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Processo n.º 976/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Vítor Gomes
Acordam, na 3ª Secção, do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., S.A. (ora recorrente) instaurou, no Tribunal de Pequena Instância Cível
de Lisboa (7º Juízo), contra B. (ora recorrida), acção com processo especial
para cumprimento de obrigações pecuniárias e, “em complemento do já referido na
petição inicial”, juntou aos autos um requerimento em que pretendeu:
“[...] ainda deixar expresso que, a Lei n.º 14/2006, de 26 de Abril, na parte e
na medida em que altera a redacção do artigo 110º, n.º 1, alínea a), do Código
de Processo Civil, é inconstitucional, e consequentemente, a referida alínea a)
do n.º 1 do dito artigo 110º, com a mencionada redacção, é inconstitucional –
logo inaplicável pelos Tribunais “ex-vi” o disposto no artigo 204° da
Constituição da República Portuguesa – na interpretação que permita a aplicação
do disposto no referido artigo 110º, n.º 1, alínea a), a contratos celebrados
anteriormente à publicação da referida Lei em que as partes tenham optado, nos
termos do artigo 100º, n.ºs 1, 2, 3 e 4 do Código de Processo Civil, por um foro
convencional no que respeita à competência dos Tribunais em razão do território,
por violação dos princípios da adequação, da exigibilidade e da
proporcionalidade, e da não retroactividade consignado nos artigos 18°, n.ºs 2 e
3, da Constituição da República Portuguesa e, também ainda, por violação dos
princípios da segurança jurídica e da confiança corolários ambos do Estado de
Direito Democrático consagrado no artigo 2° da Constituição da República
Portuguesa, donde o Tribunal de Lisboa ser o competente para conhecer da
presente acção.”
2. Por decisão de 20 de Julho de 2006, foi julgada “verificada a excepção
dilatória de incompetência relativa do Tribunal e, consequentemente,
determina[da] a remessa dos presentes autos para o Tribunal territorialmente
competente”. O Tribunal fundamentou assim a decisão:
“[...] Atenta a entrada em vigor da Lei n.° 14/2006, de 26-04 [que, além do
mais, procedeu à alteração do Código de Processo Civil, introduzindo a regra da
competência do tribunal da comarca do réu para as acções relativas ao
cumprimento de obrigações], já vigente à data da apresentação da presente acção
(sendo por isso aplicável in casu, por força do disposto no artigo 6.° do
referido diploma legal), importa ter em consideração o disposto no artigo 74.°,
n.° 1, do Código de Processo Civil [na redacção dada pelo mencionado diploma],
nos termos do qual “A acção destinada a exigir o cumprimento de obrigações, a
indemnização pelo não cumprimento ou pelo cumprimento defeituoso e a resolução
do contrato por falta de cumprimento é proposta no tribunal do domicílio do réu
[...]”.
Nestes termos, subsumindo-se a presente acção à primeira parte do citado
preceito (dado que está em causa o cumprimento de obrigações, sendo o réu uma
pessoa singular), necessário se torna concluir que o tribunal competente para a
apreciação da mesma é o tribunal do domicílio do réu, sendo certo por outro lado
que por força do disposto no artigo 110.º, n.° 1, alínea a), do Código de
Processo Civil [na citada redacção], tal incompetência é de conhecimento
oficioso.
Sustenta o A. que o supra mencionado preceito não é aplicável ao caso em apreço,
alegando por um lado que as partes estipularam validamente como foro
convencional o da Comarca de Lisboa (cfr. artigo 24.° da PI) e, por outro, que a
citada Lei n.º 14/2006 é inconstitucional na medida em que permita a aplicação
do disposto no artigo 110°, n.º, alínea a), do Código de Processo Civil a
contratos celebrados antes da sua entrada em vigor (cfr. requerimento que faz
fls. 20 dos autos).
Afigura-se-nos, porém, salvo o devido respeito e melhor apreciação, que os
argumentos aduzidos pelo A. se mostra[m] improcedentes.
No que respeita à invocada estipulação convencional do foro [da Comarca de
Lisboa] para dirimir o presente litígio, importa ter em atenção desde logo que a
lei apenas permite às partes afastarem - mediante convenção expressa nesse
sentido - as regras da competência em razão do território em determinados casos,
estando expressamente excluídos desse âmbito os casos em que a incompetência é
do conhecimento oficioso do tribunal - cfr. artigos 100., n.º 1, in fine, e
110.º do Código de Processo Civil. Assim sendo, e considerando ainda que [] a
incompetência em apreço é [agora] de conhecimento oficioso, imperioso se torna
concluir que tal estipulação de foro convencional, ainda que porventura fosse
válida à data da celebração do contrato, já não é, presentemente, válida, sendo
por isso insusceptível de afastar a regra - que assume agora natureza imperativa
- prevista na primeira parte do n.º 1 do artigo 74.° do Código de Processo
Civil, sendo certo ainda que o legislador não fez qualquer ressalva
relativamente à aplicação de tal preceito aos casos em que as partes tivesse
previamente estipulado um foro convencional, adoptando como único critério para
a aplicação da lei o momento da instauração da acção.
Por outro lado, ao contrário do que sustenta o A., afigura-se-nos que a
aplicação da actual redacção dos artigos 74.°, n.º 1 e 110.°, n.º 1, alínea a),
do Código de Processo Civil, à presente acção [subjacente à qual está um
contrato celebrado antes da sua entrada em vigor, no qual havia sido incluída a
estipulação de um foro convencional] não consubstancia qualquer violação dos
invocados princípios constitucionais, uma vez que sendo tal redacção apenas
aplicável aos processos instaurados após a entrada em vigor da mencionada lei,
não poderá em bom rigor falar-se em aplicação retroactiva da lei, na medida em
que à data da instauração da acção o A. estava já ciente do carácter imperativo
da [nova] regra e, consequentemente, da ineficácia da estipulação contratual em
contrário. A este respeito, acrescente-se ainda que - ao contrário do que parece
resultar da posição expressa pelo A. no requerimento por si apresentado a fls.
18 - da eventual validade (pelo menos em abstracto) da estipulação do foro
aquando da celebração do contrato não resulta para as partes um qualquer direito
ou uma qualquer legítima expectativa de que tal cláusula permaneça válida
indefinidamente no tempo, uma vez que os interesses particulares (inerentes à
celebração do contrato em apreço) estarão sempre subordinados aos interesses
públicos inerentes às regras da administração da justiça e - no caso concreto -
à protecção dos consumidores.
De resto, mesmo antes da entrada em vigor da citada Lei n.º 14/2006, de 26/04, a
invocada cláusula de estipulação de foro convencional estava já sujeita - atenta
a sua natureza de cláusula contratual geral - ao regime previsto no Decreto-Lei
n.º 446/85, de 25/10, maxime ao disposto nos seus artigos 5.°, 8.º e 19.°,
alínea g), do citado regime, de cuja aplicação sempre poderia resultar - em
concreto - a invalidade de tal estipulação.
Nestes termos, e por ser aplicável ao caso em apreço, como supra se referiu, o
disposto na primeira parte do n.º 1 do artigo 74.°, na sua actual redacção,
necessário se torna concluir que o tribunal competente para a apreciação da
presente acção é o tribunal do domicílio do réu — in casu, o Tribunal Judicial
da comarca de Matosinhos —, sendo certo ainda que por força do disposto no
artigo 110.°, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil [na citada
redacção], tal incompetência é de conhecimento oficioso.
Destarte, e nos termos dos artigos 74.°, n.º 1, primeira parte, 108.°, 109.°,
110.º, n.º 1, alínea a), 111°, n.º 3, 493°, n.º 2, e 494°, alínea a), e 495°,
todos do Código de Processo Civil [na redacção resultante da Lei n.º 14/2006, de
26/04], por este Tribunal ser territorialmente incompetente - o que
expressamente se declara -, julga-se verificada a excepção dilatória de
incompetência relativa do Tribunal e, consequentemente, determina-se a remessa
dos presentes autos para o Tribunal territorialmente competente.[..]”
3. O recorrente interpôs recurso desta decisão, ao abrigo do disposto na alínea
b) do n.º 1 do artigo 70.° da Lei 28/82, de 15 de Novembro, com a redacção que
lhe foi dada pela Lei 85/89, de 7 de Setembro, pretendendo ver apreciada a
inconstitucionalidade da alínea a) do n.º 1 do artigo 110.° do Código de
Processo Civil; com a redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006, de 6 de Abril,
na parte e na medida em que permite a interpretação do dito preceito no sentido
de o considerar aplicável a contratos celebrados anteriormente à publicação da
referida Lei 14/2006.
4. Prosseguindo o recurso, o recorrente alegou, tendo concluído nos seguintes
termos:
“[...]
(i) A interpretação e aplicação, como feita no despacho recorrido, da alínea a)
do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi
dada pela dita Lei 14/2006, de 26 de Abril, à hipótese dos autos e,
consequentemente, a não consideração, como válida e eficaz da escolha do foro
convencional constante do contrato dos autos, atento a data da celebração do
mesmo e o disposto no artigo 100º, nºs. 1, 2, 3 e 4, do Código de Processo
Civil, do que então se dispunha no artigo 110º do mesmo normativo legal, maxime
na alínea a) do respectivo nº 1, é inconstitucional por violação dos princípios
da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade, e da não retroactividade
consignados no artigo 18º, nºs. 2 e 3, da Constituição da República Portuguesa,
e, também ainda, por violação dos princípios da segurança jurídica e da
confiança, corolários ambos do princípio de um Estado de Direito Democrático
consagrado no artigo 2º da Constituição da República Portuguesa.
(ii) Deve, assim, como se requer, ser julgada inconstitucional a interpretação e
aplicação do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 110º do Código de Processo
Civil, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 14/2006, de 26 de Abril, a
contrato validamente celebrado antes da entrada em vigor da referida Lei
14/2006, desta forma se fazendo justiça”.
II – Fundamentação.
5. O Tribunal apreciou a questão de constitucionalidade que neste processo se
discute pelo acórdão n.º 691/2006, disponível em www.tribunalconstitucional.pt,
em recurso interposto pelo mesmo recorrente.
Disse-se nesse acórdão o seguinte:
“6. Começa o recorrente, na sua alegação, por dar conta de uma orientação que
vem sendo seguida por alguma jurisprudência no sentido de considerar que, tal
como o próprio defendeu nos presentes autos e diferentemente do que se decidiu
no despacho ora recorrido, as alterações introduzidas, em sede de processo
civil, pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, não se aplicam às questões
emergentes de contratos celebrados antes da sua entrada em vigor em que as
partes tenham escolhido foro convencional. Acontece, porém, como o próprio
recorrente reconhece, que está fora do âmbito do presente recurso a questão de
saber se essa é ou não a melhor (de acordo com os cânones hermenêuticos)
interpretação dos preceitos em causa. Com efeito, não cabe ao Tribunal
Constitucional dirimir conflitos de interpretação de normas
infraconstitucionais, nem determinar qual a melhor interpretação de tais normas,
mas, apenas, como é sabido, decidir se a interpretação por que optou a decisão
recorrida é ou não compatível com a Constituição e, designadamente, com os
preceitos e princípios indicados pelo recorrente. Com esta advertência, vejamos
então.
6.1. Da alegada violação dos princípios da adequação, da exigibilidade, da
proporcionalidade e da não retroactividade consignados no artigo 18º, nºs. 2 e
3, da Constituição da República Portuguesa.
Alega o recorrente, em primeiro lugar, que a norma que vem questionada viola o
disposto nos artigos 18º, nºs 2 e 3, da Constituição. É, contudo, manifesto que,
nesta parte, não lhe assiste qualquer razão. E, desde logo, pela razão evidente
de que aquele preceito constitucional se refere às leis restritivas de direitos,
liberdades e garantias, o que, manifestamente, não é o caso da norma que vem
questionada. Com efeito, não se vislumbra qual o direito, liberdade e garantia
que possa estar a ser restringido pela norma cuja constitucionalidade vem
questionada, sendo certo que não pode ser, ao contrário do que o recorrente
refere na sua alegação, o “direito das partes contraentes […] a poderem
escolher, poderem acordar, um foro convencional, em razão do território, para
dirimir conflitos emergentes do dito contrato, isto é do contrato dos autos”.
Como é óbvio, o direito de as partes convencionarem o foro territorialmente
competente para a resolução dos litígios eventualmente resultantes dos contratos
que celebrem não é um direito constitucionalmente garantido, não constituindo
direito, liberdade e garantia, no sentido do artigo 18º da Constituição, pelo
que, no caso, este preceito não é, pura e simplesmente, aplicável.
Aliás, ainda que se pretendesse fundar a alegada inconstitucionalidade numa
eventual violação da exigência de proporcionalidade, como limitação geral ao
exercício do poder público, decorrente do princípio do Estado de Direito
Democrático, consagrado no artigo 2º da Constituição - o que o recorrente,
todavia, não faz -, sempre se dirá que tal pretensão também não procederia,
pois, além de não estar em causa nenhum direito constitucionalmente garantido,
também se não vislumbra que a medida legislativa seja manifestamente inadequada,
corresponda a opção manifestamente errada do legislador ou tenha carácter
manifestamente excessivo ou inconvenientes manifestamente desproporcionados em
relação às vantagens que apresenta.
6.2. Da alegada violação dos princípios da segurança jurídica e da confiança,
decorrentes do princípio do Estado de Direito Democrático consagrado no artigo
2º da Constituição.
Alega ainda o recorrente que a norma que vem questionada, na parte em que seja
aplicável a contratos celebrados antes da entrada em vigor da referida Lei nº
14/2006, é inconstitucional, por se traduzir numa situação de retroactividade
violadora dos princípios da segurança jurídica e da confiança, decorrentes do
princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da
Constituição. Vejamos.
6.2.1. Como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, o princípio
da não retroactividade da lei encontra-se consagrado na Constituição, de modo
expresso, unicamente para a matéria penal (desde que a lei nova não seja mais
favorável ao arguido) - nºs 1 e 4 do artigo 29º -, para as leis restritivas de
direitos, liberdades e garantias - nº 3 do artigo 18º -, e para o pagamento de
impostos - artigo 103º, nº3 -, podendo, consequentemente, dizer-se que a
Constituição não consagra um princípio geral de proibição de emissão de leis
retroactivas.
O Tribunal vem, porém, igualmente afirmando, na sequência de entendimento que
vem já da Comissão Constitucional, que o princípio do Estado de direito
democrático (consagrado no artigo 2º da Constituição) postula “uma ideia de
protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na
actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e de segurança no direito
das pessoas e nas expectativas que a elas são juridicamente criadas”, razão pela
qual “a normação que, por sua natureza, obvie de forma intolerável, arbitrária
ou demasiado opressiva àqueles mínimos de certeza e segurança que as pessoas, a
comunidade e o direito têm de respeitar, como dimensões essenciais do Estado de
direito democrático terá de ser entendida como não consentida pela lei básica”
(cf., entre vários outros nesse sentido, o Acórdão nº 303/90, in “Acórdãos do
Tribunal Constitucional”, 17º V., pág.65). Mas, sendo assim, o Tribunal tem,
contudo, tido sempre o cuidado de esclarecer que o que se acaba de dizer não
conduz a que seja absolutamente vedada ao legislador a emissão de normas com
eficácia retroactiva. Como se ponderou, por exemplo, no acórdão nº 304/2001
(disponível na página Internet do Tribunal em www.tribunalconstitucional.pt),
citando Vieira de Andrade (Os Direitos Fundamentais na Constituição da República
Portuguesa, p.309), “entender o contrário representaria, ao fim e ao resto,
coarctar a «liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade» do legislador,
características que são «típicas», «ainda que limitadas», da função
legislativa”.
Tem, pois, o Tribunal sempre dito (cfr. Acórdão nº 304/2001, já citado) que, em
cada caso, haverá que “proceder a um justo balanceamento entre a protecção das
expectativas dos cidadãos decorrentes do princípio do Estado de direito
democrático e a liberdade constitutiva e conformadora do legislador, também ele
democraticamente legitimado, legislador ao qual, inequivocamente, há que
reconhecer a legitimidade (senão mesmo o dever) de tentar adequar as soluções
jurídicas às realidades existentes, consagrando as soluções mais acertadas e
razoáveis, ainda que elas impliquem que sejam «tocadas» relações ou situações
que, até então, eram regidas de outra sorte. Um tal equilíbrio, como o Tribunal
tem assinalado, será postergado nos casos em que, ocorrendo mudança de regulação
pela lei nova, esta vai implicar, nas relações e situações jurídicas já
antecedentemente constituídas uma alteração inadmissível, intolerável,
arbitrária, demasiado onerosa e inconsistente, alteração com a qual os cidadãos
e a comunidade não poderiam contar, expectantes que estavam, razoável e
fundadamente, na manutenção do ordenamento jurídico que regia a constituição
daquelas relações e situações. Em tais casos, a lei viola aquele mínimo de
certeza e segurança que as pessoas devem poder depositar na ordem jurídica de um
Estado de direito, impondo-se, então, a intervenção do princípio da protecção da
confiança e segurança jurídica que está implicado pelo princípio do Estado de
direito democrático, por forma que a nova lei não vá, de forma acentuadamente
arbitrária ou intolerável, desrespeitar os mínimos de certeza e segurança, que
todos têm de respeitar.” (Negrito aditado). No caso em apreço, porém, tal não se
verifica.
6.2.2. Em primeiro lugar, porque qualquer expectativa que as partes possam ter
no momento da celebração de um contrato relativamente à intangibilidade de uma
cláusula de escolha do foro territorialmente competente para julgar eventuais
litígios emergentes do mesmo é sempre, no mínimo e por natureza, limitada. E
isto porque uma tal cláusula sempre estará condicionada pela eventualidade de
uma reorganização judiciária, a que o legislador decida proceder, e que, no
limite, pode mesmo fazer desaparecer o tribunal que as partes convencionaram
como territorialmente competente.
Por outro lado, há que ter em conta que a cláusula de convenção de foro é uma
cláusula que não respeita ao sinalagma do contrato, tendo antes a ver com a
patologia deste e com a fixação de um pressuposto processual da competência
territorial dos tribunais. Competência esta que também possui normas que estão
subtraídas, de todo, à possibilidade de convenção. Ora, o facto é que, sempre se
entendeu que, em matéria processual, as expectativas das partes ou não merecem,
de todo, a tutela da confiança ou só em termos mitigados dela podem beneficiar.
Além disso, no caso concreto, a acção foi proposta já após a entrada em vigor da
nova lei, sendo certo que a competência dos tribunais se fixa de acordo com a
lei em vigor à data da respectiva propositura.
Não pode, assim, designadamente pelas razões que se acabam de expor, afirmar-se
que no momento da celebração do contrato o ora recorrente gozasse de uma forte
expectativa jurídica, legitimamente fundada, de que, mesmo no domínio do regime
jurídico vigente antes da Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, qualquer litígio
resultante do mesmo viria a ser julgado pelo tribunal convencionado. Com efeito,
embora pudesse existir a expectativa de que um eventual litígio decorrente do
contrato celebrado viesse a ser julgado pelo foro convencionado, essa
expectativa sempre seria “enfraquecida” ou “menos consistente” (para
utilizarmos, uma vez mais, as palavras do Acórdão nº 304/01, já citado), pela
possibilidade, razoável, de uma interpretação do quadro normativo anterior à
entrada em vigor da citada Lei n.º 14/2006, que conduzisse já, por outra via, à
invalidade da referida cláusula.
Acresce, finalmente, que, no caso concreto, no que se refere às acções
destinadas à cobrança de dívidas resultantes da celebração de contratos de
crédito ao consumo, a solução normativa editada pelo legislador, mesmo na
interpretação que agora vem questionada – no sentido da aplicação, a contratos
já existentes, da regra da impossibilidade de alteração, por convenção das
partes, das normas sobre a competência territorial, por força do disposto na
nova alínea a) do n.º 1 do artigo 110º, que, passando a determinar o
conhecimento oficioso da incompetência em razão do território nas causas a que
se refere a primeira parte do n.º 1 do artigo 74º, inviabiliza o funcionamento
da estipulação efectuada ao abrigo do artigo 100º, n.º 1, todos do Código de
Processo Civil -, também não é arbitrária, podendo justificar-se à luz do
objectivo constitucional de protecção dos interesses dos consumidores, enunciado
no artigo 60º da Constituição.
6.2.3. Assim sendo, pode, então, concluir-se que a aplicação da alínea a) do nº
1 do artigo 110º do Código de Processo Civil, com a redacção que lhe foi dada
pela Lei nº 14/2006, de 26 de Abril, aos contratos celebrados antes da entrada
em vigor desta última Lei, ainda que se entenda que se trata de uma aplicação
retroactiva da mesma, não consubstancia violação de forma inadmissível,
intolerável ou arbitrária dos direitos ou expectativas fundadas do recorrente,
não se verificando, por isso, o desrespeito dos mínimos de certeza e segurança
salvaguardados pelo artigo 2º da Constituição”.
É o que agora igualmente se decide.
5. Decisão
Nestes termos, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco)
unidades de conta.
Lisboa, 30 de Janeiro de 2007
Vítor Gomes
Bravo Serra
Gil Galvão
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (com a declaração de que considero que a
recorrida deveria ter sido notificada para constituir advogado, caso pretendesse
intervir no recurso de constitucionalidade)
Artur Maurício