação de duas pessoas que (embora convivendo há mais de dois
anos “em condições análogas às dos cônjuges”) optaram, diversamente, por manter
no plano de facto a relação entre ambas, sem juridicamente assumirem e
adquirirem as obrigações e os direitos correlativos ao casamento.
Assim, como se salientou, por exemplo, também no referido Acórdão n.º 275/2002,
“não se pode excluir a liberdade do legislador de prever um regime jurídico
específico para os cônjuges, visando, por exemplo, a prossecução de objectivos
políticos de incentivo ao matrimónio”. Pelo que, “considerando desde logo a
existência de especiais deveres entre os cônjuges”, se pode dizer, como se
afirmou no citado Acórdão n.º 14/2000, que “(...) de harmonia com o nosso
ordenamento (ainda suportado constitucionalmente), o regime das pessoas unidas
pelo matrimónio confrontadamente com a união de facto não permite sustentar que
nos postamos perante situações idênticas à partida e, consequentemente, que
requeiram tratamento igual.”»
Tal entendimento é seguramente de sufragar.
Sabido que o princípio da igualdade, entendido como limite objectivo da
discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de todas e quaisquer
distinções, mas apenas daquelas que se revelem materialmente infundadas e
careçam por isso de justificação objectiva e racional (neste sentido, vide
Acórdão n.º250/00, disponível em www.tribunalconstitucional.pt), pode afirma-se
com segurança que ao legislador ordinário não é constitucionalmente imposto que
ignore as diferenças entre a situação de vida gerada por duas pessoas que
voluntariamente optaram por inscrever numa determinada matriz contratual
prevalecentemente nominada o vinculo relacional que entre si estabeleceram e
aquela outra que, sendo embora análoga à primeira, emerge justamente da rejeição
dessa modelação tendencialmente imperativa, fechada e inaprazável, senão mesmo
de uma concreta recusa em sujeitar a formatação e o rumo possível da relação
estabelecida à obrigatória incidência do conjunto de inderrogáveis deveres que
vincula os cônjuges, mormente quanto às suas implicações de natureza
patrimonial.
As diferenças entre estas duas situações foram explicitadas no Acórdão 15/95
(disponível em www.tribunalconstitucional.pt), aí se tendo feito notar o
seguinte:
«[…] o casamento implica, para além de uma comunhão de vida entre os cônjuges,
uma comunhão de interesses patrimoniais (cfr. F. M. Pereira Coelho, Curso de
Direito de Família, Coimbra, 1986, pp. 446-447). A intensidade desta comunhão
de interesses patrimoniais diminui à medida que se passa do regime de comunhão
geral de bens, para o regime de comunhão de adquiridos e deste para o regime de
separação de bens. Mas também neste existe esse princípio de comunhão de
interesses, espelhado nos deveres de cooperação dos cônjuges (obrigação de
socorro e auxílio mútuos e obrigação de assumirem em conjunto as
responsabilidades inerentes à vida familiar que fundaram — artigo 1674.º do
Código Civil) e de assistência (obrigação de os cônjuges prestarem alimentos e
obrigação de contribuírem para os encargos da vida familiar — artigo 1675.º, n.º
1, do Código Civil) bem como, apesar da inexistência de bens comuns, na
consagração no Código Civil de um núcleo de ilegitimidades conjugais quanto à
disposição de bens. Assim, cada um dos cônjuges não pode sem o consentimento do
outro: alienar a casa de morada de família, ou onerá-la, através da constituição
de direitos reais de gozo ou de garantia, e ainda dá-la de arrendamento ou
constituir sobre ela outros direitos pessoais de gozo (artigo 1682.º-A, n.º 2,
do Código Civil); dispor do direito ao arrendamento da casa de morada de família
(artigo 1682.º-B do Código Civil); alienar os móveis, próprios ou comuns,
utilizados conjuntamente por ambos os cônjuges na vida do lar [artigo 1682.º,
n.º 3, alínea a), do Código Civil]; alienar os móveis, próprios ou comuns,
utilizados conjuntamente pelos cônjuges como instrumento comum de trabalho
[artigo 1682.º, n.º 3, alínea a), do Código Civil]; e, finalmente, alienar os
seus bens móveis, e os móveis comuns se não for ele a administrá-los [artigo
1682.º, n.os 2 e 3, alínea b), do Código Civil] (cfr. D. Leite Campos, Lições de
Direito da Família e das Sucessões, Coimbra, Almedina, 1990, p. 402, e F. M.
Pereira Coelho, ob. cit., pp. 414-415)».
A sujeição do vínculo relacional ao modelo contratual proposto pelo ordenamento
jurídico gera, assim, uma indeclinável interdependência patrimonial entre os
respectivos membros, interdependência essa que, mesmo no seu limiar mínimo, se
exprime, conforme acabado de ver, numa exigência de intervenção partilhada
quanto à destinação de determinados bens e, de forma particularmente
consequente, nos deveres conjugais de cooperação e assistência, presentes desde
o início ao termo da relação.
Quer isto significar que, independentemente do regime de bens convencionado, os
cônjuges, pelo simples facto de o serem, encontram-se legalmente obrigados à
assunção conjunta das responsabilidades inerentes à vida familiar, e, por força
ainda do estatuto legal assumido, nos mesmos termos vinculados a contribuir para
os encargos da vida familiar, seja pela afectação dos respectivos recursos
(proventos e rendimentos) àqueles encargos, seja através do trabalho despendido
no lar ou na manutenção e educação dos filhos (neste sentido, Francisco Pereira
Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Volume I, 2ª
Edição, pg.360-361).
E a eficácia deste dever acha-se de tal modo garantida que, se a contribuição de
algum dos cônjuges for inferior ao que devia, o outro cônjuge pode exigir do
faltoso o que for devido, senão mesmo requerer que lhe seja directamente
entregue a importância a que tiver direito, o que sucederá se o incumpridor for
trabalhador por conta de outrem e vier contribuindo para os encargos da vida
familiar com o produto do seu trabalho (cfr. art. 1676º, n.º3, do Código Civil,
e, quanto ao processo para o efeito especialmente previsto, art.1416º do Código
de Processo Civil)
A solidariedade patrimonial que aos cônjuges assim é legalmente imposta
exprime-se ainda na responsabilidade comum por dívidas, designadamente pelas
dívidas contraídas por qualquer dos cônjuges para acorrer aos encargos da vida
familiar ou pelo cônjuge administrador na constância do matrimónio e em proveio
comum do casal (cfr. art.1691º, n.º1, alíneas a) e b), do Código Civil); e
manifesta-se também na possibilidade de subsistência do dever de prestar
alimentos após a dissolução do casamento, nos termos previstos no art.2016º do
Código Civil.
Ora, nada disto se passa assim, ou pelo menos necessariamente assim, no caso dos
unidos de facto.
Segundo consensual caracterização da doutrina, a situação designada por união de
facto resulta do estabelecimento de uma vida em comum em condições análogas às
dos cônjuges: duas pessoas de sexo diferente vivem, numa relação de
exclusividade recíproca, em comunhão de leito, mesa e habitação, como se casadas
fossem, mas com a diferença de que o não são uma vez que não se encontram
ligadas entre si pelo vínculo formal do casamento (neste sentido, Francisco
Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. cit., pg.100).
Essa vida em comum decalcada do casamento, implicando naturalmente um
determinado nível de interacção e partilha, poderá gerar também, de facto, uma
comunhão de interesses patrimoniais próxima daquela que define a posição
jurídica dos cônjuges: tal como vimos suceder relativamente aos cônjuges, também
os unidos de facto, quanto mais não seja por força do afecto que os une,
propenderão a socorrer-se e auxiliar-se mutuamente e, na efectivação quotidiana
do modus vivendi escolhido, encarar mesmo as solicitações e encargos domésticos
numa perspectiva de equilíbrio ou tendencial paridade.
Simplesmente, ainda que um tal modo de ver as coisas seja pacificamente
sustentável de um ponto de vista estritamente sociológico, o certo é que, no
plano da construção jurídica, a união de facto apenas implicará uma comunhão de
interesses patrimoniais se, até onde e na exacta medida em que, no exercício de
uma liberdade de auto-regulação de que os unidos não prescindiram, estes assim
quiserem viver a respectiva relação.
Com efeito, ao passo que o casamento implica, de per si, um nível de
solidariedade patrimonial que os cônjuges não só não são livres de afastar como,
em caso de eventual desconsideração, os tornará civilmente responsabilizáveis
pelos danos ao outro causados (a propósito da ressarciabilidade dos danos não
patrimoniais gerados pela violação dos deveres do art.1672º, vide Francisco
Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, ob. cit., pags.175-176), já a união de
facto, para além de eximir por inerência qualquer um dos seus membros à
possibilidade de naqueles termos ver sancionado um qualquer comportamento
contrário ao sentido da união, é juridicamente compatível com o desejo de
preservação de uma insindicável autonomia ou independência patrimonial, podendo
mesmo dele directamente derivar.
De um ponto de vista patrimonial, a diferença entre o casamento e a união de
facto reside, assim, em último termo, na circunstância de, no caso do casamento,
a comunhão de interesses resultar directamente do estatuto imperativo da relação
e, na situação dos unidos de facto, corresponder ao resultado possível e sempre
facultativo da liberdade de conformação da espessura do vínculo em função do
nível de interdependência em cada momento desejado, resultado esse, além do
mais, a todo o tempo reavaliável sem que com isso seja necessariamente posta em
causa a subsistência da relação.
E, justamente por assim ser, o legislador ordinário, designadamente ao dispor
sobre as consequências jurídicas de uma e outra relação, beneficia de suficiente
margem de liberdade para distinguir casamento e união de facto sem por isso
correr o risco de ser considerado irrazoável ou arbitrário.
Excluída a existência de uma imposição constitucional de integral equiparação,
é-lhe até mesmo consentido que prefira o casamento à união de facto enquanto
formas alternativas de organização da vida familiar em comunidade e, na em si
mesmo legítima prossecução de objectivos políticos de incentivo ao matrimónio,
promova a opção daqueles que se comprometem a cuidar-se e socorrer-se mutuamente
do modo que só o casamento pressupõe em detrimento daqueles que não adquirem tal
compromisso legal, designadamente por entender que daí advirá uma sociedade
potencialmente mais fraterna e solidária (neste sentido, Ferreres Comella, El
principio de igualdad y el derecho a no casarse (a propósito de la STC 222/92),
citado por Nuno de Salter Cid, A comunhão de vida à margem do casamento: entre o
facto e o direito, pg.537).
1.7. A diferenciação de tratamento entre unidos e casados, sendo assim em si
mesma possível, deverá, porém, para ser constitucionalmente legítima, respeitar
uma exigência de proporcionalidade.
E isto porque, a par das diferenças que vimos de assinalar, ninguém contestará
que, tal como os cônjuges, também os unidos de facto se encontram ligados entre
si por uma relação pessoal estabelecida no domínio da afectividade.
Deste ponto de vista, casamento e união de facto corresponderão a fórmulas
alternativas de livre organização dos afectos, apresentando-se ambos como
resultados possíveis e igualmente legítimos do exercício da autonomia da vontade
na vertente de auto-determinação afectiva.
No sentido que interessará à proporcionalidade, os dois modelos relacionais em
confronto apresentam, assim, um incontestável denominador comum, denominador
esse que radica, precisamente, na natureza afectiva do vínculo reciprocamente
estabelecido.
Daí se segue que, se ao dispor sobre uma e outra relação, o legislador ordinário
conserva suficiente margem de liberdade para fazer repercutir no modo como
disciplina ambas as diferenças existentes entre o estatuto que a cada uma
especificamente corresponde, controversos poder-se-iam tornar já determinados
posicionamentos que, contendendo directamente com a própria viabilidade da
exercitação dos afectos, a esse nível diferenciadamente os valorassem,
distinguindo-os consonante houvessem ou não sido objecto de anterior
contratualização (neste sentido, poderia ser considerada inconstitucional,
porque desproporcional ao grau de desigualdade evidenciado pelos dois modelos
relacionais em presença, uma eventual opção normativa que, ao invés do que
resulta do art. 134º, n.º1, al.b), do Código de Processo Penal, e 618º, n.º1,
al.d), do Código de Processo Civil, não estendesse aos unidos de facto, nas
condições aí previstas, a faculdade de recusar a prestação de depoimento).
Isto dito, mais fácil se torna perceber que, no nível de controlo em que nos
situamos agora, tratar-se-á então de averiguar, através da análise do regime
aqui concretamente em causa, se o elemento diferencial que vem questionado se
contém ainda dentro da medida da diferença verificada existir entre as duas
situações relacionais em confronto ou, pelo contrário, se revelará, desse ponto
de vista, desmedido, representando, como tal, uma manifestação de excesso vedada
pelo princípio da proporcionalidade.
O que se procurará, então, determinar é se a condição adicional de acesso à
pensão de sobrevivência imposta ao unido sobrevivo e que consiste na exclusão da
possibilidade de obtenção de uma prestação de alimentos a partir da herança do
falecido contribuinte é, por oposição, causalmente reconduzível ao estatuto
legal da relação e, como tal, poderá justificar-se ainda como o reverso da
inexistência em vida de um vínculo jurídico entre os dois membros da união.
Para melhor compreensão do problema, dois aspectos, porém, devem começar por ser
clarificados.
O primeiro diz respeito ao sentido da própria condição aqui em causa.
De acordo com a interpretação preconizada na doutrina, o direito que o art.2020º
do Código Civil reconhece ao unido sobrevivo é o direito a ser alimentado
através dos rendimentos gerados pelos bens que componham o acervo patrimonial
deixado pelo falecido companheiro.
Trata-se, portanto, nas palavras de França Pitão (Uniões de facto e economia
comum, 2ª edição, pg.194), do direito à «[…] atribuição de uma prestação
pecuniária mensal (art.2005º, n.º1, do Código Civil), que será paga
necessariamente através dos rendimentos dos bens da herança e não através dos
próprios bens, o mesmo é dizer, através da alienação destes ou sequer da sua
oneração».
Daí se segue que, no plano da aplicação prática, o efeito da colocação da
exigência que vem questionada acabe por ser, não o de inviabilizar a atribuição
de uma pensão de sobrevivência em todos os casos em que a herança seja rica em
património, mas apenas o de comprometer o acesso a tal prestação nas hipóteses
em que o acervo patrimonial deixado pelo de cuius seja integrado por bens com
apetência para gerar rendimentos susceptíveis de garantir a atribuição de uma
prestação pecuniária mensal em medida por sua vez suficiente para poder
funcionar como pensão alimentar nos termos previstos no art.2004º do Código
Civil.
Por decorrência da dimensão normativa que vem questionada, o unido sobrevivo
verá, assim, reconhecido o direito à pensão de sobrevivência logo que demonstre
que a herança aberta por óbito do falecido companheiro não tem, pura e
simplesmente, quaisquer bens ou, embora deles dispondo, estes não têm aptidão
para gerar, ao menos de forma periodicamente certa e com carácter de
regularidade, um valor ajustável aos critérios legalmente estabelecidos para a
fixação de uma prestação alimentar.
O segundo aspecto diz directamente respeito ao próprio direito à segurança
social consagrado no art.63º da CRP.
Ao invés do que sustenta a recorrente, o direito à segurança social, em si mesmo
e enquanto tal, não é posto em causa pela dimensão normativa impugnada.
Com efeito, do que se trata aqui é apenas e tão só do acesso à tutela
previdencial pela mediação do contribuinte falecido e não, conforme serviria à
tese que vem sufragada, do único acesso possível pelo companheiro sobrevivo ao
sistema de protecção da segurança social: ainda que negado o acesso à pensão de
sobrevivência, este conservará sempre o “seu” direito à segurança social,
direito esse que poderá efectivar sempre e em última instância através do acesso
a prestações pelo regime não contributivo da segurança social (neste sentido,
Rita Lobo Xavier, Uniões de facto e pensão de sobrevivência, Jurisprudência
Constitucional, n.º3, Julho-Setembro 2004, pg.24).
1.7.1. Isto posto, procuremos então resposta para a interrogação atrás
colocada.
Pode dizer-se que, quando funcionalmente perspectivada, a pensão de
sobrevivência corresponde, no sistema português, a uma forma de tutela
previdencial destinada a acautelar as implicações económicas do falecimento do
beneficiário, isto é, as consequências geradas por um facto natural do qual «a
lei presume a decorrência de uma situação de necessidade para os “familiares”
sobreviventes».
A pensão de sobrevivência apresenta, assim, um «carácter substitutivo dos
alimentos», destinando-se a garantir o prolongamento de uma situação de
dependência, efectiva ou presumida pelo legislador (cfr. Maria João Vaz Tomé, O
direito à pensão de reforma enquanto bem comum do casal, Coimbra Editora, 1997,
pgs.62, 71 e 81).
Para a solução normativa que vem questionada, beneficia desta presunção o
cônjuge do contribuinte falecido, derivando ela da comunhão de interesses
patrimoniais que, por força da disciplina imperativa do casamento, entre ambos
se estabeleceu em vida.
Tal comunhão, sendo geradora de uma relação de solidariedade patrimonial com as
características já assinaladas, permitirá ao legislador ordinário pressupor que
a perda dos rendimentos do trabalho determinada pela morte do beneficiário
afectou economicamente o cônjuge sobrevivo, com o que se abrirá imediato caminho
ao reconhecimento da necessidade de compensação a que a pensão de sobrevivência
se destina a fazer face (cfr. art.4º, n.º1, do Decreto Lei n.º322/90, de 18 de
Outubro).
Não já assim no caso dos unidos de facto.
Com efeito, não impondo a lei quaisquer deveres de conteúdo ou incidência
patrimonial às pessoas que vivem em união de facto, esta, justamente por
compatível se manter ainda com a preservação de uma autonomia patrimonial que o
casamento só por si suprime, poderá não gerar qualquer relação de dependência
económica entre os seus membros, mesmo que subsista por mais de dois anos.
E se assim é, parece existir fundamento racional bastante para considerar que o
falecimento de um dos membros da união pode não importar – ou, pelo menos, que
não importará necessariamente e sempre – uma diminuição dos meios de
subsistência daquele que lhe sobrevive.
Daí se segue que, quando se trate de fazer responder o direito
infra-constitucional às implicações geradas pela supressão da fonte de
rendimentos até então representada pelo contribuinte falecido, o legislador
ordinário não se encontrará constitucionalmente impedido, designadamente por
incidência do princípio da proporcionalidade, de distinguir o desequilíbrio
gerado pelo desaparecimento de um dos obrigados à contribuição para os encargos
da vida comum, daquele outro que, não podendo presumir-se a partir do estatuto
da relação, apenas existirá se e na medida em que o óbito do beneficiário tiver
originado para o unido que lhe sobreviveu uma necessidade de protecção que não
possa ser eficazmente acautelada através dos mecanismos disponibilizados pelo
direito civil dos alimentos.
A diferente vinculação num e noutro caso assumida constitui ainda um ponto de
partida suficientemente idóneo para, do ponto de vista da tutela da posição do
membro sobrevivente, legitimar uma «divisão de tarefas entre o direito civil dos
alimentos e o direito da segurança social» (Maria João Vaz Tomé, ob cit., pg.72)
como aquela que aqui está em causa: no caso dos unidos de facto, o segundo
apenas intervirá onde o primeiro se revele incapaz de gerar soluções adequadas,
seja através de uma prestação de alimentos a cargo dos familiares a tanto
legalmente obrigados seja, subsidiariamente, através dos rendimentos produzidos
pelos bens que componham a herança do de cuius.
Quer isto significar que, do ponto de vista do tratamento jurídico das
consequências do falecimento do beneficiário do regime contributivo da segurança
social, o legislador não só está autorizado a distinguir os cônjuges dos unidos
de facto, como está legitimado a distinguir nos termos em que o fez tal como os
entende a dimensão normativa impugnada, não representando eles, porque
proporcionais ainda à medida da diferença verificada existir entre casamento e
união de facto, uma manifestação de excesso constitucionalmente censurável.
1.7.2. Tudo o que até agora foi afirmado tem naturalmente pressuposta a
concepção funcional do direito à pensão de sobrevivência subjacente ao sistema
português.
Tal sistema – haverá que reconhecê-lo aqui - tornou-se, contudo, alvo de crítica
na doutrina.
Duvidando-se da adequação à estrutura das relações patrimoniais entre os
cônjuges de uma ideia de tutela previdencial dirigida à perpetuação de uma
situação de dependência, sustenta-se que o direito à pensão de sobrevivência
deveria exprimir antes «[…] a consistência patrimonial anteriormente fundada
sobre a actividade profissional e doméstica do núcleo familiar» (idem, pg.81).
Particularmente a propósito da posição do cônjuge divorciado, defende-se que a
atribuição de direitos a prestações da segurança social, ao invés de «[…]
reputar-se essencialmente ligada a considerações genéricas de solidariedade ou
de sobrevivência de obrigações e direitos matrimoniais», deveria «[…]
considerar-se conexa à precedente existência de uma efectiva comunidade familiar
nos seus aspectos patrimoniais […]» (ibidem, pg.81).
Deste ponto de vista, realça-se a ideia de que o direito à pensão de
sobrevivência é financiado pelas contribuições pagas com a retribuição do
beneficiário, procedendo estas, por sua vez, de uma base patrimonial comum em
cuja formação o respectivo cônjuge não deixará de participar pela circunstância
de, por força dos deveres legais de cooperação e assistência, ambos se
encontrarem obrigados ao dever de contribuição para os encargos da vida
familiar.
Assim vistas as coisas, o direito à pensão de sobrevivência surge então como um
direito cuja titularidade é, na constância do matrimónio, co-adquirida pelo
cônjuge do contribuinte», correspondendo à concretização da participação do
cônjuge do contribuinte na posição por este detida no sistema de segurança
social (cfr. ibidem, pgs.74-75 e 83).
Sob este novo paradigma, a posição do cônjuge, embora não emergindo já de uma
situação de presumida dependência, mantém-se diferenciável, ou torna-se mesmo
superlativamente diferenciável, da posição do unido de facto.
Com efeito, ainda que entendidos os direitos previdenciais como «direitos
recíproca e progressivamente adquiridos na constância do casamento» (ibidem,
pg.77) por efeito de uma comum participação na formação da base patrimonial
geradora do respectivo financiamento, o legislador ordinário continuaria a
dispor de suficiente liberdade conformadora para, uma vez mais sem o risco de
incorrer em qualquer manifestação de excesso, não reconhecê-los em idênticos
termos ou condições ao membro sobrevivo de uma união de facto.
Ao relacionar causalmente o reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência
com a contribuição para a realização dos pagamentos de que aquele deriva através
do cumprimento dos deveres conjugais, a construção em presença reporta, assim, a
tutela previdencial à co-titularidade em vida de uma relação jurídico-social
(ibidem, pg.78) a que a união de facto não é susceptível de dar origem.
A contribuição que também aqui possa existir será sempre, deste ponto de vista,
uma contribuição diferenciada relativamente àquela que emerge do casamento, em
isto residindo o fundamento objectivo e racional justificativo da opção por um
tratamento jurídico diverso em matéria de habilitação à tutela previdencial.
Mesmo numa perspectiva de iure condendo, o recurso que se vem apreciando
continuaria, portanto, sem razões para proceder.
Termos em que importa concluir que a dimensão normativa sob sindicância não se
revela, contrariamente ao sustentado pela recorrente, desconforme com as
exigências dos princípios da igualdade e da proporcionalidade, pelo que o
presente recurso, enquanto fundado na alínea b) do n.º1 do art.70º da LTC, não
poderá deixar de improceder.
2. Do recurso interposto ao abrigo da alínea g).
O recurso previsto na alínea g) do nº 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal
Constitucional cabe das decisões que apliquem norma que tenha sido anteriormente
julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
Constitui pressuposto da espécie de recurso em presença que a norma impugnada
haja sido aplicada, como «ratio decidendi», pela decisão recorrida e que essa
mesma norma haja sido já julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.
Sabido que a sindicância exercida no âmbito da fiscalização concreta, assumindo
embora natureza estritamente normativa, tanto pode incidir sobre normas
jurídicas em si mesmo consideradas, como visar apenas o particular sentido em
que houverem sido interpretadas no âmbito de uma determinada actividade
subsuntiva, vem sendo pacificamente entendido na jurisprudência deste Tribunal
que, «para se verificarem os pressupostos do recurso interposto ao abrigo da
alínea g) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional, não basta
que exista coincidência entre o preceito legal aplicado na decisão recorrida e
aquele julgado inconstitucional pelo Tribunal Constitucional. Antes, tratando-se
de preceito que comporta mais do que uma dimensão normativa, e apenas sendo
impugnado numa específica interpretação, é indispensável que exista coincidência
entre a interpretação normativa aplicada pela decisão recorrida e aquela
anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional» (cfr.
Acórdão 80/06, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Pois bem.
O Acórdão-fundamento aqui invocado decidiu julgar inconstitucional «a norma que
se extrai dos artigos 40°, n.º 1, e 41°, n.º 2, do Estatuto das Pensões de
Sobrevivência no Funcionalismo Público, quando interpretada no sentido de que a
atribuição da pensão de sobrevivência por morte de beneficiário da Caixa Geral
de Aposentações, a quem com ele convivia em união de facto, depende também da
prova do direito do companheiro sobrevivo a receber alimentos da herança do
companheiro falecido, direito esse a ser invocado e reclamado na herança do
falecido, com o prévio reconhecimento da impossibilidade da sua obtenção nos
termos das alíneas a) a d) do art. 2009° do Código Civil» (Acórdão 88/04,
disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
O critério interpretativo enunciado pela decisão recorrida a partir do
preceituado nos arts. 40º, n.º1, e 41º, n.º2, do Decreto-Lei n.º142/73, e aí
considerado constitucionalmente conforme sujeita o reconhecimento do direito à
pensão de sobrevivência, no caso dos unidos de facto, à demonstração pelo
companheiro sobrevivo, quer da impossibilidade de reclamar os alimentos de que
haverá de encontrar-se carecido das pessoas a quem legalmente podem ser exigidos
nos termos previstos nas alíneas a) a d) do art. 2009°, do Código Civil, quer,
cumulativa, sucessiva e derivadamente, da impossibilidade de obter tais
alimentos através da herança aberta por óbito do companheiro beneficiário.
Confrontados ambos os conteúdos normativos em presença, verifica-se, assim, que
o acórdão fundamento reputou de inconstitucional a norma que converte em
pressuposto da atribuição do direito à pensão de sobrevivência, no caso dos
unidos de facto, a prova dos requisitos de que depende o direito do membro
sobrevivo a exigir alimentos da herança do falecido beneficiário, tendo o
acórdão aqui recorrido considerado constitucionalmente conforme a aplicação da
norma que sujeita o reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência, quer à
demonstração da titularidade do direito a exigir alimentos da herança do de
cuius, quer à prova da impossibilidade do seu exercício por força da ausência ou
insuficiência de bens da referida herança.
Daqui se segue que, em matéria de estabelecimento dos factos constitutivos do
direito à pensão de sobrevivência do unido sobrevivo a partir do preceituado nos
arts.40º, n.º1, e 41º, n.º2, do Decreto-Lei n.º142/73, a dimensão normativa que
constitui a ratio decidendi da decisão impugnada integra a aplicação de uma
acepção interpretativa julgada já inconstitucional, associando ao pressuposto
sobre que incidiu o juízo preconizado pelo Acórdão fundamento um outro, este de
natureza adicional ou suplementar: o de que os alimentos em questão não possam
ser ainda obtidos pelo companheiro sobrevivo através do subsidiário recurso à
herança do beneficiário falecido por ausência ou insuficiência de bens.
A decisão recorrida não deixou, portanto, quanto mais não seja implicitamente,
de aplicar a norma julgada inconstitucional pelo Acórdão-fundamento, o que torna
o presente recurso processualmente admissível.
Isto posto, há que dizer, porém, que a orientação sufragada pelo invocado
Acórdão 88/04 foi abandonada pelo Plenário deste Tribunal através do seu Acórdão
n.º614/05, pelas razões dele constantes e que ora se reafirmam, em beneficio
daquela outra, de divergente sentido, que fora acolhida nos Acórdãos 195/2003 e
159/05, acima já referidos (todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Nestes termos, o recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º1 do art.70º,
da LTC, não poderá obter procedência.
III. Decisão.
Por tudo o que exposto fica, decide-se:
a) Não julgar inconstitucional a norma dos artigos 40°, n.° 1, e 41.°,
n.° 2, ambos do Estatuto das Pensões de Sobrevivência, aprovado pelo Decreto-Lei
n.º142/73, de 31 de Março, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º
191-B/79, de 25 de Junho, na interpretação segundo a qual aí se faz depender a
titularidade do direito à pensão de sobrevivência, em caso de união de facto, da
prova pelo companheiro sobrevivo da impossibilidade de obtenção de alimentos da
herança do companheiro falecido;
b) Consequentemente, negar provimento ao recurso interposto ao abrigo da
alínea b) do n.º1 do art.70º da LTC;
c) Negar provimento ao recurso interposto ao abrigo da alínea g) do n.º1
do art.70º da LTC.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades
de conta.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2007
Rui Manuel Moura Ramos
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria João Antunes (vencida nos
termos da declaração junta)
Maria Helena Brito (vencida, tal
como no Acórdão n.º 614/2005, pelas razões que fundamentaram a decisão de
inconstitucionalidade no Acórdão n.º 88/2004)
Artur Maurício
DECLARAÇÃO DE VOTO
1. Relativamente ao recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do
artigo 70º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, votei vencida pelas razões que conduziram ao juízo de
inconstitucionalidade constante do Acórdão nº 88/2004. Apesar de, no caso em
apreço, não se exigir que seja proposta uma acção autónoma contra a herança para
demonstrar a insuficiência ou inexistência dos bens que a integram (cf.
declaração de voto aposta nos Acórdãos nºs 614/2005 e 517/2006), o
reconhecimento do direito à pensão de sobrevivência fica sujeito à demonstração
adicional da exiguidade da herança do unido falecido para garantir a prestação
alimentar.
2. No que se refere ao recurso interposto ao abrigo da alínea g) do nº 1
do artigo 70º daquela Lei, votei no sentido do não conhecimento do objecto do
recurso, por entender que a norma aplicada, como ratio decidendi, pela decisão
recorrida é diferente da já anteriormente julgada inconstitucional pelo Tribunal
Constitucional (Acórdão nº 88/2004).
Maria João Antunes