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Processo n.º 771/2006
2ª Secção
Relatora: Conselheira Maria Fernanda Palma
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da
constitucionalidade, o Tribunal da Relação do Porto proferiu o seguinte acórdão,
datado de 5 de Junho de 2006:
“Nestes autos emergentes de acidente de trabalho, com processo especial, em que
figuram como sinistrado A. e como entidade responsável a hoje denominada
Companhia de Seguros B., S.A., procedeu-se à reforma dos autos. A pensão fixada
com base na incapacidade permanente parcial [IPPI de 30% e com início em
1991-01-23, era do montante anual de PTE 97.472$00 e encontrava-se actualizada
em 2003-01-01 para o montante, também anual, de € 828,30. Promovida a respectiva
remição, pelo despacho de fls. 48 foi a mesma autorizada. Mediante prévia
promoção, pelo despacho de fls. 53 foi efectuada a actualização da pensão para o
montante anual de € 844,87, desde 2003-12-01 e para o montante também anual de
€864,30, desde 2004-12-01, mantendo-se o despacho anterior quanto autorização da
remição.
Veio a seguradora pedir o esclarecimento do decidido pois, segundo entende, a
remição deve ser efectuada com base, se não no montante da pensão anual do valor
de € 828,30, pelo menos com base no valor de € 844,87, mas nunca com base no
valor de € 864,30, pois ela não deve suportar o atraso do Tribunal quanto à
determinação da remição da pensão, que in casu se deve reportar à data de
2003-01-01.
Tendo sido mantido o despacho anterior, veio a seguradora interpor recurso de
agravo, pedindo a revogação de tal decisão, tendo formulado a final as seguintes
conclusões:
A. - A decisão de 28.04.2005 e respectivo despacho complementar, pronunciou‑se
sobre as seguintes questões:
a) actualizar a pensão da beneficiária para o montante de Eur.844,87, a partir
de 01.12.2003, e para Eur,864,30, a partir de 01.12.2004;
b) ordenar a notificação da Recorrente para demonstrar o pagamento da pensão
actualizada até à data da remição.
B. - Atento o regime transitório de remição de pensões previsto no art. 74° do
Dec, Lei n.° 143/99, de 30.04, na redacção que lhe veio a ser conferida pelo D.
L. n.° 382-A/99, de 23.09, até Dezembro de 2003, serão obrigatoriamente remidas
as pensões de valor igual ou inferior a Eur.1.995,19.
C. - Este entendimento encontra-se inequivocamente expresso no despacho em
apreço, uma vez que ordenou que se proceda ao cálculo do capital de remição da
pensão, na sequência, aliás, do anterior despacho de fls.48, que tinha
considerado estarem verificados os pressupostos legais para a remição.
D. - No caso em apreço, a pensão do beneficiário, no ano de 2003 e com a
actualização legal, ascende ao montante de Eur.828,30, em razão do que deveria
ter sido remida até Dezembro de 2003, uma vez que o ajuizado art. 74° do Dec.
Lei n.° 143/99, de 30.04, faz corresponder a cada “período” (de remição) o
decurso do tempo que vai até ao fim de cada um dos anos indicados.
E. - Assim, é durante esse período que a remição há-de ser feita e, enquanto
esta não tiver lugar, a pensão existe como tal e continua a ser devida, salvo se
se esgotar o período anual para o efeito, caso em que as entidades responsáveis
não estarão obrigadas a suportar um encargo - pagamento da pensão - que foi
substituído (novação), ope legis, por uma nova obrigação, qual seja, a do
pagamento do capital de remição.
F. - Nos termos do disposto no art. 202° da Constituição da República Portuguesa
e art. 1° da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, os
Tribunais são órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em
nome do povo, sendo que, nos termos do disposto no art. 85°, al. c) da citada
L.O.F.T.J., compete ao Tribunais do Trabalho conhecer das questões emergentes de
acidente de trabalho.
G. - Porém, se o Tribunal, por motivos do seu funcionamento, não exercer a
função jurisidicional de acordo com o que a lei prescreve, designadamente não
apreciando as questões de que deve conhecer nos prazos previstos na lei, certo é
que não podem as partes ser responsabilizadas, por qualquer forma, por tal
inércia, sob pena de violação dos princípios fundamentais em que assenta o
Estado de Direito democrático e, nomeadamente do princípio da igualdade.
H. - O facto de o Tribunal recorrido não ter dado atempado cumprimento ao
previsto no art. 74° do Dec. Lei n.° 143/99, isto é, ao não efectuar a remição
da pensão devida ao beneficiário no período previsto no citado normativo - até
Dezembro de 2003 -, não pode servir de argumento para que a Recorrente continue
a suportar o pagamento da pensão, uma vez que a mesma foi substituída, por força
da lei, pelo encargo do pagamento do capital de remição.
Tribunal da Relação do Porto
I. - Para a hipótese, que só como tal se equaciona, de se entender que a pensão
é devida para além do último dia previsto no já citado art. 74º, entende a
Recorrente que os ulteriores pagamentos efectuados deverão ser considerados como
adiantamentos por conta do respectivo capital de remição.
J. - A douta decisão em crise fez uma desadequada interpretação e aplicação das
disposições legais supra citadas, que violou, devendo por isso ser revogada e
substituída por outra que, interpretando e aplicando devidamente o direito
impendente, declare que a Recorrente se encontra desobrigada do pagamento da
pensão ao beneficiário, desde 01.01.2004, com todas as consequências legais, ou,
em alternativa e se se entender que a pensão é devida para além do último dia
previsto no já citado art. 74°, que considere os pagamentos como adiantamentos
por conta do respectivo capital de remição.
O Sr. Procurador da República, no Tribunal a quo, apresentou a sua alegação, que
concluiu no sentido de que se devem manter as actualizações ordenadas desde
2003-12-01 e desde 2004-12-01, devendo-se proceder ao cálculo do capital de
remição com referência à data de 2005-01-01.
Sob prévia promoção e com a concordância do Tribunal a quo, a seguradora
procedeu à entrega ao sinistrado do capital da remição da pensão que entendeu
ser-lhe devido, no montante de
€1 1.844,41.
Admitido o recurso, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
Estão provados os factos constantes do relatório que antecede.
O Direito.
Sendo pelas conclusões do recurso que se delimita o respectivo objecto [Como
referem Abílio Neto, in Código de Processo Civil Anotado, 2003, pág. 972 e o
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1986-07-25, in Boletim do Ministério
da Justiça, n.° 359, págs. 522 a 531], como decorre das disposições conjugadas
dos Art.°s 684°, n.° 3 e 690°, n.° 1, ambos do Cód. Proc. Civil, ex vi do
disposto no Art.° 83.° do Cód. Proc. do Trabalho [de 1981, pois o de 1999 apenas
se aplica aos processos instaurados depois da sua entrada em vigor, que ocorreu
em 2000-01-01, conforme resulta do Art.° 3.° do Decreto-Lei n.° 480/99, de 9 de
Novembro, sendo certo que os presentes autos foram instaurados em 1991-01-28], a
única questão a decidir neste recurso de agravo consiste em saber se, para
calcular o respectivo capital de remição, se deve atender ao montante em que se
encontrava fixado o valor da pensão em 2003-01-01, ou seja, €828,30, bem como a
esta data.
Vejamos.
Como se vê do relatório supra, a seguradora procedeu à entrega ao sinistrado do
capital da remição da pensão que entendeu ser-lhe devido, no montante de
€11.844,41.
A divergência está agora em saber se se deve atender ao valor da pensão
resultante da actualização respectiva desde 2004-12-01 e reportar o cálculo à
data de 2005-01-01, havendo então uma diferença de pensão a atender e um valor
residual de capital a calcular e a entregar ao sinistrado.
Sucede, no entanto, que pelo Acórdão – n.° 34/2006, Processo n.° 884/2005 – do
Tribunal Constitucional de 2006-01-11, in Diário da República,I Série-A, de
2006-02-08, foi decidido:
a) Declarar a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma
constante do artigo 74.° do Decreto-Lei n.° 143/99, de 30 de Abril, na redacção
dada pelo Decreto-Lei n.° 382-A/99, de 22 de Setembro, interpretado no sentido
de impor a remição obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por
incapacidades parciais permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que
estas incapacidades excedam 30%, por violação do artigo 59.°, n.° 1, alínea f),
da Constituição da República Portuguesa [negrito nosso] e b) Limitar os efeitos
da inconstitucionalidade, para que se produzam apenas a partir da publicação
desta decisão no Diário da República, exceptuando, porém, os casos em que a
remição da pensão se encontre pendente de impugnação judicial ou seja ainda
susceptível dessa impugnação.
Assim, face a tal decisão, é de manter o despacho que ordenou a remição da
pensão, no que respeita ao capital já entregue, dada a restrição de efeitos
constantes da referida alínea b) e é de revogar o despacho no que respeita à
parte da pensão não remida, face à declaração de inconstitucionalidade, com
força obrigatória geral, do Art.° 74.° do Decreto-Lei n.° 143/99, de 30 de
Abril, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 382-A/99, de 22 de
Setembro, constante da referida alínea a).
É que, embora o Acórdão se reporte, formalmente, aos casos em que as
incapacidades excedem 30%, quis naturalmente incluir também aqueles em que a
incapacidade é igual a 30%; na verdade e conforme toda a nossa tradição jurídica
na matéria, a distinção é feita entre as incapacidades iguais ou superiores a
30% e as inferiores, só aquelas sendo consideradas graves e dando origem a um
relevante montante indemnizatório, como refere toda a fundamentação do Aresto em
aplicação [cfr. o disposto nos Art.°s 2.° e 4º, ambos do Decreto-Lei n.° 668/75,
de 24 de Novembro e nos Art.°s 17° n.° 1, alíneas c) e d) e 330, n.° 2, ambos da
Lei n.° 100/97, de 13 de Setembro, estes dois últimos também citados no Acórdão
do Tribunal Constitucional].
Procedem, assim, parcialmente as conclusões do recurso.
O Ministério Público interpôs recurso de constitucionalidade,
do seguinte modo:
“O Magistrado do Ministério Público, vem, ao processo em epígrafe, interpor
recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de fls. 95/99, nos termos dos
artigos 280º, n°s 1-a), e 3, da Constituição da República Portuguesa [CRP], 70°,
n.° 1-a) e 72° n°s 1-a) e 3, da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, uma vez que,
no mesmo, não foi aplicada, com fundamento na sua inconstitucionalidade, a norma
do artigo 74° do Decreto-Lei n.° 143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo
Decreto-Lei n.° 382-A199, de 22 de Setembro, interpretado no sentido de impor a
remição obrigatória de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades
permanentes parciais do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas
incapacidades são iguais a 30%, por violação do disposto no artigo 59°, n.° 1,
alínea f), da Constituição da República Portuguesa.”
Junto do Tribunal Constitucional, o recorrente apresentou
alegações com as seguintes conclusões:
“1 – A norma constante do artigo 74° do Decreto-Lei n° 143/99, de 30 de Abril,
apenas padece de inconstitucionalidade na medida em que imponha –
independentemente da vontade do trabalhador-sinistrado – a remição obrigatória
de pensões vitalícias, atribuídas por incapacidades parciais permanentes do
trabalhador iguais ou superiores a 30%.
2 – Não se mostrando averiguado, no caso dos autos, qual a vontade real do
trabalhador (e indiciando o recebimento do capital de remição de € 11.844,41 uma
vontade presumível de optar pela via do recebimento do capital de remição)
justifica-se a prolação de decisão interpretativa do decidido no Acórdão n°
34/06, no sentido atrás especificado.”
Cumpre apreciar.
2. O acórdão recorrido fez aplicação da declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do Acórdão n.º
34/2006.
O Tribunal Constitucional, no mencionado aresto, declarou a
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do artigo 74.º do
Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º
383-A/99, de 22 de Setembro, interpretado no sentido de impor a remição
obrigatória total de pensões vitalícias atribuídas por incapacidades parciais
permanentes do trabalhador/sinistrado, nos casos em que estas incapacidades
excedam 30%.
Nos presentes autos, a incapacidade é de 30%. Admite-se, porém,
que tal circunstância não fundamenta a não aplicação da declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral constante do Acórdão n.º
34/2006, já que o limite da relevância da incapacidade para o efeito de remição
da pensão é precisamente 30%.
Contudo, verifica-se que no presente processo o sinistrado
aceitou a parte da pensão já remida, o que sem qualquer declaração de reserva,
indicia que aceitará o montante em falta.
Ora, a declaração de inconstitucionalidade com força
obrigatória geral abrange apenas os casos em que a remição ocorre
independentemente da vontade do beneficiário. Desse modo, tal declaração não é
aplicável sem mais no caso dos autos, já que importa averiguar se o beneficiário
quer receber o montante remanescente, averiguação que naturalmente compete às
instâncias.
3. O presente recurso é portanto precedente
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide revogar
a decisão recorrida, na medida em que fez aplicação da declaração de
inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, constante do Acórdão n.º
34/2006 sem averiguar a real vontade do beneficiário, relativamente à remição da
pensão.
Lisboa, 6 de Fevereiro de 2007
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos