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Processo n.º 823/06
1ª Secção
Relator: Conselheiro Pamplona de Oliveira
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
A. e outros, recorrentes no processo à margem referenciado, não se conformando
com a decisão sumária que decidiu não ser possível tomar conhecimento do objecto
do recurso, vem, ao abrigo do n.º 3 do artigo 78º-A da LTC, reclamar para a
Conferência, nos termos e com os fundamentos seguintes:
Por douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa (TAFL), de
2004.12.06, foi negado “provimento ao recurso interposto do despacho do
Presidente da Câmara de Cascais, proferido em 1996.07.05, que indeferiu o pedido
de aprovação do projecto e licenciamento da construção que os recorrentes
pretendem levar a efeitos nos seus prédios localizados no Monte-Estoril”,
município de Cascais.
Não se conformando com a referida decisão, as ora reclamantes recorreram para a
Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo (STA),
invocando nas conclusões 8ª a 10º das respectivas alegações de recurso, as
seguintes questões de inconstitucionalidade:
“8ª O despacho sub judice, ao indeferir a pretensão dos ora recorrentes com
fundamento na sua alegada desconformidade com as normas constantes do Plano de
Urbanização da Costa do Sol (PUCS), enferma de diversos erros de direito, bem
como de diversas ilegalidades, pois o despacho do Sr. SEUH, de 1974.03.23,
alterou o PUCS, e o referido plano não constitui um instrumento urbanístico
válido, eficaz ou juridicamente existente — cfr. texto nº 12;
9º O despacho sub judice violou frontalmente os princípios constitucionais da
segurança das situações jurídicas e da protecção da confiança dos ora
recorrentes, integrantes do princípio do Estado de Direito Democrático, pois
indeferiu a sua pretensão com fundamento em normas que nunca seriam aplicáveis
in casu, tanto mais que o edifício em causa não afecta manifestamente a estética
e beleza do local em que se enquadra (v. arts. 2º, 9º/b), 18º e 266º da CRP) —
cfr. texto n.º 12;
10ª O projecto do PDM de Cascais também não constitui um instrumento de
planeamento territorial eficaz, por ainda não ter sido aprovado e publicado,
pelo que nunca poderia fundamentar o indeferimento da pretensão dos ora
recorrentes (v. arts. 119º da CRP, art. 5º do C. Civil e arts. 15º a 18º do DL
69/90, de 2 de Março) — cfr. texto n.º s 13 a 15”.
Por acórdão da 1ª Secção do STA, de 2005.11.08, confirmado por acórdão da 5ª
Secção do STA, de 2006.06.26, foi negado provimento aos recursos jurisdicionais
interpostos pelas ora reclamantes.
Não se conformando, as ora reclamantes recorreram para este Venerando Tribunal
Constitucional, invocando novamente as referidas questões de
inconstitucionalidade. Por despacho proferido pelo Senhor Conselheiro Relator,
do Pleno da 5ª Secção do STA, de 2006.09.20, foi admitido o referido recurso
interposto para o Tribunal Constitucional. Na douta decisão sumária ora
reclamada decidiu-se que não podia tomar-se conhecimento do recurso interposto
pelas ora reclamantes, por considerar, em síntese, que:
a) As recorrentes não cumpriram o ónus de definição das normas jurídicas
julgadas inconstitucionais
b) O acórdão do STA, de 2006.06.26, não aplicou, como ratio decidendi, as normas
que integram o Plano de Urbanização da Costa do Sol.
Salvo o devido respeito — e é verdadeiramente muito — cremos que a decisão
reclamada não pode manter-se.
Vejamos.
2. No caso sub judice verifica-se que o pedido de licenciamento de construção
apresentado pelas ora reclamantes na Câmara Municipal de Cascais foi indeferido
por, alegadamente, ter sido ultrapassado o índice de ocupação permitido no Plano
de Urbanização da Costa do Sol (PUCS).
Não tendo sido indicadas quaisquer concretas normas daquele instrumento de
gestão territorial, cujo regulamento também nunca foi publicado, as ora
reclamantes recorreram daquele acto de indeferimento para os Tribunais
Administrativos, invocando no decurso referido recurso contencioso as questões
de inconstitucionalidade acima enunciadas.
Apesar de terem sido proferidas três decisões judiciais a negar provimento à
pretensão formulada pelas ora reclamantes, em nenhum delas se indicou ou
concretizou a norma desconhecida do regulamento do instrumento de gestão
territorial em causa — PUCS — que nunca foi publicado, concluindo-se apenas que
as recorrentes não demonstraram que não se verificou violação do PUCS, “por
(não) ter sido ultrapassado o índice de ocupação permitido naquele instrumento
urbanístico” (v. fls. 11, 14 e 15 do acórdão do STA, de 2005.11.08).
Em qualquer dos casos, a impossibilidade de melhor identificação das normas em
causa nunca poderá ser imputada às ora reclamantes, que suportaram na sua esfera
jurídica as consequências do referido acto administrativo lesivo, tendo
procedido à sua impugnação pelas vias judiciais adequadas (v. art. 268º/4 da
CRP), invocando a inconstitucionalidade dos normativos em causa por se integrar
em instrumento de gestão territorial nunca publicado (v. arts. 2º, 9º, 18º, 119º
e 266º da CRP).
Conforme resulta do art. 70º da LTC e constitui jurisprudência pacífica deste
Venerando Tribunal, objecto da fiscalização sucessiva concreta da
constitucionalidade é o controlo da validade de quaisquer normas
jurídico-públicas (v. Blanco de Morais, Justiça Constitucional, 2005, II/700;
cfr. Acs. TC 331/06, de 17 de Maio, Proc. n.º 201/06, Cons. Maria dos Prazeres
Beleza; 330/06, de 17 de Maio, Proc. n.º 416/06, Cons. Maria dos Prazeres
Beleza; 6/06, de 4 de Janeiro, Proc. 1007/05, Cons. Gil Galvão; 78/95, de 21 de
Fevereiro, Proc. nº 435/94, Cons. Messias Bento, todos em
www.tribunalconstitucional.pt; 192/94, DR, II Série, de 1994.05.14; 269/94, DR,
II Série, de 1994.06.18; 367/94, DR, II série, de 1994.09.07), sendo certo que o
conceito de norma abrange todos os actos do poder político que contenham regras
de conduta para os particulares ou para a Administração, ou um critério de
decisão para esta última ou para os Tribunais (v. Acs. TC 65/90, de 21 de
Dezembro, Proc. 283/89, Cons. Bravo Serra, www.tribunalconstitucional.pt;
150/86, DR, II Série, de 1986.07.26).
Nos termos do disposto nos arts. 70º/1/b) e 72º/2 da LTC, são pressupostos
objectivos do recurso interposto para o Tribunal Constitucional de decisões
negativas de inconstitucionalidade:
a) Aplicação efectiva de uma norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade
tenha sido suscitada adequadamente no decurso de um processo;
b) Necessidade de a decisão recorrida fazer caso julgado no processo principal;
c) Menção na petição de recurso dos elementos exigidos no art. 75º-A/1 e 2 da
LTC (v. Blanco de Morais, Justiça Constitucional, 2005, II/700; cfr. Ac TC 1/05,
de 5 de Janeiro, Proc. 909/04, Cons. Maria João Antunes, 364/96, de 6 de Março,
Proc. 27/92, Cons. Tavares da Costa, ambos in www.tribunalconstitucional; Ac. RL
de 1998.01.13, Proc. 0006285, www.dgsi.pt).
A propósito do requisito da aplicação efectiva da norma julgada
inconstitucional, este Venerando Tribunal Constitucional tem pacífica e
uniformemente entendido que “há aplicação da norma para efeitos da alínea b) do
n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 não só nos casos de aplicação expressa,
como também nos casos da aplicação implícita” (v. Ac. TC 406/87, de 7 de
Outubro, Proc. 82/87, www.dgsi.pt; cfr. Acs. TC 9/06, de 5 de Janeiro, Proc.
480/05; 454/03, de 14 de Outubro, Proc. 458/03; 445/99, de 8 de Julho, Proc.
37/99; 11/99, de 12 de Janeiro, Proc. 271/97; 1081/96, de 23 de Outubro, Proc.
438/96; 226/94, de 8 de Março, Proc. 47/93; 160/91, de 4 de Abril, Proc. 720/00;
47/90, de 21 de Fevereiro, Proc. 87/89, todos in www.tribunalconstitucional.pt;
721/97, de 23 de Dezembro, Proc. 392/97; 637/96, de 7 de Maio, Proc. 252/95;
234/96, de 29 de Fevereiro, Proc. 178/95; 33/96, de 17 de Janeiro, Proc. 789/92;
235/93, de 13 de Março, Proc. 611/92; 69/92, de 24 de Fevereiro, Proc. 219/91;
20/91, de 5 de Fevereiro, Proc. 203/90; 207/86, de 12 de Junho, Proc. 95/86;
158/86, de 14 de Maio, Proc. 31/86; 88/86, de 19 de Março, Proc. 171/89; 112/85,
de 2 de Julho, Proc. 179/84, todos in www.dgsi.pt).
Além disso, este Venerando Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que
“a norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada haverá de servir de
fundamento da decisão recorrida, aí sendo aplicada na sequência do
desatendimento do vício de inconstitucionalidade que lhe era assacado” (v. Acs.
TC 258/93, de 30 de Março, Proc. 558/92, Cons. Monteiro Diniz; 116/93, de 14 de
Janeiro, Proc. 503/92, Cons. Monteiro Diniz, ambos in www.dgsi.pt), de modo a
“influir utilmente na decisão de fundo” (v. Acs. TC 125/95, de 14 de Maio, Proc.
387/93, Cons. Tavares da Costa; 459/06, de 19 de Julho, Proc. 462/06, Cons.
Maria João Antunes, www.tribunalconstitucional.pt).
Deste modo, só não haverá aplicação efectiva da norma quando:
a) “A decisão da questão de constitucionalidade não seja susceptível de influir
na decisão da questão de fundo”, constituindo mero obiter dictum (v. Ac. TC
322/90, de 12 de Dezembro, Proc. 398/89, Cons. Messias Bento,
www.tribunalconstitucional.pt);
b) A norma não tenha “interesse para a decisão das questões que constituíam o
objecto do recurso” (v. Ac. TC 169/92, de 6 de Maio, Proc. 241/91, Cons. Messias
Bento, www.tribunalconstitucional.pt);
c) “A decisão final proferida não se tenha dela servido como fundamento legal e
haja sido tirada com referência a outra disposição normativa” (v. Ac TC 82/92,
de 25 de Fevereiro, Proc. 345/90, Cons. Monteiro Diniz, in Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 21º vol., p.p. 297 e segs.).
Aplicando os princípios e doutrina expostos ao caso sub judice, é manifesto que
a decisão reclamada não pode manter-se.
3. Em primeiro lugar, as ora reclamantes enunciaram e definiram — como lhes
competia — as normas jurídicas que consideram inconstitucionais (v. art. 75º-A/1
e 2 da LTC).
Conforme tem entendido este Venerando Tribunal Constitucional, constituem
elementos suficientes para a identificação de uma questão de
constitucionalidade:
a) Mencionar o preceito infraconstitucional e o critério normativo dele
resultante aplicado ao caso;
b) Indicação do princípio constitucional violado;
c) Apresentação de fundamentação, ainda que sucinta, do vício de
constitucionalidade (v. Ac. TC 220/03, de 29 de Abril, Proc. 1160/03, Cons.
Fernanda Palma, www.tribunalconstitucional .pt).
A propósito do requisito da indicação da norma ou critério normativo aplicado na
decisão recorrida, este Venerando Tribunal Constitucional tem entendido que não
se encontra preenchido tal requisito nos casos de mera referência a um diploma
legal apenas quando:
a) É suscitada a inconstitucionalidade material do diploma e o mesmo é
constituído por um número tão elevado de disposições que tornem logicamente
impossível que todas elas tenham sido aplicadas na decisão recorrida (v. Ac. TC
442/91, de 20 de Novembro, Proc. 33/91, Cons. Alves Correia, in Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 20º vol., p.p. 472);
b) Nesse diploma se incluam diversos outros normativos que poderão não ter
qualquer ligação ou conexão com a matéria na qual foi detectada a
desconformidade constitucional (v. Ac. TC 376/91, de 22 de Outubro, Proc. 34/91,
Cons. Bravo Serra, www.tribunalconstitucional. pt).
In casu no requerimento de interposição de recurso e na resposta ao convite
formulado pelo Exmo. Senhor Conselheiro Relator para “enunciar o exacto sentido
da norma cuja conformidade constitucional pretende questionar”, as ora
reclamantes identificaram a questão de inconstitucionalidade nos seguintes
termos:
“…o presente recurso tem como fundamento a questão da inconstitucionalidade das
normas constantes do Plano de Urbanização da Costa do Sol (PUCS), aprovado pelo
DL 37251, de 1948.12.28 bem como do respectivo regulamento, aprovado por
despacho do Ministro das Obras Públicas de 1959.02.15, e alterado por despacho
de 1962.12.14, ambos não publicados integrando “instrumentos urbanísticos (que)
não se podem considerar válidos e eficazes” (cfr. Ac. STA de 1993.11.18, Proc.
28669/28690), face às normas e princípios constitucionais consagrados nos arts.
2º, 9º/b), 18º, 61º, 62º, 119º e 266º da CRP (v. art. 70º/l/b) da LTC).
Pelo recurso em análise pretende-se questionar a dimensão normativa das
disposições constantes do PUCS e respectivo regulamento, de acordo com o sentido
em que foram interpretadas no douto aresto recorrido, que considerou que a falta
de publicação do referido instrumento urbanístico não determina a sua invalidade
e ineficácia.
Nesta conformidade, cremos que os referidos sentido e dimensão normativa não
podem ser adoptados, por serem incompatíveis com as normas e princípios
constitucionais consagrados nos arts. 2º, 9º/b), 18º, 61º, 62º, 119º, pois, não
tendo o PUCS e respectivo regulamento sido publicados, a sua actual aplicação
violaria os princípios da precisão ou determinabilidade das leis, da
publicidade, da segurança e da confiança integrantes do princípio do Estado de
Direito Democrático (v. art. 70º/l/b) da LTC).
Registe-se ainda que as referidas questões de inconstitucionalidade foram
suscitadas, além do mais, nos textos nºs. 12 a 15 e conclusões 8ª a 10º das
alegações apresentadas em 2005.03.01 pela ora recorrente, no Tribunal
Administrativo e Fiscal de Lisboa”.
As ora reclamantes identificaram assim adequada e suficientemente a questão de
constitucionalidade (v. art. 75º-A/1 e 2 da LTC).
Por um lado, as ora reclamantes referiram expressamente as normas constantes do
Plano de Urbanização da Costa do Sol, não mencionando apenas o diploma legal que
aprovou o PUCS — DL 37251, de 1948.12.28, sendo certo que o diploma em questão é
constituído apenas por dez artigos, todos eles respeitantes ao referido
instrumento urbanístico.
Por outro lado, as ora reclamantes indicaram expressamente o sentido ou critério
normativo que foi atribuído às normas em causa pelo aresto recorrido, que
considerou que a falta de publicação não determina a invalidade e ineficácia do
instrumento urbanístico em causa.
Por outro lado ainda, as ora reclamantes indicaram também expressamente a
violação dos princípios constitucionais consagrados nos arts. 2º, 9º/b), 18º,
61º, 62º, 119º da CRP, suscitando a inconstitucionalidade formal e material das
normas constantes do PUCS (v. Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional,
3ª ed., 1996, II/342 e segs.).
Acresce que as ora reclamantes fundamentaram sucintamente a
inconstitucionalidade das referidas normas, de acordo com o sentido em que foram
interpretadas no douto aresto recorrido, na violação dos princípios da precisão
ou determinabilidade das leis, da publicidade, da segurança e da confiança
integrantes do princípio do Estado de Direito Democrático, tendo em conta a
dupla dimensão assinalada ao art. 119º/2 da CRP (v. Ac. TC 71/03, de 12 de
Fevereiro, Proc. 592/02, Cons. Mário Torres, www.tribunalconstitucional.pt).
Finalmente, a referência genérica feita às normas constantes do PUCS tem que ser
entendida à luz do quadro jurídico-material subjacente à decisão recorrida, ao
despacho do Senhor Presidente da CMC, de 1996.07.05, ao parecer dos serviços
técnicos da CMC, de 1996.07.04, e à informação dos serviços de urbanismo e
infra-estruturas da CMC, de 1996.02.15, pois a questão de inconstitucionalidade
tanto pode respeitar à norma ou a uma sua dimensão parcelar, como também à
interpretação ou sentido com que ela foi tomada no caso concreto e aplicada na
decisão recorrida (v. Acs. TC 18/96, de 16 de Janeiro, Proc. 791/92, Cons. Alves
Correia; 243/95, de 17 de Maio, Proc. 144/95, Cons. Bravo Serra; 151/94, de 8 de
Fevereiro, Proc. 618/93, Cons. Ribeiro Mendes, todos in
www.tribunalconstitucional.pt).
Ora, dado que o indeferimento da pretensão das ora reclamantes foi sustentado à
luz do PUCS sem ter sido individualizada pelo STA e pelos órgãos e serviços da
CMC qualquer norma do referido instrumento urbanístico, é manifesto que as ora
reclamantes nunca poderiam proceder a tal individualização, desconsiderando a
interpretação e aplicação feitas no caso concreto pelas referidas entidades e
serviços e substituindo-se na fundamentação das respectivas decisões e
informações (v. art. 268º/3 da CRP e arts. 124º e 125º do CPA).
É pois manifesto que, contrariamente ao decidido na douta decisão reclamada, as
recorrentes cumpriram o ónus de definição das normas jurídicas julgadas
inconstitucionais, pois enunciaram e definiram — como lhes competia e de acordo
com os elementos de que dispõem — as normas jurídicas julgadas
inconstitucionais.
A não se entender assim, teríamos de concluir que não seriam objecto de tutela
judicial efectiva (v. art. 20º da CRP) os casos em que, por razões aparentes
imputáveis a entidades administrativas e órgãos judiciais, nunca fosse
identificada — como não foi no caso sub judice — a norma jurídica secreta,
obscura e não publicada de determinado instrumento de gestão territorial, apesar
de tal norma ter sido aplicada e determinado a lesão dos direitos e interesses
da ora recorrente, que integram precisamente o objecto de presente processo (v.
art. 268º/4 da CRP).
4. Em segundo lugar, tendo o acórdão do STA de 2006.06.26 decidido que o facto
de o PUCS ser válido, eficaz e aplicável ao caso sub judice “basta para
assegurar a legalidade do acto de indeferimento expresso”, é manifesto que nunca
se poderia entender que as normas que constituem o PUCS e respectivo regulamento
não foram aplicadas como ratio decidendi pela decisão recorrida.
A “ratio decidendi de um caso é o princípio de direito em que a decisão se
baseia” para dar solução às questões de direito fundamentais e necessárias (v.
Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 6ª ed., 2005, p.p. 419,
nota 834; cfr. Castro Mendes, Processo Civil, AAFDL, 1987, II/511), sendo certo
que uma decisão terá — sob pena de nulidade (v. arts. 158º, 659º e 668º/1/b do
CPC; cfr. art. 205º/1 da CRP) — tantas rationes decidendi ou fundamentos
normativos quantas as questões de direito sobre as quais deva e venha a
pronunciar-se (v. arts. 660º e 668º/l/ d) do CPC; cfr. Anselmo de Castro,
Direito Processual Civil Declaratório, 1982, III/142).
A questão de inconstitucionalidade suscitada deverá assim integrar uma das
rationes decidendi ou um dos fundamentos normativos da decisão (v. Acs. TC
207/97, de 11 de Março, Proc. 719/96, Cons. Tavares da Costa; 586/95, de 7 de
Novembro, Proc. 310/95, Cons. Ribeiro Mendes; 120/92, de 31 de Março, Proc.
153/90, Cons. Tavares da Costa, todos in www.dgsi.pt cfr. Guilherme da Fonseca e
Inês Domingos, Breviário de Direito Processual Constitucional, 1997, p.p. 39).
No caso sub judice, é manifesto que o acórdão recorrido confirmou o douto
acórdão de 2005.11.08, que negou provimento ao recurso interposto com fundamento
e na validade, eficácia e aplicabilidade do PUCS relativamente ao pedido das ora
reclamantes, de aprovação do projecto e licenciamento da construção.
Com efeito, no douto acórdão, de 2005.11.08, foram apreciadas as questões
jurídicas da anulabilidade do acto impugnado por indeferir pretensão com
fundamento em violação do PUCS, que constitui um instrumento urbanístico
inválido, ineficaz ou juridicamente inexistente (I) e da anulabilidade do acto
impugnado por violação dos princípios da segurança e protecção da confiança
(II), tendo-se decidido a esse respeito, além do mais, expressamente o seguinte:
“A sentença recorrida apreciou expressamente um dos fundamentos da ilegalidade
apontada ao acto de indeferimento expresso, ou seja, a da invalidade e
ineficácia do Plano de Urbanização da Costa do Sol. Tendo concluído a sentença
que esse instrumento urbanístico era válido e eficaz e que fora efectivamente
violado pelo projecto dos recorrentes, concluiu (e com toda a lógica) que o acto
de indeferimento era válido, ficando prejudicados os vícios emergentes da
violação de preceitos constitucionais e de direito administrativo cuja violação
foi invocada “apenas como corolário lógico da tese da invalidade e ineficácia
daqueles instrumentos urbanísticos” (fls. 318).
Antecipando a conclusão entendemos que a decisão recorrida se encontra de acordo
com jurisprudência firmada neste Supremo Tribunal (oportunamente citada) e com a
qual concordamos inteiramente. (...)
Assim, sendo válido e eficaz o instrumento urbanístico invocado — PUCS —
improcede a crítica feita a este segmento da decisão impugnada. (...)
Tendo sido invocada a violação do PUCS — por ter sido ultrapassado o índice de
ocupação permitido naquele instrumento urbanístico — e não tendo o recorrente
demonstrado que não se verificava tal violação, isto é, alegado e provado factos
de onde se concluísse que o índice de ocupação era inferior ao previsto (pois
dirigiu o seu ataque ao acto tendo em vista não a violação do Plano, mas a sua
invalidade ou eficácia), somos forçados a concluir que é válido o fundamento
invocado no acto de indeferimento, ou seja, que o indeferimento tácito continha
pelo menos essa ilegalidade, e poderia por isso ser revogado com esse fundamento
(revogação anulatória).
E, sendo assim, não tendo as recorrentes demonstrado que o seu projecto não
violava os índices de ocupação definidos no PUCS, e sendo este aplicável ao
caso, é quanto basta para assegurar a legalidade do acto de indeferimento
expresso onde esse fundamento foi invocado. Não interessa, assim, saber se o PDM
era eficaz, se o edifício afectava ou não de forma manifesta a estética e beleza
do local, ou se a invocação do art. 1360º do C. Civil era viável para indeferir
o licenciamento ou até mesmo se os requerentes do licenciamento tinham ou não
legitimidade. Invocando-se uma ilegalidade (violação dos índices de ocupação do
solo definidos para o terreno no PUCS) e não se demonstrando que esses índices
não tinham sido ultrapassados, o acto de indeferimento é válido” (v. fls. 11, 14
e 15 do douto acórdão).
Perante o texto do acórdão transcrito, não cremos ser possível afirmar que as
normas que constituem o PUCS e respectivo regulamento não foram aplicadas como
ratio decidendi.
Registe-se a finalizar que ainda que se entendesse que as normas que constituem
o PUCS e respectivo regulamento não foram expressamente aplicadas como ratio
decidendi pela decisão recorrida — o que se impugna —, sempre teria ocorrido
aplicação implícita das referidas normas.
Com efeito, verifica-se aplicação normativa implícita sempre que:
a) O Tribunal a quo possa e deva conhecer da questão de constitucionalidade
invocada durante o processo (v. Acs. TC 318/90, de 12 de Dezembro, Proc. 291/89,
Cons. Alves Correia, www.tribunalconstitucional.pt; 176/88, de 14 de Julho,
Proc. 310/87, Cons. Cardoso da Costa, www.dgsi.pt);
b) A sentença, pese embora não fazer qualquer alusão à norma, não poderia deixar
de a ter aplicado, já que não poderia ter logicamente decidido ou decidido de
uma determinada maneira, sem proceder à sua convocação como fundamento da
decisão (v. Acs. TC 466/91, de 17 de Dezembro, Proc. 160/91, Cons. Ribeiro
Mendes, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 20º vol., p.p. 605 e segs;
451/89, de 21 de Junho, Proc. 287/87, Cons. Nunes de Almeida, www.dgsi.pt cfr.
Blanco de Morais, Justiça Constitucional, 2005, II/702);
c) A aplicação da norma se deduza necessariamente da decisão recorrida (v. Ac.
TC 9/06, de 5 de Janeiro, Proc. 480/05, Cons. Maria dos Prazeres Beleza,
www.tribunalconstitucional.pt) ou é “extraível de um raciocínio lógico utilizado
na decisão” (v. Ac. TC 231/91, de 23 de Maio, Proc. 164/91, Cons. Bravo Serra,
www.dgsi.pt).
É pois manifesto que no caso sub judice sempre teria ocorrido aplicação
implícita das normas constantes do PUCS e respectivo regulamento.
Por um lado, o STA podia e devia conhecer da questão de constitucionalidade, já
que a mesma foi expressamente suscitada nos textos nºs. 12 a 15 e conclusões 8ª
a 10º das alegações apresentadas em 2005.03.01 pelas ora reclamantes, no
Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, inscrevendo-se assim na sua esfera
de “competência vinculada” (v. Ac. TC 162/92, de 6 de Maio, Proc. 241/91, Cons.
Messias Bento, www.tribunalconstitucional.pt).
Por outro lado, o STA nunca poderia ter decidido que o acto de indeferimento do
projecto das ora reclamantes era válido tendo em conta os índices de ocupação
definidos no PUCS sem, pelo menos, ter implicitamente aplicado ou convocado
normas dele constantes.
Nesta linha, decidiu o douto acórdão deste Venerando Tribunal, de 1996.05.07, o
seguinte:
“Porque a questão de constitucionalidade se prende directamente com o objecto do
recurso interposto — o seu julgamento acha-se dependente do próprio âmbito de
cognição daquele tribunal — tem de considerar-se que no acórdão recorrido se fez
aplicação implícita das normas cuja constitucionalidade se havia anteriormente
suscitado” (v. Ac. TC 637/96, Proc. 252/95, Cons. Monteiro Diniz,
www.tribunalconstitucional. pt).
Finalmente, dado que no contencioso administrativo o juiz tem o dever de se
pronunciar sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra
o acto impugnado e de identificar, ele próprio, “a existência de causas de
invalidade diversas das que tenham sido alegadas” (v. art. 95º/2 do CPTA; cfr.
Aroso de Almeida e Fernandes Cadilha, Comentário ao CPTA, 2005, p.p. 484; Mário
Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, CPTA e ETAF Anotados, 2004,
p.p. 549 e segs.), é inquestionável que o STA, ao decidir que o acto de
indeferimento do projecto das ora reclamantes era válido, necessariamente
considerou válidas, eficazes e aplicáveis in casu as normas constantes do PUCS e
respectivo regulamento (v. art. 660º e 668º/1/d) do CPC).
É pois manifesto que, contrariamente ao decidido na douta decisão reclamada,
nunca se poderia entender que as normas que constituem o PUCS e respectivo
regulamento não foram aplicadas como ratio decidendi no caso em análise, pois,
além do mais, a referida decisão negou provimento ao recurso interposto com
fundamento na validade, eficácia e aplicabilidade do PUCS relativamente ao
pedido de aprovação do projecto e licenciamento da construção das ora
reclamantes.
Nestes termos,
Deverá ser julgada procedente a presente reclamação, revogando-se a decisão
reclamada, admitindo-se o recurso interposto pelas ora reclamantes e
prosseguindo o presente processo os seus ulteriores termos, com as consequências
legais.”
A decisão reclamada é do seguinte teor:
'Não pode conhecer-se do presente recurso, interposto por A. e outros, por duas
razões:
— Em primeiro lugar, os recorrentes não definiram as normas jurídicas que, tendo
sido aplicadas como ratio decidendi da decisão recorrida, seriam, em seu
entender inconstitucionais.
Para cumprir este ónus não é suficiente, com efeito, definir o objecto do
recurso dizendo que pretende “questionar a dimensão normativa das disposições
constantes do Plano de Urbanização da Costa do Sol (PUCS) e respectivo
regulamento, de acordo com o sentido em que foram interpretadas no douto aresto,
que considerou que a falta de publicação do referido instrumento urbanístico não
determina a sua invalidade e ineficácia”, pois isso seria transferir para o
Tribunal o encargo de delimitar o âmbito do recurso, identificando quais as
normas que foram concretamente aplicadas no acórdão recorrido e com que sentido,
o que é inadmissível.
— A isto acresce, em segundo lugar, que as normas que constituem o Plano de
Urbanização da Costa do Sol, e o respectivo regulamento, não foram aplicadas na
decisão recorrida como sua ratio decidendi.'
Cumpre decidir.
Retira-se da reclamação que os reclamantes contestam a decisão tanto na parte em
que considerou não terem sido definidas as normas jurídicas aplicadas na decisão
recorrida acusadas de inconstitucionais, como na parte em que concluiu que as
normas do PUCS e respectivo Regulamento não foram aplicadas na decisão
recorrida.
Esta última questão é, na verdade, determinante, pois é absolutamente essencial
para o prosseguimento do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da
LTC que a norma questionada tenha sido efectivamente aplicada na decisão
recorrida como sua ratio decidendi.
Vejamos.
Ao contrário do que sustentam os reclamantes, o acórdão recorrido não confirmou
o acórdão de 8 de Novembro de 2005 no que respeita ao julgamento das questões
colocadas no recurso contencioso, não “negou provimento ao recurso interposto
com fundamento na validade, eficácia e aplicabilidade do PUCS relativamente ao
pedido de aprovação do projecto e licenciamento da construção das ora
reclamantes”, e também não aplicou implicitamente as normas do PUCS.
Na verdade, a decisão do Supremo Tribunal Administrativo que está em causa nos
presentes autos é o acórdão proferido em 22 de Junho de 2006, que decidiu julgar
findo o recurso por oposição de julgados por não se verificar a alegada
oposição. Tal decisão analisou, para efeitos de verificação da existência de
oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, cada um destes
arestos, concluindo: “trata-se, portanto, em ambos os casos, de situações
fácticas inteiramente distintas, que abordaram questões de direito não
coincidentes e que mereceram, por isso, soluções jurídicas que se não encontram
em oposição”. Isto é, o acórdão do qual foi interposto o recurso de
constitucionalidade não emitiu qualquer pronúncia acerca das normas do PUCS,
limitando-se, perante a não verificação dos pressupostos do recurso por oposição
de julgados, a julgar findo o respectivo recurso. Enfim, o acórdão recorrido não
aplicou as normas do PUCS e respectivo Regulamento como seu fundamento jurídico.
Chegados a este resultado, torna-se dispensável analisar o outro fundamento da
decisão sumária reclamada, pois é já seguro que o Tribunal não pode conhecer do
recurso interposto.
Nestes termos, indefere-se a presente reclamação, confirmando a decisão sumária
de não conhecimento do recurso. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de
justiça em 20 UC.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2007
Carlos Pamplona de Oliveira
Maria Helena Brito
Rui Manuel Moura Ramos