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Processo nº 696/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I
Relatório
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, A. e B.
interpuseram recurso de agravo do despacho que não admitiu a reclamação que
apresentaram contra a decisão que recaiu sobre a impugnação da condensação da
matéria de facto, no âmbito do processo ordinário nº 577/2000, do 3º Juízo do
Tribunal da Comarca de Águeda.
O recurso foi admitido, tendo sido fixada a subida diferida.
Os recorrentes reclamaram da decisão que determinou a subida diferida do
recurso.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por decisão de 6 de Junho de 2006, indeferiu a
reclamação (fls. 23).
Os recorrentes interpuseram recurso de constitucionalidade (fls. 29), tendo, no
tribunal a quo sido proferido despacho ao abrigo do artigo 75º‑A da Lei do
Tribunal Constitucional (fls. 32), ao qual os recorrentes responderam (fls. 34 e
35).
Junto do Tribunal Constitucional a Relatora proferiu o seguinte Despacho:
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos
do Tribunal da Relação de Coimbra, A. e respectivo cônjuge interpuseram recurso
de constitucionalidade suscitando as seguintes questões:
A. e mulher, já identificados nos autos, notificados da decisão singular de V.
Exa. na sequência de reclamação apresentada contra o despacho do Mmo. Juiz a
quo, da mesma vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional para ser
declarada a
Inconstitucionalidade dos artigos 691°, 733°, 734, 735º e 740° do Código de
Processo Civil, quando interpretados no sentido de que impende sobre o
recorrente o ónus de fundamentar o requerimento de efeito suspensivo (não sendo
suficiente o mero requerimento, como parece resultar da letra da lei) e no
sentido de que “a absoluta inutilidade dos agravos retidos deve corresponder a
situações em que da sua retenção resulte a inexistência, no processo, de
qualquer eficácia na hipótese do seu provimento, ou seja, em situações em que,
ainda que a decisão do tribunal superior seja favorável ao agravante, não possa
este aproveitar-se dessa decisão, aqui se incluindo os casos em que a retenção
produza um resultado oposto ao efeito jurídico que o recorrente quis alcançar
com a interposição do agravo, não se abarcando, consequentemente e por outro
lado, os casos em que o provimento da recurso possa conduzir à inutilização ou
reformulação de actos processuais entretanto praticados, inconstitucionalidade
que resulta da violação do direito de acesso ao direito e a uma tutela
jurisdicional efectiva, consagrados no artigo 20º da Constituição da República
Portuguesa.
Ora, quanto à primeira questão, relativa à falta de fundamentação do
requerimento de efeito suspensivo, verifica‑se que a decisão recorrida não
aplicou a dimensão normativa impugnada como ratio decidendi. Desse modo a
apreciação de tal questão afigura‑se inútil.
2. Notifique‑se o recorrente para produzir alegações quanto à segunda questão
indicada no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade,
suscitando‑se a presente questão prévia, nos termos do artigo 3º, nº 3, do
Código de Processo Civil, aplicável de acordo com o artigo 69º da Lei do
Tribunal Constitucional.
O recorrente apresentou alegações que concluiu do seguinte modo:
A. As normas contidas nos artigos 691°, 733°, 734°, 735° e 740°, do Código de
Processo Civil, quando interpretadas no sentido de que a absoluta inutilidade
dos agravos retidos deve corresponder a situações em que da sua retenção resulte
a inexistência, no processo, de qualquer eficácia na hipótese do seu provimento,
ou seja, em situações em que, desde que a decisão do tribunal superior seja
favorável ao agravante, não possa este aproveitar-se dessa decisão, aqui se
incluindo os casos em que a retenção produza um resultado oposto ao efeito
jurídico que o recorrente quis alcançar com a interposição de recurso, não se
abarcando, consequentemente e por outro lado, os casos em que o provimento do
recurso possa conduzir à inutilização ou reformulação de actos processuais
entretanto praticados, inconstitucionalidade que resulta da violação do direito
de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrados no
artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, são inconstitucionais, por
violação do direito ao acesso ao Direito e aos Tribunais, previsto no artigo 20º
da Constituição da República Portuguesa.
B. Nos termos do n.° 2 do artigo 734º do Código de Processo Civil “sobem
imediatamente os agravos cuja retenção os tornaria absolutamente inúteis”.
C. Do ónus de observar ambas disposições, legais e constitucionais, resulta,
igualmente e obviamente, o ónus de as conjugar harmoniosamente.
D. Estabelece o artigo 20° da Constituição da República Portuguesa — Acesso ao
Direito e tutela jurisdicional efectiva —, que “(n.° 1) A todos é assegurando o
acesso ao Direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses
legalmente protegidos (...). (n.° 4) Todos têm direito a que uma causa em que
intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo
equitativo. (n.° 5) Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a
lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais, caracterizados pela
celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efectiva e em tempo útil
contra ameaças ou violações desses direitos.”
E. Será, no essencial, com a parte daquele entendimento em que se defende que
“não se abarcando, consequentemente e por outro lado, os casos em que o
provimento do recurso possa conduzir à inutilização ou reformulação de actos
processuais entretanto praticados”, que o Recorrente não se conforma.
F. É que a concretização das situações limite a que se faz alusão, no
entendimento do Recorrente, este, baseado na norma constitucional citada, terá
necessariamente que se compadecer com “os casos em que o provimento do recurso
possa conduzir à inutilização ou reformulação de actos processuais entretanto
praticados”.
G. O que está em causa, é a permissão consciente para que uns autos decorram, na
eminência de o processado nos mesmos vir a ser declarado nulo; é a permissão
consciente para a prática de actos inúteis e supérfluos, especificamente
proibida pelo artigo 137° do Código de Processo Civil e pelo próprio artigo 20º
da Constituição da República Portuguesa.
H. Se este normativo constitucional impõe, para que se assegure o direito de
acesso ao Direito e aos Tribunais e a uma jurisdição efectiva, um prazo razoável
de decisão (n.° 4 daquele preceito constitucional), uma decisão tomada no
decorrer de um processo equitativo (n.° 4 do mesmo preceito), procedimentos
judiciais caracterizados pela celeridade (n.° 5 daquela norma) e pela prioridade
(n.° 5 do mesmo normativo), para que os direitos aqui previstos possam ser
exequíveis, possam ser realmente efectivos, tem que se admitir que a “absoluta
inutilidade dos recursos” equivale à proibição, ainda que eventual, da prática
de actos inúteis.
I. E este entendimento, do Recorrente, de que tal previsibilidade de prática
inúteis integra o conceito de “absoluta inutilidade do recurso retido”, ao invés
do entendimento acolhido no aresto reclamado, compadece-se com a dignidade
constitucional do direito ao recurso, porquanto não subverte este direito –
retirando-lhe a sua caracterização enquanto um direito não absoluto ou
irrestringível (até porque, no caso dos autos, o recurso foi admitido) –,
trazendo-lhe, ao invés, verdadeira eficácia.
J. A interpretação do Recorrente, contrária à recorrida, não afecta o
“genérico direito ao recurso” previsto em termos civilísticos, não afecta o
duplo grau de jurisdição e não afecta substancialmente aquele recurso
(entendendo-se como “substancial” um redução intolerável ou arbitrária,
incompatível com o princípio do Estado de direito democrático — artigo 2° da
Constituição da República Portuguesa).
K. Ao contrário, o entendimento recorrido, ao restringir o acesso ao Direito e
aos Tribunais num prazo célere prioritário – porquanto permite a prática de
actos inúteis que terão, posteriormente, e ainda que eventualmente, que ser
repetidos, por serem, inicialmente nulos – viola o preceito constitucional
previsto no artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, por isso que é
inconstitucional.
L. As normas contidas nos artigos 691°, 733°, 734°, 735° e 740°, do Código de
Processo Civil, quando interpretadas no sentido de que a absoluta inutilidade
dos agravos retidos deve corresponder a situações em que da sua retenção resulte
a inexistência, no processo, de qualquer eficácia na hipótese do seu provimento,
ou seja, em situações em que, desde que a decisão do tribunal superior seja
favorável ao agravante, não possa este aproveitar-se dessa decisão, aqui se
incluindo os casos em que a retenção produza um resultado oposto ao efeito
jurídico que o recorrente quis alcançar com a interposição de recurso, não se
abarcando, consequentemente e por outro lado, os casos em que o provimento do
recurso possa conduzir à inutilização ou reformulação de actos processuais
entretanto praticados, inconstitucionalidade que resulta da violação do direito
de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrados no
artigo 20° da Constituição da República Portuguesa, são inconstitucionais, por
violação do direito ao acesso ao Direito e aos Tribunais, previsto no artigo 20°
da Constituição da República Portuguesa.
A sociedade recorrida contra‑alegou, suscitando uma questão prévia relativa ao
artigo 691º do Código de Processo Civil e propugnando a improcedência do
recurso.
Os recorrentes desistiram do recurso relativamente ao aludido artigo 691º do
Código de Processo Civil (fls. 85).
Cumpre apreciar e decidir.
II
Fundamentação
A
Questão prévia
2. No Despacho de fls. 48, transcrito supra, suscitou‑se a questão prévia de
não conhecimento do objecto do recurso quanto à questão relativa à falta de
fundamentação do “requerimento de efeito suspensivo” do recurso.
Os recorrentes, notificados para o efeito, não responderam à questão prévia
suscitada.
Desse modo, não se tomará conhecimento de tal questão, pelos fundamentos
enunciados no Despacho de fls. 48.
B
Apreciação do objecto do recurso
3. O recorrente considera inconstitucional a interpretação dos artigos 733º,
734º, 735º e 740º do Código de Processo Civil, segundo a qual a absoluta
inutilidade do recurso, para efeito da determinação do regime de subida,
corresponde a situações em que a retenção do recurso retira qualquer eficácia ao
provimento do mesmo, nada podendo o recorrente aproveitar da eventual decisão
favorável do recurso, por a demora na sua apreciação tornar irreversíveis os
efeitos da decisão impugnada, não constituindo inutilidade absoluta do agravo a
necessidade de a inutilização de actos já praticados, como resultado do
provimento do recurso.
No caso dos autos, em que o recurso retido tem por objecto o despacho que não
admitiu a reclamação que os recorrentes apresentaram contra a decisão que recaiu
sobre a impugnação da condensação da matéria de facto, a procedência do recurso
admitido com subida diferida implicará a anulação do processado subsequente ao
despacho recorrido. Essa anulação e as decisões ulteriores aproveitarão aos
recorrentes, sendo desse modo concretizada a tutela jurisdicional efectiva,
consagrada no artigo 20º da Constituição.
Os recorrentes alegam, no entanto, que de acordo com a interpretação impugnada é
permitida, conscientemente, a prática de actos inúteis.
Não assiste, porém, razão aos recorrentes. O entendimento dos recorrentes
pressupõe a garantia prévia da procedência do recurso retido. Ora, não é
legítimo dar por adquirido tal resultado na apreciação da questão de
constitucionalidade suscitada. Com efeito, é precisamente porque não se pode ter
por adquirido que os recursos retidos serão providos, que a lei opta, com
fundamento em razões de celeridade e de continuidade da tramitação, por reter os
recursos cuja retenção não os torne absolutamente inúteis, salvaguardando,
porém, o efeito útil da sua apreciação a final.
Aliás, aceitar a lógica dos recorrentes permite reverter o argumento utilizado e
sustentar então que a subida imediata do recurso consubstancia a prática de
actos inúteis que atrasam o processo, uma vez que existe a possibilidade da
improcedência do recurso.
Realce-se, por último, que a questão dos autos ainda pode diferenciar-se da
questão relativa ao regime de subida dos recursos em processo penal (cf., sobre
tal questão, o Acordão nº 242/2005 – www.tribunalconstitucional.pt) . Com
efeito, o recurso relativo a decisões proferidas durante a instrução tem, desde
logo, por efeito (ou pode ter) a não sujeição do arguido a julgamento, o que
consubstancia, na perspectiva da defesa, uma das finalidades da própria
instrução, emergindo, desse modo, questão de constitucionalidade autónoma pela
grave interferência em direitos fundamentais. No caso dos autos, não é,
manifestamente, a sujeição a julgamento que está em causa, já que em processo
civil a fase de julgamento assume um significado substancialmente diferente da
fase correspondente no processo penal.
É, pois, manifesta a falta de fundamentação da argumentação dos recorrentes. Na
verdade, do artigo 20º da Constituição não decorre qualquer obrigação de subida
imediata dos recursos cuja retenção não os torne absolutamente inúteis (cf., no
mesmo sentido, o Acórdão deste Tribunal nº 208/93 –
www.tribunalconstitucional.pt).
4. O presente recurso é, pois, improcedente.
III
Decisão
5. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide:
a) Admitir a desistência do recurso relativamente à norma do artigo 691º do
Código de Processo Civil;
b) Não tomar conhecimento do objecto do recurso relativamente à questão da
“fundamentação do requerimento de efeito suspensivo” do recurso interposto;
c) Negar provimento ao recurso, confirmando, consequentemente, a decisão
recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 20 UCs.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2007
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos