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Processo n.º 1133/06
3ª Secção
Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam em conferência na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I - Relatório
1. Por decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Santiago do Cacém foi A., ora
recorrente, condenado, pela prática de um crime de homicídio negligente, a uma
pena de vinte meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de três
anos, na condição de, em cada ano de suspensão, o arguido proceder ao depósito
da quantia de 400.000$00 à ordem do Tribunal, para serem entregues à “…” de
Setúbal.
2. Inconformado com esta decisão o arguido recorreu para o Tribunal da Relação
de Évora. Notificado de que havia sido designado o dia 31 de Outubro de 2006
para o julgamento em audiência, veio arguir irregularidade processual “por
preterição da concertação do agendamento da data da diligência com o mandatário
do recorrente, prevista nos termos das disposições conjugadas do nº 4 do art.
312º e nº 5 do art. 423º, ambos do CPP”. Transferida, por falta do Desembargador
relator, a audiência para dia 7 de Novembro e considerado prejudicado o
requerido, apresentou o arguido um requerimento igual ao anterior (fls.462 a 464
do processo principal), o qual, tendo dado entrada naquele Tribunal em 6 de
Novembro de 2006, todavia só foi junto aos autos no dia seguinte, após a
prolação do acórdão sobre o recurso interposto.
3. O Tribunal da Relação de Évora, por acórdão proferido em 7 de Novembro de
2006 (fls. 451 a 461), que em nada se refere à questão da alegada irregularidade
processual invocada pelo recorrente, negou provimento ao recurso e confirmou a
decisão recorrida.
4. Conclusos os autos em 16 de Novembro, determinou o relator que os mesmos
aguardassem “por oito (8) dias findos os quais os autos me sejam feitos
conclusos”. Apresentou, então, o recorrente, em 23 de Novembro de 2006, via fax,
o seguinte requerimento:
“[...] vem invocar a nulidade do acórdão, nos termos da alínea c) do n.º 1 do
art. 379.º do CPP, ex vi do n.º 4 do art. 425.º do mesmo Código, ou, transigindo
sem consentir, interpor recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, nos
termos e com os fundamentos seguintes:
I – DA NULIDADE DO ACÓRDÃO
Tendo sido notificado, via telefax expedido em 31/10/2006, do Douto despacho de
fls. 447, da mesma data, a designar a audiência do presente recurso para o dia
7/11/2006, pelas 16 horas, veio o recorrente, pelo requerimento junto aos autos,
expedido em 3 de Novembro pp., por correio registado, invocar a irregularidade
processual prevista nos termos das disposições conjugadas do n.º 4 do art. 312.º
e n.º 5 do art. 423.º, ambos do CPP, por preterição da concertação do
agendamento da data da diligência com o mandatário do recorrente.
Para tanto, invocou o recorrente:
«[...]»
Acontece que, o recorrente não foi notificado de qualquer decisão que tenha
recaído sobre a invocada irregularidade processual, tendo verificado, com a
notificação do Douto acórdão proferido em 7 de Novembro de 2006, que a audiência
se realizou naquela data, tendo havido lugar à prolação do acórdão.
Deste modo, verifica-se que esse Venerando Tribunal não se pronunciou sobre a
irregularidade processual oportuna e tempestivamente arguida, cuja decisão, em
caso de deferimento, determina, nos termos do art. 123° do CPP, a invalidade do
acto de notificação da data designada para a audiência e dos termos
subsequentes.
A omissão de pronúncia invocada determina a nulidade do acórdão, nos termos da
alínea c) do n.º 1 do art. 379.º do CPP, ex vi do n.º 4 do art. 425.º do mesmo
Código, porquanto, não tendo sido oportunamente notificada ao recorrente, isto
é, em data anterior à realização da audiência, qualquer decisão sobre a invocada
irregularidade processual, que se presume não ter sido tomada por esse Venerando
Tribunal, deveria, em limite, a questão ter sido objecto de decisão expressa no
douto acórdão proferido, o que, no entanto, não sucedeu.
Não se encontrando consagrada em processo penal a figura do indeferimento
tácito, tal não pode ser presumido in casu, pelo que, resulta comprovado que o
Tribunal deixou de pronunciar-se sobre uma questão que devia apreciar, o que
consubstancia a nulidade do acórdão, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.
379.º do CPP, ex vi do n.º 4 do art. 425.º do mesmo Código, que se invoca para
os devidos e legais efeitos.
II – DO RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
Caso assim se não entenda, o que se admite por mera hipótese mas não se concede,
interpõe-se recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, nos termos da
alínea b) do n.º 1, dos n.ºs 2, 3 e 5 do art. 70.º e dos arts. 71.º e segs.,
todos da Lei n.º 28/82 de 15 de Novembro, na redacção introduzida pela Lei n.º
13-A/98 de 26 de Fevereiro, rectificada pela Decl. de Rect. n.º 10/98 de 23 de
Maio, do Douto acórdão proferido nos autos, com os seguintes fundamentos:
1. Como resulta da transcrição supra do requerimento junto aos autos, expedido
em 3 de Novembro p.p., por correio registado, a invocar a irregularidade
processual prevista nos termos das disposições conjugadas do n.º 4 do art. 312.º
e n.º 5 do art. 423.º, ambos do CPP, por preterição da concertação do
agendamento da data da diligência com o mandatário do recorrente, foi aí
suscitada, nos termos da alínea b) do n.º 1 do art. 70.º da Lei n.º 28/82 de 15
de Novembro, a inconstitucionalidade da norma prevista no art. 421.º do CPP,
quando interpretada e aplicada como nos presentes autos, ou seja, por não
considerar aplicáveis à marcação da audiência dos recursos aquelas disposições
do CPP e, consequentemente, por não ter sido deferida tal irregularidade
processual oportunamente invocada, que determina a invalidade dos termos
processuais subsequentes – a audiência realizada e o Douto acórdão proferido nos
autos.
2. Para tanto, o recorrente fundamentou a invocada inconstitucionalidade por
violação dos princípios do acesso ao direito, à tutela jurisdicional efectiva e
das garantias do processo criminal, respectivamente consagrados nos arts. 20.º e
32.º da Constituição da República Portuguesa.
3. Efectivamente, entende o recorrente que a concertação do agendamento da data
da audiência com o mandatário do arguido, prevista no n.º 4 do art. 312.º do
CPP, é aplicável, por identidade de razão, às audiências dos recursos, por força
do n.º 5 do art. 423.º do mesmo Código, uma vez que tais normas consubstanciam a
consagração na lei ordinária dos direitos dos cidadãos se fazerem acompanhar por
advogado perante qualquer autoridade e de escolherem defensor e por ele serem
assistidos em todos os actos do processo, previstos no n.º 2 do art. 20.º e no
n.º 3 do art. 32.º da Constituição da República Portuguesa.
4. Todavia, nos presentes autos não foi perfilhada tal interpretação e aplicação
do direito, uma vez que esse Venerando Tribunal, não só não se pronunciou sobre
a arguida irregularidade processual, como determinou, nos termos do art. 421.º
do CPP, a realização da audiência de recurso e proferiu o Douto acórdão sob
recurso, na ausência do mandatário do recorrente, o que, salvo o devido
respeito, consubstancia a invocada inconstitucionalidade da interpretação e
aplicação daquela norma do CPP.
5. Nestes termos, por estar em tempo, ter legitimidade e não caber recurso
ordinário do Douto acórdão proferido nos autos, ex vi da alínea e) do n.º 1 do
art. 400.º do CPP, interpõe-se o presente recurso para o Tribunal
Constitucional, de harmonia com as citadas disposições legais.
Termos em que, deve ser julgada procedente e suprida a arguida nulidade da
decisão proferida nos autos, ou, transigindo sem consentir, ser admitido o
recurso para o Venerando Tribunal Constitucional, [...]”
5. Em 12 de Dezembro de 2006, foi proferido, no Tribunal da Relação de Évora, um
acórdão com o seguinte teor:
“[...] No âmbito dos presentes autos de recurso foram os autos enviados do Exm.º
Presidente da secção criminal para que designasse data para a realização da
Audiência. Vindo-se, para o efeito, designar o dia 31 de Outubro de 2006, pelas
15 horas.
Notificado que foi o mandatário do arguido e aqui recorrente, veio, no seu
seguimento, arguir irregularidade processual, por preterição da concertação do
agendamento da data da diligência com o mandatário do recorrente, prevista nos
termos das disposições conjugadas do n.º 4, do art.º 312º, n.º 5 do art.º 423º,
ambos do C.P.P.
Por falta do Desembargador relator foi, pelo Exm.º Presidente da Secção Criminal
transferida a audiência para o próximo dia 7 de Novembro, pelas 16 horas.
Novamente o mandatário do arguido/ora reclamante veio apresentar requerimento em
tudo igual ao anteriormente apresentado.
Cumpre apreciar e decidir.
Conforme resulta do estatuído no art.º 312º, n.º 4, do Cód. Proc. Pen. se no
Processo existir advogado constituído, o Tribunal deve diligenciar pela
concessão – digo – concertação da data para audiência , de modo a evitar o
conflito com a marcação de audiência, por acordo feita ao abrigo do abrigo 155º
do Código de Processo Civil.
Por sua vez, o art.º 155º, n.º 1, do Cód. Proc. Civ., vem referir que a fim de
prevenir o risco de sobreposição de datas de diligências a que devam comparecer
os mandatário judiciais, deve o juiz providenciar pela marcação de dia e hora da
sua realização mediante prévio acordo com aqueles, podendo encarregar a
secretaria de realizar, de forma expedita, os contactos prévios necessários.
Trata-se neste inciso normativo da consagração do princípio da cooperação entre
juízes e os mandatários.
Porém, quando a marcação não possa ser feita nos termos do número anterior,
devem os mandatários impedidos em consequência de outro serviço judicial já
marcado comunicar o facto ao Tribunal, no prazo de 5 dias, propondo datas
alternativas, após contacto com os restantes mandatários interessados – n.º 2,
do art.º 155º do Cód.Proc. Civ.
O que quer significar que o princípio da cooperação não se mostra obrigatório só
para o Juiz, como também para o mandatário.
Se marcada, unilateralmente, pelo Sr. Juiz Presidente da Secção a data para a
realização da audiência, verificando o seu impedimento para nela estar presente,
ao mandatário impunha-se que, em obediência a tal principiologia, tal viesse
comunicar e propusesse datas alternativas.
Se o Sr. Juiz violou o princípio da cooperação, não o terá também, violado o Sr.
Advogado ?
Vir após tal actuação, invocar a irregularidade da actuação do Tribunal ao
abrigo do disposto no art.º 123º do Cód.Proc. Pen., não deixa de configurar uma
situação de um “venire contra factum próprio”.
Mas, salvo melhor opinião, a questão deve ser colocada num outro plano.
O art.º 312º, n.º 4 do C.P.P. mostra-se sistematicamente integrado no Livro VII,
que versa sobre o julgamento, Título I, que regula os actos preliminares.
O art.º 421º do mesmo diploma adjectivo – que trata dos actos preliminares à
audiência, em sede de recurso, não remete para o art.º 312º, n.º 4, ou para
qualquer outra disposição atinente à preparação da audiência.
A letra da Lei é clara, a respeito.
Por sua vez, o art.º 425º do C. P. P..- sob a epígrafe audiência – diz no seu
n.º 5 que são subsidiariamente aplicáveis as disposições relativas à audiência
do julgamento em primeira instância.
E não se pode aí estar a referir ao art.º 312º, nº 4 porquanto este normativo é
prévio à realização da audiência.
O art.º 423º versa, e tão só, sobre os trâmites a seguir e após o Presidente ter
declarado aberta a audiência - seu n.º 1.
O que impõe a conclusão que o n.º 5 do art.º 423º se está a referir às
disposições relativas à publicidade da audiência e sua disciplina, direcção dos
trabalhos, condutas das pessoas que a ela assistem ou nela intervêm,
continuidade, contraditoriedade, como bem o salientam S.Santos e Leal Henriques,
in “Código de Processo Penal Anotado”, Vol. II, págs 890.
O art.º 312º, n.º 4 do Cód. Proc. Pen. é, pois, inaplicável em sede de recurso.
O que se entende por a audiência em sede de recurso não tem a natureza – ao
nível da prova – que assume a realizada em primeira instância e as
possibilidades de adiamento que esta reveste.
Não se olvide que a audiência em sede de recurso redunda, no fundo, numa mera
formalidade.
A motivação encontra-se realizada e já foi analisada pelo Tribunal no exame
preliminar, pelo menos, e nela o recorrente vazou toda a sua defesa; não podendo
ser alterada.
Por sua vez, o objecto do recurso mostra-se fixado pelas conclusões; que também
não podem ser alteradas.
Sob pena de se repetir tudo o que já se teceu anteriormente, só em casos
excepcionais a audiência poderá ser inovadora. (cfr. Prof. Germano Marques da
Silva, in “Curso de Processo Penal”, Vol. III, págs. 361-362).
Face ao que vem sendo tecido não se vislumbra onde possa estar afectado o
direito de defesa do arguido/recorrente – art.º 20.º e 32.º, n.º 1, da C.R.P.
Quando é certo que foi o recorrente que obstaculizou uma nova data de marcação
se a tivesse indicado.
(Pois, por certo, com essa indicação, o Tribunal sempre faria funcionar tal
principiologia e marcou nova data).
Ademais, é o mandatário que, por duas vezes refere – simplesmente –
indisponibilidade; embora sem a especificar, n.º 2 do art.º 155º do C.P.P.
Razão para se concluir pelo não cometimento de qualquer irregularidade ou que se
patenteie nos autos qualquer inconstitucionalidade.
O S.T.J. em aresto datado de 30.10.96, no Proc. n.º 46975-3, analisando e
pronunciando-se sobre o teor do art.º 421º do C.P.P. veio concluir pela
constitucionalidade do aludido preceito.
O comportamento do arguido – seu mandatário nestes autos – e sempre que se
designou data para a realização da audiência, por duas vezes, veio tentar
obstaculizar à sua realização – é denotador de uma boa resistência ao andamento
regular do processo.
Mais concretamente, é impedidor que o acórdão entretanto publicado, possa
transitar em julgado.
E que, em momento anterior à sua publicação, esta tivesse lugar.
Convém recordar que se mostram transcorridos mais de 8 anos desde a data da
prática dos factos e se trata de um crime já de boa gravidade.
Assim sendo, nenhum outro caminho se afigure viável que não seja, nos termos do
art.º 720.º, n.º 2 do Cód. Proc. Civ., aplicável “ex vi” do art.º 4º do Cód.
Proc. Pen., ordenar a remessa dos autos à 1ª Instância para execução e o(s)
incidente(s) prosseguirem em traslado, para o efeito, a extrair. [...]
Termos são em que Acordam:
1 - Indeferir o pretendido pelo recorrente;
2 - Ordenar se remetam os actos à Primeira Instância para execução do decidido;
3 - Ordenar a passagem de traslado para prossecução do(s) incidentes(s).[...]”
6. Em 19 de Dezembro de 2006, foi proferido despacho a admitir o recurso para o
Tribunal Constitucional que havia sido interposto em 23 de Novembro de 2006,
tendo os autos sido remetidos a este Tribunal a 20 de Dezembro de 2006.
7. Neste Tribunal, o relator proferiu, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo
78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei
n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento
do objecto do recurso. É o seguinte, na parte agora relevante, o seu teor:
“Importa, antes de mais, decidir se pode conhecer-se do objecto do recurso, uma
vez que a decisão que o admitiu não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. art.
76º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional - LTC). Vejamos.
Como o Tribunal tem repetidamente afirmado, o recurso previsto na alínea b) do
nº 1 do artigo 70º da LTC só pode ser interposto de decisão definitiva que tenha
aplicado, como ratio decidendi, a norma cuja constitucionalidade o recorrente
pretende ver apreciada. Ora, no caso do presente recurso, é manifesto que não
foi isso que aconteceu.
Com efeito, o recurso de constitucionalidade que foi admitido e está agora para
ser decidido vem interposto do acórdão, proferido em 7 de Novembro de 2006, que
se limitou a, conhecendo do mérito do recurso que havia sido interposto da
decisão condenatória proferida em 1ª Instância, concluir pela sua improcedência,
nunca referindo, sequer, os preceitos cuja constitucionalidade o recorrente
pretende ver apreciada [relativos à questão da (des)necessidade de prévia
concertação da data da audiência com o mandatário do arguido]. Por outro lado,
compulsados os autos, verifica-se que é apenas no acórdão proferido em 12 de
Dezembro de 2006 - que não é objecto do presente recurso - que a Relação de
Évora, chamando à colação os preceitos cuja constitucionalidade o recorrente
agora pretende ver apreciada, se pronuncia sobre a alegada irregularidade
processual, por preterição da concertação do agendamento da data da diligência
com o seu mandatário, invocada pelo recorrente no requerimento junto aos autos
(a fls. 462 a 464 do processo principal) após a prolação daquele acórdão de 7 de
Novembro de 2006, concluindo pela inexistência dessa irregularidade.
Em face do exposto, torna-se evidente que não se pode conhecer do objecto do
presente recurso, já que não está presente, pelo menos, um dos seus pressupostos
de admissibilidade, a saber: ter a decisão recorrida aplicado, como ratio
decidendi, a(s) norma(s) cuja constitucionalidade vem questionada.”
8. Inconformado, veio o recorrente, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, nº 3,
da LTC, reclamar para a Conferência, suscitando duas questões prévias e
sustentando, no essencial, que, “no acórdão de 7/11/2006, o Tribunal a quo
perfilhou a aplicação do direito que o ora reclamante reputa inconstitucional”.
Fá-lo afirmando, nomeadamente, o seguinte:
“I- QUESTÕES PRÉVIAS E PREJUDICIAIS
O presente recurso subiu a esse Venerando Tribunal Superior no traslado passado
indevidamente pelo Tribunal a quo.
Na realidade, o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/12/2006,
reproduzido a fls. 63 a 65 da D. decisão sumária objecto desta reclamação, que
ordenou a passagem do traslado, no qual veio a ser admitido o presente recurso,
não transitou em julgado.
Pois, do referido acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12/12/2006, foi
interposto recurso para esse Venerando Tribunal Constitucional, via telecópia
expedida em 3 de Janeiro p.p., nos termos do qual, o ora recorrente suscitou a
inconstitucionalidade da aplicação do n.° 2 do art. 7200 do CPC, ex vi do art.
4º do CPP, aos presentes autos, tal como perfilhada naquele acórdão do Tribunal
da Relação de Évora, de 12/12/2006, que obsta ao trânsito em julgado dessa
decisão, nomeadamente, à ordem de remessa dos autos principais à Primeira
Instância para execução do decidido e à ordem de passagem do traslado, no qual o
presente recurso subiu.[...]
Em resultado da inadvertida subida do presente recurso no traslado, antes do
trânsito em julgado do acórdão, de 12/12/2006, do Tribunal da Relação de Évora
que determinara a sua passagem, conforme ficou demonstrado, verifica-se que o
recurso interposto em segundo lugar pelo ora reclamante para esse Venerando
Tribunal Constitucional, nos termos do qual, suscitou a inconstitucionalidade da
aplicação do n.º 2 do art. 720° do CPC, ex vi do art. 40 do CPP, aos presentes
autos, tal como perfilhada naquele acórdão do Tribunal da Relação de Évora e que
obstou ao trânsito em julgado da ordem de passagem do traslado, no qual o
presente recurso subiu, constitui questão prejudicial em relação ao presente
recurso, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.
[...]
[...] o ora reclamante suscitou a prescrição do procedimento criminal objecto
dos presentes autos.
Assim, a acrescer ao prazo prescricional de sete anos e meio (cinco anos,
acrescidos de metade), deve considerar-se um período de suspensão de nove meses,
menos um dia, o que perfaz um total de oito anos e três meses, menos um dia.
Pelo que, considerando que desde a data dos factos - 8 de Setembro de 1998 — até
à data do Douto acórdão de 12 de Dezembro de 2006 (que indeferiu a
irregularidade processual invocada pelo arguido e que dá causa ao presente
recurso), decorreram oito anos, três meses e quatro dias, verifica-se que, à
data da prolação do aludido acórdão já se encontrava integralmente transcorrido
o prazo prescricional.
Consequentemente, deve o procedimento criminal ser considerado extinto, por
prescrição. [...]
II- DA RECLAMAÇÃO
Na Douta decisão sumária proferida pelo Exmo. Conselheiro Relator a quem foram
distribuídos os presentes autos de recurso, concluiu-se pelo não conhecimento do
recurso, supostamente por a decisão recorrida não ter aplicado como ratio
decidendi as normas cuja inconstitucionalidade vem questionada.
Ora, salvo o devido respeito, o ora reclamante discorda da decisão do Exmo.
Conselheiro Relator, pugnando pelo conhecimento do presente recurso.
Aliás, da brilhante síntese dos factos constante do Relatório da Douta decisão
sumária objecto da presente reclamação, resulta o contrário do decidido, isto é,
na decisão do Tribunal da Relação de Évora recorrida foi efectivamente aplicada
a norma cuja constitucionalidade foi suscitada.[...]
Deste modo, ao Tribunal a quo restavam apenas duas soluções alternativas a
perfilhar na decisão que veio a tomar em 12/12/2006:
- ou reconhecia a nulidade do acórdão de 7/11/2006, atenta a invocada omissão de
pronúncia sobre a questão da irregularidade processual e da aplicação
inconstitucional do direito e proferia outra decisão em substituição daquela,
sanando o vício arguido;
- ou, como veio a fazer, indeferia a nulidade do acórdão, o que implica
necessariamente o reconhecimento de que não houve omissão de pronúncia no
acórdão de 7/11/2006 sobre a questão de constitucionalidade invocada pelo ora
reclamante.
Por conseguinte, o Tribunal a quo veio, na decisão de 12/12/2006, confirmar que
o acórdão de 7/11/2006, objecto do presente recurso de constitucionalidade, tem
como ratio decidendi a seguinte aplicação do direito: a preterição da
concertação do agendamento da data da diligência de 7/11/2006 com o mandatário
do recorrente, nos termos das disposições conjugadas do n.° 4 do art. 3120 e n.°
5 do art. 423°, ambos do CPP, não consubstanciou uma interpretação e aplicação
inconstitucional do direito, por violação dos princípios constitucionais
consagrados nos arts. 20° e 32° da Constituição da República Portuguesa. [...]
Como tal, salvo o devido respeito, não colhe o argumento plasmado na D. decisão
sumária, sob reclamação, de a questão da constitucionalidade objecto deste
recurso não ter sido conhecida no acórdão do Tribunal a quo de 7/11/2006, mas
tão-só no acórdão desse Tribunal de 12/12/ 2006.
É que, em bom rigor, para tanto, o Exmo. Conselheiro Relator considera que o
requerimento expedido por correio registado em 3/11/2006 (e não em 6/11/2006) a
suscitar novamente a questão da irregularidade processual por preterição da
concertação do agendamento da data da diligência com o mandatário do recorrente
e a invocar a interpretação e aplicação inconstitucional do direito por parte do
Tribunal a quo, por violação dos princípios constitucionais consagrados nos
arts. 200 e 32° da Constituição da República Portuguesa, “(...) só foi junto aos
autos em 7 de Novembro, após a prolação do acórdão sobre o recurso interposto.”
Ora, transigindo sem consentir, essa situação, do desconhecimento do ora
reclamante, sempre se deveria a erro e a lapso grosseiros da secção de processos
do Tribunal a quo, pelo que nunca poderia ser imputada em prejuízo do
reclamante. No entanto, o acórdão de 12/12/2006 veio comprovar, ao contrário da
interpretação perfilhada pelo Exmo. Conselheiro Relator, que o acórdão de
7/11/2006, objecto do presente recurso de constitucionalidade, teve como ratio
decidendi que a preterição da concertação do agendamento da data da diligência
de 7/11/2006 com o mandatário do recorrente, nos termos das disposições
conjugadas do n.° 4 do art. 312° e n.° 5 do art. 423°, ambos do CPP, não
consubstanciou uma interpretação e aplicação inconstitucional do direito, por
violação dos princípios constitucionais consagrados nos arts. 20° e 32° da
Constituição da República Portuguesa.
Face ao exposto, reputa-se demonstrado que, no acórdão de 7/11/2006, o Tribunal
a quo perfilhou a aplicação do direito que o ora reclamante reputa
inconstitucional, razão pela qual, deve a presente reclamação ser deferida e
ordenado o prosseguimento dos ulteriores termos processuais para conhecimento
dos presentes autos de recurso.
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o mui Douto suprimento de
V.Exªs, Venerandos Conselheiros: - requer-se que seja ordenada ao Tribunal a quo
a remessa a esse Venerando Tribunal Constitucional dos autos principais, depois
de conhecidas as questões prévias e prejudiciais invocadas — v.g. a
admissibilidade do recurso interposto em 3/01/2007 para esse Venerando Tribunal
e a prescrição do procedimento criminal — a fim de o presente recurso poder ser
julgado adequadamente.
ou,
- deve a presente reclamação ser atendida e determinar-se a substituição da
decisão sumária proferida nos autos por uma decisão que, de harmonia com o
disposto no n.° 5 do art. 78°- A da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, na
redacção que lhe foi dada pela Lei n.° 13-A/98, de 26 de Fevereiro, ordene o
conhecimento do objecto do recurso e o respectivo prosseguimento, com o que se
fará JUSTIÇA!
9. Notificados os reclamados, o Ministério Público veio sustentar que “a
presente reclamação é manifestamente improcedente”, não competindo ao Tribunal
apreciar a pretensa prescrição do procedimento criminal”, nem sindicar “a
tramitação do processo perante o Tribunal «a quo»” e sendo “evidente a sua falta
de fundamento, já que em nada abala a «ratio decidendi» da decisão
reclamada[...]”.
Dispensados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
III – Fundamentação
10. Com a presente reclamação o reclamante começa por suscitar, no essencial,
duas questões prévias: a da subida intempestiva do recurso, que terá provocado
uma decisão prematura, e a da prescrição do procedimento criminal.
Quanto à primeira, o Tribunal entende que a decisão de extrair traslado (cuja
bondade lhe não cabe apreciar), nos termos do artigo 720º, n.º 2, do Código de
Processo Civil, bem como, aliás, de acordo com o disposto no n.º 8 do artigo 84º
da Lei do Tribunal Constitucional, na medida em que é proferida para obstar a
uma tentativa de bloqueio, por parte de um requerente, de uma decisão entretanto
prolatada e para permitir que os autos prossigam os seus termos, não pode deixar
de ter efeitos imediatos. Isso mesmo resulta, aliás, do Acórdão n.º 256/2000,
onde se afirmou: “[...] impõe-se que o Tribunal deixe claro, antes de mais, que,
como decorre do que preceituam os artigos 720º do Código de Processo Civil e
84º, nº 8, da Lei do Tribunal Constitucional, apenas se manda tirar traslado com
vista a só decidir um incidente suscitado depois da prolação da decisão uma vez
pagas as custas, quando, com esse incidente, o requerente pretende evitar o
cumprimento do julgado ou a baixa do processo, ou obstar ao trânsito em julgado
da decisão proferida. E, por isso, verificando-se a situação prevista nos
citados preceitos legais, tirado o traslado, o processo é imediatamente contado
e remetido ao tribunal recorrido, já que a decisão proferida nos autos transita
de imediato em julgado.” Sendo certo que uma tal interpretação normativa nada
tem de censurável do ponto de vista constitucional, como se demonstrou com os
fundamentos da decisão sumária acolhida no acórdão n.º 547/2004 e retomados no
acórdão n.º 505/2006. Assim sendo, não há que considerar prematura a decisão
sumária ora reclamada, ao contrário do que pretende o reclamante.
Quanto à questão da alegada prescrição, apenas há que constatar que, não
competindo a decisão da mesma a este Tribunal e estando já proferida nos autos
decisão sobre o recurso de constitucionalidade - a decisão sumária ora reclamada
-, será uma tal questão decidida pelo tribunal competente quando e se for caso
disso.
11. Entende, por fim o reclamante que “no acórdão de 7/11/2006, o Tribunal a quo
perfilhou a aplicação do direito que o ora reclamante reputa inconstitucional”.
Basta, porém, ler tal acórdão para verificar que não assiste ao reclamante
qualquer razão. O acórdão recorrido nem sequer se pronunciou sobre tal
irregularidade. Tal veio apenas a acontecer, como claramente se constata ao ler
o texto supra transcrito, no acórdão de 12 de Dezembro de 2006, que, decide a
questão da alegada irregularidade processual e determina “a passagem de traslado
para prossecução do(s) incidentes(s)” (itálico aditado).
Assim sendo, reiterando as razões constantes da decisão reclamada, que em nada
são abaladas pela reclamação apresentada, há que confirmar o julgamento que
naquela se formulou no sentido da impossibilidade de conhecer do objecto do
recurso
III – Decisão
Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência,
confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 25 (vinte e cinco)
unidades de conta.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 2007
Gil Galvão
Bravo Serra
Artur Maurício