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Processo n.º 215/05
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Paulo Mota Pinto
Acordam na 2.ª secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1.Em 25 de Setembro de 2001 foi distribuída ao 5.º Juízo do Tribunal Tributário
de 1.ª Instância de Lisboa, remetida pela Câmara Municipal de Lisboa, onde dera
entrada, uma impugnação judicial da liquidação e cobrança de tarifa de
conservação de esgotos referente a 1999, que fora efectuada por aquela edilidade
em relação a dois imóveis da A., SA, sitos em Lisboa.
Por sentença de 28 de Outubro de 2002 a impugnação foi julgada improcedente, mas
a impugnante não se conformou e apresentou recurso para o Supremo Tribunal
Administrativo, que encerrava com as seguintes conclusões:
«- A taxa a cobrar por um ente público é um preço autoritariamente estabelecido
embora pela sua natureza não sujeito aos mecanismos da oferta e procura, mas
cujo valor deve respeitar um critério de reciprocidade face ao valor da
contrapartida recebida pelo particular.
- A tarifa de conservação estabelecida pelo art.º 77.° do Edital n.º 145/60, ao
ser calculada com base no valor patrimonial do prédio e não nos efectivos
encargos que os Serviços Municipais têm de suportar ao operar as obras de
conservação da rede de esgotos, deixa de se configurar como uma taxa para se
revelar um verdadeiro imposto.
- Na redacção do art.º 4.° da Lei Geral Tributária são os impostos, e não as
taxas, que “assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada nos
termos da Lei através do rendimento ou da sua utilização e do património”.
- Diversamente, o carácter sinalagmático da taxa exige que, perante a prestação
do sujeito passivo, seja contraposta uma prestação individualizada do ente
público.
- Esta prestação do ente público, ao contrário do que vem sendo superiormente
entendido, sempre estará na base da quantificação do valor da prestação a pagar
pelo sujeito passivo.
- Devendo o montante da taxa corresponder (na íntegra) ao custo do bem ou
serviço integrador da contraprestação do ente público.
- O tributo liquidado e cobrado a título de taxa de conservação, ao ser
calculado sobre o valor patrimonial dos prédios, e não sobre o serviço
efectivamente prestado, para além de contrariar a equivalência desejável entre
as duas prestações;
- propicia a ocorrência de situações em que o montante da taxa liquidada será
marcadamente superior ao serviço prestado, e,
- como tal, o tributo liquidado e cobrado pela Câmara Municipal de Lisboa deixa
de se configurar como taxa e passa a assumir contornos de verdadeiro imposto, já
que, conforme referido supra, ao ser manifestamente superior ao serviço
prestado, pressupõe uma certa capacidade contributiva, característica essencial
desses mesmos impostos.
- A receita em causa foi criada por deliberação da Assembleia Municipal de
Lisboa, que, ao estabelecer um verdadeiro imposto, é nula.
- Podemos concluir que o montante liquidado e cobrado pela Câmara Municipal de
Lisboa a título de “TAXA DE CONSERVAÇÃO DE ESGOTOS” não é devido, por ser aquele
acto de liquidação ilegítimo, dada a ilegalidade e inconstitucionalidade do
preceito de que resulta a criação da receita respectiva – as normas da Tabela de
Taxas e Outras Receitas Municipais que estabelecem o pagamento da taxa referida
– vício que aqui se argui para todos os efeitos.
- O acto em causa viola frontalmente os princípios da legalidade, da justiça e
da proporcionalidade, por exigir à impugnante o pagamento de tributo não
previsto na Lei.
- É assim manifesto que o acto reclamado enferma de ilegalidade por violação de
lei, inexistência de facto tributário e violação de princípios
constitucionalmente consagrados».
Por acórdão de 18 de Junho de 2003 o Supremo Tribunal Administrativo julgou-se
incompetente, por ter entendido haver questões de facto a apreciar no recurso,
razão pela qual este veio a ser remetido ao Tribunal Central Administrativo,
onde, por acórdão de 9 de Novembro de 2004, lhe foi negado provimento e
confirmada a decisão recorrida.
Pode ler-se neste acórdão do Tribunal Central Administrativo:
«5. Apreciando, pois:
5.1.1. A tarifa em causa está prevista no Regulamento Geral das Canalizações de
Esgotos da Cidade de Lisboa, aprovado por deliberação camarária de 22/7/1960,
Edital n.º 145/60, publicado em 24 de Setembro no Diário do Município, com
redacção introduzida pelo Edital n.º 76/96 e o montante liquidado resulta da
aplicação do coeficiente de 0,25% ao valor patrimonial dos prédios em causa, de
acordo com o art.º 77.º do disposto no Edital.
E, como salienta a recorrente, a apreciação da questão aqui em causa, passa, no
essencial, pela delimitação dos conceitos de taxa e de imposto.
5.1.2. Ora, essa temática encontra-se exaustivamente tratada, doutrinária e
jurisprudencialmente, conforme se refere na sentença.
No sentido de que a taxa de conservação de esgotos é uma taxa e não um imposto e
de que o diploma que criou esta taxa não foi tacitamente derrogado pelo diploma
legal que criou a Contribuição Autárquica, se firmou já jurisprudência do STA e
do T. Constitucional (cfr., entre outros, o Ac. de 25/11/99, Rec. 22593 do STA,
e os demais arestos referenciados na sentença recorrida).
E a questão de saber se ocorre ilegalidade da liquidação com fundamento em que o
art.º 76.º do RGCECL, na redacção do Edital n.º 60/90, viola o art.º 11.º do DL
n.º 31.674, de 22 de Novembro de 1941, na medida em que tal Regulamento alterou
a base de incidência (ou de cálculo) da tarifa de ligação de esgotos
estabelecida naquele diploma legal foi também já objecto de decisões da Secção
de Contencioso Tributário do STA, nas quais se vem decidindo que as tarifas
apenas estão sujeitas ao princípio da legalidade administrativa e não também ao
da legalidade tributária (cfr. Acs. do STA, de 24/2/88, Rec. n.º 004778; de
2/5/96, Rec. n.º 018726; de 4/2/98, Rec. n.º 021513; de 10/2/99, Rec. n.º
020062; de 25/11/99, Rec. n.º 022593).
E tem sido essa, igualmente, a jurisprudência deste TCA (cfr., entre outros, o
ac. de 24/4/2001, rec. 1386/98, e o ac. de 25/5/2004, rec. 1115/03).
5.1.3. Seguindo a argumentação jurídica constante de tais arestos, que já em
anteriores decisões também assumimos, nomeadamente da constante do citado Ac. de
4/2/98, há que referir que, segundo o figurino fixado na lei a tarifa de ligação
e a tarifa de conservação de esgotos – a que se referem os art.ºs 76.º do RGCECL
e 11.º do Decreto-Lei n.º 31.674, de 22/11/1941, incidiam, anteriormente, «sobre
o rendimento colectável do prédio que era considerado para efeitos de tributação
em contribuição predial, traduzindo-se numa percentagem sobre ele».
Ora, o rendimento colectável que era relevado para efeitos da cobrança da
contribuição predial de certo ano era, segundo o respectivo Código, o que
constava da respectiva matriz do ano anterior.
Tal regra foi mantida no actual CCA: também nele a cobrança é efectuada com base
no valor patrimonial constante da matriz em 31 de Dezembro do ano anterior a que
ela respeita (art.ºs 13.º, 18.º e 22.º).
Congruentemente se passavam as coisas com aquelas tarifas (ligação e conservação
de esgotos) dado que o rendimento colectável inscrito na respectiva matriz tinha
sido erigido em parâmetro da sua quantificação regulamentar, pois a lei impedia
que o seu montante excedesse as percentagens de 10% e de 3% desse rendimento,
respectivamente, para as taxas de ligação e de conservação (art.ºs 11.º e 12.º
do citado DL n.º 31.674).
O Edital n.º 60/90, de 7/8/90, introduzindo, além do mais, a nova redacção ao
art.º 76.º do RGCECL, determinando a aplicação da taxa de 0.25% do valor
patrimonial do prédio (em relação à tarifa de conservação), mais não fez do que,
ajustando a taxa, harmonizar as normas de incidência do RGCECL, por referência
ao novo CCA, estabelecendo a percentagem de 0.25% do valor patrimonial dos
prédios, em substituição da taxa de 2% sobre o rendimento colectável.
Na verdade, como é sabido e como acima já se evidenciou, a reforma fiscal de
1989 aboliu o tipo tributário da contribuição predial e criou, no espaço
económico por ele parcialmente ocupado, o tipo tributário da contribuição
autárquica.
Este novo tipo deixou de incidir sobre o rendimento colectável para passar a
recair sobre o valor patrimonial (art.ºs 1.º e 7.º do CCA) e o rendimento
colectável só foi relevado como simples método transitório de apuramento do novo
valor adoptado como critério de incidência objectiva do novo imposto, como modo
de apuramento transitório do valor patrimonial do novo imposto enquanto não
entrasse em vigor o modo definitivo a ser enunciado por um Código das Avaliações
cuja publicação se previa para o ano de 1989, mas que não aconteceu, todavia,
até hoje (art.ºs 6.º a 12.º do DL n.º 442-C/88, de 30/11, que aprovou o CCA).
A partir da entrada em vigor do novo tipo tributário deixou, pois, de poder
falar-se com propriedade na existência da figura do rendimento colectável do
prédio, já que este apenas constituía elemento de incidência desse tipo
tributário e tinha deixado de fazer parte das respectivas matrizes prediais.
As alterações ao citado artigo do RGCECL visaram, sem dúvida, adaptar os
critérios da incidência e da matéria colectável das tarifas de ligação e de
conservação de esgotos à estrutura que havia sido seguida pelo legislador do
C.C.Autárquica, segundo a perspectiva, que então havia, de que o valor
patrimonial apurado com base no rendimento colectável, e consequente relevância
jurídica, apenas vigoraria durante o ano de 1989, já que se previa a publicação
durante o mesmo ano do Código das Avaliações.
O diploma instituidor e o regulamento executivo imediatamente posterior
rotularam a tarifa aqui em causa (tal como a tarifa de ligação) de taxas de
conservação e de ligação de esgotos. Todavia, os diplomas posteriores
alteraram-lhes o «nomen» vocabular para tarifas sem que, no entanto, se tenha
alterado o respectivo estatuto jurídico. A natureza do tributo continua a mesma:
a divergência ou confusão de léxico é apenas aparente. A palavra tarifa apenas
procura evidenciar mais propriamente o aspecto que resulta já da aplicação do
critério legal do tributo, pondo o assento tónico na dimensão quantitativa que
advém dessa aplicação.
É o contraponto do que se passa com a palavra colecta em relação à do imposto
que procura exprimir a realidade da existência de imposto de certo montante.
Aliás, não deve esquecer-se que, como se afirma no Ac. do Tribunal
Constitucional, de 7/4/88, BMJ, 376, 179, a tarifa, se ao nível da lei ordinária
pode ter significação própria, não releva, porém, numa perspectiva
constitucional, como categoria autónoma. Nesta óptica, ela constitui apenas uma
modalidade especial de taxa e nada mais.
Pode dizer-se que o traço distintivo entre taxa e imposto é pacífico na doutrina
e na jurisprudência.
Segundo elas, o imposto tem carácter unilateral enquanto a taxa tem natureza
bilateral ou sinalagmática: à exigência do imposto não está directamente
contraposta qualquer utilização dos bens ou serviços públicos, embora ele se
destine a satisfazer os encargos que advêm da sua prestação à Comunidade
Política; a taxa tem sempre como causa a prestação de qualquer serviço ou
utilização de bens semi-públicos, representando a contraprestação por essa
utilização.
Mas a existência desse nexo sinalagmático não postula que tenha de haver
forçosamente um exacto equilíbrio entre o valor económico de ambas as
prestações, até porque nem sempre os bens utilizados são susceptíveis de ser
aferidos segundo um valor económico preciso, como se passa, por exemplo, nas
taxas devidas pela remoção de obstáculos jurídicos ao uso ou utilização de bens
ou exercício de actividades.
A sinalagmaticidade pressuposta pela taxa basta-se com a existência de um mínimo
de equilíbrio jurídico entre ambas as prestações.
Para além disto não se poderá esquecer que existem muitos bens por cuja
utilização se exigem taxas que dificilmente poderiam ser economicamente
valorados, por razões de ordem prática, como a constante necessidade de
conservação, aperfeiçoamento ou grau de utilização.
5.1.4. Diz a recorrente que, no caso, inexiste sinalagmaticidade, dado que o
tributo, ao ser calculado sobre o valor patrimonial dos prédios, e não sobre o
serviço efectivamente prestado, para além de contrariar a equivalência desejável
entre as duas prestações, também propicia a ocorrência de situações em que o
montante da taxa liquidada será marcadamente superior ao serviço prestado, e,
como tal, o tributo deixa de se configurar como taxa e passa a assumir contornos
de verdadeiro imposto, já que, ao ser manifestamente superior ao serviço
prestado, pressupõe uma certa capacidade contributiva, característica essencial
dos impostos.
Mas, como acima se disse, basta, para que ocorra o sinalagma, que a
contraprestação se verifique, ainda que não em exclusivo benefício daquele que
se encontra vinculado ao pagamento da taxa, mas também ou essencialmente de
terceiros, desde que, àquele, seja conferida, também, a possibilidade da sua
utilização, de forma individualizável e efectiva.
Ora, não suscita controvérsia que, em termos gerais, a simples possibilidade de
utilização, por certo prédio, da rede geral de esgotos, utilização que é
viabilizada pela ligação àquela mesma rede, constitui contrapartida de que
beneficia o imóvel e, nessa medida, caracterizadora da quantia a que se reporta
a liquidação em causa como taxa.
Falece, pois, a argumentação da recorrente, quanto à alegada inexistência do
sinalagma, pois que como se aponta no citado acórdão de 25/5/2004, rec. 1115/03,
do TCA, «… sempre se teria de concluir pela existência de tal sinalagma em
resultado da simples possibilidade (no caso efectivamente exercida) de descarga
e tratamento dos resíduos do ramal privado ao colector geral».
E, pela mesma razão, carece, também, de relevância para a decisão a factualidade
vertida pela recorrente nas Conclusões 7 a 9 do recurso (que o tributo, ao ser
calculado sobre o valor patrimonial dos prédios, e não sobre o serviço
efectivamente prestado, contraria a equivalência desejável entre as duas
prestações, propicia a ocorrência de situações em que o montante da taxa
liquidada será marcadamente superior ao serviço prestado, e, como tal, pressupõe
uma certa capacidade contributiva, característica essencial do imposto – e não
já da taxa).
Como acima se disse, ainda que a invocação de tais factos tenha determinado a
competência do TCA para conhecer do presente recurso, nem, por um lado, há nos
autos elementos que comprovem esses factos, nem, por outro lado, os mesmos se
mostram necessários para a decisão.
5.2.1. Apreciada que está a questão do sinalagma, importa, quanto à questão da
proporcionalidade, referir que o legislador ordinário goza de uma larga margem
de discricionariedade constitutiva quanto ao montante das taxas.
Mas, tratando-se de uma receita estabelecida pela lei, ou seja, por forma
imperativa, como retribuição dos serviços prestados individualmente aos
cidadãos, ou seja, sempre de uma obrigação pública, é evidente que não se poderá
afastar a sua subordinação aos princípios constitucionais da racionalidade e
proporcionalidade.
Todavia, como, aliás, já foi admitido pelo Tribunal Constitucional (caso das
portagens da ponte 25 de Abril), só poderá emitir-se um juízo de
inconstitucionalidade por violação deste princípio em caso de existência de uma
desproporção intolerável entre os bens opostos no concreto tipo de taxa. Ou
seja, no caso, apenas se poderia falar de violação do princípio da
proporcionalidade, se se verificasse «a existência de uma desproporção
intolerável [...]» Cfr. v.g., Ac. do STA, de 2/5/02, Proc. 26.472, entre o
montante da taxa e o benefício.
5.2.2. Resulta claro dos art.ºs 1.º e 10.º do citado DL n.º 31674, a coberto dos
quais o RGCECL foi emitido, que a taxa de conservação de esgotos visa compensar
os encargos com a conservação da rede de esgotos, que é outro bem público. E ela
não se confunde, sequer, com a taxa de ligação, pois esta visa compensar a
utilização individual de outro bem semi-público, que não é sequer a construção
do ramal, e esse é a instalação da rede de esgotos: ela é cobrada, segundo os
próprios termos legais, “para fazer face aos encargos de instalação da rede…”.
Ela representa uma espécie de comparticipação individual a posteriori dos custos
que a instalação da rede de esgotos à qual o ramal é ligado importou. A
diferença entre elas tem tradução até no número de prestações que elas implicam:
enquanto a de ligação é de prestação única, a de conservação é anual (Cfr.
Acórdão do STA, de 13/05/92, Rec. 14.059).
Mas ambas as tarifas incidem sobre a utilização individual de diferentes bens
jurídicos semi-públicos.
Isso mesmo se encontra realçado também no art.º 12.º na Lei das Finanças Locais
(Lei n.º 1/87, de 6 de Janeiro) quando prevê a existência de diferentes tarifas
para «… a ligação, conservação e tratamento de esgotos».
Segundo informam os autos, a tarifa de conservação que foi fixada pela citada
alteração ao RGCECL cifra-se em 0,25% do valor patrimonial do prédio.
Ora, tomando em linha de conta, por um lado, o que já acima se disse quanto às
extrapolações legítimas do valor patrimonial do imóvel e, por outro lado, que o
benefício resultante da ligação consiste na faculdade, no caso efectivamente
exercida, de descarga do esgoto privado no colector geral público, e por isso
mesmo, e na linha do acima também referido, de difícil quantificação económica,
sufragam-se por inteiro os parâmetros de aferição da conformidade da taxa com o
princípio constitucional ora em análise mencionados no ac. do STA, de 4/2/98, no
sentido de que o coeficiente de 0,25 não tem praticamente relevo económico
quando comparada com o valor do prédio: o seu custo não se revela
suficientemente gravoso para desmotivar quem quer que seja que queira realizar
um investimento de construção ou de compra de prédios nem tão-pouco minimamente
desajustado com a mais valia que a ligação à rede de esgotos proporciona. Ora, a
consequente e necessária conservação de uma rede de esgotos a que o prédio possa
ser ligado implica, numa cidade como a de Lisboa (em que tal rede tem
quilómetros de extensão e tem de propiciar o escoamento dos esgotos advenientes
de cerca de um milhão de habitantes) notoriamente elevados custos (no mesmo
sentido e entre outros, cfr., também, os citados Acs. do STA, Proc. 26.472, e do
TCA, de 25/5/2004, rec. 1115/03).
5.2.3. Por isso é que a recorrente também carece de razão quanto à alegação de
que o tributo (pelo facto de ser calculado sobre o valor patrimonial dos
prédios, e não sobre o serviço efectivamente prestado) contraria a equivalência
desejável entre as duas prestações e propicia a ocorrência de situações em que o
montante da taxa liquidada será superior ao serviço prestado, passando então a
assumir contornos de imposto, já que, ao ser manifestamente superior ao serviço
prestado, pressupõe uma certa capacidade contributiva.
Com efeito, por um lado, como se disse, a natureza de taxa não implica
equivalência económica, mas equivalência jurídica e esta última existe no caso
da tarifa de conservação de esgotos, porquanto são os proprietários dos prédios
quem retira vantagem directa do facto de os seus prédios disporem da rede geral
de esgotos em bom estado de conservação e manutenção, o que os valoriza pela
comodidade que proporcionam, quer sejam habitados pelos próprios, quer sejam
arrendados, quer façam muito ou pouco uso da rede. E, daí, a relevância do seu
valor patrimonial como base tributável desta taxa/tarifa.
Por outro lado, a aplicação do coeficiente constante de 0,25% ao valor
patrimonial do imóvel implica que o valor da taxa devida será tanto maior quanto
maior for este valor, como factor de multiplicação. E, sendo assim, o que se
pode concluir, desde logo, é que fica respeitado o princípio da
proporcionalidade, numa das vertentes em que se pode equacionar o seu conteúdo:
o de impor uma ponderação, entre si e sem excesso, dos interesses relevantes –
no caso, de um lado, o interesse em o imóvel ficar servido da rede pública de
esgotos e, do outro, o da autarquia em ver comparticipados os encargos inerentes
à manutenção dessa mesma rede.
É que, influindo na determinação do valor patrimonial circunstâncias como o
tipo, dimensão e localização do imóvel, então, quanto maior for o seu valor
patrimonial, maior será, tendencialmente, a sobrecarga por ele aduzida ao
colector geral de esgotos (desde logo, porque um imóvel de menor valor
patrimonial, por contraposição com um outro de maior valor, terá,
presumivelmente, menor capacidade de suporte de pessoas ou estará inserido em
zona menos densamente povoada; e se maior é a sobrecarga, maior serão,
consequentemente, os encargos com a manutenção e conservação, quando não, mesmo,
com o reforço das infra-estruturas). Por isso, o cálculo da quantia da taxa a
pagar pela ligação à rede de esgotos, em função do valor patrimonial dos
imóveis, afigura-se como uma forma que contempla a correcta ponderação dos
interesses relevantes.
Assim, é de concluir que não ocorre a violação do referido princípio
constitucional da proporcionalidade, com base na argumentação da recorrente, ou
seja, na falta da alegada correspectividade que teria de existir entre a taxa e
o benefício da utilização do bem e é, também, de concluir que não existe
qualquer degeneração do tipo tributário em causa de tarifa ou taxa para imposto.
Consequentemente, a sua fixação poderia ter sido definida, como foi, por simples
regulamento local, ao abrigo do princípio da legalidade administrativa, de
acordo com o disposto nos art.ºs 4.º, n.º 1, al. h), e 12.º da Lei das Finanças
Locais, 39.º, n.º 2, al. a), do DL. n.º 100/84, de 29/3 (Lei das atribuições e
competências das autarquias locais), 10.º e 11.º do citado DL n.º 31.674.
Como simples taxa, o tributo não está sujeito ao princípio constitucional da
legalidade tributária de reserva de lei formal da Assembleia da República ou de
decreto-lei do Governo emitido a coberto de autorização legislativa do
Parlamento (art.ºs 106.º, n.º 2, e 168.º, n.º 1, al. i), da CRP em vigor ao
tempo do regulamento municipal).
Acresce que os art.ºs 96.º e 97.º do DL n.º 100/84, citado, dispõem que fica
revogada a demais legislação contrária ao diploma e se mantém em vigor a
legislação especial aplicável aos Municípios de Lisboa e Porto apenas no que não
contrarie o disposto nesse mesmo DL.
Ou seja: não há ilegalidade da alteração do art.º 76.º do RGCECL, face à
redacção que lhe introduziu o Edital n.º 60/90, de 7/8/90, pois que por ele se
harmonizaram apenas as normas de incidência do RGCECL, por referência ao novo
C.C.Autárquica, estabelecendo a percentagem de 0.25% do valor patrimonial dos
prédios, em substituição da taxa de 2% sobre o rendimento colectável e sendo que
tais alterações caem no âmbito das competências da Assembleia Municipal, nos
termos dos citados art.ºs 4.º, n.º 1, al. h), e 12.º da Lei das Finanças Locais,
39.º do DL n.º 100/84, de 29/3, e que a definição do preço ou tarifa da taxa é
da competência da CML, «ex vi» art.º 51.º, n.º 1, al. p), do mesmo DL n.º
100/84, não ocorrendo assim violação do disposto no art.º 11.º do DL n.º 31.674.
5.3. Em suma, do que vem de dizer-se se conclui, portanto, que o tributo ora
impugnado tem a natureza jurídica de taxa.
E, assim sendo, porque tal taxa (actualmente assim denominada) está prevista na
Lei das Finanças Locais – Lei n.º 42/98, de 6/8, no seu art.º 19.º, al. l), não
enfermando de inconstitucionalidade, quer esta Lei, quer o Regulamento Geral das
Canalizações de Esgotos da cidade de Lisboa (aprovado em reunião da Câmara
Municipal em 22/6/1960 e por despacho do Ministro das Obras Públicas e alterado
através dos Editais n.ºs 60/90, de 19 de Julho, e 76/96, de 13/8, no uso das
competências da Lei das Autarquias Locais, e de harmonia com o disposto no DL
n.º 31674, de 22/11/1941, e ainda na Portaria n.º 11338, de 8/5/1946), a
liquidação impugnada não sofre das ilegalidades que a recorrente lhe imputa. E a
sentença, assim tendo decidido, também não sofre, consequentemente, dos erros de
julgamento invocados pela mesma recorrente.
Improcedem, portanto, todas as Conclusões do recurso.»
2.A recorrente interpôs recurso desta decisão para o Tribunal Constitucional ao
abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15
de Novembro, para apreciação da conformidade constitucional do “artigo 77.º do
Regulamento Geral das Canalizações de Esgoto da Cidade de Lisboa, Edital n.º
145/60 com redacção introduzida pelo Edital n.º 76/96”. O recurso foi admitido
e, a fechar as alegações que apresentou, disse a impugnante, repetindo em parte
o que já antes alegara:
«- A taxa a cobrar por um ente público é um preço autoritariamente estabelecido,
embora pela sua natureza não sujeito aos mecanismos da oferta e procura, mas
cujo valor deve respeitar um critério de reciprocidade face ao valor da
contrapartida recebida pelo particular.
- A tarifa de conservação estabelecida pelo art.º 77.° do Edital n.º 145/60, ao
ser calculada com base no valor patrimonial do prédio e não nos efectivos
encargos que os Serviços Municipais têm de suportar ao operar as obras de
conservação da rede de esgotos, deixa de se configurar como uma taxa para se
revelar um verdadeiro imposto.
- Na redacção do art.º 4.° da Lei Geral Tributária, são os impostos, e não as
taxas, que “assentam essencialmente na capacidade contributiva, revelada nos
termos da lei através do rendimento ou da sua utilização e do património”.
- Diversamente, o carácter sinalagmático da taxa exige que, perante a prestação
do sujeito passivo, seja contraposta uma prestação individualizada do ente
público.
- Esta prestação do ente público, ao contrário do que vem sendo superiormente
entendido, sempre estará na base da quantificação do valor da prestação a pagar
pelo sujeito passivo.
- Devendo o montante da taxa corresponder (na íntegra) ao custo do bem ou
serviço integrador da contraprestação do ente público.
- O tributo liquidado e cobrado a título de taxa de conservação, ao ser
calculado sobre o valor patrimonial dos prédios, e não sobre o serviço
colectivamente prestado, para além de contrariar a equivalência desejável entre
as duas prestações;
- propicia a ocorrência de situações em que o montante da taxa liquidada será
marcadamente superior ao serviço prestado.
- A Câmara Municipal obriga-se a fornecer continuamente água e a recolher quer
as águas residuais, quer os resíduos sólidos. Cada um destes três serviços tem
um preço liquidado pela autarquia (preço esse que deve ser proporcional aos
custos dos bens fornecidos e dos custos de funcionamento dos serviços e
equipamentos necessários à prestação de cada um desses três serviços), conforme
consta do Tarifário de Saneamento Básico.
- Qual é o serviço prestado para além dos supra referidos que na área do
saneamento básico possa justificar a liquidação e cobrança da “taxa de
conservação de esgotos”? E mais, que possa justificar o vínculo sinalagmático
que caracteriza uma taxa?
- Fica precludido o vínculo de reciprocidade da referida taxa.
- A taxa apresenta um cariz genérico, incidindo sobre infra-estruturas e
equipamentos destinados à satisfação das necessidades gerais da população da
cidade de Lisboa.
- O tributo liquidado apresenta-se como uma forma de auto-financiamento da
autarquia, não se reportando directamente a qualquer prestação de serviço – o
que implica a perda de relação entre a receita e a vantagem do particular – e
sem estar concretamente definida qual a exacta utilização que será dada a essa
verba no âmbito do saneamento básico.
- como tal, o tributo liquidado e cobrado pela Câmara Municipal de Lisboa deixa
de se configurar como taxa e passa a assumir contornos de verdadeiro imposto, já
que, conforme referido supra, ao ser manifestamente superior ao serviço
prestado, pressupõe uma certa capacidade contributiva, característica essencial
desses mesmos impostos.
- A receita em causa foi criada por deliberação da Assembleia Municipal de
Lisboa, que, ao estabelecer um verdadeiro imposto, é nula.
- Podemos concluir que o montante liquidado e cobrado pela Câmara Municipal de
Lisboa a título de “TAXA DE CONSERVAÇÃO DE ESGOTOS” não é devido, por ser aquele
acto de liquidação ilegítimo, dada a ilegalidade e inconstitucionalidade do
preceito de que resulta a criação da receita respectiva – as normas da Tabela de
Taxas e Outras Receitas Municipais que estabelecem o pagamento da taxa referida
– vício que aqui se argui para todos os efeitos..
– O acto em causa viola frontalmente os princípios da legalidade, da justiça e
da proporcionalidade, por exigir à impugnante o pagamento de tributo não
previsto na lei.
- É assim manifesto que o acto reclamado enferma de ilegalidade por violação de
lei, inexistência de facto tributário e violação de princípios
constitucionalmente consagrados».
A recorrida, por sua vez, disse nas suas alegações:
«Pretende a ora recorrente, por via do presente recurso, a declaração de
ilegalidade e de inconstitucionalidade da taxa de conservação de esgotos que lhe
foi aplicada e, consequentemente, a revogação da douta sentença.
Para tanto, afirma que “(...) a tarifa de conservação estabelecida pelo artigo
77.º do Edital n.º 145/60, ao ser calculada com base no valor patrimonial do
prédio e não nos efectivos encargos que os Serviços Municipais têm de suportar
ao operar as obras de conservação da rede de esgotos, deixa de se configurar
como uma taxa para se revelar um verdadeiro imposto. O acto em causa viola
frontalmente os princípios da legalidade, da justiça e da proporcionalidade, por
exigir à impugnante o pagamento de tributo não previsto na lei (...)”.
Não cremos, todavia, que assim seja. Vejamos então.
A definição de imposto é pacífica. Teixeira Ribeiro, in Lições de Finanças
Públicas, 5.ª edição, a páginas 258, define-o como uma prestação pecuniária,
coactiva e unilateral, sem o carácter de sanção, exigida pelo Estado com vista à
realização de fins públicos.
Segundo Alberto Xavier, in Manual de Direito Fiscal, páginas 42 e 43, as taxas
individualizam-se, “no terreno mais vasto dos tributos. por revestirem carácter
sinalagmático, não unilateral, o qual, por seu turno, deriva funcionalmente da
natureza do acto constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste
ou na prestação de uma actividade pública, ou na utilização de bens do domínio
público, ou na remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares”.
Em suma, temos como elementos essenciais do conceito de taxa: prestação
pecuniária imposta coactiva ou autoritariamente; pelo Estado ou outro ente
público; sem carácter sancionatório; utilização individualizada, pelo
contribuinte; solicitada ou não, de bens públicos ou semi-públicos; com
contrapartida numa actividade do credor especialmente dirigida ao mesmo
contribuinte:
Ora, posto isto, e pondo em cotejo as definições atrás expostas, forçoso é que
se conclua no sentido de que a denominada “tarifa de conservação de esgotos” é
uma taxa e não um imposto, taxa essa que representa a contrapartida pelo bem
utilizado da ligação do prédio a uma rede de esgotos instalada.
Na verdade, nesta denominada “tarifa” há uma utilização individualizada de bens
públicos ou semi-públicos, característica da taxa, no seu carácter
sinalagmático, não unilateral. E é, justamente, no carácter sinalagmático da
taxa, por oposição ao carácter não sinalagmático do imposto, que nos devemos
ater para os distinguir.
Há, na verdade, uma relação directa entre a importância paga e o serviço de
saneamento prestado.
A este propósito convém trazer à colação o afirmado no Acórdão do Tribunal
Constitucional de 7/4/88 “a tarifa, se ao nível da lei ordinária, pode ter
significação própria, não releva, porém, numa perspectiva constitucional, como
categoria tributária autónoma. Nesta óptica, ela constitui apenas uma modalidade
especial de taxa e nada mais” – BMJ – 376-179.
Na verdade e, como já vimos, a taxa em questão é paga pelo contribuinte à Câmara
por um específico serviço recebido: a conservação do prédio, em benefício do
respectivo proprietário.
Não ocorre, por conseguinte, a invocada violação de lei constitucional pois que,
como taxa que é, tal tributo não está sujeito ao principio constitucional da
legalidade tributária de reserva de lei formal da Assembleia da República ou de
decreto-lei do Governo emitido ao abrigo de autorização legislativa.
Termos em que:
Deve ser negado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser mantida a
douta decisão.»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.É a seguinte a redacção da norma impugnada, que é o artigo 77.º do Regulamento
Geral das Canalizações e Esgotos da Cidade de Lisboa, constante do Edital n.º
145/60, com a redacção que lhe foi dada pelo Edital n.º 76/96:
“1. A tarifa de conservação, de 0,25% do valor patrimonial do prédio, é devida
pelo proprietário do mesmo ou, no caso de usufruto, pelo usufrutuário, em 31 de
Dezembro do ano a que respeitar.
2. A tarifa de conservação é anual sendo devida a partir do ano imediato ao da
ligação do prédio à rede geral de esgotos.”
O único segmento impugnado desta norma é, porém, o da primeira parte do n.º 1,
na parte em que se refere ao valor da tarifa de conservação devida pelo
proprietário (“0,25% do valor patrimonial do prédio”), devendo a referência ao
artigo 77.º, sem distinção, ser assim entendida: não está em causa qualquer
situação de usufruto, nem o momento de pagamento, nem a sua renovação anual, nem
o momento a partir do qual é devida a tarifa aí prevista.
4.A norma impugnada prevê uma “tarifa de conservação” anual de esgotos, que a
recorrente entende não corresponder, designadamente pelo modo como é calculada,
a uma taxa, que pode ser aprovada por um município, sendo antes um verdadeiro
imposto, cuja aprovação está reservada a lei parlamentar (ou a decreto-lei
autorizado).
No Acórdão n.º 76/88 deste Tribunal (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 11º vol., págs. 331-359) abordou-se o posicionamento do conceito
de “tarifa” face ao de “taxa” nos seguintes termos:
“(…) impõe-se afirmar, e sem delongas, que a tarifa, no campo das finanças
locais, se não delineia como uma figura tributária em absoluto nova, ou seja,
como uma espécie de tertium genus entre a taxa e o imposto. Ela, de facto, e sob
todos os aspectos, apresenta-se como uma simples taxa, embora taxa sui generis
cuja especial configuração lhe advém apenas da particular natureza dos serviços
a que se encontra ligada. Como, a propósito, se nota em La Nuova Enciclopedia
del Diritto e dell’Economia Garzanti, 2.ª ed., p. 1265, a taxa «diferencia-se da
tarifa pública na medida em que o serviço a que corresponde o pagamento da taxa
é efectuado pela administração do Estado no desempenho das suas funções
institucionais fundamentais e em ordem à realização de fins estaduais primários.
Trata-se, assim, de serviços administrativos, judiciários ou de utilidade
pública, que o Estado presta na sua qualidade de ente soberano, dotado do poder
impositivo».
A tarifa, se ao nível da lei ordinária pode ter significação própria, releva,
porém, numa perspectiva constitucional, como categoria tributária autónoma.
Nesta óptica, ela constitui apenas uma modalidade especial de taxa e nada mais.”
Se, portanto, nominalmente uma tarifa é uma taxa, importa, porém, aferir se essa
qualificação formal é materialmente fundada, já que é essa a questão que a
recorrente submeteu a este Tribunal: saber se estamos perante uma taxa ou um
imposto.
Como se escreveu no Acórdão n.º 1139/96 (publicado em Acórdãos do Tribunal
Constitucional, 35º vol., págs. 314 e segs.), depois de se citar passos do
Acórdão n.º 76/88:
“Mister é que se analise a realidade das coisas, a fim de se concluir se, por um
lado, com as tarifas em causa não estará a ser exigido um contributo que não
corresponda a uma contraprestação ou a uma contrapartida de um serviço prestado
pela autarquia, destinando-se, como equivalente jurídico, a financiar os custos
acarretados pelo depósito, remoção e tratamento dos detritos sólidos e, por
outro, para quem assim possa eventualmente entender, se o pressuposto ou, se se
quiser, o índice que foi elegido como base da sua prestação, não tem suporte
realista, escondendo uma real obtenção de receitas sem aquele princípio de
contrapartida, dada a indeterminação resultante de tais pressuposto ou índice”.
5. É sabido que a distinção entre as figuras da taxa e do imposto tem sido
objecto de abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Sobre o tema disse-se no Acórdão n.º 610/2003 (publicado nos Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 57.º vol., págs. 1171 e segs.):
«3. Como se sabe, existe uma abundante jurisprudência constitucional sobre a
distinção entre imposto e taxa (cfr., para uma resenha, J. Casalta Nabais,
“Jurisprudência do Tribunal Constitucional em matéria fiscal”, in Estudos sobre
a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, Lisboa, 1993, esp. págs. 254 e
segs., Direito fiscal, 2ª ed., Coimbra, 2003, págs. 24 e segs., e J. M. Cardoso
da Costa; “O enquadramento constitucional do direito dos impostos em Portugal: a
jurisprudência do Tribunal Constitucional”, in Jorge Miranda, org., Perspectivas
constitucionais. Nos 20 anos da Constituição de 1976, vol. II, Coimbra, 1997,
esp. págs. 401 e segs.).
Para extremar a noção de “imposto” constitucionalmente relevante da de “taxa”, o
Tribunal tem-se socorrido essencialmente de um critério que pode qualificar-se
como “estrutural”, porque assente na “unilateralidade” dos impostos (cfr., por
exemplo, os Acórdãos n.ºs 76/88, 412/89, 382/94, publicados respectivamente em
DR, I Série, n.º 93, de 21 de Abril de 1988, e II Série, n.ºs 213, de 15 de
Setembro de 1989, e 208, de 8 de Setembro de 1994), admitindo ainda, porém, como
factor adicional de ponderação, que se tome em consideração a “razão de ser ou
objectivo das receitas em causa”, quer para recusar a certas receitas o carácter
de imposto, quer como argumento ponderoso para afastar o carácter de taxa a uma
dada prestação pecuniária coactiva (elemento, este, finalístico, que
transparece, por exemplo, nos Acórdãos n.ºs 7/84, 497/89 ou 70/92, publicados
respectivamente em DR, II Série, n.ºs 102, de 3 de Maio de 1984, 27, de 1 de
Fevereiro de 1990, e 189, de 18 de Agosto de 1992).
Esta orientação jurisprudencial não foi, aliás, alterada nos mais recentes
arestos sobre a matéria, podendo citar-se, a título exemplificativo, os Acórdãos
n.ºs. 558/98 (taxas de publicidade em veículos particulares, in DR, II Série,
n.º 261, de 11 de Novembro de 1998), 621/98 (taxas do IROMA, in DR, II Série,
n.º 65, de 18 de Março de 1999), 747/98 (direitos compensadores, inédito), 63/99
(taxa de publicidade, in DR, II Série, n.º 76, 31 de Março de 1999), 307/99
(taxa de radiodifusão, in DR, II Série, n.º 166, de 19 de Julho de 1999), 357/99
(regulamento da taxa municipal de urbanização de Amarante, in DR, II Série, n.º
52, de 2 de Março de 2000), 369/99 (DR, II Série, n.º 58, de 9 de Março de
2000), 370/99 (inédito), 473/99 (DR, II Série, n.º 262, de 10 de Novembro de
1999), 481/99, 512/99, 581/99 (inéditos), e 130/2000 (taxa da peste suína,
inédito), 582/99 (regulamento municipal de obras da Câmara Municipal do Porto,
inédito), 515/2000 (taxas da Câmara Municipal de Sintra, in DR, II Série, n.º
19, de 23 de Janeiro de 2001), 346/2001 (inédito) e 96/2000 (taxa de
publicidade, in DR, I Série-A, n.º 65, de 17 de Março de 2000), 143/02
(estampilha da Liga dos Combatentes, in DR, I Série-A, n.º 107, de 9 de Maio de
2002), 273/02 (inédito), 274/02, 286/02, 305/02 (inéditos) e 308/02 (tabela de
emolumentos notariais, inédito), 306/02 (tabela de emolumentos do registo
predial, inédito), 336/02 (emolumentos do Tribunal de Contas, in DR, II Série,
n.º 237, de 14 de Outubro de 2002), 349/02 (custas judiciais, in DR, II Série,
n.º 264, de 15 de Novembro de 2002) ou 415/02 (regulamento de obras na via
pública da Câmara Municipal de Lisboa, in DR, II Série, n.º 291, de 17 de
Dezembro de 2002).
Assim, assinalou-se no Acórdão n.º 143/02 (DR, I Série-A, n.º 107, de 9-5-2002),
quanto àquele primeiro critério:
“(...) tanto na jurisprudência uniforme do Tribunal, como na orientação unânime
da doutrina, um elemento ou pressuposto estrutural há-de, desde logo e
necessariamente, verificar-se, para que determinado tributo se possa qualificar
como uma «taxa», qual seja o da sua «bilateralidade»: traduz-se esta no facto de
ao seu pagamento corresponder uma certa «contraprestação» específica, por parte
do Estado (ou de outra entidade pública). Se tal não acontecer, teremos um
«imposto» (ou uma figura tributária que, do ponto de vista constitucional, deve,
pelo menos, ser tratada como tal).
Se se não divisarem características de onde decorra a «bilateralidade» da
imposição pecuniária, nada mais será preciso indagar para firmar a conclusão de
harmonia com a qual é de arredar a qualificação dessa imposição como «taxa».
Quanto às modalidades de que a «contraprestação» de uma «taxa» pode revestir-se,
entre elas incluem-se, seguramente, a da prestação de um serviço e a da
possibilidade de utilização de um bem semi-público, a quem ou por quem a paga.
Parte da doutrina e, agora, a Lei Geral Tributária (artigo 4º, n.º 2)
acrescentam a modalidade da remoção de um limite (ou obstáculo) jurídico à
possibilidade da prática de certa actividade ou gozo de certa situação; mas uma
outra parte da doutrina – que o Tribunal tem acompanhado (cfr., por último, o
citado Acórdão n.º 115/2002) – considera que, nesta última hipótese, só há
«taxa», se a remoção do limite respeitar ao uso de um bem público”.
Por outro lado, a propósito do elemento relativo à “razão de ser ou objectivo
das receitas em causa”, pode recordar-se o que se afirmou em algumas das citadas
decisões relativas à denominada “taxa da peste suína”. Assim, nos citados
acórdãos n.ºs 369/99 (DR, II Série, de 9 de Março de 2000) e 370/99 (não
publicado), por exemplo, disse‑se:
“(...) no caso da taxa da peste suína não se está perante uma contraprestação de
um serviço prestado, mas antes perante uma forma de financiar uma actividade do
Estado vocacionada para a satisfação de necessidades públicas em geral ou de uma
certa categoria abstracta de pessoas, não se verificando, no caso, os elementos
definidores de uma taxa, pelo que o ‘tributo’ em questão é um imposto ou, pelo
menos, tem de ser considerado como se de um imposto se tratasse. O que vale por
dizer que não pode deixar de se considerar como integrando a reserva da lei
fiscal”.
E no citado Acórdão n.º 473/99 reconheceu-se constituir “objecção de peso” à
perspectivação desse tributo como uma verdadeira taxa o facto de
“uma das finalidades dessa imposição ser a de custear despesas do Estado que,
directamente, não têm uma relação com vantagens imediatas dos a ela sujeitos, ou
seja, as actividades ligadas à polícia sanitária, algumas despesas com o pessoal
e material e investigação e produção dos meios de luta”.
Afirmações semelhantes encontram-se, por exemplo, no citado acórdão n.º 96/00,
que declarou a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas
sobre a “taxa” da peste suína.
Por outro lado, não é suficiente para pôr em causa o carácter sinalagmático do
tributo que não exista uma equivalência rigorosa de valor entre ambos, ou
qualquer desproporção entre a quantia a pagar e o valor do serviço prestado –
seja com o seu custo, seja com a sua utilidade para o particular. Mesmo a falta
de equivalência ou essa desproporção não afecta a relação sinalagmática
existente e a bilateralidade da taxa.
É, porém, necessário que a causa e justificação do tributo possa ainda
encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma
desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade
para tal utente afecta claramente a tal relação sinalagmática que a taxa
pressupõe. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 640/95 (in DR, II Série, n.º 17,
de 20 de Janeiro de 1996), a propósito das portagens na ponte 25 de Abril, o
Tribunal Constitucional questionou-se se “num caso de uma taxa de valor
manifestamente desproporcionado, completamente alheio ao custo do serviço
prestado, não deverá entender-se que tal taxa há-de ser tratada, de um ponto de
vista jurídico-constitucional, como um verdadeiro imposto, de tal forma que
tenha de ser o órgão parlamentar a decidir sobre o seu quantum”, prosseguindo a
indagação para averiguar se tal desproporção manifesta existia (e concluindo que
não) – cfr. igualmente, os Acórdãos n.ºs 410/2000, 1108/96, 1140/96 e 354/98
(publicados respectivamente em DR, II Série, n.ºs 270, de 22 de Novembro de
2000, 294, de 20 de Dezembro de 1996, 34, de 10 de Fevereiro de 1997, e 161, de
15 de Julho de 1998).
Tal desproporção intolerável, ou montante manifestamente excessivo, da quantia
pode resultar, designadamente, de os critérios de determinação desta serem
inteiramente alheios ao montante desse custo do serviço – ou, como se admitiu no
Acórdão n.º 115/2002, também em relação à sua utilidade –, e relevará, pois, em
primeira linha, em sede de inconstitucionalidade orgânica, quando o tributo não
tenha sido criado (ou autorizado) por lei parlamentar (podendo deixar-se em
aberto a questão de saber se, qualificado o tributo como taxa, existirá ainda
espaço para intervenção autónoma do princípio da proporcionalidade, em termos de
a sua violação determinar uma inconstitucionalidade material).
5.Na doutrina nacional encontram-se também contributos relevantes para a
delimitação dos conceitos constitucionais de “taxa” e de “imposto”.
Assim, afirma-se que o “imposto é uma prestação unilateral, o que significa que
ao pagamento do respectivo montante - que é um pagamento definitivo, quer dizer,
não dando lugar a uma ulterior restituição - não corresponde nenhuma
contraprestação específica por parte do Estado. (...) Sendo pois o imposto uma
prestação unilateral, não se confunde com outras receitas coactivas do Estado a
que falta essa característica. Assim, e desde logo, não se confunde com as
taxas, as quais, sendo preços autoritariamente estabelecidos pagos pela
utilização individual de bens semi-públicos, têm a sua contrapartida numa
actividade do Estado especialmente dirigida ao respectivo obrigado” (J. M.
Cardoso da Costa, Curso de direito fiscal, 2ª ed. actualizada, Coimbra, 1972,
págs. 10-11; e cfr. ainda “O enquadramento constitucional...”, cit., págs.
401-402).
Em sentidos próximos, escreve-se também que, a propósito da noção de taxas, que
as mesmas têm “contrapartida numa actividade do Estado especialmente dirigida
àquele que está obrigado a pagá-las, pelo que é da sua essência o nexo
sinalagmático” (Carlos Pamplona Corte-Real, Curso de direito fiscal, I vol.,
Lisboa, 1982, pág. 162), e que o elemento caracterizador das taxas é a sua
natureza sinalagmática, que “deriva funcionalmente da natureza do facto
constitutivo das obrigações em que se traduzem e que consiste ou na prestação de
uma actividade pública, ou na utilização de bens do domínio público, ou na
remoção de um limite jurídico à actividade dos particulares” (Alberto Xavier,
Manual de direito fiscal, Coimbra, 1983, págs. 42 e segs.).
Escrevendo especificamente sobre o conceito jurídico de taxa, Maria Margarida
Mesquita Palha observa que “essencial à definição desta figura é a ideia de um
tributo devido por ocasião da prestação de um serviço dirigido directamente ao
contribuinte ou da utilização de um bem do domínio público” (“Sobre o conceito
jurídico de taxa”, in Centro de Estudos Fiscais. Comemoração do XX Aniversário.
Estudos, vol. II, Lisboa, 1983, pág. 586).
Segundo António Braz Teixeira, “[D]a observação das duas espécies tributárias
ressalta que, de um ponto de vista jurídico, o elemento que fundamentalmente as
distingue é a existência ou inexistência de uma contraprestação por parte do
sujeito activo da respectiva relação, é o carácter unilateral do imposto e a
natureza bilateral da taxa, os quais resultam de, num caso, o facto gerador do
tributo consistir na mera revelação de determinada capacidade contributiva, e,
no outro, de tal facto se traduzir numa ocorrência directamente ligada a uma
actividade específica do sujeito activo, de que beneficia individualmente o
sujeito passivo” (Princípios de direito fiscal, vol. I, 3ª ed., actualizada e
revista, Coimbra, 1985, pág. 43).
Também concedendo relevo à sinalagmaticidade da taxa, salienta-se que “atendendo
à diversidade da estruturação legal, o vínculo jurídico de taxa tem por causa a
prestação por uma entidade pública de utilidades individualizadas. Quer dizer
que a taxa, como, aliás, o preço também, apresenta origem sinalagmática. É este
aspecto precisamente que separa com nitidez a taxa do imposto. Porque a taxa tem
por causa a realização de uma utilidade individualizada, ela depende de outro
vínculo jurídico, o que não acontece com o imposto (Pedro Soares Martinez,
Manual de direito fiscal, 3ª reimp., Coimbra, 1989, pág. 35). E Nuno Sá Gomes
escreve, a este propósito: “[E]m meu critério, o que caracteriza definitivamente
a taxa em face do imposto é o carácter sinalagmático, bilateral, desta última e
o carácter unilateral, não sinalagmático, do primeiro” (Manual de direito
fiscal, Lisboa, 1993, p. 74);
Por seu turno, António Sousa Franco sustenta que, entre outros traços
fundamentais, o imposto se caracteriza por ser uma receita unilateral, “pois não
existe qualquer contrapartida específica, em virtude de uma relação concreta com
bens ou serviços públicos; ele terá apenas a contrapartida genérica do
funcionamento dos serviços públicos estaduais” (Finanças públicas e direito
financeiro, 4ª ed., vol. II, Coimbra, 1992, pág. 73). Ao analisar o princípio da
legalidade fiscal, Ana Paula Dourado afirma, a propósito das taxas, que, “ao
caracterizarem-se pela existência de um vínculo sinalagmático, as taxas
pressupõem uma contraprestação pública individualizada, que pode traduzir-se,
para o particular, quer numa utilidade quer no pagamento de custos (...) e o
montante a pagar não deverá ultrapassar essa contraprestação (...)” (“O
princípio da legalidade fiscal na Constituição portuguesa”, in Perspectivas
constitucionais, cit., vol. II, Coimbra, 1997, pág. 439).
Depois de caracterizar o imposto como uma prestação unilateral, J. J. Teixeira
Ribeiro afirma: “(...) logo se vê onde ele se distingue da taxa: também é
prestação coactiva; mas já não é prestação unilateral, uma vez que ao seu
pagamento corresponde a contraprestação de um serviço por parte do Estado”
(Lições de finanças públicas, 5ª ed., refundida e actualizada, Coimbra, 1995,
pág. 258; cfr. ainda “Noção jurídica de taxa”, Revista de Legislação e de
Jurisprudência, ano 117º). Aníbal Almeida refere que a figura da taxa detém
“como differentia specifica em relação à figura do imposto, o seu carácter
bilateral” (Estudos de Direito Tributário, Coimbra, 1996, pág. 62). Também num
sentido próximo, Camilo Cimourdain de Oliveira escreve que as “taxas são (...)
cobradas em contrapartida da prestação de serviços públicos” (Lições de direito
fiscal, Porto, 1997, 6ª ed., pág. 107). E Diogo Leite de Campos e Mónica Leite
de Campos observam que “o imposto é uma prestação unilateral, no sentido de que
ao seu cumprimento não corresponde uma contraprestação específica por parte do
Estado” e, mais adiante, que “a distinção entre taxas e impostos estará (...) no
carácter bilateral das primeiras, e no carácter unilateral dos impostos”
(Direito tributário, Coimbra, 1996, págs. 26 e 28).
Por seu lado, J. L. Saldanha Sanches define o imposto como “uma prestação
pecuniária, singular ou reiterada, que não apresenta qualquer conexão com
qualquer contra-prestação retributiva e de que é titular uma entidade pública
que utiliza as receitas assim obtidas para a cobertura das suas despesas e que
surge quando a lei liga a uma determinada ‘fattispecie’ um dever de prestar”,
aludindo, a propósito das taxas, à exigência de um sinalagma (Manual de Direito
Fiscal, Lisboa, 1998, pág. 13 e págs. 18 e segs.).
José G. Xavier de Basto e António Lobo Xavier entendem que, para a
caracterização do conceito de taxa, é essencial identificar a contrapartida
pública que anda ligada ao seu pagamento e, por outro lado, a proporção adequada
entre o seu montante e o valor do serviço prestado, subscrevendo o conceito de
“taxas fiscais” (taxes fiscales), cunhado pela doutrina francesa, e que
corresponde a receitas coactivas cobradas a favor do Estado, de colectividades
locais ou de organismos públicos administrativos, em razão do funcionamento de
um serviço público, sem que o respectivo montante esteja em correlação com esse
serviço (“Ainda a distinção entre taxa e imposto: a inconstitucionalidade dos
emolumentos notariais e registrais devidos pela constituição de sociedades e
pelas modificações dos respectivos contratos”, Revista de Direito e de Estudos
Sociais, ano XXXVI, 1994, n.ºs. 1-2-3, esp. págs. 6 e segs.). Salientam, ainda
(pág. 26), que hão-de ter-se por impostos, para o efeito da aplicação do
princípio da legalidade tributária, “as receitas coactivas que, cobradas aquando
da prestação de serviços públicos individualizados, não se relacionam, na
determinação do seu montante, nem com o custo nem com o valor desse serviço,
antes com elementos relativos à capacidade contributiva dos utentes”.
Por fim, José Casalta Nabais (Direito fiscal, 2ª ed., 2003, cit., págs. 20 e
segs.), depois de falar de uma “verdadeira ‘summa divisio’, (…) divisão
dicotómica ou binária dos tributos, sendo estes, independentemente do nome que
ostentam, ou tributos unilaterais que integram a figura dos impostos, ou
tributos bilaterais que se reconduzem à figura das taxas”, sustenta que,
“perante um tributo, para sabermos se, do ponto de vista
jurídico‑constitucional, estamos perante um tributo unilateral ou um imposto, ou
perante um tributo bilateral ou uma taxa, o que há a fazer é o teste da sua
medida ou do seu critério, estando pois perante um imposto se apenas pode ser
medido ou aferido com base na capacidade contributiva do contribuinte, ou
perante uma taxa se é susceptível de ser medido ou aferido com base na referida
ideia de proporcionalidade” – e acrescenta (nota 38) que, “[e]m rigor há aqui
dois testes: o da bi/unilateralidade do tributo e, se neste se concluir pelo seu
carácter bilateral, o da sua medida ou critério de justiça, muito embora seja
este último teste o decisivo, já que, se a proporcionalidade entre o tributo e a
respectiva contraprestação específica estiver ausente, então estaremos perante
um tributo cujo regime constitucional não pode deixar de ser o dos impostos.”
Noutra obra, já observara J. Casalta Nabais que o imposto, do ponto de vista
objectivo, é uma prestação pecuniária unilateral, pois não lhe corresponde
nenhuma específica contraprestação em favor do contribuinte, definitiva e
coactiva (O dever fundamental de pagar impostos, Coimbra, 1998, pág. 224; cfr.
ainda “Jurisprudência...”, cit., pág. 254);
Na doutrina fiscalista está, pois, com algumas variações, assente a ideia de que
o conceito de taxa, por oposição ao de imposto, se caracteriza a partir da
“bilateralidade” ou “natureza sinalagmática”, ou seja, pela existência de uma
contraprestação, por parte do Estado ou demais entidades públicas, que justifica
o seu pagamento.
Por outro lado, há também um sector que aponta, como indício relevante, a
existência de uma quantificação do tributo a partir da capacidade contributiva.
Assim (…), segundo Casalta Nabais (Direito fiscal, cit., pág. 22; cf. ainda
Margarida Mesquita Palha, ob. cit., 587), “na anterior disciplina dos
emolumentos, contida na Port. n.º 996/98, a maneira como o montante de alguns
desses emolumentos era definido e determinado levava-nos a concluir que não
estávamos perante taxas, mas antes face a verdadeiros impostos. Na verdade, (…)
numa tal configuração, esses emolumentos eram função, não dos custos do serviço
de registo ou do serviço notarial prestado, mas sim função da capacidade
contributiva revelada na solicitação desses serviços pelos respectivos
requerentes. Tratava-se, por isso, de impostos e de impostos inconstitucionais,
desde logo porque a definição da sua taxa não respeitava o princípio
constitucional da legalidade fiscal, que reserva tal matéria ao legislador
parlamentar ou parlamentarmente autorizado.”
Como quer que se deva concluir quanto à relevância do critério que concede
relevância ao princípio da capacidade contributiva, pode, porém, notar-se que o
critério fixado no artigo 5º da referida Tabela de Emolumentos é, ao menos,
perfeitamente coerente com tal lógica da determinação do montante do tributo em
função da capacidade contributiva – revelando, por exemplo, uma nítida
semelhança com o critério de determinação do montante do imposto de sisa.
(…).»
Anteriormente, escreveu-se no acórdão n.º 200/2001 (publicado em Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 50º vol., pp. 326 -327):
“Na distinção entre taxa e imposto, o Tribunal Constitucional tem, pois, seguido
o critério da sinalagmaticidade: a taxa constitui, não uma receita unilateral,
mas um preço, autoritariamente fixado, correspondente a um bem ou serviço, e
mesmo que este seja de procura obrigatória (v., como exemplos referidos em J. J.
Teixeira Ribeiro, Lições de finanças públicas, 5ª ed., Coimbra, 1995, pp.
255-257, a hipótese das propinas no ensino obrigatório e o caso dos emolumentos
dos serviços de registo e do notariado, mesmo quando a sua procura é
obrigatória); o imposto constitui uma receita coactiva unilateral do Estado, sem
correspectividade num bem ou serviço.
Tal distinção não implica, porém, que o valor da taxa haja de corresponder
economicamente ao valor ou ao custo do bem ou serviço em questão — que tenha que
existir tal correspectividade económica para se poder afirmar a bilateralidade
da receita, enquanto taxa. Na verdade, através da imposição de uma taxa podem
prosseguir-se finalidades de interesse público (como a limitação da procura de
um bem) conducentes a um montante diverso do correspondente a tal valor ou
custo. E ainda nesta hipótese ao pagamento da taxa corresponde a contraprestação
de um bem ou serviço por parte do Estado. Daí que, como escrevia Teixeira
Ribeiro (op. cit., p. 258), «quando a taxa exceda o custo dos bens, nem por isso
tenhamos imposto na parte sobrante, uma vez que, apesar de ser coactiva, ela
mantém o seu carácter de prestação bilateral».
Aliás, mesmo sem se excluir que a forma de determinação do montante do tributo
em causa possa funcionar como indício para a sua qualificação como taxa ou
imposto, entende este Tribunal que apenas a manifesta desproporcionalidade entre
o montante do tributo, por essa forma determinado, e o custo do serviço público
(o carácter «completamente alheio» a este) poderá levar a que o tributo em
questão deva ser encarado, de um ponto de vista jurídico-constitucional, como
verdadeiro imposto. Foi justamente isto que, afirmando a desnecessidade de
correspondência económica entre o custo do serviço e o montante da taxa, este
Tribunal disse também no citado Acórdão n.° 410/2000 [publicado em Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 48º vol., pp. 141-163]:
«para a função da taxa pode ser menos relevante o custo e, por exemplo, mais
relevante a contenção da utilização de um serviço — o que significa (e a
jurisprudência constitucional tem-se comprometido nesse sentido) que o carácter
sinalagmático da taxa não exige a correspondência do seu montante ao custo do
bem ou serviço prestado: a bilateralidade que a caracteriza mantém-se, mesmo na
parte excedente ao custo (cfr., v. g., o Acórdão n.° 205/87, publicado no Diário
da República, I Série, de 3 de Julho de 1987); não é, por si só, de qualificar a
taxa como imposto, ou de lhe conceder tratamento constitucional de imposto, se o
respectivo montante exceder o custo dos bens e serviços prestados ao utente
(cfr., v. g., o Acórdão n.° 640/95, publicado naquele Jornal Oficial, II Série,
de 20 de Janeiro de 1996).
Já se o valor da taxa for manifestamente desproporcionado, «completamente alheio
ao custo do serviço prestado», então pode duvidar-se se a taxa não há-de ser
encarada de um ponto de vista jurídico-constitucional, como verdadeiro imposto
(citado Acórdão n.° 640/95), porque desse modo, e nessa medida, se afectaria a
correspectividade. Assim, a desproporcionalidade, desvirtuante da
correspectividade, lesaria o critério legitimante da taxa, enquanto a adequação
à capacidade contributiva é característica do imposto (cfr. Acórdão n.°
1108/96).
Ou seja – e para acompanhar mais uma vez este último aresto – «[a] base
funcional da distinção entre taxa e imposto não impõe […] uma sinalagmaticidade
pré-jurídica, mas sim uma sinalagmaticidade construída juridicamente e um
sentido de correspectividade susceptível de ser entendido e aceite como tal
pelos cidadãos atingidos».”
6.Também especificamente quanto à tarifa de conservação prevista no artigo 77.º
do Regulamento Geral das Canalizações de Esgoto da Cidade de Lisboa – embora na
época tomando como base o rendimento colectável do prédio, e não o seu valor
patrimonial –, este Tribunal já se pronunciou, embora o fizesse a propósito de
uma outra tarifa de saneamento que a Câmara Municipal de Lisboa tinha deliberado
lançar em 1985, e como orbiter dictum. Pode ler-se, com efeito, no citado
Acórdão n.º 76/88:
«(…)
11 – Há que ver agora o que se passa com o sistema de águas residuais. Neste
terreno, tem também a Câmara Municipal de Lisboa vindo a prestar aos munícipes,
desde há muito, através da rede geral de esgotos existente na cidade, um serviço
de escoamento, não só das águas residuais domésticas ou industriais como das
pluviais caídas nas coberturas, terraços e logradouros dos prédios urbanos.
Quanto a este sistema de águas residuais, e sempre segundo o mencionado estudo
do Gabinete de Estudos e Planeamento, há, todavia, que distinguir «à partida
duas parcelas: a relativa aos encargos de manutenção, conservação e reconstrução
da rede de esgotos e a referente aos encargos com o projecto ‘interceptor e de
tratamento de esgotos’», a integrar, mais tarde, na rede existente.
Relativamente à primeira parcela, escreve-se ainda nesse estudo que «os seus
custos deverão ser suportados pelas actuais taxas de conservação e ligação», da
responsabilidade dos proprietários dos imóveis. Na realidade, e segundo os
artigos 75.°, 76.° e 77.° do Regulamento Geral das Canalizações de Esgoto da
Cidade de Lisboa, publicitado através do edital n.° 145/60, de 17 de Setembro, a
respectiva Câmara Municipal, com vista a fazer face aos encargos com a
instalação e conservação da rede geral de esgotos da capital, tem direito a
cobrar, por cada prédio, e do respectivo proprietário, uma taxa de ligação
(devida uma vez) e uma taxa de conservação (devida anualmente).
No que toca à segunda parcela, e ainda segundo o mesmo estudo, os seus encargos,
referentes ao financiamento do «novo sistema interceptor de esgotos», deveriam
ser suportados pelos consumidores de água. E assim veio a suceder, já que o
segmento restante da «tarifa de saneamento» criada pela Deliberação n.° 17/CM/85
destinado foi, e tão-somente, a cobrir os encargos com a construção desse
«sistema interceptor de esgotos da cidade de Lisboa», até hoje não construído.
(…)
Nesta perspectiva, o que é exigido pela Deliberação n.° 17/CM/85, mais tarde
completada pela deliberação camarária publicitada pelo Edital n.° 37/86, é que
os consumidores de água da EPAL (excepção feita aos consumidores referidos na
4.ª norma da Deliberação n.° 17/CM/85) paguem o custo de um serviço que, com
ressalva de um particular grupo de consumidores (aqueles cuja residência ou
estabelecimento não esteja ligado à rede de esgotos), lhes é efectivamente
proporcionado: o serviço de drenagem de águas residuais.”
(…)
Este serviço, convém precisá-lo, não se confunde, porém, com o serviço que, algo
paralelamente, é prestado aos proprietários de imóveis e consistente na
manutenção, em bom estado, da ligação dos seus prédios à rede geral de esgotos,
e pelo qual eles pagam a devida taxa (artigos 75.º, 76.° e 77.° do Regulamento
Geral das Canalizações de Esgoto da Cidade de Lisboa).»
E concluiu-se então assim:
«Prestado este esclarecimento, impõe-se pois, concluir — quanto aos consumidores
de água da EPAL que beneficiem in loco de ligação ao sistema de esgotos — que a
parte ora em análise da prestação por eles devida, segundo a Deliberação n.°
17/CM/85, é indiscutivelmente uma taxa.
De toda a exposição antecedente é, enfim, de tirar a ilação de que na “tarifa de
saneamento”, criada pela Deliberação n.° 17/CM/85, são destacáveis dois
segmentos: o primeiro, destinado a retribuir o serviço de recolha, depósito e
tratamento de lixos, serviço efectivamente prestado a todos os consumidores de
água da EPAL, e que, por isso, deve ser considerado como taxa em toda a sua
extensão, e o segundo, destinado a retribuir o serviço de drenagem de águas
sujas e pluviais, de procedência doméstica ou industrial, serviço só
verdadeiramente prestado àqueles consumidores de água cujas casas ou
estabelecimentos estejam ligados à rede de esgotos, e que, dessa maneira, só em
relação a tais consumidores pode ser havido como taxa.
(…)
13 – Ao invés, para aquelas mesmas normas — e enquanto elas se referem aos
consumidores de água da EPAL que não gozem nos seus domicílios ou
estabelecimentos de tal ligação ao sistema de esgotos — já a solução terá de ser
diferente. Desde logo, porque a parte da «tarifa de saneamento» destinada a
custear o serviço de drenagem de águas residuais, e já que, nesse campo, nenhum
serviço lhes é realmente prestado, não pode deixar de ser tida, quanto a eles,
como um verdadeiro imposto. De facto, é aqui patente o carácter da
unilateralidade, isto é, da ausência de vantagens ou utilidades correspectivas,
carácter que claramente distingue esta espécie tributária da taxa».
Qualificado que foi como taxa o pagamento anual, à Câmara Municipal de Lisboa,
de um tributo pela conservação de esgotos, por, na sua origem, se encontrar a
prestação de um serviço ao utente, o Tribunal não chegou então, porém, a
analisar especificamente o critério de fixação do montante da taxa,
designadamente para apurar se, pela sua relação com os custos do serviço ou com
a utilidade que dele extrai o particular devedor, esse critério é incompatível
com a qualificação como taxa, por ser “completamente alheio” a tais custos e
utilidade.
É, porém, justamente este o problema que se põe no presente recurso.
7.O problema não reside – importa precisar – na inexistência de qualquer
contraprestação ou serviço a favor do utente, em si mesma considerada, a qual
não está em causa.
Mesmo no caso dos tributos que incidem, a nível municipal, sobre a recolha e o
tratamento de resíduos sólidos, por exemplo, o Tribunal firmou orientação no
sentido de que, ainda que nem todos os munícipes aproveitem desses serviços de
recolha, depósito e tratamento de lixos, os mesmos podem ainda ser reconduzidos
ao conceito de taxa por, na sua origem, lhes assistir o fundamento sinalagmático
que é a característica distintiva desse tributo (cfr., v.g. os Acórdãos n.ºs.
1139/96, 1140/96 e 1223/96, os dois primeiros já citados, e o terceiro publicado
em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 35.º vol., págs. 591-598). No presente
caso não há dúvida, porém, de que é prestado ao particular devedor, e mais
precisamente à recorrente, um serviço de que esta também aproveita
individualmente, consistente na instalação e (especificamente para o que está em
causa) na manutenção, em bom estado, da ligação dos prédios à rede geral de
esgotos da cidade de Lisboa, e desta mesma rede, pelo qual é paga a taxa em
questão (artigos 75.º, 76.° e 77.° do Regulamento Geral das Canalizações de
Esgoto da Cidade de Lisboa). A natureza sinalagmática do tributo não está, pois,
em questão, já que ele é pago como contrapartida da prestação daquele serviço.
Mas põe-se o problema de saber se, pelo critério de determinação do montante do
tributo em causa, este não vem a tornar-se flagrantemente desproporcionado a
esse serviço, de tal forma que se revela “completamente alheio” ao custo da
prestação deste ou à utilidade que o particular dele retira.
8.Se o montante do tributo se torna, devido ao critério utilizado para a sua
fixação, “completamente alheio” ao custo da prestação deste ou à utilidade que o
particular dele retira, tem de concluir-se que não estamos já perante uma taxa,
sendo esta qualificação infirmada pelo próprio critério de fixação do respectivo
montante, e seus resultados. Mas é necessário que se trate de um critério que,
pelos seus resultados, seja “completamente alheio” ao custo ou à utilidade do
serviço, não bastando, para tal alteração de qualificação, o facto de se
recorrer, na fixação do montante da taxa, a elementos que são também indícios de
capacidade contributiva (e, portanto, característicos de uma técnica própria dos
impostos), se a esses índices estiver associada ainda uma tendencial ligação
àqueles custos e utilidade.
Recorde-se, a propósito da relevância do critério de fixação do montante da
taxa, o que se afirmou no caso de uma norma que previa emolumentos cobrados por
notários, apreciada no citado Acórdão n.º 610/2003:
«(…)
9. Efectivamente, pode dizer-se que, na fundamentação do citado Acórdão n.º
115/2002 quanto ao montante da taxa a pagar, se refere, como critério decisivo
para a noção de taxa, a relação entre esse montante e a presumível utilidade,
para o particular, do bem ou serviço, e não já apenas a relação entre aquele e o
custo – mesmo que apenas em termos de aquele não ser ‘totalmente alheio’ a este.
Afirma-se, assim, que a “lógica da fixação da taxa [...] é ditada através da
utilidade” que do serviço se retira, não se estando perante uma “concepção
parametrizada apenas pela equivalência ao valor de custo do serviço prestado,
mesmo que flexivelmente entendida”.
Por outras palavras, fundamento para a delimitação da noção de taxa, entendida
como preço de um bem ou serviço público, não é apenas um “princípio de cobertura
de custos” (Kostendeckungsprinzip), para passar a ser um “princípio de
equivalência” (Äquivalenzprinzip) com a utilidade do bem ou serviço.
Ora, entende-se que a adopção deste critério de equivalência não é, em tese
geral, constitucionalmente censurável, não existindo qualquer vinculação
constitucional à observância de um estrito princípio de cobertura dos custos.
Não se exclui, pois, que na fixação do quantum de uma taxa possa ter-se em conta
a utilidade que a pessoa obrigada ao seu pagamento retira – cfr., por exemplo,
os já citados Acórdãos n.º 357/99 e 200/2001 (embora este último referindo-se à
relação com a “intensidade de utilização do serviço”, e, por essa via, com os
seus custos).
Não pode, porém, aceitar-se que se submeta ao regime constitucional da taxa uma
figura em que tal utilidade presumível é o único critério utilizado para a sua
determinação, designadamente, quando se trata de serviços de utilização
necessária – para quem pretenda, ou tenha de, praticar validamente uma série de
actos legalmente sujeitos a escritura pública (como, por exemplo, adquirir e
alienar imóveis ou alterar o capital de uma sociedade) –, e que são prestados
exclusivamente, em regime de monopólio, pela Administração Pública.»
9.Ora, tem de concordar-se com o acórdão recorrido, quando este conclui que a
fixação do montante da “tarifa de conservação” de esgotos tendo como base o
valor patrimonial do prédio se não baseia num critério que seja completamente
alheio ao custo ou à utilidade extraída pelo contribuinte do serviço em questão.
A determinação da quantia a pagar depende exclusivamente do valor patrimonial do
prédio, e não directamente do custo do serviço prestado pela Câmara. Quanto à
relação com o custo do serviço a que se dá causa, pela maior intensidade da
utilização ou pela maior carga sobre a rede de esgotos de Lisboa, lê-se, porém,
na decisão recorrida que “influindo na determinação do valor patrimonial,
circunstâncias como o tipo, dimensão e localização do imóvel, então, quanto
maior for o seu valor patrimonial, maior será, tendencialmente, a sobrecarga por
ele aduzida ao colector geral de esgotos (desde logo, porque um imóvel de menor
valor patrimonial, por contraposição com um outro de maior valor, terá,
presumivelmente, menor capacidade de suporte de pessoas ou estará inserido em
zona menos densamente povoadas; e se maior é a sobrecarga, maior serão,
consequentemente os encargos com a manutenção e conservação, quando não, mesmo,
com o reforço das infra-estruturas)”. Por isso – conclui-se – o cálculo da
quantia da taxa a pagar pela ligação à rede de esgotos, em função do valor
patrimonial dos imóveis, contemplaria ainda uma correcta ponderação dos
interesses relevantes.
Estas considerações depõem, pois, no sentido de que, tendencialmente, os custos
para a conservação da ligação à rede de esgotos, e desta rede, a que dá causa um
prédio com elevado valor patrimonial – e a intensidade de utilização dos
correspondentes serviços de manutenção – sejam maiores do que num prédio com
baixo valor patrimonial, pois a fixação do valor patrimonial depende de factores
aos quais anda associada também esta maior utilização.
É claro que não será sempre assim. Se casos há, como o dos autos, em que uma
ligação íntima entre, por um lado, valor patrimonial do imóvel, em que funcionam
unidades de hotelaria, e, por outro lado, pressão sobre o sistema municipal de
esgotos, permitirá estabelecer um sinalagma claro entre prestações camarárias e
montante pago, ou, pelo menos, uma ligação entre esse valor patrimonial e a
intensidade de utilização do serviço, são concebíveis outras situações em que
tal ligação é ténue (v.g. palacetes, segundas habitações, etc.) ou mesmo
praticamente inexistente (v.g. igrejas, imóveis encerrados, etc.). Situações
estas que, aliás, se podem ter agravado com a alteração da base de incidência da
taxa, operada em 1990 (pelo Edital n.º 60/90, de 7 de Agosto), que deixou de ser
o rendimento colectável do prédio para passar a ser o seu valor patrimonial. É
que o valor patrimonial do prédio depende de factores que podem também não ter
relação com a intensidade de utilização do serviço ou os custos a que o prédio
dá causa. E o montante de “tarifa de conservação” de esgotos devido pelos
diferentes proprietários pode ser diverso, em razão exclusiva do valor
patrimonial dos seus prédios não ser idêntico.
Não interessa, porém, levar mais longe estas considerações, por, como referido
na decisão recorrida, ser, por outra via, de concluir que “não ocorre a violação
do referido princípio constitucional da proporcionalidade, com base na
argumentação da recorrente, ou seja, na falta da alegada correspectividade que
teria de existir entre a taxa e o benefício de utilização do bem” – e por ser,
assim, “também, de concluir que não existe qualquer degeneração do tipo
tributário em causa de tarifa ou taxa para imposto”.
Com efeito, não pode dizer-se que o critério de determinação do montante do
tributo – o valor patrimonial do prédio – seja completamente alheio à utilidade
que o particular dele retira, justamente por evitar a depreciação do valor
patrimonial elevado do prédio. Recorde-se, também a este propósito, que, como se
disse na decisão recorrida, “são os proprietários dos prédios quem retira
vantagem directa do facto de os seus prédios disporem da rede geral de esgotos
em bom estado de conservação e manutenção, o que os valoriza pela comodidade que
proporcionam, quer sejam habitados pelos próprios, quer sejam arrendados, quer
façam muito ou pouco uso da rede”. E, daqui, “a relevância do seu valor
patrimonial como base tributável desta taxa/tarifa”, não de acordo com um
“princípio de cobertura de custos”, mas segundo uma ideia de equivalência em
relação à utilidade extraída do serviço, reflectida em parte do valor
patrimonial. Não pode, efectivamente, negar-se que a diminuição do valor de um
prédio pelo facto de não possuir ligação à rede de esgotos tende a ser maior
para prédios com elevado valor patrimonial do que para prédios com baixo valor
patrimonial – e, inversamente, pode dizer-se que a valorização do prédio por
essa ligação, tornada possível pelo serviço de conservação da rede de esgotos, é
também maior quanto mais elevado for o valor patrimonial do prédio. Tanto basta
– conjugado com o que se disse para parte das hipóteses em que existe uma
variação da intensidade de utilização, e dos custos, do serviço, que tende a
acompanhar o valor patrimonial – para se poder concluir (como se fez, a
propósito de uma outra taxa, no citado Acórdão n.º 200/2001) que o critério de
fixação do montante do tributo em causa não é “completamente alheio” ao seu
custo ou à utilidade para o devedor.
Aliás, também face à natureza do negócio, de hotelaria, a que a recorrente
afectou os prédios que estão na origem da receita camarária impugnada, tem-se
por seguro que se pode estabelecer, no caso, uma equivalência jurídica mínima,
se é que não mesmo uma “equivalência económica entre o seu montante e o valor do
serviço prestado” (equivalência esta que, como se referiu no Acórdão n.º 49/92,
e se repetiu, por exemplo, no Acórdão 115/2002, publicados em Acórdãos do
Tribunal Constitucional, 21º vol., pp. 187-204, e 52º vol., pp. 515-550,
respectivamente, não é necessária para o conceito de taxa).
E que assim possa eventualmente não ser em outras circunstâncias não releva para
a presente decisão, condicionada que está à aplicação da norma num específico
contexto, em que esses outros argumentos não valem.
10.Resulta do que ficou dito que a norma do artigo 77.º do Edital n.º 145/60,
com a redacção dada pelo Edital n.º 76/96 da Câmara Municipal de Lisboa – que
prevê a tarifa de conservação de esgotos –, prevê, não um imposto, mas um
tributo que é ainda de qualificar como taxa. Pelo que a aprovação dessa norma,
que se não enquadrava na reserva relativa de competência legislativa
parlamentar, podia ser efectuada por deliberação da Assembleia Municipal de
Lisboa, que a criou, e tal norma não padece da inconstitucionalidade orgânica
que lhe é assacada, devendo ser negado provimento ao presente recurso.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não julgar inconstitucional a norma do artigo 77.º do Edital
n.º 145/60, com a redacção dada pelo Edital n.º 76/96 da Câmara Municipal de
Lisboa;
b) Em consequência, confirmar a decisão recorrida, no que à
questão de constitucionalidade respeita;
c) Condenar a recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de
conta de taxa de justiça.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2007
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos