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Processo n.º 785/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. No presente processo em que é expropriante EP – Estradas de Portugal, E.P.E.
(que sucedeu ao IEP – Instituto das Estradas de Portugal), e expropriados A. e
B. os expropriados interpuseram recurso da sentença que fixou a indemnização a
pagar pela expropriação de uma parcela de terreno, com 14.670 m2 de área,
destinada à execução da obra “concessão norte (AENOR) A11-IC 14 – lanço
Esposende-Barcelos-Braga, sublanço Braga Oeste (A3) Braga (Ferreiros)”.
Por acórdão de 28 de Março de 2006, o Tribunal da Relação de Guimarães concedeu
provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação (na parte que pode relevar
para as questões suscitadas no presente recurso):
“Perante esta factualidade, os Srs. Árbitros, que elaboraram a decisão arbitral,
e Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal e pela entidade expropriante, colocando o
assento tónico na circunstância de a parcela expropriada, com a área de
10.000m2, estar inserida em espaço de RAN, entenderam que a mesma devia ser
classificada como “solo apto para outros fins”, de acordo com o citado art. 25°,
n°3, e avaliada segundo o critério estabelecido no art. 27°, n°3.
E este mesmo entendimento foi acolhido pela douta sentença recorrida com o
argumento de que se a integração da mesma na RAN implica a sua afectação
exclusiva à agricultura, não existindo, por isso, potencialidade edificativa
dessa parcela nem a expropriação a faz nascer.
Nas suas alegações de recurso, os expropriados continuam a sustentar a
classificação de todo o terreno expropriado como “solo apto para construção”.
Que dizer?
A Constituição da República Portuguesa não tutela expressamente o direito a
edificar como um direito que se inclua, necessária e naturalmente, no direito de
propriedade.
Todavia, a jurisprudência do nosso Tribunal Constitucional não deixou de se
firmar, uniformemente, no sentido de que o jus aedificandi deve ser considerado
como factor de valorização, ao menos naquelas situações em que os respectivos
bens envolvam uma muito próxima ou efectiva potencialidade edificativa.
Saber quando é que os bens expropriados envolvem uma muito próxima ou efectiva
potencialidade edificativa, é que se tornou tarefa mais árdua.
Na vigência do Código das Expropriações de 1991, dispunha o n.º 5 do seu artigo
24° que “Para efeitos da aplicação do presente Código é equiparado a solo para
outros fins o solo que, por lei ou regulamento, não possa ser utilizado na
construção”
Relativamente a esta norma, o Acórdão do Tribunal Constitucional n°267/97
declarou-a inconstitucional «enquanto interpretada por forma a excluir da
classificação de “solo apto para construção” os solos integrados na RAN
expropriados justamente com a finalidade de neles se edificar para fins
diferentes de utilidade pública agrícola».
Todavia, nos Acórdãos n°20/2000, n.° 172/2002 e n°12/2002 do mesmo Tribunal,
tomou-se uma posição mais rígida, decidindo-se “não julgar inconstitucional a
norma do mesmo n°5 do art. 24° do CE/91, por forma a excluir da classificação
como “solo apto para construção” solos integrados na RAN e expropriados para
implementação de vias de comunicação.
A partir de então, passou a ser dominante o entendimento de que estando o
terreno inserido na RAN ou na REN só se afastava, por inconstitucional, a norma
do n.º 5 daquele mesmo artigo 24° quando fosse expropriado para construção de um
edifício.
A verdade, porém, é que com a entrada em vigor do actual Código das
Expropriações, aquela norma foi suprimida, pelo que não contendo este novo
código norma equivalente, nenhum impedimento existe a que, em determinadas
circunstâncias, o solo continue “a ser considerado apto para construção ainda
que, por lei ou regulamento, designadamente um plano urbanístico vinculativo,
não esteja destinado a esse fim”
E isto não obstante não se ignorar a orientação decorrente do Acórdão do
Tribunal Constitucional n° 275/2004 (proferido no Processo n.° 03/04 – 3ª secção
e já no âmbito da vigência do novo Código das Expropriações), no sentido de que
o que releva para efeitos da “justa indemnização” não é o facto do terreno, por
força do interesse público, deixar de ter aptidão agrícola, uma vez que continua
a existir a proibição de construir nos solos integrados na RAN, inexistindo, por
isso, qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo possa vir
a ser destinado à construção imobiliária.
E que, tal como se escreveu no Acórdão da Relação do Porto, 13 de Janeiro de
2005, isso “não significa, forçosamente, que o valor do solo tenha de ser
calculado inevitavelmente em função do que se dispõe para «solo para outros
fins», nos termos do art. 27° do CE/99”.
Importa, antes, averiguar da aptidão objectiva para a edificabilidade em função
dos elementos definidos no art. 250, n.°2, als. a) a d) do CE/99.
E, para tanto, há que ter em conta a situação particular da parcela expropriada
e da sua envolvente.
No caso sub judice constata-se que, não obstante a parcela expropriada com a
área de 10.000m2, se inserir em zona de Reserva Agrícola Nacional (RAN),
estando, por isso, afecta, exclusivamente, à utilidade pública agrícola’4, a
verdade é que, por um lado, a mesma foi, posteriormente, desafectada desta
finalidade para, também por força do interesse público, passar a estar afectada
à construção de uma infra-estrutura pública rodoviária - execução da obra de
concessão norte (AENOR) – A11 – IC 14 – lanço Esposende-Barcelos-Braga, sublanço
Braga Oeste (A3 )-Braga (Ferreiros).
E, por outro lado, resulta dos factos provados que tal parcela não só dispõe de
acesso rodoviário pavimentado com betuminoso, rede de abastecimento domiciliário
de água, com serviço junto à parcela, rede de saneamento, rede de distribuição
de energia eléctrica em baixa tensão com serviço junto à parcela, rede de
drenagem de águas pluviais com colector de serviço e rede telefónica, como
também se situa próximo da cidade de Braga e de alguns equipamentos e serviços,
está bem servida de transportes colectivos e apresenta uma zona envolvente
próxima constituída por parcelas de terrenos classificados na Planta de
Ordenamento do PDM de Braga como Espaços Urbanos, habitações unifamiliares e
pavilhões industriais, e como solos inseridos em zona de RAN, edificações e
benfeitorias.
Ora, tendo tal parcela deixado de estar afecta à RAN, ao abrigo da alínea d) do
n°. 2 do artigo 9° do Decreto-Lei n.° 196/89, de 14 de Junho, alterado pelos DLs
n°s 274/92 e 278/95, de 25/10, não se compreende que, para efeitos de cálculo do
valor da indemnização, a pagar ao expropriado, se continue a considerá-la como
solo agrícola integrado na RAN e a ver em tal integração um factor impeditivo da
sua potencialidade edificativa, tanto mais que a mesma dispõe das
infra-estruturas a que alude o citado art. 25°, n.° 2, al. a) e está situada
zona envolvente próxima constituída por parcelas de terrenos classificados na
Planta de Ordenamento do PDM de Braga como Espaços Urbanos e onde se situam
habitações unifamiliares.
Daí entender-se que todas estas circunstâncias, tornam a parcela em causa
abrangida pelo disposto no citado n.º 12 do artigo 26°, por aplicação analógica,
nos termos do art. 10º do C. Civil.
Isto porque em função, quer do destino que lhe foi dado - implantação de uma
infra-estrutura pública -, quer da existência das infra-estruturas a que se
reporta a alínea a) do n°2 do citado art. 25°, quer da sua área envolvente, é
possível afirmar que a mesma dispõe de aptidão edificativa, devendo, por isso, o
valor do respectivo solo ser calculado de acordo com factores próximos para o
“solo apto para a construção”.
De notar que este n°12 do art. 26° do CE de 1999 tem um âmbito de aplicação mais
lato que o equivalente n.°2 do artigo 26° do C.E. de 1991, pois passou a
abranger além dos solos classificados por plano de ordenamento do território,
como zona verde ou de lazer, também os destinados a equipamentos públicos.
Comentando este n°2 do citado art. 26°do Código das Expropriações de 1991,
escreve Fernando Alves Correia, que “a lei manda, assim, atender no cálculo do
valor dos solos destinados por um plano urbanístico a zonas verdes ou de lazer
que venham a ser adquiridas pela Administração, pela via da expropriação, a
factores próximos dos estabelecidos para os terrenos aptos para a construção.
Aplaude-se o aparecimento desta disposição já que, ao prescrever um tal método
de determinação do valor dos solos classificados como zona verde ou de lazer por
um plano urbanístico, corta, cerce quaisquer tentativas da “manipulação” das
regras urbanísticas por parte da Administração, que poderia traduzir-se na
classificação dolosa por parte de um município, num plano urbanístico por si
aprovado, de um terreno com zona verde, desvalorizando-o, para mais tarde o
adquirir, por expropriação, pagando por ele um valor correspondente ao solo não
apto para construção (sublinhado nosso).
E tais considerações mantém-se, a nosso ver, também válidas quanto ao citado
art. 26°, n°12 do actual Código das Expropriações.
Na verdade, o que se pretendeu com esta imposição legal foi, para além, de
proteger os cidadãos contra certas condutas menos claras da Administração,
consagrar, como factor de fixação valorativa, o “ius aedificandi”, pelo menos,
naquelas situações em que os respectivos bens envolvam uma muito próxima ou
envolvente potencialidade edificativa.
Por tudo isto e, não obstante, no caso dos autos, não se questionar qualquer
tentativa da “manipulação” das regras urbanísticas por parte da Administração,
julgamos, no caso dos autos, ser suficiente para transmitir a potencialidade
edificativa à parcela expropriada, com indemnização, a pagar ao expropriado, se
continue a considerá-la como solo agrícola integrado na RAN e a ver em tal
integração um factor impeditivo da sua potencialidade edificativa, tanto mais
que a mesma dispõe das infra-estruturas a que alude o citado art. 25°, n.°2, al.
a) e está situada zona envolvente próxima constituída por parcelas de terrenos
classificados na Planta de Ordenamento do PDM de Braga como Espaços Urbanos e
onde se situam habitações unifamiliares.
E que isso indicia, precisamente, a potencial aptidão edificativa desse terreno,
que se visou salvaguardar com o aludido art. 26°, n°12.
E nem se vê que a interpretação dada ao citado art. 26°, n°12, no sentido de que
o valor do solo incluído na RAN, quando estejam satisfeitos em relação a ele os
critérios enquadráveis na alínea a) do n° 2 do artigo 25° do CE/99, viole os
princípios da justa indemnização e da igualdade consagrados, respectivamente,
nos arts. 62°, n °2 e 13 da C.R.P.
Na verdade, importa salientar o que a este respeito se escreveu no Acórdão do
Tribunal Constitucional n.° 114/2005 (proferido no Processo n°. 563/2003- 2
secção e publicado no D.R., de 09/06/2005, II- Série , pág.8704), “o raciocínio
hipotético segundo o qual esta solução viola a igualdade porque outros
expropriandos não beneficiaram dela não pode ser pertinente, não podendo a
igualdade aferir-se pelo confronto com situações hipotéticas. Aliás, a
ponderação realizada no caso para alcançar o valor da indemnização, dada a
respectiva especificidade, impede uma comparação automática com hipotéticas
situações de proprietários, eventualmente expropriáveis, de parcelas contíguas
igualmente integradas na RAN mas que não foram expropriadas, quer considerando a
indemnização por uma eventual futura expropriação quer o valor de mercado que os
proprietários obterão se porventura decidirem vender os prédios.
Finalmente, a Constituição, em particular o artigo 62°, não configura deste modo
restritivo o dever de indemnizar, em que está em causa acautelar a compensação
do expropriado pela ablação do seu direito em nome do interesse público”.
Significa tudo isto que o valor do solo da parcela expropriada em causa deverá
ser calculado como se tratasse, no fundo, de “solo apto para construção”.
Impunha-se, assim, que o tribunal a quo exigisse dos Srs. Peritos nomeados pelo
Tribunal e pela entidade expropriante a realização de nova avaliação por forma a
que aqueles levassem em conta os factores acabados de enunciar, do mesmo modo
que a entidade expropriante exigiu do Sr. Perito nomeado pelos expropriados a
avaliação desta mesma parcela de terreno como se de “solo para outros fins” se
tratasse.
Não o tendo feito e sendo omissos os laudos daqueles mesmo peritos quanto a tais
factores, estamos perante a nulidade prevista no n°1 do art. 201° do Código de
processo Civil, a qual, por ter influência na decisão da causa, determina, nos
termos do n°2 do mesmo artigo a anulação de todos os actos e termos
subsequentes.
Com efeito, como se salienta no Sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do
Porto, de 5 de Dezembro, de 1994 (Processo n.° 19/94), “não fornecendo a
avaliação constante do relatório dos peritos todos os elementos necessários a
uma decisão conscienciosa, impõe-se a sua anulação e de todos os actos e termos
subsequentes...”.
E que, a prova pericial, embora livremente apreciada pelo tribunal, mostra-se
relevante, senão mesmo indispensável, ao fornecimento dos elementos necessários
para se apurar o valor da parcela expropriada e a consequente indemnização,
devendo ser efectuada em conformidade com o preceito citado.
Ocorre, assim, fundamento para anular, nesta parte, a decisão da 1ª instância,
relativamente à parcela de 10.000m2 incluída na RAN, devendo ser ordenado aos
Strs Peritos nomeados pelo Tribunal e pela entidade expropriante que, em
complemento da avaliação efectuada, realizem nova avaliação em conformidade com
o preceituado no citado art. 26°, n°12 do CE, nos termos do art. 712°, n°4 do
C.P. Civil.
II- E o mesmo vale dizer quanto à parcela sobrante com a área de 5.230 m2,
porquanto a expropriação, quando afecte solo de igual condição física e
jurídicos é, nos seus efeitos, una.
Todo o solo – expropriado e remanescente – tem a mesma condição. O que varia é a
intensidade do prejuízo que afecta um e outro.
Assim sendo e porque se considerou, que, a despeito da parcela se encontrar
incluída na RAN, os expropriados sofreram, por aplicação do n°12 do art. 26° do
CE visto o solo em causa gozar dos requisitos identificados na alínea a) do n°2
do artigo 25° do mesmo Código, um concreto prejuízo decorrente da supressão do
exercício de um possível direito a edificar sobre o solo expropriado, então,
também é nesta perspectiva que terá de ser avaliada a desvalorização da parte
sobrante.”
2. Deste acórdão interpôs a expropriante recurso para o Tribunal Constitucional,
ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei da Organização,
Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional (LTC), visando sujeitar a
apreciação as seguintes normas, de acordo com o respectivo requerimento de
interposição:
“a) a inconstitucionalidade das normas contidas no n.º 1 do artigo 23.º e n.º 1
do artigo 26.º do actual Código das Expropriações, quando interpretadas no
sentido de incluir na classificação de “solo apto para a construção” e,
consequentemente, de como tal indemnizar, solo integrado no RAN à data da
declaração de utilidade pública, expropriado para implantação de vias de
comunicação;
b) a inconstitucionalidade da norma contida no n.º 12 do artigo 26.º do Código
das Expropriações, quando interpretada no sentido de permitir (ainda que por
aplicação analógica) que solos integrados no RAN à data da declaração de
utilidade pública, expropriados para implantação de vias de comunicação, possam
ser avaliados em função «do valor médio das construções existentes ou que seja
possível edificar nas parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro
exterior se situe a 300 m do limite da parcela expropriada».
O relator proferiu despacho, que não foi impugnado, a delimitar
o objecto do recurso, excluindo o que corresponde à antecedente alínea a) e
ordenando o seu prosseguimento e notificação para alegações quanto à norma
referida na antecedente alínea b), sem prejuízo de melhor definição ulterior.
3. A recorrente alegou, tendo concluído nos seguintes termos:
“1ª. Constitui consolidada jurisprudência deste Tribunal Constitucional que os
terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional não têm aptidão construtiva, de
acordo com o respectivo ordenamento jurídico (DL. n.° 196/89, de 14/6, alterado
pelos DLs. n.os 274/92, de 12/12 e 278/95, de 25/10)
2ª. Trata-se de uma restrição que se mostra necessária e funcionalmente adequada
para acautelar uma reserva de terrenos agrícolas que propiciem o desenvolvimento
da actividade agrícola, restrição constitucionalmente legítima e que não viola,
quer o princípio da justa indemnização, dada a sua “vinculação situacional”, nem
os princípios da igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os
proprietários e outros interessados que estão, quer em concreto, quer em
abstracto, dentro da mesma situação jurídica.
3ª. A integração de um terreno na Reserva Agrícola Nacional determina, na
prática, não só a impossibilidade de o proprietário nele vir a construir
edifícios urbanos, mas também o fim de qualquer expectativa razoável de
desafectação para que tal solo possa vir a ser destinado à construção
imobiliária.
4.ª Essa impossibilidade, que é determinada por razões de interesse público
(reservar para a produção agrícola os terrenos que, para tal, tenham melhor
aptidão), encontra justificação constitucional no artigo 93° da Constituição.
5.ª Assim sendo, no caso de expropriação de terrenos integrados na Reserva
Agrícola Nacional, não há que considerar, para efeitos de cálculo do valor da
indemnização, a pagar ao expropriado, qualquer potencialidade edificativa que
não existe, nem nasce com a expropriação.
6.ª O âmbito de aplicação da regra avaliatória constante do n° 12 do art. 26º do
CE199, restringe-se aos casos em que os terrenos tinham, abstractamente, aptidão
construtiva, antes da sua classificação como zona verde, de lazer ou
“espaço‑canal” para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos e
deixaram de tê-la em consequência da prossecução do interesse público - o
interesse subjacente àquelas classificações.
7.ª O critério de cálculo do valor de indemnização constante dessa norma,
assenta na consideração dos terrenos referidos neste preceito como terrenos
aptos para construção enquanto, directa, incindível e inelutavelmente, ligados à
obrigação de realização das infra-estruturas que o planeamento urbanístico impõe
e cuja satisfação visa directamente cumprir.
8.ª Os terrenos integrados na RAN nunca perdem a sua aptidão construtiva em
consequência da sua classificação por plano municipal como “espaço canal”, pela
simples razão de que a não possuíam antes - essa sua classificação não implica
quaisquer restrições singulares às possibilidades objectivas de aproveitamento
do solo (preexistentes e juridicamente consolidadas) que determinem uma
limitação significativa na sua utilização.
9.ª A inclusão no critério de cálculo do valor do solo previsto no n° 12 do
art.° 26° do CE/99 de parcelas de terreno integradas na RAN, expropriadas para a
implantação de vias de comunicação, conduz a colocar os expropriados de tais
parcelas numa situação de desigualdade perante os demais proprietários de
parcelas contíguas igualmente integradas na RAN mas que não foram expropriados,
conduzindo a um “ocasional locupletamento injustificado” dos primeiros em
relação aos segundos.
10.ª Enquanto que os expropriados seriam indemnizados com base em tal critério
específico de cálculo do valor de solo apto para construção, necessariamente
superior ao valor de mercado, os proprietários não expropriados que pretendessem
alienar os seus terrenos nunca alcançariam, no mercado, um tal valor por virtude
da limitação edificativa legalmente estabelecida para os solos integrados na RAN
e da falta de previsão, em relação a eles, do critério de equivalência
estabelecido no art.° 26°, n.° 12, do CE 1999.
11.ª A inclusão do terreno na RAN sujeita o terreno a um único estatuto jurídico
sob o ponto de vista da sua ineptidão construtiva, em função do qual o
legislador conformou o critério que concretiza o valor da justa indemnização
exigida constitucionalmente como contrapartida da expropriação.
12.ª Assim, a aplicação (mesmo que extensiva ou analógica) do n° 12 do art. 26°
do CE/99 a terrenos integrados na RAN, só porque se verificam as circunstâncias
que, para terrenos situados fora da RAN, o art.° 25°, n.° 2, do CE/99 releva
como elementos qualificantes de terrenos para construção, redundaria numa clara
violação do princípio da igualdade constitucionalmente consagrado.
13.ª Dar-se tratamento jurídico-económico diferente sob o ponto de vista do
critério de aferição do valor da indemnização devida em caso de expropriação a
terrenos que, embora estejam todos incluídos na RAN (e que, por via disso, não
podem ser destinados (ou aptos para) a construção - equivaleria a introduzir um
elemento simplesmente formal ou materialmente irrelevante (do ponto de vista da
aptidão para a construção) para fundar uma destrinça no aspecto indemnizatório.
14.ª Desde que os terrenos estejam incluídos na RAN, a sua aptidão efectiva ou
conjectural para a construção é exactamente a mesma, concorram ou não concorram
outras circunstâncias que a lei releve para considerar como terrenos para
construção terrenos que estão situados fora da RAN e como tal sujeitos a outro
estatuto jurídico.
15.ª Ao admitir-se que os terrenos incluídos na RAN possam ser indemnizados como
se foram terrenos aptos para construção, dentro do regime próprio estabelecido
no n.° 12 do art.° 26° do CE de 1999, só pelo simples facto de serem
expropriados, está a violar-se frontalmente o princípio da igualdade, na sua
vertente externa.
16.ª Em caso de transmissão onerosa, num mercado em que não entrem factores
anómalos e especulativos, jamais será possível ao proprietário não expropriado
aspirar a uma valoração correspondente à conseguida através da sua expropriação
e inclusão dentro do critério de cálculo do valor de indemnização constante do
n.° 12 do art.° 26° do CE de 1999.
17.ª É inconstitucional a norma contida no n° 12 do art. 26° do Código das
Expropriações, quando interpretada no sentido de poder ser aplicada (mesmo que
por aplicação extensiva ou analógica) a terrenos sem aptidão construtiva no
caso, em virtude da sua integração na RAN - só porque se verificam as
circunstâncias que, para terrenos situados fora da RAN, o art.° 25°, n.° 2, do
CE/99 releva como elementos qualificantes de terrenos para construção.”
Os recorridos contra-alegaram e concluíram nos seguintes
termos:
“l.ª A norma do n° 12 do art. 26° do Código das Expropriações em vigor, não foi
aplicada com o sentido para o qual o Recorrente pede a declaração de
inconstitucionalidade, ou seja, o de ser indemnizável como solo apto para
construção terreno integrado na RAN, apenas porque se verificam as
circunstâncias descriminadas no art. 25° n° 2 daquele diploma legal.
2.ª De acordo com os factos dados como provados pela sentença do tribunal de 1ª
instância, a parcela expropriada tem solo classificado como “zona urbana” (um
terço) e solo classificado como RAN (dois terços).
3.ª Na área envolvente, num perímetro de 300 metros do limite da parcela
expropriada, é possível construir com um índice de 0,60m2 / m2 e existem várias
moradias unifamiliares.
4.ª Consta dos documentos juntos na fase administrativa do presente processo de
expropriação, que a aquisição da parcela expropriada, pelos Expropriados, foi
muito anterior à entrada em vigor do plano municipal de ordenamento do
território vigente na data da declaração de utilidade pública, datando aquela
aquisição de Novembro de 1951.
5.ª Numa situação normal de mercado, não se divide uma parcela conforme a
classificação do plano municipal para se obter o seu valor, este calcula-se
atendendo à utilização possível para toda a parcela. Tal como prescreve no art.
23° do Código das Expropriações que se faça.
6.ª A parcela expropriada tem aptidão edificativa (um terço é área urbana), quer
antes quer depois da declaração de utilidade pública, e, ao contrário do que é
afirmado pela Recorrente até à saciedade, aquela aptidão não nasceu com a
expropriação.
7.ª Aliás, como consta da vistoria ad peretuam rei memoriam, na parcela
expropriada havia várias edificações e nenhum uso agrícola lhe era dado.
8.ª A avaliação do terreno considerado como RAN de acordo com a sua aptidão
agrícola (como foi feito pela sentença do tribunal de 1.ª instância),
equivaleria no caso em análise, a uma clara violação do princípio constitucional
da igualdade, porque cria uma ficção que não se verificaria se não fosse a
intervenção do factor aleatório, que foi a expropriação.
9.ª Diz o art. 23° do Código das Expropriações, que a justa indemnização
“corresponde ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino
efectivo ou possível numa utilização económica normal (...) tendo em
consideração as circunstância e condições de facto existentes naquela data (a da
declaração de utilidade pública)”.
10.º É falso que os terrenos integrados na RAN não tenham aptidão edificativa,
uma vez que é o próprio diploma regulador (DL 196/89 de 14 de Junho, alterado
pelos DL 274/92 de 12 de Dezembro e DL 278/95 de 25 de Outubro), que prevê as
condições para aí se aí se edificar, o que, obviamente, requer que haja aptidão
construtiva.
11.ª Na realidade, devido à necessidade de acautelar o desenvolvimento da
actividade agrícola que o terreno de Reserva Agrícola Nacional pode propiciar,
não podem estes ser objecto de loteamento.
12.ª Mas não existe nenhuma proibição de neles construir. Confronte-se até, os
arts. 90º a 92° do regulamento do Plano Director Municipal de Braga, aprovado
pela Resolução do Conselho de Ministros n°9/2001 de 30 de Janeiro, onde se
regulam as condições para a edificação em zona de RAN e em espaços agrícolas.
13.ª Cite-se a propósito Osvaldo Gomes, “Expropriações”, página 243, quando
argumenta que a integração de solo em RAN ou REN “não implica de per si a
extinção das potencialidades edificativas dos solos, prevendo a lei várias
excepções ao regime proibitivo, podendo ainda as delimitações ser alteradas. com
a consequente expansão do conteúdo dos direitos de propriedade.”.
14.ª Os terrenos classificados em RAN mantêm a sua capacidade construtiva, o que
acontece é que esta fica condicionada para que possam propiciar o
desenvolvimento da actividade agrícola por mor da sua “vinculação situacional”.
Não pode é, em consequência deste condicionamento, afirmar-se que em virtude da
sua integração em zona de RAN perdem a aptidão construtiva que tinham antes
daquela integração. Este é um raciocínio pernicioso e errado, à face do que já
foi supra exposto.
15.ª Devendo os Expropriados receber o valor da justa indemnização, e sendo este
aferido pelas regras do comércio/mercado a funcionar em condições normais, a sua
distorção pela existência de uma expropriação, caso não se pudesse usar a
cláusula de salvaguarda que constitui o n° 12 do art. 26° do Código das
Expropriações e se valorasse o terreno apenas em função da classificação
administrativa e teórica dos solos, equivaleria, aqui sim, à violação dos
princípios constitucionais da igualdade e da justa indemnização.
16.ª Dado que os terrenos não perdem a sua aptidão construtiva em virtude da
integração em zona de RAN (que apenas é condicionada), o pedido de declaração de
inconstitucionalidade formulado pela Recorrente parte de uma premissa errada,
que não se verifica.
17.ª A parcela expropriada nestes autos encontra-se classificada como zona de
reserva agrícola nacional e como zona urbana (onde há aptidão construtiva) por
plano municipal de ordenamento eficaz; a sua aquisição é-lhe anterior, uma vez
que data de Novembro de 1951. Logo, em cumprimento do estipulado no art. 26° no
12 do Código das Expropriações, o valor do seu solo deverá ser calculado em
função do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar
nas parcelas situadas numa área envolvente de perímetro exterior a 300 metros do
limite da parcela expropriada.
18.ª Este foi o entendimento feito pelo acórdão do Tribunal da Relação de
Guimarães, é o entendimento da lei e é, seguramente, o entendimento que se faz
ao abrigo das normais regras de mercado; e não se vislumbra aqui nenhuma
violação do princípio da igualdade, quer em relação aos outros terrenos
expropriados, quer em relação aos terrenos não expropriados que se encontrem nas
mesmas circunstâncias.”
A recorrente foi ouvida sobre a questão a que se refere a
conclusão 1.ª das contra-alegações dos recorridos, susceptível de conduzir ao
não conhecimento do objecto do recurso, tendo sustentado a sua improcedência.
4. Em primeiro lugar, cumpre apreciar a questão, de saber se há
coincidência entre a norma aplicada pelo acórdão recorrido e a norma cuja
inconstitucionalidade a recorrente pretende que o Tribunal declare. Afirmam os
recorridos que o tribunal a quo entendeu que seria de aplicar a toda a parcela
expropriada o disposto no n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações, não
apenas por se verificarem as circunstâncias aludidas no n.º 2 do artigo 25.º do
Código, como a recorrente afirma, mas também porque a parcela expropriada
abrange solo classificado como “zona urbana” (um terço) e solo classificado como
RAN (dois terços) e porque, na área envolvente, num perímetro de 300 metros do
limite da parcela expropriada, é possível construir com um índice de 0,60m2 / m2
e existem várias moradias unifamiliares.
4.1. Convém desde já pôr em evidência o teor do preceito legal
de onde é extraída a norma aplicada pelo acórdão recorrido, em ordem a saber se
há coincidência entre o sentido com que foi efectivamente aplicada e aquele cuja
constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciado.
Dispõe o n.º 12 do artigo 26.º do Código das Expropriações o
seguinte:
“Artigo 26.º
Cálculo do valor do solo apto para a construção
( … )
12 – Sendo necessário expropriar solos classificados como zona verde, de lazer
ou para instalação de infra-estruturas e equipamentos públicos por plano
municipal de ordenamento do território plenamente eficaz, cuja aquisição seja
anterior à sua entrada em vigor, o valor de tais solos será calculado em função
do valor médio das construções existentes ou que seja possível edificar nas
parcelas situadas numa área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m
do limite da parcela expropriada.”
A propósito desta norma disse FERNANDO ALVES CORREIA, “A
Jurisprudência Constitucional sobre Expropriações por Utilidade Pública”, in
Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 133.º, nºs 3911 e 3912, pág. 53, o
seguinte:
“Como já tivemos ocasião de escrever noutra altura em relação à norma
do n.º 2 do artigo 26.º do Código de 1991 – e agora repetimos perante a norma do
n.º 12 do artigo 26.º do Código de 1999 – tem a mesma como objectivo evitar as
classificações dolosas de solos ou a manipulação das regras urbanísticas por
parte dos planos municipais. Mas sendo este o principal objectivo da norma, está
bem de ver que ela só pode abarcar no seu perímetro de aplicação aqueles solos
que, se não fosse a sua classificação como “zona verde ou de lazer” (e, agora,
também a sua reserva paar implantação de infra-estruturas e equipamentos
públicos) por um plano municipal de ordenamento do território, teriam de ser
considerados como solos “aptos para construção”, atendendo a um conjunto de
elementos certos e objectivos, relativos à localização dos próprios terrenos, às
suas acessibilidades, ao desenvolvimento urbanístico da zona e à existência de
infra-estruturas urbanísticas que atestam a sua aptidão ou vocação objectiva
para a edificabilidade”.
4.2. Entendeu o acórdão recorrido aplicar analogicamente esta
norma. Para tanto argumentou que, tendo a parcela deixado de estar afecta à RAN,
ao abrigo da alínea d) do n.º 2 do artigo 9° do Decreto-Lei n.° 196/89, de 14 de
Junho, alterado pelos DLs n.°s 274/92, de 12 de Dezembro e 278/95, de 25 de
Outubro, não se compreende que, para efeitos de cálculo do valor da
indemnização, a pagar ao expropriado, se continue a considerá-la como solo
agrícola e a ver na integração na RAN um factor impeditivo da sua potencialidade
edificativa, quando a mesma dispõe das infra-estruturas a que alude o citado
artigo 25.°, n.° 2, alínea a) e a sua zona envolvente próxima constituída por
parcelas de terrenos classificados na Planta de Ordenamento do PDM de Braga como
Espaços Urbanos, onde se situam habitações unifamiliares. Daí entender-se, diz o
acórdão, “que todas estas circunstâncias, tornam a parcela em causa abrangida
pelo disposto no citado n.º 12 do artigo 26.°, por aplicação analógica, nos
termos do artigo 10º do C. Civil”.
Ora, só aparentemente há desarmonia entre esta afirmação do
acórdão de que “todas estas circunstâncias” concorrem para que avaliação do
terreno se faça como solo apto para construção e a pretensão do recorrente de
que a norma foi interpretada como impondo a avaliação nesses termos “só porque
se verificam as circunstâncias que, para terrenos situados fora da RAN, o artigo
25.º, n.º 2 do CE/99 releva como elementos qualificantes de terrenos para
construção” [itálico aditado]. Trata-se de um diferente modo de dizer que não
descaracteriza, em substância, a norma aplicada pelo acórdão recorrido, não
adicionando nem subtraindo elementos que tenham integrado a ratio decidendi do
acórdão recorrido. Com efeito, a simples referência à aplicação da norma do n.º
12 do artigo 26.º implica a consideração da possibilidade de edificar na área
envolvente, sem necessidade estrita de expressa enunciação de tal elemento,
porque é em função (por equivalência) dessa aptidão que se determina o valor da
parcela expropriada. E nada há no texto das alegações que aponte para que o
recorrente teve uma intenção de desconsiderar, na composição da norma que
sujeitou a apreciação, esse elemento que integra simultaneamente a hipótese e a
estatuição normativas. A expressão em que os recorridos vêem um efeito
restritivo não significa senão que o factor enunciado – em resultado do
raciocínio por analogia, que não está aqui em causa enquanto processo de
determinar o direito aplicável, mas somente no seu resultado – foi o elemento
que o acórdão recorrido idealmente substitui na descrição legal do n.º 12 do
artigo 26.º, que assim foi aplicado como se prescrevesse:
“Sendo necessário expropriar solos integrados na Reserva Agrícola
Nacional, relativamente aos quais se verifiquem as circunstâncias previstas no
na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º, cuja aquisição seja anterior a essa
integração, o valor de tais solos será calculado em função do valor médio das
construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa
área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela
expropriada”.
Assim, como esta é a dimensão normativa efectivamente aplicada
e é relativamente a ela que o recorrente formula o pedido de apreciação de
inconstitucionalidade, nada obsta, por este ângulo, ao conhecimento do objecto
do recurso.
5. O Tribunal teve já ocasião de apreciar a questão de
constitucionalidade que no presente processo se discute, isto é, a conformidade
aos princípios da igualdade e da justa indemnização, consagrados no artigo 13.º
e n.º 2 do artigo 62.º da Constituição, da norma do n.º 12 do artigo 26.º do
Código das Expropriações de 1999, interpretado por forma a que se considere como
equivalendo a solo apto para construção, a avaliar nos termos desse preceito,
solo incluído na RAN relativamente ao qual se verifiquem as circunstâncias
objectivas previstas na alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código. Num
primeiro momento, no acórdão n.º 114/2005, publicado no Diário da República, de
9 de Junho de 2005, que o acórdão recorrido invoca a favor da
constitucionalidade do entendimento que adopta, concluindo pela não
inconstitucionalidade de tal critério indemnizatório. Depois, no acórdão n.º
417/2006, www.tribunalconstitucional.pt, em que o Tribunal veio a julgar
inconstitucional, por violação do princípio da igualdade, o artigo 26.º, nº 12,
do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº 168/99, de 18 de Setembro,
quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto para
construção terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os elementos
objectivos definidos no nº 2 do artigo 25.º do mesmo Código.
6. É o entendimento deste último acórdão que se perfilha, considerando-se, como
aí, transponível para a apreciação da constitucionalidade da norma em causa o
que o Tribunal disse no acórdão nº 275/04 (Diário da República, II Série, de 8
de Junho de 2004), em que avulta o seguinte:
“ [ …]
9.2. A Constituição não fixa qualquer critério rígido de cálculo do valor da
justa indemnização por expropriação, deixando margem ao legislador para que,
dentro dos parâmetros constitucionais, o concretize. Este, no n.º 1 do artigo
23º do Código das Expropriações, estatuiu que “a justa indemnização não visa
compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o
prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor
real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa
utilização económica normal…”. O Tribunal Constitucional, por sua vez, já teve
inúmeras ocasiões de se pronunciar sobre a questão. Assim, no Acórdão n.º
243/2001 (Diário da República, II Série, de 4 de Julho de 2001), afirmou-se o
seguinte:
“[…] Ora, a indemnização só é justa, se conseguir ressarcir o expropriado do
prejuízo que efectivamente sofreu. Não pode ser de montante tão reduzido que a
torne irrisória ou meramente simbólica, mas também não pode ser desproporcionada
à perda do bem expropriado. E, por isso, não deve atender a factores
especulativos ou outros que distorçam a proporção que deve existir entre o
prejuízo imposto pela expropriação e a compensação a pagar por ela, para mais ou
para menos. Há, consequentemente, que observar aqui um princípio de igualdade e
de proporcionalidade – um princípio de justiça, em suma. O quantum
indemnizatório a pagar a cada expropriado há-de realizar a igualdade dos
expropriados entre si e a destes com os não expropriados: trata-se de assegurar
que haja igualdade de tratamento perante os encargos públicos. […]”
No que se refere a terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional (ou na
Reserva Ecológica Nacional), o Tribunal Constitucional também já teve ocasião de
salientar que, para efeitos da “justa indemnização”, o que releva não é o facto
do terreno deixar de ter aptidão agrícola, salvaguardando, nomeadamente, o facto
de se poder entender que a Constituição, pela determinação do pagamento de uma
“justa indemnização”, não impõe a qualificação como “solo apto para construção”
de terrenos integrados naquelas Reservas, ainda que expropriados para que neles
se edifiquem construções urbanas (nesse sentido, cfr. Acórdãos n.ºs 333/2003 e
557/2003 já citados). Acresce que, ainda em relação a terrenos incluídos na
Reserva Agrícola Nacional (objecto de parecer favorável para uma das limitadas
utilizações não agrícolas que tais terrenos – solos agrícolas – podem,
legalmente, vir a ter, por força de interesse público que o legitime), se
afirmou naquele citado acórdão n.º 557/2003, que se justifica,
“a conclusão de que a norma contida no n.º 5 do artigo 24º do Código das
Expropriações (1991), interpretada com o sentido de excluir da classificação de
“solo apto para a construção” o solo, integrado na Reserva Agrícola Nacional,
expropriado para fins diversos da utilidade pública agrícola permitidos por lei,
em concreto com a finalidade de nele se construir uma escola – tendo sido
concedido parecer favorável à utilização do solo agrícola para esse fim, nos
termos da alínea d), do n.º 2, do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de
Junho -, não é inconstitucional, não violando qualquer princípio constitucional,
nomeadamente os princípios da justiça, da igualdade e da proporcionalidade.”
A proibição de construir que incide sobre os solos integrados na Reserva
Agrícola Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional é, aliás, na jurisprudência
deste Tribunal, uma consequência da “vinculação situacional” da propriedade que
incide sobre os solos com tais características. De facto, como se afirmou no
acórdão n.º 347/2003 já citado:
“[…] de acordo com o ordenamento jurídico que rege a situação dos terrenos
abrangidos pela RAN (DL. N.º 196/89, de 14/6, alterado pelos DLs. N.os 274/92,
de 12/12 e 278/95, de 25/10), REN (Decreto-Lei n.º 93/90, de 19 de Março) ou
áreas non aedificandi previstas nos Planos Directores Municipais, Planos de
urbanização ou Planos de pormenor (Decreto-Lei n.º 69/90, de 2 de Março), não é
possível vir a construir-se neles. Trata-se de restrições que se mostram
necessárias e funcionalmente adequadas para acautelar uma reserva de terrenos
agrícolas que propiciem o desenvolvimento da actividade agrícola, o equilíbrio
ecológico e outros interesses públicos. Estamos, pois, perante restrições
constitucionalmente legítimas. E que não violam, quer o princípio da justa
indemnização, dada aquela sua “vinculação situacional”, nem os princípios da
igualdade e da proporcionalidade, pois atingem todos os proprietários e outros
interessados que estão, quer em concreto, quer em abstracto, dentro da mesma
situação jurídica. […]”
Daí que se conclua que, embora em teoria seja crível que se possa construir em
qualquer solo, o facto é que a integração de um terreno na Reserva Agrícola
Nacional ou na Reserva Ecológica Nacional determina, na prática, não só a
impossibilidade de o proprietário nele vir a construir edifícios urbanos, mas
também o fim de qualquer expectativa razoável de desafectação para que tal solo
possa vir a ser destinado à construção imobiliária. Essa impossibilidade, que é
determinada por razões de interesse público (reservar para a produção agrícola
os terrenos que, para tal, tenham melhor aptidão ou garantir o equilíbrio
ecológico e a protecção de ecossistemas fundamentais), encontra justificação
constitucional, respectivamente, no artigo 93º da Constituição, que consagra
como objectivos da política agrícola o aumento da “produção e a produtividade da
agricultura” e a garantia de um “uso e [] gestão racionais dos solos”, e no
artigo 66º também da Constituição, que prevê a criação de reservas para
“garantir a conservação da natureza”. A proibição de construir em terreno
integrado na Reserva Agrícola Nacional, imposta pela natureza intrínseca da
propriedade, nada mais é, assim, do que “uma manifestação da hipoteca social que
onera a propriedade privada do solo” (cfr. Acórdão n.º 329/99, publicado no
Diário da República, II série, de 20 de Julho de 1999). Assim sendo, no caso de
expropriação de terrenos integrados na Reserva Agrícola Nacional, não há que
considerar, para efeitos de cálculo do valor da indemnização, a pagar ao
expropriado, qualquer potencialidade edificativa que não existe, nem nasce com a
expropriação.
9.3. Aqui chegados e no quadro desta jurisprudência, há então que verificar se
viola ou não algum princípio constitucional a interpretação das normas contidas
no n° 1 do artigo 23° e no n° 1 do artigo 26° do Código das Expropriações (1999)
que conduz a incluir na classificação de “solo apto para a construção” e,
consequentemente, a indemnizar como tal, o solo, integrado na Reserva Agrícola
Nacional, expropriado para implantação de vias de comunicação.
Decisivo para o juízo que se vier a fazer sobre aquela interpretação normativa,
afigura-se a consideração do respeito pelo princípio da igualdade perante os
encargos públicos, que o princípio da “justa indemnização” postula. Ora, neste
contexto, o princípio da igualdade desdobra-se em dois níveis de comparação, a
saber: no âmbito relação interna e no domínio da relação externa. No âmbito da
relação interna, o princípio da igualdade obriga o legislador a estabelecer
critérios uniformes de cálculo da indemnização, que evitem tratamentos
diferenciados entre os particulares sujeitos a expropriação. No domínio da
relação externa, comparam-se os expropriados com os não expropriados, devendo a
indemnização por expropriação ser fixada de tal forma que impeça um tratamento
desigual entre estes dois grupos.
Ora, é precisamente em relação a este domínio da relação externa que a
interpretação normativa efectuada pela decisão recorrida e questionada nestes
autos coloca em crise aquele princípio. De facto, no caso concreto, os solos
integrados na Reserva Agrícola Nacional são expropriados exclusivamente para
construção de uma via de comunicação – uma das limitadas utilizações que, por
força do interesse público, os solos agrícolas integrados na RAN podem ter, nos
termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 9º do Decreto-Lei n.º 196/89, de 14 de
Junho. Por outro lado, as parcelas de terreno circundante mantêm-se igualmente
integradas na RAN, também sem qualquer aptidão edificativa. Assim sendo,
considerar-se como terreno apto para construção, como tal devendo ser
indemnizado em caso de expropriação destinada a uma das limitadas utilizações
legalmente permitidas, um terreno onde o proprietário não pode construir, por
força da sua integração na RAN, conduz não só à atribuição de uma indemnização
que não corresponde ao seu “justo valor” – para o determinar há que atender ao
valor que o bem terá num mercado onde não entrem em consideração factores
especulativos ou anómalos e o valor de um terreno integrado na RAN está,
necessariamente, condicionado pelo fim específico a que tal solo está destinado
-, mas também a uma intolerável desigualdade em relação a todos os restantes
proprietários de terrenos integrados naquela Reserva que não tenham sido
contemplados com a expropriação. Nesse sentido, escreveu-se nos acórdãos n.ºs
333/2003 e 557/2003 já citados:
“[…] Não tendo o proprietário, pela integração do terreno na RAN, expectativa
razoável de ver o terreno desafectado e destinado à construção, não poderia
invocar o princípio da “justa indemnização”, de modo a ver calculado o montante
indemnizatório com base numa potencialidade edificativa dos terrenos que era
para ele legalmente inexistente, e com a qual não podia contar.
E, em rigor, a não ser assim, poderia, eventualmente, vir a configurar-se uma
situação de desigualdade entre os proprietários de parcelas contíguas, consoante
fossem ou não contemplados com a expropriação, com um ocasional locupletamento
injustificado destes últimos. Na verdade, enquanto os expropriados viriam a ser
indemnizados com base num valor significativamente superior ao valor de mercado,
os outros, proprietários de prédios contíguos igualmente integrados na RAN e na
REN e delas não desafectados, se acaso pretendessem alienar os seus prédios, não
alcançariam senão o valor que resultava da limitação edificativa legalmente
estabelecida. Ora, se é verdade que o “princípio da igualdade de encargos” entre
os cidadãos, a que o Tribunal Constitucional já fez apelo por diversas vezes, a
propósito da apreciação de regras de definição do cálculo da indemnização,
obriga a que o expropriado não seja penalizado no confronto com os não
expropriados, também não se afigura curial que, pela via da expropriação, devam
os expropriados vir a ser manifestamente favorecidos em relação aos não
expropriados. De facto, se é verdade que a indemnização só é justa se conseguir
ressarcir o expropriado do prejuízo que ele efectivamente sofreu, e, por isso,
não pode ser irrisória ou meramente simbólica, também não poderá ser
desproporcionada à perda do bem expropriado para fins de utilidade pública.
Assim, se a parcela a expropriar não permite legalmente a construção, não pode
ser paga com o preço que teria se pudesse ser-lhe implantada uma construção.”
Estas razões valem do mesmo modo e respondem suficientemente
aos problemas de constitucionalidade colocados perante o critério normativo de
cálculo da indemnização que o acórdão recorrido extraiu da norma agora
apreciada.
Com efeito, também no caso se reconhece não ter sido detectada “qualquer
tentativa de manipulação das regras urbanísticas por parte da Administração”
(Sem curar de saber, por um lado, se a eventual depreciação, pela inclusão na
RAN, do valor de mercado de um solo já objectivamente apto à edificação é, por
esse facto, indemnizável e a que título, nem se a via adequada para impedir que
a actuação pré‑ordenada da Administração, mediante manipulação dos instrumentos
de planeamento urbanístico e de ordenamento do território, logre sucesso na
diminuição do valor da indemnização por expropriação, é a da
inconstitucionalidade das normas relativas ao cálculo dessa indemnização). E, do
mesmo modo, o calculo da indemnização do terreno incluído na RAN como solo apto
para construção, ficcionando-se uma aptidão edificativa semelhante à dos
terrenos situados na envolvente de 300 metros, conduziria a que os expropriados
viessem a ser indemnizados com base num valor superior ao valor do mercado,
enquanto os proprietários de prédios contíguos e igualmente integrados na RAN e
dela não desafectados, se pretendessem alienar os seus prédios, não obteriam
senão o valor que resulta da limitação edificativa legalmente estabelecida.
O facto de a parcela expropriada ser dotada das infra-estruturas a que alude a
alínea a) do n.º 2 do artigo 25.º do CE99, bem como a existência de solos
classificados como espaços urbanos, na sua área envolvente, não permitiriam ao
expropriado, em condições normais de mercado, transaccionar a parte dessa
parcela incluída na RAN – só a indemnização por solo nessas condições está em
causa – como se tivesse a aptidão edificativa média dos solos urbanos situados
na área envolvente. Essa proximidade não funda qualquer expectativa jurídica de
reclassificação do solo que imediatamente seja idónea a repercutir-se no valor
de mercado desse solo, fora de situações especulativas, como apto para
construção, e que possa dizer-se irremediavelmente frustrada pela expropriação.
De todo o modo, para situações particulares que comprovadamente se afastem da
normalidade, o sistema contém o remédio da cláusula de salvaguarda constante do
n.º 5 do artigo 23.º do Código, pelo que, nesses casos extremos, a “justa
indemnização” sempre está assegurada.
Pelas razões expostas, importa concluir que o artigo 26.º, n.º 12, do Código das
Expropriações, quando interpretado no sentido de ser indemnizável como solo apto
para construção, com valor determinado em função do valor médio do solo
edificável da área envolvente, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa
segundo os elementos objectivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo
Código, é inconstitucional, por violação do princípio da igualdade (artigo 13.º
da Constituição da República Portuguesa).
7. Decisão
Pelo exposto, concedendo provimento ao recurso, decide-se:
a) Julgar inconstitucional, por violação do princípio da
igualdade, consagrado no artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, a
norma do artigo 26.º, n.º 12, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº
168/99, de 18 de Setembro, quando interpretado no sentido de ser indemnizável
como solo apto para construção, com valor calculado em função do valor médio das
construções existentes ou que seja possível edificar nas parcelas situadas numa
área envolvente cujo perímetro exterior se situe a 300 m do limite da parcela
expropriada, terreno integrado na RAN com aptidão edificativa segundo os
elementos objectivos definidos no n.º 2 do artigo 25.º do mesmo Código.
b) Conceder provimento ao recurso, determinando a reforma da decisão recorrida
em conformidade com o presente juízo de inconstitucionalidade.
Lisboa, 16 de Fevereiro de 2007
Vítor Gomes
Bravo Serra
Gil Galvão
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Artur Maurício