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Processo n.º 728/06
3ª Secção
Relatora: Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. Por despacho do 2.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Leiria de 15 de
Maio de 2006, de fls. 425 e seguintes, foi decidido:
«a) Recuso a aplicação do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de
Agosto de 1965 por considerar aquela norma inconstitucional, por violação do
direito do trabalhador à justa reparação, consagrado no artº 59.º, n.º 1, alínea
f), da Constituição da República Portuguesa, quando interpretado no sentido de
impor um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data da
fixação inicial da pensão devida à sinistrada, com fundamento em agravamento
superveniente das lesões sofridas.
b) Condeno a A., Companhia de Seguros, S. A., a pagar à sinistrada,
B., o capital de remição correspondente à pensão anual de € 1.279,46 (mil
duzentos e setenta e nove euros e quarenta e seis cêntimos), desde o dia
08/06/2005.
c) Condeno igualmente a sociedade C., Lda., a pagar à sinistrada, B., o
capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de € 140,04 (cento
e quarenta euros e quatro cêntimos), desde o dia 08/06/ 2005.
d) Condeno igualmente a sociedade C., Lda., a pagar à sinistrada, B., a
quantia de € 509,20 (quinhentos e nove euros e vinte cêntimos), a título de
indemnização pela ITA sofrida por aquela sinistrada entre 24/05/2004 e
07/06/2005, inclusive.»
Para chegar a esta decisão, e apenas no que agora releva, o tribunal
pronunciou-se nos seguintes termos:
«14 – A primeira questão que se coloca nesta sede e momento é a de saber se a
sinistrada tem direito às prestações decorrentes desta incapacidade ou se, ao
invés, já caducou esse direito, por ter decorrido o prazo de dez anos previsto
na Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127, de 03/08/ 1965.
Era, e ainda hoje é, entendimento dominante que revisão só pode ser
requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão. Não da
última data dessa fixação, mas da primeira, pois que é nesta que se constitui o
direito. Todas as outras modificações posteriores não passariam disso mesmo e,
por conseguinte, não interfeririam na constituição daquele direito, mas apenas
no seu conteúdo ou dimensão. O que significa que neste caso, a sinistrada,
segundo aquela tese, deveria ter requerido a revisão da sua incapacidade no
decénio posterior ao dia 08/06/1989; isto é, até ao dia 08/06/1999. Ou, quando
muito, segundo aqueles que defendem que essa data se reporta à data do despacho
homologatório, ao dia 13/11/1999 (fls. 46).
Ora, sucede que o requerimento que esteve na origem da última revisão
do grau de incapacidade da sinistrada deu entrada em tribunal no dia 03/02/2000
(fls. 110). O que, segundo a tese já mencionada, equivaleria à preclusão do
referenciado direito.
Temos, porém, para nós, que esta tese é inconstitucional.
E é inconstitucional porque limita, sem fundamento material bastante, o
direito à justa reparação, consagrado no artigo 59.º n.º 1 al. f), da
Constituição da República Portuguesa (CRP).
(…)
Ora, presumir que nesse mesmo ano de 1999 ficaram estabilizadas as
sequelas resultantes do acidente que deu origem a este processo é mera ficção.
Até porque se fosse uma doença profissional não haveria esse limite. E até
porque também – sabemo-lo hoje – as ditas sequelas vieram, de facto, a
agravar-se.
Por conseguinte, não há qualquer razão material para presumir que a
sinistrada ficou curada desde 1999.
Entendemos assim, tal como se decidiu no Acórdão do Tribunal
Constitucional n.º 147/2006 – Processo n.º 402/2005, publicado no DR II Série de
03/05/ 2006, que é “inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à
justa reparação, consagrado no artº 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a
norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965,
interpretada no sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10
anos, contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da
pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em
agravamento superveniente das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação
inicial da pensão e o termo desse prazo de 10 anos tenham ocorrido actualizações
da pensão, por se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo
sinistrado”.
Sendo assim, como estamos certos que é, o direito da sinistrada a obter
a revisão da sua incapacidade é ainda tempestivo.»
2. Veio então o Ministério Público interpor «recurso obrigatório para o
Tribunal Constitucional», nos termos «das disposições conjugadas dos arts. 70.º,
n.º 1, a), 72.º, n.º 1, a), n.º 3, 75.º-A, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15 de
Novembro», por ter sido julgada inconstitucional a 'norma constante do n.º 2 da
Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965 (...) quando interpretada no
sentido de impor um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir
da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida à
sinistrada, com fundamento em agravamento superveniente das lesões sofridas'.
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (nº 3
do artigo 76º da Lei nº 28/82).
3. Notificado para o efeito, o recorrente apresentou alegações,
apoiando, tal como o despacho recorrido, o juízo de inconstitucionalidade
proferido no acórdão n.º 147/2006 (Diário da República, II série, de 3 de Maio
de 2006).
Em seu entender, e em síntese, tal norma viola, quer o princípio da
igualdade, consagrado no artigo 13º da Constituição, quer o direito que a alínea
f) do n.º 1 do artigo 59º da Constituição confere aos trabalhadores à
«assistência e reparação, quando vítimas de acidente de trabalho ou de doença
profissional», por não ter justificação material, nem o «regime mais
desfavorável que o n.º 2 da Base XXII estabelece para o sinistrado por acidente
de trabalho, face à permissão de – em caso de doença profissional 'evolutiva' –
o ressarcimento dos danos futuros ser requerido 'em qualquer tempo'», nem a
diferenciação com o regime geral da responsabilidade civil no que respeita à
possibilidade de ressarcimento de danos futuros.
Formulou, assim, as seguintes conclusões:
«1° – A norma constante do n° 2 da Base XXII da Lei n° 2172, ao consagrar um
prazo – absolutamente preclusivo – de 10 anos, contados da fixação da pensão,
para a revisão da pensão devida ao sinistrado por acidente de trabalho, mesmo
nos casos em que ocorreu, no referido período temporal, evolução da incapacidade
originariamente sofrida, com fundamento em agravamento superveniente das lesões,
viola o princípio da igualdade e o direito à fixação de justa reparação ao
sinistrado, constantes dos artigos 13° e 59°, n° 1, alínea f) da Constituição da
República Portuguesa.
2° – Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade
formulado pela decisão recorrida.»
As recorridas, COMPANHIA DE SEGUROS A., SA e C., LDA., não alegaram.
4. Com efeito, não é a primeira vez que o Tribunal Constitucional é chamado a
pronunciar-se sobre a norma do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de
Agosto de 1965, na interpretação que está em causa no presente recurso. No já
citado acórdão n.º 147/2006, que começou por demonstrar a diferença entre o
respectivo objecto e a dimensão do mesmo preceito julgada não inconstitucional
pelo acórdão n.º 155/2003 (disponível em www.tribunalconstitucional.pt),
concluiu-se ocorrer violação da al. f) do n.º 1 do artigo 59º da Constituição
nos seguintes termos:
«12. (…) No presente recurso está apenas em questão o concreto limite temporal
que resulta da interpretação perfilhada na decisão recorrida – isto é, nos
termos da qual o n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965,
consagra um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a partir da data
da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao sinistrado por
acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente das lesões
sofridas.
(…)
13. Ora, assim equacionada a questão, importa, desde logo, começar por
apreciá-la, no quadro do instituto da “revisão das pensões”, perante o direito
consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição.
O instituto da revisão das pensões “é o resultado da verificação prática de
muitas situações em que o estado de saúde do sinistrado, como consequência
directa do acidente, evolui, quer no sentido do agravamento, quer no da
melhoria, modificando-se, por isso, a sua capacidade de ganho”, como assinala
Carlos Alegre (Acidentes de trabalho: notas e comentários à Lei N.º 2127,
Coimbra, Almedina, 1995, p. 101).
Esta observação, aparentemente feita apenas a propósito da revisão das pensões
por acidentes de trabalho, parece igualmente extensível à revisão das pensões
por doenças profissionais, não só porque em relação a estas também pode
naturalmente verificar-se a referida evolução, como também porque, determinando
o n.º 2 da Base I da Lei n.º 2127 a aplicação, às doenças profissionais, das
normas relativas aos acidentes de trabalho, sem prejuízo das que só a elas
especificamente respeitem, o instituto da revisão das pensões é, em princípio,
comum às pensões por acidente de trabalho e às pensões por doença profissional.
Em suma, o instituto da revisão das pensões justifica-se, quer nos casos de
pensões por acidentes de trabalho, quer nos casos de pensões por doenças
profissionais, pela necessidade de adaptar tais pensões à evolução do estado de
saúde do titular da pensão, quando este se repercuta na sua capacidade de ganho.
Assegura-se assim o direito constitucional do trabalhador à justa reparação –
direito previsto no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição –, pois que a
revisão da pensão permite ressarcir danos futuros não considerados no momento da
fixação da pensão ou, no caso de não produção dos danos que se anteciparam,
reduzir o montante da indemnização aos danos que a final se produziram.
Justificando-se a revisão, quanto a ambas as categorias de pensões, em atenção à
referida necessidade de adaptação à evolução do estado de saúde do seu titular,
o prazo preclusivo de dez anos ora em análise só poderia encontrar algum
fundamento se, em relação às pensões por acidentes de trabalho, não fosse
concebível que o estado de saúde do sinistrado pudesse evoluir passados esses
dez anos.
Tal fundamento não é, porém, minimamente plausível. É evidente – como, aliás,
realça o Ministério Público nas alegações – que nada impede a progressão da
lesão ou da doença uma vez decorrido o prazo de dez anos após a fixação da
pensão, quer a respectiva causa seja um acidente de trabalho quer seja uma
doença profissional.
Sendo possível essa progressão em ambos os casos, só uma concepção que
considerasse a vítima de doença profissional digna de maior tutela do que o
sinistrado por acidente de trabalho permitiria entender a existência de um prazo
preclusivo apenas no caso da revisão da pensão deste último.
Esta concepção é, porém, de rejeitar liminarmente. Para além de não assentar,
tal com aquela a que anteriormente se fez referência, em qualquer fundamento
racional, ela sempre esqueceria que a norma constitucional que prevê o direito
dos trabalhadores à assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de
trabalho ou de doença profissional (o referido artigo 59º, n.º 1, alínea f), da
Constituição), não distingue a vítima de acidente de trabalho face à vítima de
doença profissional, no que se refere à reparação.
Poderia porventura aventar-se a hipótese de à norma ora em análise estar
subjacente um critério de contenção de custos, atendendo a que o sistema
português de responsabilidade por acidentes de trabalho assenta – ou, pelo
menos, assentava durante a vigência dessa norma – “numa óptica de
responsabilidade privada polarizada nas entidades patronais e suas seguradoras”
(sobre esse sistema e sobre o sistema de responsabilidade no caso das doenças
profissionais, veja-se Vítor Ribeiro, Acidentes de trabalho: reflexões e notas
práticas, Lisboa, Rei dos Livros, 1984, p. 157-160).
Mas tal critério, como é óbvio, não consubstancia também qualquer fundamento
racional. Desde logo, não se alcançaria por que motivo a tutela do direito do
trabalhador à justa reparação deve ficar condicionada a um critério de contenção
de custos apenas no caso de acidente de trabalho.
(…)
Impõe-se, assim, a conclusão de que a interpretação normativa em apreço – ao
considerar a existência de um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos,
contados a partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão
devida ao sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento
superveniente das lesões sofridas, e ao não permitir, em caso algum, a revisão
de tal pensão, num caso em que desde a fixação inicial da pensão e o termo desse
prazo de 10 anos ocorreram diversas actualizações da pensão, por se ter dado
como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado – não tem
subjacente qualquer fundamento racional e contraria o disposto no artigo 59º,
n.º 1, alínea f), da Constituição.
Estabelecendo a Constituição, neste preceito, um direito fundamental dos
trabalhadores à “assistência e justa reparação, quando vítimas de acidente de
trabalho ou de doença profissional”, não é constitucionalmente aceitável, como
refere o Ministério Público, que o direito infraconstitucional venha “fragilizar
a posição jurídica do sinistrado em acidente laboral, inviabilizando-lhe a
obtenção do ressarcimento justo e adequado por danos futuros que – causalmente
ligados ao sinistro – sejam supervenientes em relação à data fixada na norma
objecto do presente recurso”, desde que, naturalmente, não se mostre excedido o
prazo de prescrição da obrigação de indemnizar por acidente de trabalho ou
doença profissional. (…)»
É este julgamento de inconstitucionalidade que aqui se reitera. É certo que no
caso em que veio a ser proferido o acórdão n.º 147/2006 ocorreram diversas
actualizações nos dez anos posteriores à data da fixação da pensão e que, na
situação presente, foi por duas vezes requerida (em 18 de Novembro de 1992 e em
25 de Fevereiro de 1999, tendo a pensão sido fixada em 13 de Novembro de 1989)
mas só uma vez deferida (em 1999) essa actualização.
O Tribunal entende, todavia, que, demonstrada a causalidade entre o acidente de
trabalho e o agravamento da incapacidade da sinistrada que veio a ser
reconhecido na sequência de pedido de revisão formulado apenas em 3 de Fevereiro
de 2000, procedem as razões que conduziram àquele julgamento de
inconstitucionalidade.
5. Nestes termos, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do direito do trabalhador à justa
reparação, consagrado no artigo 59º, n.º 1, alínea f), da Constituição, a norma
do n.º 2 da Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, interpretada no
sentido de consagrar um prazo absolutamente preclusivo de 10 anos, contados a
partir da data da fixação inicial da pensão, para a revisão da pensão devida ao
sinistrado por acidente de trabalho, com fundamento em agravamento superveniente
das lesões sofridas, nos casos em que desde a fixação inicial da pensão e o
termo desse prazo de 10 anos tenha ocorrido alguma actualização da pensão, por
se ter dado como provado o agravamento das lesões sofridas pelo sinistrado;
b) Consequentemente, negar provimento ao presente recurso.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2007
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Vítor Gomes
Bravo Serra
Gil Galvão
Artur Maurício