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Processo n.º 761/06
2.ª Secção
Relator: Conselheiro Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
Em 26 de Novembro de 2001, A. foi constituído
arguido em processo de inquérito contra ele e outros instaurado, tendo prestado
termo de identidade e residência, no qual indicou como residência a Rua ……,
Damaia, sendo‑lhe, no acto, dado expresso conhecimento da obrigação, entre
outras, de não mudar de residência nem dela se ausentar por mais de cinco dias,
sem comunicar a nova residência ou lugar onde possa ser encontrado, e de que as
posteriores notificações seriam feitas por via postal simples para a morada que
indicou, excepto se comunicasse uma outra, através de requerimento entregue ou
remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrassem a
correr termos nesse momento (fls. 519).
Findo o inquérito, o Ministério Público deduziu
acusação contra B., L.da, C., D. e A., imputando a este último arguido, como
co‑autor, e na qualidade de gerente efectivo e representante legal da sociedade
arguida, a prática de dois crimes continuados de abuso de confiança fiscal
(fls. 783 a 799).
Por despacho de 15 de Abril de 2004 do Juiz do
1.º Juízo Criminal de Lisboa foi a acusação recebida e designado o dia 6 de
Abril de 2005 para a realização da audiência de julgamento, logo se consignando
que, em caso de adiamento, a audiência se realizaria em 8 de Junho de 2005 (fls.
813).
Na audiência realizada naquela primeira data, o
arguido A. faltou por motivo de doença, pelo que foi determinado, nos termos do
artigo 333.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (CPP), que os autos aguardassem
a segunda data já designada para julgamento (fls. 929‑930).
Em 20 de Abril de 2005, o referido arguido
apresentou requerimento do seguinte teor (fls. 972):
“A., arguido nos autos à margem referenciados, tendo
solicitado o adiamento da audiência de julgamento para a segunda data, a
realizar no dia 8 de Junho de 2005, vem pela presente requerer respeitosamente,
nos termos do artigo 334.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, que a audiência
se realize na sua ausência, em virtude de o arguido possuir residência no
estrangeiro.
Na verdade, o arguido reside actualmente em Espanha, possuindo
apenas a morada em Portugal, quer para os efeitos do presente processo, quer
quando cá se desloca, onde mantém pessoa habilitada a receber todas as
notificações na sua ausência.
Mais declara que aceita que as audiências se realizem na sua
ausência.”
Por despacho judicial de 22 de Abril de 2005
(fls. 978), foi deferido o precedente requerimento, determinando‑se o
julgamento do referido arguido na sua ausência, nos termos do disposto no artigo
334.º, n.º 2, do CPP.
Em 8 de Junho de 2005, procedeu‑se à audiência
de julgamento, à qual faltou o mandatário dos arguidos singulares, tendo‑lhes
sido nomeada defensora a advogada que já havia sido nomeada defensora da
sociedade arguida (fls. 1001‑1003), tendo, em audiência realizada em 20 de Junho
de 2005 (acta de fls. 1041), com a presença da referida defensora, sido lida a
sentença, que condenou o arguido A., como co‑autor de um crime de abuso de
confiança fiscal, na forma continuada, previsto e punido pelos artigos 105.º,
n.º 5, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º
15/2001, de 5 de Junho (RGIT), e 30.º, n.º 2, e 79.º do Código Penal, na pena de
12 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 5 anos,
condicionada ao pagamento ao Estado das quantias de imposto em causa (fls.
1013‑1039).
Esta sentença foi notificada no próprio acto à
defensora dos arguidos (fls. 1041), depositada na secretaria na mesma data (20
de Junho de 2005 – fls. 1040), e notificada, por via postal simples com prova de
depósito, aos quatro arguidos, através de cartas expedidas em 24 de Junho de
2005 (fls. 1042 a 1045).
Em 23 de Dezembro de 2005, o mandatário do
arguido A. apresentou requerimento (fls. 1083), em que, aduzindo ter sido
notificado da conta de custas, “de onde deduz com relativa certeza que terá já
sido realizado julgamento e proferida sentença”, requer, “uma vez que foi o
arguido julgado na sua ausência, nem tendo estado sequer representado pelo seu
advogado constituído nos autos”, que “lhe seja notificada pessoalmente, ou
extraída cópia que lhe seja entregue, da sentença proferida nos presentes
autos”.
Este requerimento foi indeferido por despacho
judicial de 4 de Janeiro de 2006 (fls. 1086), do seguinte teor:
“O arguido A. foi julgado na ausência, a requerimento seu, nos
termos do artigo 334.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cf. requerimento de
fls. 972 e despacho de fls. 978).
A sentença proferida nos autos, e já transitada em julgado, foi
devidamente notificada ao ilustre defensor oficioso nomeado para o efeito, dada
a ausência do ilustre advogado constituído, advogado este regularmente
notificado (cf. fls. 929 e 930), e foi regularmente notificada ao arguido (cf.
fls. 1050).
Assim sendo, nada mais há que notificar relativamente à
sentença proferida, que, como se disse, transitou em julgado.”
Notificado deste despacho, o referido arguido
veio requerer a sua “aclaração”, nos seguintes termos:
“1. Resulta do douto despacho de V. Ex.a produzido a fls. 1086 que a sentença já
transitou em julgado e que foi devidamente notificada ao ilustre defensor
oficioso nomeado para o efeito, bem como regularmente notificada ao arguido (cf.
fls. 1050).
2. Compulsados os autos verifica-se que a fls. 1050 se encontra uma prova de
depósito postal.
3. Não se encontrando em qualquer parte do processo prova da notificação
pessoal ao arguido, e não decorre do artigo 334.º do CPP que o mesmo seja
dispensável, nem no caso em que o mesmo é julgado na ausência a seu pedido.
4. Por outro lado, consta do artigo 113.º, n.º 9, do CPP que «as notificações
do arguido, do assistente e das partes civis podem ser feitas ao respectivo
defensor ou advogado. Ressalvam-se as notificações respeitantes à acusação, à
decisão instrutória, à designação de dia para julgamento e à sentença ...».
5. Mais consta do disposto no artigo 113.º, n.º 1, alínea a), que as
notificações se fazem por contacto pessoal com o notificando e no lugar em que
este for encontrado; c) via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos
casos expressamente previstos.
6. Não é, nem podia ser o caso de notificação da sentença um caso especial, em
que se permita a notificação por carta depositada na caixa postal, pois
lembre‑se que está em causa uma decisão que determina a privação de liberdade.
7. Requer‑se assim que V. Ex.a esclareça se, quando refere por duas vezes no
despacho em crise que a sentença transitou em julgado e que foi regularmente
notificada ao arguido, o tribunal tem conhecimento da forma utilizada para essa
notificação e se a considera válida.
8. Caso entenda o Tribunal que se encontra praticado com regularidade a
notificação ao arguido, então pela presente se arguiu a inconstitucionalidade do
despacho em crise, bem como a inconstitucionalidade do acto de notificação da
sentença ao arguido, por ofensa da lei fundamental, na sua norma contida no
artigo 32.º, n.ºs 1, 3 e 7, da CRP, sem prejuízo de outro enquadramento que se
vier a apurar aplicável.”
Esta pretensão foi indeferida por despacho
judicial de 16 de Janeiro de 2006 (fls. 1090), onde se consignou:
“O arguido A. prestou termo de identidade e residência, a fls.
519, onde ficou advertido de que «as posteriores notificações serão feitas por
via postal simples (…)».
A sentença dos autos foi notificada ao referido arguido por via
postal simples com prova de depósito (cf. fls. 1045 e 1050).
Como decorre do despacho de fls. 1086, o tribunal considerou e
considera que a sentença foi regularmente notificada ao arguido, pelo meio
acima aludido.
Nestes termos, e face ao requerido a fls. 1088 e 1089, se
aclara o despacho de fls. 1086.
Dos despachos e das sentenças podem ser interpostos recursos, e
nestes podem suscitar‑se questões de inconstitucionalidade. O que não tem
cabimento processual é arguir a inconstitucionalidade nos termos em que é feita
na parte final de fls. 1089.
Assim, e nessa parte, nada há a decidir ou ordenar.”
Do despacho que indeferiu a pretensão de
notificação pessoal da sentença interpôs o dito arguido recurso para o Tribunal
da Relação de Lisboa, suscitando na respectiva motivação (fls. 1097‑1109), além
do mais, a questão da inconstitucionalidade, “por violação do artigo 32.º, nºs 1
e 6, da CRP, [d]os artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, todos do
CPP, quando interpretados no sentido de que o arguido que não esteve presente na
audiência de julgamento, nem na audiência de leitura de sentença, pudesse ser
notificado na pessoa do seu defensor ou por qualquer outro meio que não a
notificação pessoal” (conclusão XIX), pelo que “o acto de notificação da
sentença ao recorrente, por carta depositada na caixa postal, está ferido de
inconstitucionalidade, por ofensa da Lei Fundamental, na sua norma contida no
artigo 32.º, n.ºs 1 e 6, da CRP” (conclusão XXIII).
Por acórdão de 11 de Julho de 2006 (fls. 1192 a
1217), o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso, por
fundamentos assim sintetizados:
“6.5 – Em conclusão:
Nos autos, o arguido estava ciente de que o julgamento ia ser
realizado em determinada data.
Foi o arguido que, exercendo um direito que a lei lhe concede,
consentiu que a audiência fosse realizada na sua ausência.
E fê‑lo cerca de dois meses antes dessa data.
Sujeitou‑se assim à disciplina processual penal nessa matéria
expressamente regulada no artigo 334.º.
Nem nessa norma, nem do cotejo das demais normas processuais
penais resulta a obrigação de se proceder à notificação pessoal da sentença ao
recorrente, quando consentiu que o julgamento se realizasse na sua ausência.
Essa obrigação não está prevista, desde logo porque se torna
manifesto que o arguido está bem ciente da fase processual em que o processo se
encontra, e afinal mantém todos os direitos de defesa que a lei lhe confere.
Ao arguido, nessas circunstâncias, mostra‑se óbvio que o
processo correrá os termos normais.
Sabe o arguido que a seguir à realização do julgamento, é
proferida sentença.
O arguido tem defensor constituído ou nomeado pelo Tribunal.
O arguido prestou TIR, e sabe que qualquer notificação a si dirigida relativa ao
processo segue por carta simples para a morada por ele indicada.
No requerimento por si apresentado a consentir que a audiência fosse realizada
na sua ausência, explicitou bem que mantinha essa morada em Portugal, além do
mais, em função do TIR.
Sabia assim que as notificações aí lhe eram dirigidas, não
obstante estar a residir no estrangeiro (cuja morada nunca indicou nos autos).
Essa é aliás uma das consequências da prestação do TIR por si
assinado, tal como preceitua o artigo 196.º.
Afinal, através do defensor (que esteve presente no julgamento
e na leitura da sentença, logo dela notificado) e/ou por si próprio, o arguido
tem ao seu alcance todos os meios legais que lhe permitem conhecer o teor da
sentença que se segue à realização do julgamento.
Por isso, a notificação operada nos termos contestados, não
diminui, por qualquer forma, as garantias de defesa que a lei acautela.
Em nosso entender, essas considerações são aplicáveis ao caso em que um arguido
– o recorrente –, está ciente da data designada para julgamento e consente a sua
realização na sua ausência, pelo que em nada se mostram beliscados os seus
direitos constitucionais e processuais, não se considerando inconstitucionais as
normas por ele invocadas, uma vez que foram feitas as diligências que a isso
obstaram, e pelo recorrente consentidas.”
É contra este acórdão que vem interposto, pelo
mesmo arguido, o presente recurso, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo
70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal
Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, e alterada,
por último, pela Lei n.º 13‑A/98, de 26 de Fevereiro (LTC), pretendendo ver
apreciada a inconstitucionalidade, face ao artigo 32.º, n.ºs 1 e 6, da
Constituição da República Portuguesa (CRP), das normas constantes dos artigos
113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, do CPP [por manifesto lapso, no
requerimento de interposição de recurso, mencionou “CPC”], interpretados no
sentido de que o arguido que não esteve presente na audiência de julgamento, nem
na audiência de leitura da sentença, pudesse considerar‑se da mesma notificado
na pessoa do seu defensor ou por qualquer meio que não seja a notificação
pessoal.
Neste Tribunal, o recorrente apresentou
alegações (fls. 1231‑1245), no termo das quais formulou as seguintes conclusões:
“I – O douto acórdão de que ora se recorre pronunciou‑se pela
não inconstitucionalidade da interpretação das normas constantes dos artigos
113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, todos do CPP [por lapso, referiu
CPC], quando interpretados no sentido de que o arguido que não esteve presente
na audiência de julgamento, nem na audiência de leitura de sentença pudesse
considerar‑se da mesma notificado na pessoa do seu defensor ou por qualquer meio
que não seja a notificação pessoal.
II – Somente, baseando‑se na convicção de que, com a prestação de TIR, o arguido
estabelece um acordo com o Tribunal no sentido de que, a partir dessa data
«qualquer notificação a si dirigida relativa ao processo, segue por carta
simples para a morada por ele indicada».
III – “Por isso a notificação operada nos termos contestados, não diminui, por
qualquer forma, as garantias de defesa que a lei acautela».
IV – O artigo 373.º, n.º 3, do CPP importa um encurtamento inadmissível das
possibilidades de defesa do recorrente, incluindo o recurso, na medida em que
não se assegura, de modo efectivo, a possibilidade daquele organizar a sua
defesa.
V – Não decorre do artigo 334.º do CPP que a notificação pessoal da sentença
seja dispensável no caso em que o arguido, ora recorrente, é julgado na ausência
com base no n.º 2 desse mesmo dispositivo legal.
VI – O artigo 113.º, n.º 9, do mesmo diploma legal dispõe que as sentenças
deverão ser notificadas na pessoa do arguido, sem no entanto fazer referência à
modalidade em que essa notificação deverá ser realizada.
VII – Mais consta do artigo 113.º, n.º 1, alíneas a) e c), do mesmo diploma
legal que as notificações se fazem por contacto pessoal com o notificado ou por
via postal simples, apenas nos casos expressamente previstos.
VIII – A notificação da sentença não é uma situação especial em que se permita a
notificação por carta depositada na caixa postal, pois está em causa uma decisão
que determina a privação da liberdade.
IX – Ora, o facto de o recorrente ter prestado TIR tal não significa por si só
que o mesmo não tenha de ser notificado pessoalmente da sentença, uma vez que
foi julgado na ausência, ao abrigo do artigo 334.º, n.º 2, do CPP.
X – A exigência da notificação pessoal, nestes casos, justifica‑se por razões de
segurança e celeridade processuais na comunicação da sentença condenatória e de
protecção constitucional do direito de defesa, incluindo o direito ao recurso
previsto no artigo 32.º, n.ºs 1 e 6, da CRP.
XI – Assim, são inconstitucionais, por violação do artigo 32.º, n.ºs 1 e 6, da
CRP, os artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, todos do CPP, quando
interpretados no sentido de que o arguido que não esteve presente na audiência
de julgamento, nem na audiência de leitura de sentença pudesse considerar‑se da
mesma notificado na pessoa do seu defensor ou por qualquer meio que não seja a
notificação pessoal.
XII – Devendo as mencionadas disposições ser interpretadas no sentido de
consagrarem a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada
ao arguido ausente, não podendo, enquanto esta notificação não for efectuada,
contar o prazo para ser interposto recurso.
XIII – Pelo que, tem‑se como necessária a notificação pessoal do recorrente,
bem como é impossível a notificação da sentença por via postal, em virtude da
ausência deste.
XIV – Face ao exposto, deverá ser declarada a inconstitucionalidade das normas
constantes dos artigos 113.º, n.º 6, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, todos do CPP,
nos termos supra mencionados.”
O representante do Ministério Público neste
Tribunal contra‑alegou, concluindo:
“1 – Não são inconstitucionais as normas dos artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6,
e 373.º, n.º 3, todos do Código de Processo Penal, ao serem interpretadas no
sentido de bastar a notificação ao arguido da sentença condenatória, por via
postal simples, para a morada que conste do termo de identidade e residência,
validamente prestado, quando não esteve presente na audiência de julgamento,
sabendo da sua realização, que previamente solicitara que se realizasse na sua
ausência, não tendo igualmente estado presente na leitura da sentença, a qual
foi devidamente notificado ao seu defensor presente no acto.
2 – Termos em que não deverá proceder o presente recurso.”
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
Como este Tribunal recordou no Acórdão n.º
545/2006, desta 2.ª Secção, onde se procedeu a desenvolvida menção da
jurisprudência precedente, tendo por objecto a questão da constitucionalidade de
normas relativas ao início do prazo para interposição de recurso em processo
penal, “o critério seguido nessa jurisprudência tem sido o de que tal prazo só
se pode iniciar quando o arguido (assistido pelo seu defensor), actuando com a
diligência devida, ficou em condições de ter acesso ao teor, completo e
inteligível, da decisão impugnanda, e, nos casos em que pretenda recorrer
também da decisão da matéria de facto e tenha havido registo da prova produzida
em audiência, a partir do momento em que teve (ou podia ter tido, actuando
diligentemente) acesso aos respectivos suportes, consoante o método de registo
utilizado (escrita comum, meios estenográficos ou estenotípicos, gravação
magnetofónica ou audio‑visual)”.
Aplicando este critério ao caso ora em apreço,
constata‑se que o arguido – que, através da prestação de termo de identidade e
residência, assumira a obrigação de não mudar de residência nem dela se ausentar
por mais de cinco dias, sem comunicar a nova residência ou lugar onde pudesse
ser encontrado, e ficara ciente de que as posteriores notificações seriam feitas
por via postal simples para a morada que indicara, excepto se comunicasse uma
outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à
secretaria onde os autos se encontrassem a correr termos nesse momento – teve
conhecimento da segunda data designada para a audiência de julgamento (tornada
operativa por ele ter faltado, por motivo de doença, à data primeiramente
fixada) e tomou a iniciativa de requerer que a mesma se processasse na sua
ausência, invocando estar a residir no estrangeiro, expressamente referindo no
respectivo requerimento que mantinha a residência indicada no termo de
identidade e residência, onde “mant[inha] pessoa habilitada a receber todas as
notificações na sua ausência”. Neste contexto, o arguido, sabendo, como sabia,
da data marcada para a realização do seu julgamento, devia, actuando com a
devida diligência, procurar inteirar‑se do que nele ocorrera, o que lhe
possibilitaria conhecer a data designada para a leitura da sentença. Por outro
lado, o arguido não questiona a efectiva realização da notificação por via
postal simples nem invoca que a carta não haja chegada ao destino correcto,
onde, como se viu, deixara pessoa habilitada a receber todas as notificações na
sua ausência. Isto é: o arguido não questiona que o meio de comunicação
utilizado pelo tribunal (via postal simples, com prova de depósito) foi apto a
colocar a sentença no campo da sua cognoscibilidade pelo destinatário. O que o
arguido sustenta é que, nesta hipótese, seria sempre exigível a notificação
pessoal da sentença. Mas não é esse o regime legal considerado aplicável, nem,
pelas razões expostas, o mesmo se mostra, no caso, capaz de afectar, de modo
intolerável, as garantias de defesa do arguido, constitucionalmente consagradas.
Assinale‑se que o presente caso é distinto
daqueles sobre que recaíram os Acórdãos n.ºs 87/2003, 312/2005 e 422/2005:
– o Acórdão n.º 87/2003 julgou inconstitucional
a norma do artigo 411.º, n.º 1, do CPP, na interpretação segundo a qual o prazo
para interpor recurso de acórdão de Tribunal da Relação, proferido em
conferência, nos termos do artigo 419.º, n.º 4, do CPP, e não em audiência (com
prévia convocação, para além de outros intervenientes, do defensor, de acordo
com o artigo 421.º, n.º 2, do mesmo Código), se conta a partir do depósito do
acórdão na secretaria, e não da respectiva notificação, tendo o Tribunal
Constitucional sublinhado que, uma vez que “nem o recorrente nem o seu defensor
tinham sequer conhecimento da data de realização da conferência, que não lhes
foi comunicada”, não lhes era exigível uma diligência que se traduziria no
“controlo cego do hipotético dia da tomada de decisão por parte do Tribunal da
Relação”; diferentemente, no presente caso, o arguido e respectivo mandatário
tinham conhecimento da data marcada para a realização da audiência de julgamento
e, actuando com a devida diligência, facilmente teriam conhecimento da data
marcada para a leitura da sentença;
– o Acórdão n.º 312/2005 interpretou as normas
dos artigos 411.º, n.º 1, e 333.º, n.º 5, do CPP no sentido de que o prazo para
a interposição de recurso da decisão condenatória de arguido ausente se conta a
partir da notificação pessoal e não a partir do depósito na secretaria, mas
fê‑lo num caso de ausência a que eram aplicáveis os n.ºs 2, 3 e 5 do artigo
333.º, que é hipótese distinta da situação ora apreço, que se encontra regulada
no n.º 2 do artigo 334.º (audiência na ausência do arguido a requerimento ou com
o consentimento deste, por residir no estrangeiro), a que, por expressa exclusão
legal (“Fora dos casos previstos nos n.ºs 1 e 2”), não é aplicável o regime do
n.º 6 do artigo 334.º, correspondente ao n.º 5 do artigo 333.º, todos do CPP);
– o Acórdão n.º 422/2005 julgou
inconstitucionais as normas constantes dos artigos 113.º, n.º 9, 411.º, n.º 1, e
335.º, n.º 5, do CPP, conjugadas com o artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do Código
Penal, interpretados no sentido de que o prazo de interposição de recurso, pelo
condenado, de decisão que revogou a suspensão da execução de pena de prisão se
conta da data em que se considera efectivada a sua notificação dessa decisão
por via postal simples; mas fê‑lo atribuindo decisiva relevância às
circunstâncias de, no caso, já não subsistir o termo de identidade e residência
e obrigações conexas e de, tendo a decisão de revogação da suspensão da
execução da pena de prisão sido tomada sem prévia audição do condenado, este não
dispor de qualquer indicação da data em que iria ser proferida tal decisão,
enquanto, no presente caso, o termo de identidade e residência permanecia
válido e era facilmente conhecível, pelo arguido, a data da leitura da sentença.
O presente caso regista, antes, similitude com
a situação versada no Acórdão n.º 378/2003, em que o Tribunal Constitucional não
julgou inconstitucional a norma do artigo 373.º, n.º 3, conjugado como o artigo
113.º, n.º 7 (correspondente ao actual n.º 9), do CPP, ambos na redacção dada
pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, interpretados no sentido de que o arguido,
que estivera presente na audiência de julgamento e fora notificado da data da
leitura da sentença, mas faltara a esta sessão de leitura, se considera
notificado com a leitura da sentença feita perante o primitivo defensor nomeado
ou perante advogado constituído. Como então se salientou, há que ter em conta,
por um lado, os deveres funcionais e deontológicos que impendem sobre o defensor
do arguido, e, por outro lado, a indiferença revelada pelo arguido, que, ciente
da imputação de um facto punível e da data da leitura da sentença, se
desinteressou de obter o seu oportuno conhecimento. Tal como nesse caso, também
no presente o arguido dispôs de plena oportunidade para ter acesso à decisão
condenatória contra si proferida, bastando que diligenciasse contactar, logo de
seguida à data em que bem sabia que iria realizar‑se o seu julgamento, quer o
seu defensor, quer a própria secretaria judicial, ao que acresce – na situação
ora em apreço – que nenhuma dúvida foi por ele suscitada quanto à efectiva
recepção, no endereço postal por ele indicado no termo de identidade e
residência, da carta de notificação da sentença.
Neste contexto, não se pode afirmar que do
regime legal aplicado na decisão recorrida tenha resultado efectivo encurtamento
das garantias de defesa do arguido, em especial do seu direito de recurso.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar inconstitucional a norma derivada
dos artigos 113.º, n.º 9, 334.º, n.º 6, e 373.º, n.º 3, do Código de Processo
Penal, interpretados no sentido de que pode ser efectuada por via postal
simples, com prova de depósito, para a morada indicada no termo de identidade e
residência prestado pelo arguido, a notificação de sentença condenatória
proferida na sequência de audiência de julgamento a que o arguido, ciente da
data da sua realização, requerera ser dispensado de comparecer, por residir no
estrangeiro, sentença que foi notificada ao defensor do arguido, que esteve
presente na audiência de julgamento e na audiência para leitura da sentença; e,
consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando o
acórdão recorrido, na parte impugnada.
Custas pelo recorrente, fixando‑se a taxa de
justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 15 de Fevereiro de 2007.
Mário José de Araújo Torres
Benjamim Silva Rodrigues
Maria Fernanda Palma
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos